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OS GREGOS E O IRRACIONAL § escuta Oi $re$oi e o irracional foi pu blicado pela Califórnia University Press, em 19 5 0 e, a partir daí, se tornou um texto helenista clássi co de grande im portância não só para os e s tud iosos da Grécia Antiga, m as tam bém para todo aquele que se in te re ssa pelos m is té r ios da alma (patine) do humano. Os gregos eram realm ente tão cegos assim para a importân cia de fatores não racionais na experiência e no comportamento hum anos, como adm item nor malmente tanto seus defensores quan to seu s críticos? Eis a questão a p a r t ir da qual este livro foi desenvolvido. Aquilo a que se propõe é lançar luz sobre o problema, através de um reexa- me de certos aspectos relevantes da experiência religiosa grega apresentando os fatos em termos inteligíveis ao não especialista. No primeiro capítulo discute a in te rp re tação hom érica dos elementos irracionais presentes no com portam en to humano, entendidos como “in tervenção psíquica” — um a interferência na vida humana por meio de agentes não hum anos que in troduzem algo no homem e, deste modo, influenciam seu pensam ento e conduta. No segundo, t r a ta de a lg u m as das novas formas a ssu m id a s por e ssa s m esm as idéias homéricas ao longo da era arcaica, utilizando as expressões “cultura da vergonha" e “cultura da culpa" como ró tu los para descrever as duas a titudes em OS GREGOS E O I R R A C I O N A L ~ |E.R. D o d d s T r a d u ç ã o d e P a u l o D o m e n e c h O n e t o d > escuta © by Editora Es tula para edição em língua portuguesa Titulo original: The Greeks and lhe Irrational ' University o f California Press Ia edição: junho de 2002 E d it o k íís Manoel Tosta Berlinde Maria Cristina Rios Magalhães Capa Daniel Trench e Renato Almeida Prado, a partir de Torse d'hom m e, 440 a.C. (do acervo do Museu do Louvre} Produção Editor ¡al Araide Sanches Catalogação na Fonte do Dcpto. Nacional do Livro D642g Dodds, E.R. Os gregos e o irracional / E.R. Dodds: tradução de Paulo Dom enech Oneío - São Paulo : Escuta, 2002. 336 p. ; 14x21 cm. ISBN 85-7137-199-7 1. Psicanálise. 2. Gregos. 1. O neto, Paulo Domenech C D D -150.195 Editora Escuta Llda. Rua Dr. Homem de M ello, 351 05007-001 São Paulo, SP Telefax: ( 11 ) 3865-8950 / 3 6 7 5 -1190 / 3672-8345 e-mail: escula@ uol.com .hr S u m á r io Prefácio ...........................................................................................................5 I A apologia de A gam enón...................................................................9 II Da cultura da vergonha à cultura da c u lp a .................................. 35 III As bênçãos da lo ucu ra ..................................................................... 7 ¡ IV Padrão de sonhos e padrão de c u l tu ra ..................................... 107 V Os xamãs gregos c a origem do puritan ism o.......................... 139 VI Racionalismo e reação na Idade C láss ica ................................ 181 VII Platão, a alma irracional e a “herança conglomerada” ........ 209 VIII O medo da l iberdade.................................................................... 237 Apêndice I: M enadism o........................................................................271 Apêndice II: Teurgia.................. ........................................................ 285 índice remissivo.....................................................................................^ 3 1 5 P r e f á c i o /T ^ lc livro e baseado em uma série de conferências que tive X—j a honra de proferir em Berkeley, no oulono de 1949. Elas se encontram aqui reproduzidas substancialmente como foram com postas, embora de uma forma ligeiramente mais satisfatória do que aquela na qual foram apresentadas. Meu público original incluía mui tos a n t ro p ó lo g o s c d iv e r so s e s tu d io s o s que não p o s su ía m conhecimento especializado a respeito da antiga Grccia, e minha es perança é de que, no formato atual, tais lições possam interessar a um grupo semelhante de leitores. Para tanto, todas as citações gre gas fo ram v i r tu a lm e n te t r a d u z id a s , e p rocu re i o p e ra r um a translileração dos mais importantes termos gregos sem equivalente na língua inglesa. Abstive-me ainda, tanto quanto possível, de sobre carregar o texto com argumentos controversos sobre detalhes, o que poderia significar pouco para leitores não familiarizados com os pon tos de controvérsia. Também procurei não complicar o tema principal com uma investigação em torno de questões paralelas, o que parece ser uma tentação para o pesquisador profissional. Uma seleção des ses assuntos pode ser encontrada nas notas de pé de página, nas quais indico, de maneira breve, os fundamentos das idéias que tento pro por - sempre que possível através de uma referência a fontes antigas ou discussões modernas e, quando necessário, por meio de argumen tação detalhada. Ao leitor sem formação clássica, cabe-me advertir para que não trate o livro como uma história da religião grega, ou mesmo como uma história de suas idéias e sentimentos religiosos. Caso contrário ele estará cometendo um grave equívoco. A obra é um estudo das sucessivas interpretações que as mentes gregas deram a um tipo par- 6 Os GRHCiOS E O IRRACIONAL ticular de experiencia humana - urna experiencia pela qua! o racio nalismo do século XIX se interessou pouco, mas cujo significado cultural c em nossos dias amplamente reconhecido. Os fatos aqui tra zidos à luz ilustram um importante, e de certo modo desconhecido, aspecto do mundo mental da Grécia antiga. Mas um aspecto não deve ser confundido com o todo. Aos meus colegas de profissão eu talvez deva alguma satisfa ção pelo uso que fiz, cm vários momentos, de teorias e trabalhos dc psicologia e antropologia. Em um mundo de especialistas, sei que tais empréstimos vindos de outras disciplinas são geralmente recebi dos com apreensão e desagrado. Sei que os entendidos no assunto me lembrarão, em primeiro lugar, que “os gregos não eram selva gens” ; e em segundo que neste, até certo ponto, novo campo de estudos, as verdades aceitas hoje podem se tomar erros a serem des cartados amanhã. Ambas as afirmações são corretas. Porem, em resposta à primeira delas, basta talvez citar a opinião de Lévy-Bruhl de que “em todo espírito humano, qua lquer que seja seu desenvol vimento intelectual, subsiste um fundo inextirpável de mentalidade primitiva". Ou ainda, no caso de antropólogos sem formação clássi ca serem considerados suspeitos, resta a opinião do professor Nilsson de que o termo “mentalidade primitiva e uma fiel descrição do com portamento da maior parte da população de hoje em dia, exceto em atividades técnicas e conscientemente intelectuais.” Por que então deveríamos atribuir uma espécie de imunidade aos gregos amigos com relação a tais modos “primitivos” de pensamento? Quanto ao segundo ponto, cabe dizer que muitas das teorias às quais me refiro são assumidamente provisórias e incertas. Mas se es tamos tentando atingir alguma compreensão das mentes gregas - sem nos contentarmos em descrever seu comportamento aparente ou em traçar uma lista dc suas “crenças” - devemos utilizar toda a luz dis ponível. E uma luz incerta é melhor do que nenhuma. O animismo de Tylor, o “mágico-vegetativo” de Mannhardl, os “espíritos anuais” de Frazer, os “mana” de Codrington, todos serviram em seus dias para iluminar pontos obscuros de Leoria. É certo que eles também estimu laram muitas considerações apressadas. Mas podemos confiar no tempo e nos críticos para lidar com tais considerações - a luz per manece. E se vejo aqui uma boa razãopara ser cuidadoso ao aplicar aos gregos generalizações baseadas em fatos não gregos, nada vejo PRBFÁCII) 7 que me leve a isolar o estudo da Grecia do resto. Beni menos passí vel de justificação é o fato de que alguns estudiosos clássicos continuam a trabalhar com conceitos antropológicos obsoletos, ig norando as direções novas que estes estudos têm tomado nos últimos trinta anos - como, por exemplo, a aliança recente e promissora que se estabeleceu entre antropologia e psicologia social. Se a verdade está além de nosso alcance, devemos ainda preferir os erros de ama nhã aos erros de ontem. Porque o erro nas ciências é apenas um outro nome para a aproximação da verdade. Resta, enfim, expressar minha gratidão àqueles que ajudaram na confecção deste livro: em primeiro lugar à University o f Califor nia por ter me levado a escrevê-lo; a Ludwig Edelstein, W. C. Guthrie, I. M. Linforth e A. D. Nock que leram partes ou a íntegra do texto datilografado, dando-me valiosas sugestões; e finalmente a Harold A. Small, W. H. Alexander e outros na University o f California Press que se deram tanto trabalho na preparação do texto para impressão. Devo também agradecer ao professor Nock e ao C ouncil o f the Roman Society pela permissão de reimprimir, sob a forma dc apên d ices , dois a r t igos p u b l ic a d o s r e s p e c t iv a m e n te na H a rva rd Theological Review e no Journal o f Roman Studies, alcm do Council o f the Hellenic Society pela permissão de reproduzir algumas pági nas de um artigo publicado no Journal o f Hellenic Studies. E. R. Dodds Oxford, Agosto de 1950 A a p o l o g i a d e A g a m e n ó n I Os reflii.vox do sentim ento, a s m ais o bs c ti m s e encobe rnis vainadas do c a rá te r - e is o s únicos lugares do inundo etn que po d em o s ca p ta r o fa ro rea! no seu p ro cesso de constitu ição. W illiam James T e s ta v a eu, há alguns anos. no Museu Britânico, observando J J jf as esculturas do Partenon, quando um jovem se aproximou dc mim C disse com ar preocupado: “Sei que é algo horrível de cun- Iessai; mas cslas coisas gregas não me comovcm nem um pouco.” Retruquei que aquilo era mesmo mui 10 interessante - e se afinal de contas ele poderia explicar as razões de sua indiferença. Ele refletiu por um ou dois minutos e respondeu: “Bem. não sei se o senhor me entende, mas tudo é tão extremamente racional...” Creio que o entendia. O que o jovem rapaz estava dizendo era apenas algo que já havia sido dito antes, de modo mais articulado, por Roger F ry 'c outros. Para uma geração cuja sensibilidade havia sido treinada nas artes africana e asteca, c através dc obras de ho mens como Modigliani e Henry Moore, a arte dos gregos - c a cultura grega em geral - é mesmo propícia a se mostrar destituída" dc certa consciência do mistério, e de uma capacidade para pene trarem níveis mais profundos e inconscientes da experiência Humana. O fragmento de conversação acima acabou se fixando cm mi nha mente c me pôs a refletir. Os gregos eram realmente tão cegos assim para a importância_,dc latores~11 ao racionais na ç xpcrLcji^iiTc 110 comportamento humanos, como admitem normalmciUcUinto seus defensores quanto seus críticos? Eis a questão a partir da qual eslc" 1 0 O s OREOOS H ü IRRACIONAL livro foi desenvolvido. Respondê-la por completo envolvería, evi dentemente, um levantamento de todo o empreendimento cultural da antiga Grecia. Mas aquilo a que me proponho é bem mais modesto: tentarei simplesmente lançar luz sobre o problema, através de um reexame de certos aspectos relevantes da experiencia religiosa gre ga. Espero que o resultado possa ser de algum interesse, não apenas para os estudiosos da Grécia, como também para antropólogos e psi cólogos sociais, mas, na verdade, para qualquer pessoa preocupada cm eomprcciidcr as evoluções do comportamento humano. Tentarei portanto, na medida do possível, apresentar os fatos em termos in teligíveis ao não especialista. Começarei por uma consideração a respeito de um aspecto par ticular da re ligião dc Homero. Para os estudiosos clássicos, os poemas homéricos parecerão um mau lugar para procurar algum tipo de experiência religiosa. “A verdade é”, diz por exemplo o profes sor Mazon, em um livro recente, “que nunca houve um poema menos religioso do que a ¡liada."2 isto pode ser visto como um exagero; mas reflete uma opinião que parece amplamente aceita. O professor Murray pensa, por sua vez, que a chamada religião homérica “não é absolutamente uma religião"; já que de seu ponto de vista “a verda deira adoração religiosa grega antes do século IV a.C. quase nunca esteve ligada àquelas luminosas formas o lím picas .” 3 Do mesmo modo, o professor doutor Bowra salienta que “este completo siste ma antropomórfico obviamente não possui nenhuma relação com religião ou moralidade. Semelhantes deuses são uma encantadora e alegre invenção de poetas . '’11 Tudo isso está claro - sc a expressão “verdadeira religião” sig nificar esse tipo dc coisa que os europeus e americanos esclarecidos de hoje reconhecem como sendo religião. Mas se nós restringirmos o significado da palavra de tal maneira, não corremos o risco de su bestimar, ou mesm o de negligenciar totalmente, certos tipos de experiência que nós não mais interpretamos em sentido religioso mas que, não 'obstante, podem.1er estado carregadas de pesada significa ção rcHgiosa cm seu tempo? Meu propósito com esle capítulo não é entrar cm querela com os distintos estudiosos citados por mim, mas -chamar a atenção para um tipo determinado de experiência na obra de Homero - a qual é prima facie religiosa - examinando, em se guida. a psicologia por detrás dela. A a p o l o g i a u t ; A g a m e n ó n Tomemos, como ponto dc partida, a experiencia da tentarão di vina ou louca paixão {ate) que levou Agamenón a compensar a si mesmo pela perda dc sua concubina, através do roubo da concubi na dc Aquiles. “Não fui eu’\ declarava ele mais adiante, “a causa de um tal ato, mas sim Zeus e o quinhão que me cabe, e a Erínia que caminha na escuridão: foram eles que em assembléia colocaram uma selvagem ate em meu entendimento, naquele dia em que eu arbitra riamente tomei dc Aquiles a sua cativa. Ora, o que eu poderia fazer? A divindade terá sempre seus artifícios .” 5 Por influência de leitores modernos impacientes, essas palavras de Agamenón foram às vezes desconsideradas, tomadas como uma mera desculpa esfarrapada ou como uma fuga de responsabilidade. Mas não, no meu modo de ver, para aqueles que lêem a passagem com cuidado. As palavras em questão não são certamente uma fuga de responsabilidade no sentido jurídico, pois ao final de sua fala Agamenón oferece compensação exatamente nessas bases: “Mas uma vez que fui cegado pela ate e que Zeus levou para longe meu dis cernimento, estou disposto a fazer minha paz e conceder abundante com pensação.” '' Tivesse ele agido por vontade própria, não seria nada fácil admitir o erro; nías tal como a situação se apresenta, ele pagará por seus atos. Juridicamente sua posição seria a mesma em ambos os casos, pois a justiça grega dos primordios não se interes sava em nada pelas intenções - era o ato que importava. Tampouco o herói está fabricando dc maneira desonesta um álibi moral, posto que a própria vítima de sua ação adota a mesma visão que ele: “Zeus pai, verdadeiramente grandes foram as atai que Vós impusestes aos homens. Se não fosse assim, o filho de Atrcu nunca teria persistido em despertar o tiutmos [sopro vital, alma] cm meu peito, nem obs tinadamente teria ele tomado a jovem contra a minha vontade .” 7 O leitor poderá pensar que Aquiles está aqui aceitando polida mente uma ficção a fim de com isso salvar a imagem do alto rei. Mas não sc trata disso. Pois já 110livro I, quando Aquiles explica a situação a Tétis, ele faia do comportamento de Agamenón como de sua a te f e no livro VI ele exclama: “Deixe o filho de Atreu seguir rumo à sua surte sem me perturbar, pois Zeus conselheiro o tirou de seu discerní men to !’ ’9 Trata-se da visão de Aquiles tanto quanto a de Agamenón; c nas palavras célebres que inlroduzem a história da Ira - "O plano de Zeus realizado” 1" - temos a forte impressão de que essa e também a visão do poeta. h O S CJRF.GOS B O IRRACIONAL Si; h incidente relatado fosse o único interpretado de modo tão Peculiar pdos personagens dc Homero, nós poderíamos hesitar quan ti aos motivos do poeta - poderíamos, por exemplo, supor que ele tsejasse impedir que a simpatia dos ouvintes do poema por Aga menón desaparecesse inteiramente, ou que ele estivesse tentando | ransmitir alguma significação profunda diante da já indigna quere- entre os dois líderes, como se ela fosse um passo para a realização plano divino. Mas tais explicações não se aplicam a outras pas- S;tgcns era que “os deuses”, “algum deus”, ou o próprio Zeus são ^PresenLados como tendo momentaneamente “tomado”, “destruído” enfeitiçado a capacidade dc discernimento do ser humano, xualqueruma dessas situações poderia, na verdade, ser aplicada ao ‘'•Iso dc Helena, que acaba uma de suas falas mais comoventes c sin g l a s coma afirmação de que Zeus pôs sobre ela e Alexandras uma Predestinação má, “de tal maneira que daqui em diante podemos ser ^ in a de canção para os homens do futuro.” " Quando, porém, so- '^os informados de que Zeus “enfeitiçou a mente dos aqueus” dc loi maque eles lutaram mal, nenhuma consideração a propósito pessoas está cm questão, menos ainda na afirmação geral de que deuses podem tornar o mais sensível dos homens cm insensível ^ trazer o homem dc mente fraca de volta ao bom senso .” 13 E o que y ZCT' por exemplo, de Glauco, cujo discernimento foi retirado por cus de tal maneira que ele fez o que os gregos quase nunca tazem aceitou uma pechincha ruim, arrematando uma armadura dc ouro Por bronze?IJOu ainda, o que dizer de Automedon, cuja loucura dc c ntai representar os papéis de cocheiro e de lançador levaram um ^ n ig o a perguntar “qual dos deuses havia introduzido cm seu peito s^ eu coração) plano tão pouco proveitoso c lhe tomado o excelente Cl'i tendi incuto? ” 14 Está claro que esses dois casos não têm nenhuma c ^nexãocom qualquer propósito divino mais profundo; mas eles nem ^ q u e r podem ser encarados como uma tentativa de reter a simpatia Qs ouvintes do poema já que neles não há nenhuma implicação ,T>oral. A esta altura entretanto, e natural que o leitor possa se pergun- J r se nós estamos lidando com algo mais do que uma simples./áfofj ^ pculer, O poeta p re tende mesmo algo mais do que mostrar que 1 lauco é um tolo em Ia /c r tal negocio? O amigo de Automedon quer esmo lhe dizer algo niais do que: “mas que diabos te levaram a 1 íâir assim?” Talvez não. É lato que as fórmulas hexamétricas - que A a p o l o g i a d e A g a m e n ó n foram artigos de primeira necessidade dos antigos poetas ciiin‘)’.i ram-se facilmente a um tipo de degeneração semiológica que ac.iha por criar uma certa façon de parler. E podemos observar que nem o episódio de Glauco nem a 1'úlil aristeia [heroísmo, valentia) de Au- to m ed o n são partes in teg ran tes do cen tro da tram a, m esm o considerando uma litada “expandida”, ou seja, tais episódios podem muito bem ser adições de última hora.ls Nossa meta, entretanto, é compreender a experiência origina! que jaz na raiz dessas fórmulas estereotipadas - pois mesmo uma simples façon de parler deve ter uma origem. Para tanto, pode ser útil aproximarmos um pouco mais o olhar da natureza da ate e de seus poderes, conforme atribuídos por Agamenón; e desse modo estender a visao a outros tipos de alii- mação que os poetas épicos fazem sobre o comportamento humano. Há um cerlo número de passagens de Homero em que a ação sem sabedoria e justificação é atribuída à ate , ou descrita pelo ver bo cognato aasasthai. sem referência explícita a qualquer interven ção divina. Mas cm Homero 1'1 a ate não é um agente pessoal - as duas passagens que a designam em termos pessoais são claramente peças de alegoria. Nem sequer, dc qualquer modo que seja. a pala vra pode significar, no texto da Iliada, um dcsasLrc objetivo . 17 como é hábito nas tragédias. Sempre, ou quase sempre. a ten c um estado mental - bloqueio temporário ou conlusão em nosso eslado normal de consciência. Trata-se, de fato, de uma situaçao dc insanidade par cial e temporária; e, como toda insanidade, ela c atribuída nao a cau sas lisiológicas ou psicológicas, mas a uma inlcivenção exlctna e “demoníaca” . Já na Odisséia,'- é bem verdade, o excessivo consu mo dc vinho é apontado como causa da ate. Fica todavia implícita a idcia de que ela não pode ser gerada “naturalmente", mas que, ao contrário, há algo de sobrenatural ou dc demoníaco no vinho. Ex cetuando neste caso, os agentes geradores da ate , que quando sur gem especificados, sempre se assemelham a seres sobrenaturais .30 Podemos assim, classificar todas as instâncias não alcoólicas da ate em Homero sob um mesmo título, que proponho chamar “interven ção psíquica”, Sc procedermos a uma revisão dessas instâncias, observaremos que a ate não pode. cm hipótese alguma, ser reduzida obrigatoria mente a um sinônimo de perversidade, nem é mesmo o resultado de um ato perverso. A asserção de Lidell e Scou de que a ate é “envia- 14 O s GREGOS E O IRRACIONAL da sobretudo como uma punição por atos irrefletidos c culpados” é um lanío quanto inverídica no caso dc Homero, Assim, por exem plo, a ate que surpreende Pátroclo depois de atingido por Apoio31 (aqui identificada a uma espécie de confusão e embriaguez) pode ria ser reivindicada como uma dessas instâncias, pois af'irma-se de fato que o personagem tinha conseguido aniquilar os troianos imep aiCTCCV.22 Mas pouco antes, na mesma cena, o ato intempestivo é atri buído à von tade de Zeus c ca rac te r izad o pelo verbo a a a 0 T | [debilitar].3-1 Em outro momento, a ate de alguém como Agástrofo ,2’1 que se distancia para longe demais dc sua carroça e acaba sendo as sassinado, não é uma “punição” por atos irrefletidos, pois é a própria irreflexão que é ate. Ou então ela é o resultado da ate, mas sem en volver nenhuma culpa no sentido moral - trata-se apenas de um inexplicável erro, como a negociação feita por Glauco. Da mesma forma, Ulisses não foi culpado ou desastrado ao adormecer em mo mento inoportuno, dando aos seus companheiros a chance de abater os bois sagrados. Tudo não passou daquilo que denominamos aci dente. Mas para Homero, e para o pensamento dos primordios em geral,35 não existe acidente - Ulisses sabe que seu cochilo foi envia do pelos deuses etç airjV, “para enganá-lo”.126 Tais passagens dão a entender que a ale não possuía originalmente nenhuma conexão com a idéia de culpa. No sentido dc punição, a noção parece ser ou um desenvolvimento tardio (jônio) ou uma importação dc fora da cultu ra grega. Em Homero, o único lugar onde isto aparece de maneira explícita é em uma passagem da litada17em que sc sugere que a idéia pode ser continental, derivada, juntamente com a história de Meléa- gro, de um épico composto na região da mãe do poeta. Mais algumas palavras sobre o que age pela ate. Agamenón menciona não apenas um, mas três de seus responsáveis: Zeus, a tnoira (destino) e a Erfnia que caminha na escuridão (ou de acordo com uma outra leitura, possivelmente anterior: “a Erínia que bebe sangue” ). Destes tres. Zeus é o agente mitológico que o poeta con cebe no caso como o primeiro motor - “O plano de Zeus realizado”. É talvez bastante significativo o fato de que. a nãoser que atribua mos a ate de Pátroclo a Apolo, Zeus seja a única das figuras olímpicas ã qual se credita a ate ao longo da Ufada - ela é alegóri camente descrita como sua irmã mais velha,2'* E no que concerne à M oira, creio que ela é mencionada porque as pessoas, diante dc al- A APOLOGIA DL AGAMENON 15 gum desastre inexplicável, o tomavam como parte dc uni "lote” ou de um “quinhão” que llics cabia, sem buscar um significado milis profundo do que o de não poder compreender o que ocorria. Porém, uma vez que o fato aconteceu, ele evidentemente “tinha que ser". Muitas pessoas ainda falam dessa maneira, sobretudo em se tratan do da morte, para a qual a palavra grega moderna ^ttpa se tornou sinônimo, como o ^topoç no grego clássico. Quanto a mim, estou certo de que e errado escrever Moira com “M” maiúsculo, como se significasse alguma deusa que ditaria o destino a Zeus, ou um “Des tino Cósmico” como no termo helenístico H eimannene. Enquanto deusas, as Moircti aparecem sempre no plural, tanto cm culto quan to na literatura, e com uma duvidosa exceção-' elas não comparecem na Ufada. O máximo que podemos dizer é que tratando a “porção” que lhe cabe como um agente - por considerá-la como responsável pelo que acontece - Agamenón está dando o primeiro passo na di reção de sua personificação.1" E ainda aqui, ao responsabilizar a sua moira pelo que ocorre, Agamenón não se mostra mais sistematica mente determinista do que os gregos modernos que utilizam uma linguagem semelhante. Perguntar se as pessoas são deterministas ou defendem a liberdade dentro da obra de Homero 6, aliás, um fantás tico anacronismo - a questão jamais lhe ocorreria, e se lhe fosse apresentada seria muito difícil fazê-lo entender do que se trata .-11 O que se reconhece é a distinção entre ações normais e ações executa das cm estado de ate. Com relação às ações deste último tipo, pode-se indiferentemente vinculá-las à moira ou à vontade de um deus. de acordo com o modo pelo qual as olhamos - de um ponto de vista subjetivo ou objetivo. Da mesma forma, Pátroclo atribui sua morte diretamente a um agente próximo, Euforbo; c indiretamente a um agente mitológico, Apolo (mas de um ponto de vista subjetivo a uma moira malévola), Como dizem os psicólogos, trata-se de ai go “sobredeterminado” .12 Partindo dessa mesma analogia, a Erínia deve ser o agente ime diato no caso de Agamenón, Que ela deva figurar em tal contexto pode muito bem surpreender aqueles que vêem as Erínias essencial mente como um espírito de vingança, e mais ainda aqueles que crêem, como R ohde .Vl que elas eram originalmente o próprio morto cm ato de vingança. Mas tal passagem não pode ser tomada isola damente. Lemos então, na Odisséia.** que existe uma “ate pesada que I fi Os GRI-GOS H O IRRACIONAL a implacável deusa Erínia pôs no entendimento dc Mel ampo.” Em parte alguma trala-sc dc vingança ou punição. A explicação se en contra, Lalvc/,, no fato dc a Erínia ser o agente pessoal que assegura a realização da moira. Eis por que elas interrompem bruscamente a fala dos cavalos de Aquiles, pois, “segundo a moira". cavalos não falam .-15 Eis também a razão pela qual elas seriam, dc acordo com Heráclito ,-16 capazes até mesmo de punir o soi, caso ele “transgre disse as normas” por um exagero na execução de sua tarefa. Creio que provavelmente a função moral das Erínias como ministras da vingança derive dc sua tarefa inicial, que consistia em reforçar um destino (moira) - o que era em princípio moralmente neutro, ou me lhor ainda, que continha tanto a noção de “dever moral” quanto a de “dever ligado à probabilidade” , sem estabelecer entre eles nenhu ma distinção clara (como é, aliás, típico do pensamento antigo). Assim, em Homero encontramos as Erínias reforçando reivin dicações familiares ou sociais, como se elas fossem partes de uma moira pessoal37 - um dos pais,3lt o irmão mais velho .-15 ou mesmo um mendigo4'1 podem invocar “sua” Erínia a fim de proteger o que lhe é devido. Elas também são convocadas para prestar juramento - o j u ramento em si sendo capaz dc designar um destino (m oira). A conexão entre Erínia c moira é também atestada por .Esquilo ,4 em bora aí as moirai já tenham se tornado quase pessoais. As Erínias são ainda, para o mesmo Esquilo, dispensadoras de ate*-- apesar de tanto umas quanto a outra terem já sido “ moralizadas” . E como se o complexo moira-\innld-afe tivesse profundas raízes e fosse ainda anterior à vinculação da ate a uma intervenção de Zeus .43 Dentro de toda esta conexão, também vale a pena lembrar que Erínia e ais a (sinônimo de moira) remetem à talvez mais antiga forma de discur so helénico de que temos conhecimento - o dialeto arcado-cipriota .44 Deixemos por um momento de lado, tanto a ate quanto os ter mos a ela associados, e consideremos brevemente outro tipo de “intervenção psíquica”, não menos freqüente na obra de Homero; a saber, a que consiste na comunicação dc poder de deus ao homem. Na litada o caso típico ocorre na transmissão de um menos [ardor, paixão]45durante a batalha, como quando Atena põe uma tripla por ção deste elem ento no coração de seu protegido Diomcdcs, ou quando Apolo o introduz no thunw s dc Glauco lendo ,46 Não se tra ta dc força física; nem m esm o dc um órgão (um a faculdade) A a p o l o g i a o r A g a m e n ó n 17 permanente de nossa vida mental com et o i fuimos on o nous | inU'li- gêneia , en tend im en to , consciência], E muito antes uni estado mental ,47 como a ate. Quando uni homem experimenta menos cm seu peito, ou sente "'inflar pungentemente as narinas” ,411 eie eslá côns- cio dc um misterioso acesso de energia; a vida nele se torna forte, c ele pleno de confiança e impetuosidade. A conexão do m enos com a esfera do querer (volição) aparccc claramente em palavras corre latas como ( je v o iv a v (“estar ans io so” ) e S-OCTjtEvec, (“desejar doentiamente algo”). E bastante significativo que, freqüentemente, embora nem sempre, o envio de m enos surja em resposta a uma pre ce. Mas trata-se, enfim, de algo muito mais espontâneo e instintivo do que o que chamamos dc “resolução” . Animais podem recebê-lo.4‘J e o termo é empregado, por analogia, para descrever a devastadora energia do íbgo.M No homem, ela é a energia vital, a “vivacidade”, que nem sempre vem ao nosso chamado, mas que oscila misteriosa mente, e caprichosamente (como costumamos dizer) em todos nós. Mas para Homero, não sc trata dc um capricho, e sim, do ato de um deus que “au men ta e diminui conforme sua vontade a a relê dc um homem (sua potência de luta)” .5i Na realidade, às vezes o menos pode ser despertado por exortação verbal; outras vezes seu desencadear só pode ser explicado pela afirmação de que um deus “soprou den tro do herói”, ou dc que “introduziu algo em seu peito”. Ou ainda, como lemos em uma passagem, que ele foi transmitido por um bas tão mágico.5’ Creio, enfim, que não devemos descartar essas afirmações es tranhas como simples “invenção poética” ou “maquinação divina”. Não há dúvida de que certas instâncias particulares são freqüente mente criadas pelo poeta por uma questão de conveniência cm face da trama elaborada. Certamente também, a intervenção psíquica en contra-se, às vezes, ligada a uma intervenção física ou a uma cena do Olimpo. Mas podemos estar certos de que a idéia que está subja cente a tudo isso não c u m a pura invenção poética, e que ela é mesmo anterior à concepção de deuses antropomórficos, tomando parte nas batalhas de modo físico c visível, A possessão temporária dc um ele vado menos é , como no caso da ate, um estado anormal que exige portanto uma explicação também para alem do normal. Os homens de Homero podem então reconhecer o momento em que tudo sc ini cia, mareado por uma certa sensação peculiar nos membros. “Meus18 O s GREGOS E O IRRACIONAL pés abaixo e minhas mãos acima sentem um ímpeto (iioufiaxocn.)” - afirma um dos recebedores desse poder. Isto porque, como diz o poeta, os deuses o tomaram ágil (e^acppa).53 Esta sensação, que aqui é compartilhada por um segundo personagem, confirma a origem di vina do m e n o s . Trata-se de uma experiência fora do normal. E os homens em condições divinas de menos mujto elevado se compor iam até ceito ponto de maneira anormal. Eles podem realizar os feitos mais dificcis com facilidade (pea) ,5í o que é um marca tradicional do poder divino .56 Eles podem até mesmo, como Diomedes, lutar impunemente contra os deuses57- uma ação que para homens cm estado normal é extremamente perigosa.5s Na verdade, eles estão, naquele exato instante, sendo um pouco mais, ou talvez um pouco menos, humanos. Assim, os homens que receberam o menos são vá rias vezes comparados a leões vorazes,5ÿ mas a mais impressionante descrição dc um tal estado encontra-se no livro XV da litada, quan do Heitor fica furioso ( ¡ua ive ra i) e espuma pela boca, os olhos brilhando/’1’ Daí para a idéia dc uma possessão real (Scu^iovav) é apenas um passo, mas trata-se de um passo que Homero não chega a dar. Ele realmente diz que, depois que Heitor vestiu a armadura dc Aquiles, “Ares penetrou nele e seus membros foram enchidos de força e dc coragem ’ ’ ;61 mas Ares aqui não é provavelmente mais do que um sinônimo para espírito marcial, e a comunicação de poder é produzida finalmente pela vontade de Zeus, auxiliada talvez pelo fato dc a armadura ser em si mesma divina. É claro que os deuses, para fins de disfarce, assumem formas e aparências de seres humanos in dividuais, mas a questão aí é outra. Os deuses podem aparecer, por vezes, sob formas humanas e os homens podem compartilhar, por vezes, o atributo divino do poder, mas nem por isso há em Homero qualquer confusão quanto à clara linha que separa a humanidade da divindade. Na O disséia, onde as questões dc luta são menos importantes, a c o m u n ic a ç ã o dc p o d e r a ssum e ou tras fo rm as . O poeta da “Telemáquia” imila a I liada fazendo Aten a pôr um menos sobre Te- lêmaco/ 2 mas o m enos aqui é a coragem m oral que habilitará o menino a enfrentar a arrogância de outros pretendentes. Trata-se de uma adaptação literária. Mais amiga e autêntica é a repelida afirma ção de que os menestréis retiram seu poder criativo de Deus. “Sou autodidata" diz Fêmios, “foi um deus que implantou em minha mente A a p o l o g i a d r A g a m e n ó n 19 todo tipo de canção” .63 Os dois períodos nessa declaração não são vistos como contraditórios - a meu ver ele apenas quer dizer que não memorizou as canções de outros menestréis, mas que é um poe ta c r ia t iv o que se b a se ia nas f ra se s h e x a m é tr ic a s jo r r a n d o espontaneamente de alguma fonte desconhecida e incontrolável, con forme sua necessidade. Ele canta “a partir dos deuses”, como sempre fizeram os melhores menestréis.64 Mas devo ainda retornar a este ponto na parte finai de meu capítulo IÏI (“As bênçãos da loucura”). Porém, o traço mais característico da Odisséia é o modo pelo qual seus personagens vinculam toda espécie de fato mental (ou fí sico) à intervenção de um daemon ,65 de um deus (ou de deuses)66 anônimo e indeterminado. Tais seres, concebidos de maneira vaga, podem inspirar coragem diante de uma crise67 ou arrancar o homem de sua capacidade de discerni men to ,6S como os deuses na I liada. Mas a eles também c creditado um amplo espectro daquilo que podemos denominar livremente “advertências” (avisos). Quando um persona gem tem uma idéia especialmente brilhanteí,,Jou tola ;70 quando ele se torna capaz de repentinamente reconhecer a identidade de uma pessoa ,71 ou percebe, num lampejo, o significado de uma profecia ;72 quando recorda o que seria fácil de esquecer ,73 ou esquece o que de veria lembrar74- 6 certo que ele ou alguém verá nisso literalmente uma intervenção psíquica promovida por um desses seres anônimos e sobrenaturais .75 Não resta dúvida de que eles nem sempre espe ram ser tomados ao pé da letra - Ulisses, por exemplo, não parece falar sério ao imputar às maquinações de um daemon o fato de ter saído sem seu manto numa noite fria. Mas não estamos lidando aqui com uma simples “convenção épica” . Afinal de contas, são os per sonagens do poeta76e não o próprio poeta que falam deste modo. Seu uso do termo é outro - ele trabalha, como no caso da Ufada, com deuses antropomórficos claramente esboçados, como Atena e Poseidon, e não com daemons anônimos. Se ele faz seus persona gens adotarem outro linguajar é, supostamente, porque as pessoas falavam daquela maneira. Em suma, Homero está sendo “realista” . Na verdade, é assim que devemos esperar que falem as pessoas que acreditam (ou cujos ancestrais acreditavam) em constantes avi sos do além. O reconhecimento, a intuição, a memória, a idéia perversa ou brilhante, possuem isso em comum: eles chegam repen tinamente “à cabeça de um homem” . Freqüentemente ele não tem 2 0 Os GRRGOS li O IRRACIONAL consciência de nenhuma observação ou raciocínio que o tenha leva do a tais conclusões. Mas se é esse o caso, como ele pôde designá-las como “suas”? Há um instante atrás elas não estavam na sua mente c agora estão. Alguma coisa as colocou ali. e este algo é diferente de si próprio. Ele nada sabe além disso, e portanto, fala do que ocorre de maneira reservada, como da ação dc “deuses” ou da ação de “al gum deus” , ou ainda, mais freqüentemente, (sobretudo quando acontece de seu efeito ser ruim) como da ação de um daem on.11 E. por analogia, ele utiliza a mesma explicação para as idéias c ações dc outras pessoas, sempre que as acha difíceis de entender ou fora de contexto. Um bom exemplo disso se encontra no discurso de An tinous na Odisséia II quando, após elogiar a excepcional inteligência e retidão de caráter de Pénélope, ele prossegue dizendo que a idéia de não casar oulra vez é absolutamente imprópria e conclui que “os deuses a estão introduzindo cm seu peito” .711 Dc modo similar, quan do Telêmaco extravasa ousadamente, pela primeira vez contra os pretendentes, o mesmo Antinous infere, não sem ironia, que “os deu ses o estão ensinando a falar grandiosamente” .71' No caso, sua mestra seria Atcna, como sabem811 tanto o poeta quanto o leitor. Mas Anli- nous desconhece o fato, c por isso fala em “deuses”. Semelhante distinção entre o que sabem os personagens c o poeta também pode ser observada na litada. Assim, quando a corda do arco de Teucro se rompe, ele grita, com um estremecimento de medo, que um daemon está se opondo a ele, mas foi na realidade Zeus que o causou, como o poeta afirma um pouco antes .111 Tem se sugerido que, nessas passagens, o ponto de vista do poeta sc baseia na idéia de uma maquinação divina, como é Lípico do período micê- nico, enquanto seus personagens ignoram tal linguagem e utilizam algo mais vago. a exemplo dos contemporâneos jônios do poeta, que já estavam (ao que tudo indica) perdendo sua fé nos velhos deuses anlropomórficos.*- A meu ver. como mostraremos em breve, isto é quase o reverso exalo da verdadeira relação que se estabelece. E fica claro que a falta dc precisão na linguagem de Teucro nada tem a ver com ceticismo. Ela e o simples resultado da sua própria igno rância. Ao empregar o lenno daemon, ele procura “expressar o lato dc que um poder mais elevado fez algo acontecer” 83 - e isto é tudo o que ele sabe. Como observou Ehnmark .84 uma linguagem tão vaga para designar o sobrenatural foi usada do mesmo modo por gregos A a p o l o g í a [j e A g a m e n ó n 21 cie todos os períodos, não em virtude de ceticismo, mas simplesmente porque ele eram incapazes dc identif icar o deus específico que esta va envolvido no acontecimento.Tal linguagem é utilizada do mesmo modo por povos primitivos, pela mesma razão ou senão pela falta da idéia de deuses personificados .*5 Que a utilização pelos gregos é bas tan te an tiga fica c laro pela idade do ad je tivo em questão (daemonios). A palavra deve ter significado, na sua origem, “agir sob os auspícios de um daem on”, mas já na litada o sentido primi tivo se enfraqueceu a tal ponto que Zeus já pode aplicá-lo à deusa Hera .116 Tal expressão verbal bizarra ainda permaneceria válida por um longo período dc tempo. Acabamos de examinar os tipos mais comuns de intervenção psíquica na obra de Homero. Podemos resumir nossos resultados di zendo que todas as atitudes normais do comportamento humano, cujas causas não são percebidas dc modo imediato117- nem pela prcí- -p n a consciência do sujeito em questão e nem tampouco por outras pessoas - , são imputadas a uma ação sobrenatural, exatamente como no caso, por exemplo, cias mudanças climáticas ou dos movimentos de um arco. EsLa descoberta não surpreenderá o antropólogo não ini ciado no classicismo - ele imediatamente apresentará inúmeros exemplos paralelos, retirados da cultura dc Bornéu ou cia África Cen tral, Mas o que certamente causa estranheza é encontrar tais crenças c tal sentido de dependência constante c diária face ao sobrenatural, tão firmemente enraizadas em poemas supostamente “irreligiosos”, como a litada e a Odisséia. E podemos ainda nos perguntar por que um povo tão civilizado, esclarecido e racional como os jôniosnão eliminou dc seus épicos nacionais esses vínculos com a cultura de Bornéu e o passado primitivo, do mesmo modo como eles elimina ram o medo da morte, o medo de ser conspurcado c outros temores primitivos que, originalmente, faziam parte de sua saga. O que du vido c que a literatura antiga dc algum outro povo da Europa - mesmo no caso de meus próprios conterrâneos e supersticiosos ir landeses - postule a existência de uma interferência sobrenatural sobre o comportamento humano com tanta freqüência e alcance.^ Creio que foi Nilsson o primeiro estudioso a tentar encontrar seriamente uma explicação para tudo isso em termos psicológicos. Em um trabalho publicado cm 1924,m que se tornou um clássico nos nossos dias, ele defendeu que os heróis homéricos são particular 22 Os OREOOS E O IRRACIO N AL mente sujeitos a rápidas c violentas mudanças de humor — eles so frem, enfim, de instabilidade mental. E o autor prossegue observando que. mesmo hoje. uma pessoa com semelhante temperamento está apta, ao sofrer uma alteração de humor, a olhar para aquilo que fez com horror c exclamar “eu não pretendia fazê-lo!” - um pequeno passo para dizer “não fui realmente eu que o fiz” . Como afirma Nils son. “seu comportamento tomou-se estranho para si mesmo. Ele não consegue entendê-lo. Para ele é alguma coisa que não faz parte de seu ego.” Esta observação é absolutamente verdadeira, e não resta dúvida quanto à sua relevância para a análise de alguns dos fenô menos que vimos considerando ate aqui. Creio que Nilsson também está certo ao defender a idéia de que experiências desse tipo desem penharam - ju m a m e n te com outros elementos, como a proteção das deusas da tradição minóica - um papel na formação do mecanismo de intervenção fís ica ao qual Homero fará alusão tão constantemen te e de maneira tão supérflua. Digo “de maneira supérflua” porque o mecanismo divino parece muitas vezes não servir para nada mais a não ser duplicar a idéia de uma causação natural e psicológica.,JI' Mas não devemos talvez dizer que é a maquinação divina que apre senta a intervenção psíquica sob uma forma pictórica concreta? Isso não seria então supérfluo, pois somente desse modo a imagem po deria se tornar vivida para os ouvintes do poema. Os poetas homéricos não possuíam os refinamentos dc lingua gem que teriam sido necessários para transpor adequadamente a idéia de um milagre puramente psicológico. O que seria então mais natu ral do que suplementar, e em seguida substituir, uma fórmula gasta como (ievoç £p.pa^E 0"ü|i(tí [a paixão introduzida na alma vital], fa zendo o deus aparecer como presença física e depois exortando seu protegido com uma palavra?'-" Quão mais vivida é a famosa cena da Uíada I em que Atena puxa Aquiles pelos cabelos e o adverte para não atacar Agamenón, se comparada a uma simples advertência in terior? Mas a deusa só é visível aos olhos de Aquiles - ninguém mais a viu’\ ^ O que é, enfim, uma clara indicação de que ela é uma projeção _ou .a expressão pictórica de um áadvertência interior113 - ad-' v enenc ia que Aquiles pode ter descrito de modo impreciso por EVE7tV£iK7E <t>p£ai 5at|acov [um poder divino soprado em seu dis curso]. E sugiro ainda que a advertência interna, assim como o inexplicável e repentino sentimento de potência e perda da capaci- A APOLOGIA DE A G A M EN O N 23 dade de julgar é o germe a partir do qual pôde se desenvolver a idéia de uma maquinação divina. Um resultado da transposição dos acontecimentos do interior do sujeito para o mundo externo é que a imprecisão é eliminada - o daemon indeterminado tem que se tornar um dado concrelo, como um deus específico qualquer. Na Ilíada I, o daemon se transforma em Atena, a deusa do bom conselho. Mas trata-se ali de urna sim ples questão de escolha por parte do poeta. Através de uma multidão de escolhas como essa, os poetas foram elaborando as personalida des dos deuses, “distinguindo”, como diz Heródoto ,94 “suas funções e habilidades específicas, e fixando suas aparências físicas” . É cla ro que os poetas não inventaram os deuses (e Heródoto não afirma nada parecido) - Atena, por exemplo, tinha sido, como temos razão de crer, uma deusa do lar de origem minóica. Mas os poetas lhe ou torgaram uma personalidade - e desse modo, como diz Nilsson, tornaram impossível para a Grécia penetrar em um tipo de religião mágica que prevaleceria em seus vizinhos orientais. Algumas pessoas podem, no entanto, querer desafiar a asser ção de Nilsson sobre a qual repousa todo esse raciocínio. Afinal, as pessoas são mesmo especialmente instáveis na obra de Homero, se comparadas com os personagens de outros épicos? O argumento apresentado por Nilsson é, na verdade, bastante sutil. Heróis épicos chegam às vias de fato diante do menor sinal de provocação, mas isso também ocorre com heróis nórdicos e irlandeses. Em certa oca sião Heitor é tomado de fúria, mas isso é muito mais freqüente no caso dos heróis nórdicos. Os homens homéricos choram de modo mais desinibido do que suecos e ingleses; mas isso também é algo comum entre os povos mediterrâneos nos dias de hoje. Podemos con cordar que Agamenón e Aquiles são personagens apaixonados, ho mens de ânimo exaltado (a história requer que eles sejam assim). Mas Ulisses e Ajax não representam, de seus vários modos, tipos característicos de firme persistência, assim como Penélope apresen ta uma constância feminina? Entretanto, esses personagens estáveis não são mais isentos do que outros de uma intervenção psíquica. Da minha parte, e de uma maneira global, eu hesitaria em enfatizar tal aspecto. Ao contrário de Nilsson, eu prefiro relacionar a crença do homem homérico em uma intervenção psíquica a dois outros pon tos que pertencem, sem dúvida, a essa mesma cultura descrita por Homero. 24 Os GREGOS KO IRRACIONAL () primeiro ponió é uma peculiaridade negativa: o homem ho mérico não possui um conceito unificado para aquilo que chamamos “alma” ou “personalidade” (fato cujas implicações foram muito bem ressaltadas por Bruno SnelT5). Todos sabem que Homero credita uma psique ao homem apenas após a sua morte, ou, então, quando ele está desmaiando, morrendo, ou ameaçado de morte - só há registro de relação da psique com o homem vivo quando ela j á está paradeixá-lo, Homero não possui sequer outra palavra para designar uma personalidade viva. O thumos pode ter sido, em algum momento, um primitivo “sopro” ou “alma vital” , mas em Homero ele não é nem uma alma (como em Platão) nem uma parte da alma. Ele pode ser definido, grosso modo, e em termos genéricos como um órgão de sentimento. Porém cie goza de uma independência que a palavra “órgão” não sugere, influenciado que somos pelos conceitos poste riores de “organismo" c “unidade orgânica” . O Unimos dc um homem lhe diz, por exemplo, se ele deve comer, heber ou assassinar um ini migo, Ele o aconselha durante a ação, põe palavras em sua boca - 9\)^ç avwyei ou keAetoi Se |U£ Bu^oç [ordenado ou exorlado por outro tltumos\. O homem pode conversar com ele, com seu “cora ção" ou “barriga", quase de homem para homem. As vezes ele repreende tais entidades à parte (KpaôtT|v T)v i r a n t [ídBü) |sacudir os mitos com violência)%); normalmente ele aceita seus conselhos, mas pode também rejeitá-los para agir por conta própria, como Zeus age, em uma ocasião, sem o consentimento de seu iluimos"!’1 No último caso , nós diríam os, com o Platão, que o homem estava KpEiTTtuv g a m o u (ele havia controlado a si mesmo). Mas para o homem homérico, o thumos não tende a ser sentido como uma par te do nosso “eu” - ele aparece, de hábito, como uma voz interna e independente. Um homem pode até mesmo ouvir duas dessas vo zes, como quando Ulisses “planeja em seu th u m o s” matar os Ciclopes sem mais delongas, mas c retido por uma segunda vozi;s (£T£poç Ôu|woç [outro th u m o s ]) . Este costumc dc (diríamos) “objetivar as for ças puis ion ais” , tratando-as como um “não-cu” , deve ter aberto amplo caminho para a idéia religiosa de intervenção psíquica, que, segundo se diz, atua não sobre o homem mas sobre scu t lu im os'” ou sobre o espaço físico que ele ocupa, na altura do peito (coração) ou do ventre . 11"1 Vemos tal conexão surgir muito claramente na obser vação dc Diomedes de que Aquiles lutará “quando o ihumos cm scu A a p o l o g í a DL A g a m e n ó n 25 peito o indicar e quando um deus o despertar” 1" 1 (novamente a ques tão da sobredeterminação). Uma segunda peculiariciadc que parece estar intimamente re lacionada à primeira, deve ter funcionado na mesma direção. Traia-se do costume dc explicar o caráter ou o comportamento em termos dc conheci men lo . 1112 O exemplo mais familiar é o muito disseminado uso do verbo oi§oc [represento, imagino] - “eu sei”, com um objeio neutro no plural, a fim de expressar não apenas a possessão de utna habilidade técnica (oiSev 7toA£|ar|ia ep y a [conhecer o trabalho ini m igo]) mas tam bém o que den o m in a r íam o s cará ter moral ou sentimentos pessoais - Aquiles “sabe de coisas selvagens, como um leão”, Polifcmos “sabe de coisas sem lei”, Nestor e Agamenón “sa bem coisas amigáveis um com relação ao outro ” . 110 Isto não é simplesmente um “idioma” homérico - semelhante transposição de sentimento cm lermos intelectuais está implicada quando nos dizem, por exemplo, que Aquiles lem “um impiedoso entendimento ( v o o y ” ou que os troianos “recordaram a fuga e esqueceram a resistência” .104 Esta abordagem intelectualisla para explicar o comportamento im primiu uma marca duradoura nas mentes gregas - os chamados paradoxos socráticos de que “virtude é conheci men Lo”, e de que “nin guém age erradamente de maneira proposital”, não eram novidades, mas uma formulação generalizada e explícita daquilo que por mui to tempo havia sido um arraigado hábito de pensamento . 11)5 Tal hábito deve 1er encorajado a crença em uma intervenção psíquica. Se o ca ráter é uma questão de conhecimento, o que não é conhecimento não faz parte do caráter, mas vem do exterior até 0 homem. Assim, quan do ele age de modo contrário às suas disposições conscientes (tudo aquilo que nos é dito que ele “sabe”), a ação não é propriamente sua, mas lhe foi ditada dc fora. Em outras palavras, impulsos não sistemáticos c não racionais, assim como os atos resultantes, tendem a ser excluídos do “eu” e imputados a uma origem externa. Tudo isso é evidentemente mais comum quando os atos em questão são tais, que chegam a causar profunda vergonha em seu autor. Sabemos bem como, cm nossa sociedade, pesados sentimen tos de culpa são superados por uma fantasiosa “projeção” sobre os outros. E podemos supor que a noção dc ate desempenhou um pa pei similar para os homens homéricos, tornando-os capazes, com toda boa fé, de projetar sobre um poder externo seus insustentáveis sen- 26 O s GREGOS E O IRRACIONAL timemos de vergonha. Falo aqui em “vergonha” e não em “culpa", já que certos antropólogos norte-americanos nos ensinaram recen temente a distinguir entre “culturas de vergonha” e “culturas de cul pa”, 106 e porque a sociedade descrita por Homero entra dc modo bas tante claro no primeiro grupo. O sumo bem do homem homérico não é a fruição de urna consciencia tranqüila,. ma~s~sim a fruição úc üme (estima pública): “por que devo lutar”, pergunta Aquiles, “se o bom lutador não recebe mais Ttjrn do que o mau lutador? ” " 17 Além dis so, a mais potente força morai que o hom eni homérico conhecc não e o medo dc um deus , 11,8 mas o respeito à opinião pública, aidos. “a tôe jica T p o a ç ” [sinto vergonha dos Troianosj, diz Heitor duran te a crise que se abate sobre seu destino, encaminhando-se de olhos abertos para a morte.™ O. tipo dc situação para a qual a noção de ate é uma resposta nasce, portanto, não apenas da impulsividade do homem homérico, mas também da tensão entre im pulsos indivi duais e pressão de adaptação social, característica de uma cultura baseada na vergonha . 1111 Em uma sociedade como essa, qualquer coisa que exponha o homem ao desprezo ou ao ridículo perante seus com panheiros, ou que o leve a “estragar sua imagem”, é experimentado como algo insustentável. 111 Isso talvez explique corno não apenas em casos de fracasso moral, como quando Agamenón perde o autocon trole, mas tambem no episódio da mã negociação de Glauco, ou ainda quando Automedon desconsidera os preceitos táticos adequados, haja uma “projeção” dos eventos sobre um agente divino. Por o utro lado, foi o crescente sentido de culpabilidade, característico de um perío do posterior, que acabou^por transformar a ate em punição, as Erí nias em ministro da vingança e Zeus em uma encarnação da justiça divina. Tratarei dessa evolução no próximo capítulo. Até aqui o que tentei foi mostrar, pela análise de um tipo especial de experiência religiosa, que por detrás do termo “religião homérica” há algo mais do que uma parafernália artificial de deuses e deusas mais ou me nos sérios e cômicos; e que não estaremos sendo justos com eles se os descartarmos como um mero interlúdio de agradável e luminosa bufonaria entre a supostamente profunda religião terrestre dos egeus (sobre a qual sabemos pouco) e as profundidades órficas dos pri mordios (sobre as quais sabemos ainda menos). A a p o l o g i a d e A g a m e n ó n 2 7 N o t a s d o c a p í t u l o 1 ]. Roger Fry, Last Lectures, 182 sg. 2. Mazon, Introduction à t ’Iliade, 294, 3. Murray, Rise o f the C reek Epic1, 265. 4. Bowra, Tradition and Design in the Iliad, 222 (itálicos dc minha autoria). Da mesma forma, W ilhelm Sclimid crê que a concepção que Homero sc faz dos d e u ses “ não pod e ser cham ada de r e l ig io s a .” (Gr, Literaturgeschichte, 1,1. 112 sg.). 5. Homero, litada , 19.86 sg. 6. Ibid., 137sg. Cf. 9.119 sg. 7. Ibid., 19.270 sg. 8. Ibid., 1.412. 9. ibid., 9.376. 10. Ibid., 1.5. 11. Ibid., 6 ,357. E tambem 3.164, onde Príamo diz que não é Helena, mas sim os deuses que merecem ser culpados ( « m o l - aitioi) pela guerra. Na O dis séia 4.261, também de Homero, a personagem fala explicitamente de sua air|.12. Ibid., 12.254 sg.; O disséia, 23.11 sg. 13. Ibid., 6.234 sg. 14. Ibid., 17.469 sg. 15. Cl. W ilamowitz, Die ¡lias und Homer, 304 sg., 145. 16. Para esta análise da axn , cf. W. Havers, “Zur Sem asiologie von griech. cm}, Ztschr. F. vgl. Sprachforschimg, 43 ( 1910), 225 sg. 17. A transição para esse novo significado encontra-se na O disséia, 10.68, 12.372 e 21.302. Ouira possibilidade é que sc trate de um significado pós- hom érico. Li deli e Scoit ainda citam a ¡liada 2 4 .480 , mas penso que erradamente: ver Leaf e Amei s-Hentze ad. loc. 18. O plural parece ter sido utilizado duas vezes para ações que indicam esta do mental na litada , 9.115 e (se o ponto de vista adotado na n. 20 for correto), na / liada 10.391), em uma extensão sim ples e natural dc seu sig nificado original, 19. litada , 11.61 e 21.297 sg. 20. No caso da exceção mencionada (exem plo do vinho; lliada, 10.391), o sig nificado pode ainda ser, não que a falta dc sabedoria de Heitor ao aconselhar Dólon na lliada tenha origem na cnr|, mas que sua própria condição seja de alguém “divinamente inspirado”. Neste caso, cctcci será ainda utilizado no sentido de “estados mentais” (9.115), ao passo que a interpretação mais comum postula não apenas a existência de uma psicologia única para os personagens da obra, com o também um mesmo uso do termo, para desig- 28 Os Ciltl-ÜOS IL O IRRACIONAL nar os "alus producidos por louca paixão". Na Odisséia, 10.68 os compa nheiros de U lisses são nom eados agentes induzidos por tiJtvoç c por axeTÂioç 21. 1 líenla, 16.805. 22. ibid., 780. 23. ibid., 684-691, 24. Ibid., 11.340. 25. C f. L é v y -B r u h l, P r im it iv e M e n ta lity , 43 sg .; P r im it iv e s a n d th e Supernatural, 57 sg. (citados da edição em língua inglesa), 26. O disséia , 12.371 sg. Cf. 10.68. 27. ¡Hada, 9 .512. i n aG3T| v a fi s it sa ô m iv a p^aijiBeic, cí.reolcni - 28. ibid., 19.91. Em 18.311 é Alena quem, na função de “deusa conselheira”, bloqueia nos troianos sua capacidade de discernimento, dc tal modo que e les acabam por aprovar a má decisão de Heitor, Mas essa ação ainda não recebe o nom e de 0£TT|. Em contrapartida, na O disséia, 4.261 Helena atri bui a sua extri à deusa Afrodite. 29. Ibid., 24.49 onde o plural pode sc referir apenas a “quinhões” dc indiví duos distintos (W ilam owitz, Giauhe, ¡,360). Na O disséia, 7 .197 porem, as “poderosas fiadoras do destino" já aparecem algo personalizadas, de modo sem elhante às Nornas encontradas no mito teutónico (Chadwick. Growth o f Literature, 1.646). 30. Cf. Nilsson, H istory o f Greek Religion, 169. A visão de que tal |iOipa, equi vale a um ordenamento povincial do mundo, e dc que a noção de algo que cabe individualmente a cada um, com o um destino, vem depois c não an tes na ordem de evolução (Cornford, From Religion to Philosophy, 15 sg.) parece-me dificilm ente aceitável, e certamente sem fundamento na obra de Homero, onde a p o ip a é empregada de modo bastante concreto, por exem plo, para designar uma '‘porção de carne” (O disséia , 20.260). Também não estou convencido da idéia de que as jiOipcti têm sua origem em sím bolos dc certas funções econôm icas e sociais de um comunismo primitivo, ou que surgiram das deusas-mãe do período neolítico (Thomson, The Prehistoric Aegean, 339). 31. Snell. Phi loi. 85 ( 1929-1930), 141 sg. e de modo mais elaborado Chr, Voigt, Üeberlegung mut lintscheidung... bei H orner, tem procurado salientar que Homero não possui nenhuma palavra para designar decisão ou ato dc es colha, Mas a conclusão dc que nele o homem ainda não tem consciência da liberdade individual ou de algo com o decisão pessoal me parece equi vocada (Voigt, op. cit., 103), O que eu diria c que o homem homérico não possui o conceito de arbítrio - “vontade” (que curiosamente se desenvol veu tarde na Grécia) - c que, portanto, não pode haver tampouco o conceito de “livre-arbítrio”. O que não impede o poeta de distinguir, na prática, as ações originadas no ego daquelas às quais e le atribui intervenção psíquica A a p o l o g i a n i- A g a m e n ó n 29 - Agamenón pode até mesmo di/.er £yf¡5 S'chik ccm oç a p i aX X a Zeuç. E parece um pouco artificial querer negar os trechos da ¡Hada 11.403 sg, ou da O disséia 5 ,355 sg. cm que são descritas decisões tomadas após razoá vel consideração das possibilidades. 32. lliada , 16,849 sg. Cf. 18.119, 19,410, 21.82 sg., 22.297-303. A propósito da “sobredeter mi nação”, cap. H. 33. Rh. Mus, 50 (1895), 6 sg. (= Kl. Sc hr ¡fien, 11.229), Cf, N ilsson, Gesch. d. gr. Re!. 1.91 sg.; e contra esta opinião, W ilamowitz na introdução de sua tradução do lùimènides, e Rose, Handbook o f Greek M ythology, 84. 34. litada , 15.233 sg. 35. Ibid., 19.418. Cf. 2B ad. loe., e tugkotio i yap e ic iv xffiv rca p a <)>uciv. 36. D iels, frag. 94. 37. Em todos os casos, exceto em um (O disséia , 11.279 seg,), trata-se de pes soas vivas- o que parece ir pesadamente contra a teoría (criada no apogeu do animismo) de que spiVDEÇ são mortos vingativos. Em primeiro lugar, Homero nunca pune os crimes; e em segundo, tanto os deuses quanto os homens têm suas próprias epivuEç. As E p ivyeo de Hera, por exem plo {ilia da, 21.412), tem as mesmas funções das dc Penelope (O disséia , 2.135) - proteger o status da mãe pela punição do filho indigno. Podemos dizer que as Erínias são a raiva materna projetada em manifestações pessoais. O 0E(OV eptvuç t|ue nas Tehanas (Kinkel, frag. 2) ouviu a maldição de Edipo (ain da vivo) incorpora a raiva dos deuses sob a forma pessoal - assim a Erínia e a maldição são igualadas em Esquilo, Deste ponto de vista, Sófocles não eslava inovando, mas apenas seguindo a tradição, ao fazer Tirésias amea çar Creonte com A iS ou r a t Otíúvrie ep tvu gç na A m igon a, 1075. Sua lunção é punir a violação da ¡loipo. por Creonte, pela qual Polinice per tence ao Hades c Am igona ao avü) te o t (1068-1073), Para (.totpa, como status de acordo com o pretensão de Poseidon de ser lo o p o p o ç Kai o^Tf TiËTtpCûpsvoç raiari com Zeus, lliada , 15.209. A partir desse texto, encon trei uma íntima conexão dc Eptvuç com p o tp a também enfatizado por George Thomson (The Prehistoric A egean, 345) e por Eduard Fraenkcl em Agamenón, 1535 sg.) 38. lliada, 9 .454, 571; 21.412; O disséia, 2.135. 39. litada, 15.204. 40. Odisséia, 17,475. 4L Ésquilo, P.V. 516, M oipou Tpipop(|ioi pvrçpoveç x E p ivueç e Humênides 333 sg. e 961, M oipcti ptrcpiK0tciYvr|TC«. Euripides, cm uma peça perdi da, faz uma E rín ia dec larar que se u s ou tros nom es são; t t jx ê . V£JJ£piç, Uüiptt, (xva-’/Kil (frag. 1022). Cf. também Esquilo, Sept. 975-977. 42. Ésquilo, Euniênides. 372 sg., etc. 43. Sobre o problema da relação entre deuses e p u ip a (insolúvel em termos lógicos), ver especialmente E. Leilzke, M oira und. Got th a t ini alten griech. 30 O S GREGOS E O IRRACIONAL E pos , que analisa todo o material a respeito; E. Ehnmark, The ¡dea o f God in Homer, 74 sg.; N ilsson, Gesch. d. gr. Re I. 1.338 sg.; W. C. Greene, Mo t ra, 22 sg. 44. O Epivuç (Erynus) de Deméter e o verbo E piviiav em Arcadia, Paus. 8.25.4 sg. ociott) em arcáde, 1G V.2.265, 269; em cipriota, GD I 1.73. 45. Cf. E. Elinmark, The ¡dea o f G o d in Homer, 6 sg. E sobre o significado da palavra fiEVOÇ J. Bõhme, D ie Seete h. das Ich im Homerischen Epos, 11 sg., 84 sg, 46. IHada, 5 .125 sg., 136; 16.529. 47. Que os reis foram vistos a urn tempo com o possuidores de um (levoc, espe cial que lhes era comunicado para sua tarefa, parece im plícito no uso da expressão lep o v p evoç (cf. lEpri iç), embora sua aplicação em Homero (para Alcinous, Od. 7.167 etc., para Antinous, Od. 18.34) seja governada mera mente por uma questão de conveniência métrica. Cf. Pfister, P.-W., s.v.“ Kultus”, 2125 sg.; Snell, Die Enideckung des G eistes, 35 sg. 48. O disséia, 24.318. 49. Cavalos, ¡liada, 23.468; (íooç p e v o ç O disséia, 3.450. Em II. 17,456, os cavalos de Aquiles recebem uma comunicação de ^ e v o ç 50. lliada, 6 .182 e 17.565. Assim também, por exem plo, médicos com o Hipó crates falam em sua época do ¡jevoç do vinho e da fom e para significar o poder imánente mostrado por seus efeitos no organismo humano. 51. Ibid., 20.242. E do mesmo modo, o “espírito do Senhor” que torna Sansão capaz de feitos sobre-humanos (“Juizes”, 14: 6, 15: 14, A Bíblia Sagrada). 52. Ibid., 13.59 sg. A transmissão física de poder divino é, no entanto, rara em Homero, assim com o na crença grega em gera), em contraste com a impor tância dada pelo cristianism o e por certas culturas prim itivas ao gesto sacerdotal de comunicação. 53. ¡liada, 13.61, 75. yvicc 5 £0T[K£V e^ o ^ p a á a fórmula recorrente para des crever a transmissão dcjJEVOÇ (5.122,23.772); cf. também 17.211 sg. 54. Cf. a nota de Leaf 13.73. Na O disséia , 1.323, Telêmaco reconhece uma co municação de poder, mas não sabemos exatamente com o isso ocorre. 55. !Itada , 12.449. O disséia, 13.387-391. 56. llia d a , 3.381: p e ía jiotX, coûte 0eoç. Ésquilo. Sup. 100: rcav ca iovov Sainovicm ), etc. 57. llia d a , 5 .330 sg. 850 sg. 58. Ibid., 6 .128 sg. 59. Ibid., 5.136; 10.485; e 15.592, 60. Ibid., 15.605 sg. 61. Ibid., 17,210. 62. Odisséia, 1,89, 320 sg.; Cf. 3.75 sg,; 6,139 sg. 63. O disséia, 22,347 sg. Cf. D em odoco, 8.44, 498 e Píndaro, Nem. 3.9. onde o poeta implora à musa a concessão “de um fluxo abundante de poemas, A APOLOGIA DF. AGAM ENON 31 proveniente de m etis próprios pensamentos’’. Como coloca Mac Kay; “A musa é a fonte da originalidade do poeta, e não exatamente sua imagem convencional” (The Wrath o f Homer, 50). Chadwick, Growth o f Literature [II. 182 cita, de Radloff, um enríese paralelo primitivo, o mencstrel Kirghiz que declarou: “Eu posso cantar uma canção qualquer, pois Deus implan tou este dom musical em meu coração. Ele coloca as palavras cm minha boca sem que eu precise solicitá-las. Eu não aprendi nenhuma de minhas canções. Todas brotam de meu íntimo”. 64. O disséia, 17.518 sg. Hesíodo, Teogonia, 94 sg. (= H. Hymn 25.2 sg.). Cf. cap. 111. 65. No uso do termo SaincüV e seu correlato para 9 ë o ç (que não discutire mos aquí), ver Nilsson cm Arch. f. Reí. 22 (1924) 363 sg., e Gesch. d. gr. Reí. 1.201 sg.; W ilamowitz, Glaube , 1.362 sg.; E. Leitzke, op. ctt., 42 sg. Segundo Nilsson o 5ai|i(i)V era originariamente não apenas indetermina do, mas também im pessoal, urna mera “manifestação de poder” (o renda). Mas quanto a isso, estou inclinado a compartilhar as dúvidas de Rose, H ar vard Theoi. Rev. 28 (1935) 243 sg. Tal evidencia, como temos sugerido, enquanto (.tovpO', desenvolveu de uma “parcela” impessoal para um destino pessoal, õaijitúv evoluiu em direção oposta, de um pessoal “Apportioner” (cl. S a ia), S a tjiov i]) para uma impessoal “sorte”. Há um ponto cm que os dois desenvolv im en tos se cruzam eas palavras são virtualmente sinônimas. 66. Ocasionalmente, também, a uma intervenção de Zeus (O disséia, 14.273), que cm tais frases é, talvez, não tanto um deus individual quanto represen tante de um desejo divino generalizado (N ilsson, Greek Piety, 59). 67. O disséia, 9.381. 68. Ibid., 14.168. Cf. 23.11. 69. Ibid., 19.10. Cf. 138 sg.; 9.339. 70. Ibid., 2 .124 sg.; 4 .274 sg.; 12.295. 71. Ibid., 19.485. Cf. 23.11 onde um erro de identificação é explicado. 72. ibid., 15.172. 73. Ibid., 12.38, 74. Ibid., 14.488. 75. Se a intervenção é nociva, ela é normalmente chamada Satpíüv e não 0EOç. 76. Essa distinção foi primeiro observada por O. Jorgensen, H erm es 39 ( 1904) 357 sg, Para as exceções à regra de Jorgensen, ver Calhoun, AFP 6 1 (1 9 4 0 ) 270 sg. 77. C f o Sat^ w v que traz visitas desagradáveis e indesejadas (O disséia 10.64, 24.149, 4 .274 sg., 17.446) denominado koíkoç nas duas primeiras passa gens citadas. Em 5 .396 ele aparece com o um causador de d oenças, OTUYtûpoç ocüjicúv. Ao menos essas passagens são exceções à generaliza ção de Ehnmark (Anthropomorphism and M iracle, 64) de que os Saifitaveç são deuses olím picos não identificados. 32 Os GR KG OS E O ll< RACIONAL 78. Ibid.. 2 .122 sg. 79. Ibid., 1.384 sg. SO. Ibid., 1.320 sg. 81. Iliada, 15.461 sg, 82. E. Héden, Hotnerische Gotterstudien. 83. N ilsson, Arch. F. Rei. 22.379. 84. Ehnmark, The Idea o f Goil in Homer, cap. V. Cl'. lambém Linforth, “Named and unnamed Gods in Herodotus", University o f California Publications in C lassical P hilology ¡X.7 ( 1928). 85. C í,, por exem plo, as passagens citadas por L evy-Bm ill. Prim itives and the Supernatural, 22 sg. 86. llia d a , 4 .31. Cf. Paul Caucr, Kun.il d erÜ bersetzw tg, 27. 87. Um bom exem plo, porque particularmente irivial, do significado aLribufdo ao inexplicável e o fato de que espinar é lomado com o um sinal de profe cia por mui los povos, incluindo os gregos homéricos (Odisséia, 17.541) e os da Grécia clássica (Xenoíonte, Anah. 3 .3 .9) e nos tempos romanos (Plu- lareo, gen. Soer. 581 s . ). Cf. Halliday, Greek Divination, 174 sg.; e Tylor, Prim itive Culture, 1.97 sg, 88. Alguma coisa análoga à arr| talvez possa ser encontrada no estado mental que os Celtas cbaniam fe v (ladaòo) ou fa iry-struck (encantado) que cliega até as pessoas repentinamente c as fazem agird e modo muiio diferente do que de liábilo (Kirk, Robert. The Secret Com onwealth). 89. "Gotlcr und Psychologic bei Homer” , Arch. F. Rei. 22.303 sg. A s conclu sões foram resumidas no seu livro H istory o f Greek Religion, 122 sg, 90. Como rcssalla Snel! (Die Entdeckung des Ge isles), o caráter “supérfluo’' de ümtas intervenções divinas mostra que elas não foram inventadas ape nas com o intuito de tirar o poeta de uma dificuldade (afinal, o curso dos acontecim entos seria o mesmo sem eles), mas que pertencem a alguma an tiga crença. Caucr achava, por sua vez (G ru n d fia g en 1 .401), que a “naturalidade” de muitos miíagres homéricos era um refinamento incons ciente datando de uma era em que os poetas já haviam com eçado a não mais acreditar em milagres, Mas o milagre desnecessário é, na verdade, ti picamente primitivo (C f E.E. Evans-Prilchard, Witchcraft, O racles and M agic am ong the Azande, 77, 508). Sobre a crítica a Caucr, Ehnmark, Anthropom orphism and M iracle, cap. IV. 91. diada , 16.712 sg. No livro 13,43 sg. as intervenções física (60) e psíquica encontram-se lado a lado. Não há dúvida de que as epifanías dos deuses durante a batalha tinham também alguma base na crença popular; a mesma crença que criou os anjos dc Mons, embora, como observa Nilsson, em tem pos tardios são os heróis, e não os deuses, que aparecem deste modo. 92. ibid., 1.198. 93. Mais freqüentemente a advertência é feita por um deus “disfarçado" de al- I l gum p e rs o n n e l^ “ ^ ï d c “m i t o m l Z l “ g» " t u a U ™ n- “ S I Í - . Í . * ™ - » » 8“ " lW propr' 1’ S T T ! ' , T S ; “ t fÍ Í « . c o t a r ™ . que o M ftW Pnm .l-vo, scgu.n- 9 4 . H erodoio . 2.53. W m íom íií. > ^ ^ ( )o )c s|[UcU/,a do seu im p u lso e s té t ic o , pode ^ ^ e ao imediatamente a essencia da i. ç njnce|adas que podem não apenas mesmo tempo. ad, c o n ar ,Q substancialmente” . Uma m * * , ' * * £ Z Z Ï Î T i — — — ‘ * « - —ves que a coisas nao vao ale , ~ vanante i .1 é elevada J L ¡ " d i - * » * — »o t l Mr « ~ „ sg. , . , » te í i c c - « « * « * * > * — — » » r ? T t z s x '¡ T J Z m ....... » , =i... * * ......« • « * £ “ “ S L r ™ e „ : : . r •*:>■ “ * w ™ S ”S ï » » *'■ »»»* *>■s , , t a “ li0 C S m S S * « t — « « - “ s " " ay ¡rincl Nal 11 iv (Chicago, 1943), íi s^- urimciravo/„ mas ace i la , I- -■ o -w i tl, Atiui o “cao C ulcntüicado a pnm uid w 9K. O dissetu, 9 .299 su. Aqm o c B a , V07CS se m e lh an te a esta , com , a d v e r t e n c ia segunda. Urna em uma tliriosa pas- similar alteração de idenüdat l , parcLc ' ‘ y ^ persona- s a g . m d a / , W « . 1 1* > M » 0 . <Cf. ^ ^ n m u ;L en tre g ens de DosloicvsUL em ¿ s e s u d o eg o c e u e n ã o - e u de m o d o in i c í e s e c. - r iCi0 nal e n q u a n to o ou lro t iv esse junto dc alguém; um é um ser sens , ei ^ „ l re_ é que estamos ansiosos por fazer r s s K ï u a ^ , r - ; ^ “ — ™ ,u f c * . I— r . S v T e ™ év> OT'lóea- K ' ;' “ 5 - " 6 ; ; S 8 m V72A . I I * * » » P a X l o » , . Por t o o i v a v i iK e : í J í K í w i . LV!; ¿ ; h 2 , K ( C r _ Aes;l;h. P e rs . o e u , 0 Ç é o órgão da as tragédias de ,0; KaKOHavTii; ... ^ t o ç 224 < c E u, fpides 1073: Esquilo miScúv 5 0 m o q fcV ^ 6v ev8o6ev W a v T tç 6 W e Tm*. hag. 176. u n ™ h' ’ jiovrcueT at). T O iotneeaai u e v o ç - - tito. 100. Ibid., 16.805: ca n (t-pevc^EtÂt- x l2 5 . ev yap i i A a p o l o g i a d u A g a m e n ó n 34 O s GREGOS E O IRRACIONAL 101. ¡liada, 9 .702. Cf. O disséia, 8.44: "um deus” deu a D e mod oc us o dom de cantar quando seu 0V|iüÇ o impede. 102. Cf. Marg, op. cil. 69 sg.,' W. Nestlé, Vont M ythos ziim Logos, 33 sg. 103. i liada, 24.41. Odisséia, 9 .189 e 3.277. 104. ¡liada, 16.35, 356 sg. 105. A mesma consideração foi teíla por W, Nestle NFbb 1922, 137 sg., que acha os paradoxos socráticos echt griechisch c observa que eles já estão im plícitos na psicologia ingênua de Homero. Mas devem os lomar cuida do ao enxergar este “intclectualismo" habitual com o uma atitude adotada conscientemente pelos poria-vozes de um povo ‘‘intelectual . Tralu-se, na verdade, sim plesm ente dc um resultado inevitável da ausência do concei to de vontade l d ‘. L. Gernet, Pensée jurid ique et m orale, 3 12). 106. Uma explicação sim ples desses termos será encontrada na obra de Ruth Benedict, The Chrysanthemum and the Sword, 222 sg. Nós próprios so mos herdeiros dc uma poderosa e antiga (apesar de declinante nos dias de hoje) cultura de culpa, fato que pode explicar, lalvez, porque tantos estudiosos têm dificuldade em reconhecer a religião homérica como sen do efetivamente uma “religião”. 107. lliada, 9.315 sg. Sobre a importância de em Homero, ver Jaeger, W. Paidela, 1.7 sg. 108. Cf. cap, 11. 109. iliada, 22.105. Cf. 6.442; 15.561 sg., 17.91 sg.; O disséia, 16.75, 21.323 Sg.; W ilam owitz, Glatibe, 1.353 Sg.; W.J. Verdenius, Mnem. 12 (1944) 47 sg. A sanção dc atStflç é ve^teotç, desaprovação pública: ¡liada, 6.351, 13.121 sg.; e O d issé ia , 2 .136 sg. A aplicação dos term os icodov c nttoxpov parece também ser típica de uma cultura da vergonha. Estes ter mos denotam não que o ato seja em si benel ico ou nocivo para o agente, cerlo ou errado aos olhos da divindade, mas que parcce “belo ou feio aos olhos da opinião pública. 110. Ao formar raí/.es a idéia de intervenção psíquica encoraja oh vi amen te, um comportamento impulsivo. Exatamente como pensam alguns antropólo gos modernos que, ao contrário de diferem , como Frazer, que os homens primitivos crêem em magia por raciocinar erradamente, preterem dizer que eles raciocinam erradamente porque são socialmente condicionados a acre ditar em magia. Assim , em vez de repetir o que diz N ilsson dizendo que o homem homérico crê em intervenção psíquica por ser im pulsivo, dire m os la lvez que e le dá vazão a seus im pulsos por se i socia lm ente condicionado a crerem uma intervenção psíquica. 111. Sobre a importância do medo do ridículo com o motivo social, ver Paul Radin, Prim itive Man as Philosopher, 50. D a c u l t u r a d a v e r g o n h a à c u l t u r a d a culpa II É horrenda co isa ca ir nas m ãos do D eas vivo. Hebreus 10: 31 *m meu primeiro capítulo, discuti a interpretação homéri- humano, entendidos como “intervenção psíquica” - uma interferên cia na vida humana através de agentes não humanos que introduzem algo no homem e, deste modo, influenciam seu pensamento e con duta. Neste capitulo, tratarei de algumas das novas formas assumidas por essas mesmas idéias homéricas ao iongo da era arcaica. Mas se 0 que tenho a di/,er pretende ser inteligível também ao não especia lista, devo começar colocando sobre um mesmo plano, ao menos a lílulo dc esboço, algumas das dilcrcnças que separam a atitude reli giosa deste período arcaico daquelas pressupostas na obra de Homero. Ao final do meu primeiro capítulo, utilizei as expressões “cultura da vergonha” e “cultura da culpa” como rótulos para descrever as duas ¡liiludes em questão. Estou ciente de que tais termos nccessilam a ex plicação de que eles são provavelmente novos para a maior parte dos estudiosos do elassicismo, e dc que sc presiam facilmente a equívo cos. lispero, porém, que aquilo que pretendo com eles se torne claro .i medida em que avançamos. Devo esclarecer, desde logo, dois pon- lo s , Primeiramente, que os utilizo apenas a título de descrição, sem ciu aiiipar junto com eles nenhuma teoria sobre mudanças culturais. 1 ni segundo lugar, que reconheço a relatividade da dislinção, pois li ni ilos modos dc comportamentos característicos das “culturas da ca dos elementos irracionais presentes no comportamento 36 O S GRLXÏOS K O IRRACIONAL vergonha” , na realidade persistiram através dos períodos arcaico e clássico. Há uma transição, mas cía é gradual c incompleta. Quando voltamos nossos olhares de Homero para a literatura fragmentária da Grécia arcaica, e para aqueles escritores do período clássico que ainda preservam uma perspectiva arcaica1- como Pín- daro, Sófocles, e, em grande parte, Heródoto - , uma das^ primei ras _coisas que chamam nossa atenção é a percepção aguda da insegu rança e do desam paro hum anos (a|ar|XOCVia3 ); percepção que encontra seu correlato religioso no sentimento de uma hostilidade di vina - não que a divindade seja encarada como algo malévolo, mas no sentido de que seu poder e sabedoria superiores sempre impedem o homem de se superar e de se elevar acima dc sua esfera própria. É esse sentimento que Heródoto exprime ao dizer que a divindade está sempre <t>0ovepov t e m t Tapa%cü5£ç/ “Ciumenta c pronta a inter ferir” , poderíamos traduzir, mas a tradução não é boa - afinal de contas, como tal poder dominante poderia sentir ciúmes de algo tão pobre quanto o homem? Seria melhor dizer que a idéia que está em jogo é a dc que os deuses ressentem cm nós algum sucesso ou felici dade capa/, de cicvar nossa mortalidade acima do seu status normal, usurpando, dessa maneira, algo que seria prerrogativa das divindades. É claro que tais idéias não eram inteiramente novas. Na ¡liada XXIV. por exemplo, Aquiles, finalmente sensibilizado pelo espetá culo de seu inimigo Príamo derrotado, pronuncia a moral trágica dc todo o poema: “Pois assim os deuses fiaram o destino da pobre hu manidade: a vida do homem deve ser triste, e eles próprios isentos de cuidado.” E o personagem prossegue com a famosa imagem dos dois potes, dos quais Zeus retira presentes bons c maus. A alguns homens ele concede uma mescla dos dois; para outros, o mal em es tado puro, de tal modo que eles vagam atormentados sobre a face da terra, “descuidados de deuses c de homens” .4 Quanto ao bem em es tado puro, ele parece ser uma porção reservada aos deuses. Os potes nada têm a ver com a idéia de justiça. Do contrário, a moral seria falsa, pois na ¡liada o heroísmo não traz felicidade. A única e suficiente recompensa para o heroísmo é a fama. No entan to. os príncipes de Homero atravessam o mundo com ousadia; eles temem os deuses, mas apenas como temem seus líderes. Eles sequer se sentem oprimidos pelo futuro.
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