Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INTRODUÇÃO À RADIOQUÍMICA E À QUÍMICA NUCLEAR W.F. MAGALHÃES E J.C. MACHADO Departamento de Química Instituto de Ciências Exatas Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, outubro de 2016 Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 2 Apresentação Este texto introdutório ao estudo da Química Nuclear e da Radioquímica deve ser visto como um material didático em desenvolvimento para a Disciplina Radioquímica, do Curso de Licenciatura, que prevê uma carga didática de sessenta horas. Em fevereiro de 2002, JCM editou a primeira versão dessa apostila contendo 56 paginas e cobrindo o assunto dos atuais cinco capítulos dessa versão. Posteriormente, WFM reescreveu os capítulos 1 e 2 e revisou os demais capítulos, assim, a apostila alcançou 228 paginas. Em setembro e outubro de 2016 uma nova revisão alterou a numeração e introduziu hiperlinks em todas as equações, tabelas e figuras. Pretendemos futuramente ampliar esse texto transformando-o em um livro. O texto foi preparado tendo como referência básica seis livros textos cobrindo o assunto e uma apostila ; na ordem alfabética são eles : [CHO.64] CHOPIN Gregory R., ―Nuclei and Radioactivity‖, W. A. Benjamin, Inc., N.Y. (1964). [CHO.02] CHOPIN, Gregory; LILJENZIN, Jan-Olov & RYDBERG, Jan, ―Radiochemistry and Nuclear Chemistry‖, 3rd Edition, Butterworth-Heinemann, Woburn, USA (2002). [DUP.74] DUPLÂTRE, G. e MACHADO, J.C., ―Introdução Teórica ao Curso Prático de Detecção de Radiação‖, Departamento de Química – ICEx – UFMG, Belo Horizonte (1974). [FRI.81] FRIEDLANDER, Gerhart ; KENNEDY, Joseph W. ; MACIAS, Edward S. & MILLER Julian Malcolm, ―Nuclear and Radiochemistry‖, John Willey & Sons, New York (1981). [HAR.62] HARVEY, Bernard G., ―Introduction to Nuclear Physics and Chemistry‖, Prentice-Hall International, London (1962). [KEL.88] KELLER Cornelius, ―Ellis Horwood Series in Physical Chemistry, Radiochemistry‖, J. Wiley & Sons, N.Y. (1988). Tendo em vista a carga horária prevista para a disciplina, a novidade do assunto e, até certo ponto, a complexidade e extensão do mesmo, tornou-se necessário selecionar tópicos, apresentando-os de forma mais simples, sem muitos detalhes e aprofundamento, mas de modo a atingir o objetivo da disciplina, ou seja, apresentar informações básicas sobre os processos envolvendo transformações nucleares, a emissão, absorção e deteção da radiação e suas aplicações pacíficas na química, na medicina e na produção de energia, atendendo a necessidade de complementação na formação de um futuro professor de Química do ensino médio. Procuramos, portanto, usar uma linguagem o mais simples possível, mas guardando um certo rigor na utilização de termos e conceitos cujas definições lhes conferem semântica estrita e precisa. Somente a utilização judiciosa, ao longo do texto, da linguagem técnica, pode garantir um processo contínuo de reforço do referido conceito ou definição à medida de sua leitura por parte do estudante. Esperamos alcançar pelo menos parte desse objetivo e, receberemos com satisfação, as sugestões, observações ou críticas desse nosso trabalho, pois estamos certos de que elas resultarão em futuras melhorias dessa nossa primeira proposta. Prof. Welington Ferreira de MAGALHÃES Prof. José Caetano MACHADO Belo Horizonte, outubro de 2016 Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................................... 2 SUMÁRIO ............................................................................................................................................................................. 3 CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................................................................ 6 ESTRUTURA E ESTABILIDADE NUCLEAR ............................................................................................................. 6 1.1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 6 1.2 – BREVE HISTÓRICO DA DESCOBERTA DA RADIOATIVIDADE.................................................................................... 7 1.3 – MODELOS ATÔMICOS ............................................................................................................................................. 16 1.3.1 – Núcleo e nuclídeos ......................................................................................................................................... 17 1.3.2 – Materiais radioativos .................................................................................................................................... 21 1.4 – ESTABILIDADE DOS NUCLÍDEOS ............................................................................................................................. 28 1.5 – PROPRIEDADES DO NÚCLEO ATÔMICO .................................................................................................................. 30 1.5.1 – A Carga Nuclear ............................................................................................................................................ 30 1.5.2 – Massa Nuclear, Massa atômica, Massa do Nuclídeo ou Massa Nuclídica e Peso Atômico .................... 34 1.5.3 – Energia de ligação Nuclear .......................................................................................................................... 39 1.5.4 – Raio nuclear ................................................................................................................................................... 43 1.5.5 – O potencial de interação das forças nucleares ........................................................................................... 48 1.5.6 – Spin e Momentum de Dipolo Magnético Nuclear ........................................................................................ 54 1.6 – ALGUNS DOS MODELOS PARA O NÚCLEO ATÔMICO ............................................................................................. 55 1.6.1 – Modelo Nuclear da gota líquida ................................................................................................................... 56 1.6.2 – Modelo Nuclear de Camadas ........................................................................................................................ 72 1.6.3 – Modelo Nuclear do Núcleo Composto ......................................................................................................... 79 CAPÍTULO 2 ...................................................................................................................................................................... 82 RADIOATIVIDADE ......................................................................................................................................................... 82 2.1 – ESTABILIDADE NUCLEAR E DECAIMENTO RADIOATIVO ........................................................................................ 82 2.1.1 – A simetria, razão nêutron/próton ................................................................................................................. 82 2.1.2 – O emparelhamento de núcleons .................................................................................................................... 83 2.2 – DECAIMENTO (ALFA) ...........................................................................................................................................86 2.3 – DECAIMENTOS ...................................................................................................................................................... 97 2.3.1 - Decaimento – ................................................................................................................................................ 97 2.3.2 – Decaimento + e captura eletrônica – CE .............................................................................................. 103 2.4 – DECAIMENTO (GAMA) OU TRASINÇÃO ISOMÉRICA - TI ................................................................................ 108 2.5 – CINÉTICA DO DECAIMENTO RADIOATIVO E ATIVIDADE ...................................................................................... 114 2.5.1 – Cinética de decaimento de um radionuclídeo puro .................................................................................. 114 2.5.2 – Cinética de decaimento de uma mistura de radionuclídeos .................................................................... 119 2.5.3 - Radioatividade Natural ............................................................................................................................... 125 2.5.3.1 – Famílias Radioativas ..................................................................................................................................... 125 2.5.3.2 – Decaimentos consecutivos, equilíbrios radioativos e relação “pai-filho” .................................................. 126 2.5.3.2.1 – Caso 1, Equilíbrio Secular ................................................................................................................... 131 2.5.3.2.2 – Caso 2, Equilíbrio Transitório ou Transiente .................................................................................... 135 2.5.3.2.3 – Caso 3, Sem Equilíbrio ......................................................................................................................... 141 2.5.4 – Decaimentos ramificados duais ou múltiplos ........................................................................................... 142 2.5.5 – Idade da Terra ............................................................................................................................................ 146 2.6 – FISSÃO ESPONTÂNEA (SPONTANEOUS FISSION – SF) ........................................................................................... 147 2.7 – DECAIMENTO COM A EMISSÃO DE PRÓTONS ....................................................................................................... 154 2.8 – DECAIMENTO COM A EMISSÃO DE FRAGMENTOS PESADOS ................................................................................ 155 2.9 – DECAIMENTO COM A EMISSÃO RETARDADA DE PARTÍCULAS PESADAS ............................................................. 155 Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 4 2.9.1 – Emissão de nêutrons retardados................................................................................................................ 156 2.9.2 – Emissão de prótons retardados ................................................................................................................. 158 2.9.3 – Emissão de partícula alfa retardada ......................................................................................................... 158 2.9.4 – Fissão retardada ......................................................................................................................................... 159 CAPITULO 3 ................................................................................................................................................................... 160 INTERAÇÃO DA RADIAÇÃO IONIZANTE COM A MATÉRIA ...................................................................... 160 3.1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 160 3.2 – INTERAÇÃO DA RADIAÇÃO GAMA COM A MATÉRIA ............................................................................................ 165 3.2.1 - Espalhamento coerente ou espalhamento Bragg ou ainda espalhamento Rayleigh. ............................ 169 3.2.2.– efeito fotoelétrico. ...................................................................................................................................... 170 3.2.3 – Efeito Compton .......................................................................................................................................... 171 3.2.4 – Formação ou produção de par pósitron-elétron. .................................................................................... 173 3.2.5 – Reações foto-nucleares .............................................................................................................................. 174 3.3 – INTERAÇÃO DAS PARTÍCULAS CARREGADAS COM A MATÉRIA ........................................................................ 180 3.3.1 – Partículas ................................................................................................................................................ 180 3.3.2 – Interações das Partículas com a Matéria ............................................................................................. 186 3.3.2.1 – Ionização e excitação .................................................................................................................................... 186 3.3.2.2 – Bremsstrahlung. ........................................................................................................................................... 187 3.3.2.3 – Aniquilação de pósitrons .............................................................................................................................. 189 3.3.2.4 – Radiação Čerenkov ...................................................................................................................................... 189 3.4 – A QUÍMICA SOB EFEITO DAS RADIAÇÕES IONIZANTES - QSERI ...................................................................... 193 CAPÍTULO 4 ................................................................................................................................................................... 196 DETECÇÃO DA RADIAÇÃO IONIZANTE............................................................................................................. 196 4.1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 196 4.2 – EMULSÕES FOTOGRÁFICAS .................................................................................................................................. 196 4.3 – CÂMARAS DE NÉVOA E BOLHAS .......................................................................................................................... 197 4.4 – CONTADORES À IONIZAÇÃO ................................................................................................................................. 198 4.5 – CONTADORES PROPORCIONAIS ............................................................................................................................ 200 4.6 – CONTADORES GEIGER-MÜLLER (GM)............................................................................................................... 201 4.7 – CONTADORES CINTILADORES.............................................................................................................................. 205 CAPÍTULO 5 ................................................................................................................................................................... 209 USOS PACÍFICOS DA ENERGIA NUCLEAR...................................................................................................... 209 5.1 – CONSIDERAÇÕES BÁSICAS SOBRE O USO DE TRAÇADORES RADIOATIVOS ......................................................... 209 5.2 – APLICAÇÕES ANALÍTICAS.................................................................................................................................... 210 5.2.1 – Análise radiométrica .................................................................................................................................. 210 5.2.2 – Diluição isotópica ....................................................................................................................................... 210 5.2.3 – Análise por ativação ................................................................................................................................... 211 5.3 – APLICAÇÕES EM FÍSICO-QUÍMICA E INORGÂNICA .............................................................................................. 213 5.3.1 – Cinética e Mecanismo de Reações. ........................................................................................................... 213 5.3.2 – Estudos estruturais ..................................................................................................................................... 214 5.3.3 – Estudos de difusão ...................................................................................................................................... 214 5.4 – APLICAÇÕES EM SISTEMAS ORGÂNICOS E BIOLÓGICOS ..................................................................................... 215 5.5 – DATAÇÃO POR RADIOISÓTOPO ............................................................................................................................ 216 5.6 - APLICAÇÕES NA INDÚSTRIA , AGRICULTURA E MEDICINA ................................................................................. 217 5.7 – PRODUÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR..................................................................................................................... 219 5.7.1 – Baterias de Isótopos (Usinas termonucleares) ......................................................................................... 219 5.7.2 – Reatores Nucleares ..................................................................................................................................... 220 5.8 – EFEITOS BIOLÓGICOS DA RADIAÇÃO IONIZANTE ................................................................................................ 222 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................................. 223 IUPAC Periodic Table of the Elements [IUPAC.16] ...................................................................................... 228 Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 5 Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 6 CAPÍTULO 1 ESTRUTURA E ESTABILIDADE NUCLEAR 1.1 – Introdução Podemos definir a radioquímica, em uma primeira aproximação, como o estudo dos fenômenos químicos através da manipulação de radionuclídeos emissores de radiação ionizante. O termo radiação ionizante se refere às radiações em forma de partículas e às radiações eletromagnéticas de energias mais altas, i.e., Raios-X e radiação . Desta forma, excluímos a parte do espectro eletromagnético do UV-Vis que, em geral, não conduz à ionização dos átomos e moléculas. São objetos da radioquímica, a produção de compostos marcados com radionuclídeos, os chamados radiotraçadores, os quais são usados para estudos dos mecanismos e das cinéticas das reações químicas. Nesse caso, usando o efeito isotópico sobre a cinética das reações. Os compostos marcados constituem os chamados radiofármacos, utilizados em terapias e para o diagnóstico de certas doenças. Os métodos radioquímicos de análises químicas tais como a diluição isotópica, a análise por ativação neutrônica, ou por meio da radioatividade natural, são outros exemplos de técnicas da radioquímica. Química Sob Efeito das Radiações Ionizantes, impropriamente denominada de Química das Radiações, é o estudo dos efeitos químicos produzidos sobre um dado material por radiação ionizante, isto é, de alta energia, incluindo radiação eletromagnética (Raios-X e raios gama), partículas (alfa. beta prótons e neutros) e fragmentos de fissão e de outras reações nucleares [CHO.64, KEL.88]. Considerando uma definição ampla de fotoquímica, como compreendendo o estudo de todo efeito químico associado à emissão ou absorção de qualquer tipo de radiação [CASTELLAN, G.W., ―Físico-Química‖, Vol. 2, Ao Livro Técnico S/A, Rio de Janeiro, 1973. pag.: 889], a química sob efeito das radiações ionizantes seria uma espécie de sub-área da fotoquímica. Excluiríamos, com esta definição, o estudo da estrutura e propriedades nucleares e das reações nucleares, que seriam objeto da química nuclear. Quando a energia da radiação eletromagnética encontra-se na faixa do espectro correspondente às radiações visível e ultravioleta, as interações da radiação com a matéria são estudadas na Fotoquímica. Enquanto na Química sob Efeito das Radiações Ionizantes somente parte da energia da radiação pode ser transferida em uma interação, o processo não sendo seletivo (embora algumas ligações químicas possam ser quebradas preferencialmente), nos processos fotoquímicos a absorção da energia é quantizada, levando à total absorção da energia da radiação. No processo fotoquímico, excita-se somente um elétron, eventualmente provocando quebra de ligação específica, ou mesmo ionização da espécie. Radioquímica, que algumas vezes é confundida com Química sob Efeito das Radiações Ionizantes, está ligada com a química dos elementos radioativos, o uso de traçadores radioativos e medida de sua radioatividade. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 7 Química Nuclear, por outro lado, é o estudo da estrutura e propriedades nucleares e das reações nucleares. Embora a disciplina tenha sido denominada Radioquímica, em nosso curso serão discutidos alguns conceitos envolvendo tanto a Radioquímica, como a Química Nuclear e, tendo em vista a introdução ao estudo das técnicas de detecção da radiação, alguns conceitos de Química sob Efeito das Radiações Ionizantes serão igualmente abordados. 1.2 – Breve Histórico da Descoberta da Radioatividade A descoberta dos raios-X, por Wilhelm Konrad RÖENTGEN (físico alemão, Rhenanie 1845 – Munique 1923 [REY.87]), ocorreu em 9 de novembro de 1895, como conseqüência de um entendimento equivocado, na época, quanto à origem desta radiação. De fato, cientistas da época acreditavam que a origem dos recém-descobertos Raios-X estava ligada à fluorescência observada nas paredes dos vidros utilizados na confecção dos tubos de descarga. A descoberta da radioatividade aconteceu quase quatro meses após a descoberta dos raios-X. Henri BECQUEREL (físico francês, Paris 1852 – Le Croisic 1908 [REY.87]), (Figura 1.2.1), à exemplo de seu pai Edmond BECQUEREL (físico francês, Paris 1820 – id. 1891 por sua vez filho do físico francês Antoine BECQUEREL, Châtillon-Coligny 1788 – Paris 1878 [REY.87]), que estudara compostos fluorescentes, iniciou seus estudos com várias substâncias fluorescentes, tendo como objetivo verificar se também estas substâncias emitiam Raios-X. A experiência consistia em envolver o material com papel negro e coloca-lo sob uma chapa fotográfica, constituída de uma placa de vidro em cima da qual era colocadoum gel (filme) fotográfico contendo sais de prata. Sabia-se, à época, que os Raios-X, se presentes, passavam através do papel negro e escureciam (velavam) a chapa fotográfica. Entre os materiais fluorescentes anteriormente estudados por BECQUEREL, estava um sal duplo de potássio e uranila (K2UO2(SO4)2.2H2O), por ele sintetizado em 1880. H. BECQUEREL, em 29 de fevereiro de 1896, observou que este sal, mesmo sem prévia excitação com luz solar, emitia uma radiação capaz de atravessar a folha negra de papel fotográfico e escurecer (velar) uma chapa fotográfica (filme fotográfico). Estes resultados foram anunciados na seção semanal da Academia de Ciências de Paris em 2 de março de 1896. A radioquímica já estava, então, sendo aplicada, pois as reações envolvendo a absorção da radiação emitida pelo sal de uranila no gel fotográfico são reações radiolíticas, que conduzem à formação de espécies eletricamente carregadas : elétrons armadilhados nos defeitos do sólido e cargas positivas (buracos) armadilhados nos átomos intersticiais de prata, formando uma imagem virtual do cristal emissor da radiação. A subseqüente revelação do filme leva à redução do sal de prata a prata metálica, produzindo o enegrecimento da placa nos pontos atingidos pela radiação, formando, assim, um negativo fotográfico. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 8 Fig.1.2.1 : Henri BECQUEREL (físico francês, Paris 1852 – Le Croisic 1908 [REY.87]) recebeu juntamente com Marie e Pierre CURIE o prêmio Nobel de física de 1903 pela descoberta da radiação e sua identificação como processo atômico. (Fonte: fig. 1.1 da ref. [EHM.91]) H. BECQUEREL logo verificou que o escurecimento da chapa fotográfica nada tinha a ver com a fluorescência, já que este efeito era observado por outros sais de urânio, mesmo aqueles que não exibiam fluorescência e, no caso dos fluorescentes, mesmo sem a exposição à luz necessária para a manifestação do fenômeno de fluorescência, e até mesmo soluções líquidas de sais de urânio velavam a chapa fotográfica. O método fotográfico era lento e inconveniente para o estudo da radiação observada. Por outro lado, H. BECQUEREL observara que estas radiações, como os raios-X, tinham a propriedade de ionizar o ar, tornando-o condutor de eletricidade. Assim, um corpo carregado, como em um eletroscópio, colocado próximo de uma amostra de urânio, perdia rapidamente sua carga por condução através do ar e este efeito fornecia um método conveniente e sensível, para a medida da intensidade das radiações observadas. A Figura 1.2.2 representa, de modo esquematizado, um desses equipamentos utilizados por H. BECQUEREL [HAR.62], adaptado da obra de Madame CURIE (Traité de Radioactivité), publicado em 1910). Quando o eletroscópio é eletrostaticamente carregado (com a ajuda de um bastão de ebonite esfregado contra um tecido de lã), a folha de ouro é repelida da haste metálica HM e se afasta desta, como mostrado na Figura 1.2.2. Quando o material radioativo é colocado sobre o suporte T, ele ioniza o ar contido dentro da caixa de cobertura, fazendo com que a eletricidade escoe do bloco de material isolante MI, numa taxa proporcional à intensidade da radiação ; isto faz a folha de ouro FO deslocar-se para baixo, reaproximando-se da haste metálica HM. Este movimento pode ser observado com a ajuda de um microscópio de pouca resolução. Vale notar que os materiais apenas fluorescentes, emitindo somente luz visível, não são capazes de descarregar o eletroscópio. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 9 C = Tampa (caixa de cobertura) T = M = Mesa metálica suporte para amostra I = MI = Bloco de material isolante R = HM = Haste metálica B = CX = Caixa L = FO = Fôlha de ouro adaptada à haste metálica, livre para movimentar-se Fig 1.2.2 : Representação esquematizada de um eletroscópio de folha de ouro usado por Becquerel e pels Curies, segundo M. Curie em 1910 (Fonte: fig. 2.1 da ref. [HAR.62]) Imagem inferior o eletroscópio de folhas de ouro foi desenvolvido em 1787 pelo clérigo e físico inglês Abraham Bennet (Fonte: By Sylvanus P. Thompson - Downloaded from Sylvanus P. Thompson (1881) Elementary Lessons in Electricity and Magnetism, MacMillan, New York, p.16, fig. 12, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3967378) Com este equipamento tão simples, Pierre e Marie CURIE (polonesa nascida SKLODOWSKA, Varsóvia, Polônia, em 7 de novembro de 1867 – morreu perto de Salanches, França, em 1934 de leucemia), na França (Figura 1.2.3a e Figura 1.2.3b), e G. SCHIMIDT, na Alemanha, descobriram, no início de 1898, e independentemente, que também o tório era radioativo. Após examinar vários materiais radioativos, o casal CURIE verificou que alguns minerais de urânio eram mais fortemente radioativos que o próprio urânio puro. Esta última observação sugeria que estes minerais continham outras substâncias radioativas, além do urânio. Trabalhos posteriores levaram o casal Curie à descoberta dos novos elementos polônio (A = 210, Z = 84 : 210 Po, t½ = 138,4 d, a concentração de Po-210 na anatureza é aproximadamente 75 μg de Po-210 por ton de U-238, correspondendo a uma atividade de 1.2 × 10 10 desintregrações por segundo ou 1.2 × 10 10 Bq (1 Becquerel, Bq = 1 desintegração por segundo)) e radio (A = 226, Z = 88 : 226 Ra, t½ = 1600 a), em 1898. Ambos elementos eram fortemente radioativos. Este trabalho e outros que se seguiram, levaram o casal Curie propor que a radiação observada nesses materiais era de origem atômica e independia do estado físico e químico dos elementos. Foi este casal que introduziu o termo ―radioatividade‖. Por suas descobertas ligadas à Radioatividade, Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 10 Madame CURIE recebeu o prêmio Nobel de física, juntamente com seu marido Pierre e H. BECQUEREL, em 1903 e, em 1911, recebeu, sozinha, o prêmio Nobel de Química. Fig.1.2.3a : Marie (física francesa nascida SKLODOWSKA na Polônia, Varsóvia 1867 – perto de Sallanches 1934 [REY.87]) e Pierre CURIE (físico francês, Paris 1859 – id. 1906) fotografia tirada em seu laboratório em 1896. Pierre, Marie CURIE e RUTHERFORD receberam o prêmio Nobel de física de 1903 por seus estudos sobre os fenômenos radioativos. Marie CURIE foi a primeira mulher nomeada professora titular na Sorbonne. Ela recebeu o prêmio Nobel de química de 1911 pela descoberta do Po e do Ra. (Fonte: fig. 1.3 da ref. [EHM.91]) Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 11 Fig.1.2.3b : Foto oficial do Nobel de Química 1911, sua assinatura e o diploma do seu prêmio Nobel de física de 1903. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marie_Curie visitado em 03/07/2012 Durante os trabalhos, que levaram à descoberta do polônio (1898), o casal CURIE desenvolveu uma técnica de separação que constitui um dos vários métodos radioquímicos até hoje utilizado (Figura 1.2.4 e Figura 1.2.5). Conforme as palavras da própria Marie CURIE na biografia de Pierre CURIE por ela publicada em 1924 : “… o método que nós usamos é um novo método para a pesquisa química baseada na radioatividade. Ele consiste na separação realizada por processos ordinários da química analítica, e na medida da radioatividade de todos os compostos (frações) separados. Dessa maneira, podemos reconhecero caráter químico do elemento radioativo procurado. As últimas frações se tornavam gradativamente mais radioativas no curso da separação”. O método de separação se inicia pelo ataque ácido do minério pechblenda L(hábito botrióide da uraninita, de altíssima densidade, brilho submetálico e aparência de piche, opaca. Cor preta. Traço preto-acastanhado. A composição está entre UO2 e U3O8 [DAN.69, DAN.71]). Um esquema do método é mostrado na Figura 1.2.5. Neste esquema X representa o polônio, elemento naquela época desconhecido. Em seu segundo artigo, onde ela ainda assina SKLODOWSKA, e o primeiro com Pierre CURIE, em julho de 1898, Marie CURIE escreve no fim do artigo : “Nós acreditamos … que a substância que nós obtivemos da pechblenda contém um metal ainda desconhecido, similar ao bismuto em suas propriedades analíticas. Se a existência deste metal for confirmada, nós propomos que ele seja chamado de polônio, em honra à terra natal de um de nós.” Em 26 de dezembro daquele ano, ainda trabalhando sobre a pechblenda, o casal CURIE, juntamente com BÉMONT, descobriram o rádio, elemento que apresentava todas as características do bário, mas Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 12 que poderia ser separado deste a partir da cristalização fracionada dos respectivos cloretos. (este parágrafo segue de perto texto do livro de J.P. ADLOFF citado na bibliografia). Fig. 1.2.4 : Páginas Do Caderno De P. e M. CURIE onde em 13 de julho de 1898 aparece a primeira menção ao Po. (Fonte: fig. 1.2 da ref. [HAI.57]) Observe à direita no detalhe do topo da primeira pagina onde se lê: 13 de julho ; Sublimação vácuo ; Destilação de sulfetos voláteis ; Sulf Bi Pb e Po Fig. 1.2.5 : Esquema da separação química que conduziu à descoberta do polônio. Os CURIES não foram capazes de separar o Po do Bi por via úmida, mas conseguiram uma separação parcial dos sulfetos por sublimação. (Fonte: fig. 1.1 da ref. [ADL.93]) Em 1899, E. RUTHERFORD (físico inglês nascido na Nova Zelândia, Nelson 1871 – Cambridge 1937 [REY.87] tendo trabalhado no Canadá e Inglaterra) iniciou seus estudos envolvendo o processo de absorção dos raios emitidos pelo urânio, tório e os recém descobertos polônio e rádio. Ele, também, utilizou o eletroscópio para as medidas da intensidade das radiações estudadas. Seus estudos demonstraram que um dos componentes do raio era absorvido por placas de alumínio de poucos centésimos de cm, o qual ele denominou de radiação . O outro componente somente era absorvido por placas de alumínio aproximadamente 100 vezes mais espessas que aquelas que absorviam a radiação . Essa segunda componente da radiação ele denominou radiação . Em seguida RUTHERFORD verificou que a radiação tinha um perfil de penetração, ou de absorção, dado por um decaimento exponencial com uma constante de absorção 15 cm–1. Mme. CURIE demonstrou, em seguida, que o poder de penetração das partículas aumentava à medida que essas penetravam um absorvedor. Ainda em 1899 E. RUTHERFORD e Frederick SODY (químico e físico inglês, Eastbourne 1877 – Brighton 1956 [REY.87]) descobriram o radônio, gás raro radioativo emissor de partículas , que se encontrava nas emanações gasosas provenientes de amostras de rádio, tório ou actínio. A demonstração de que as radiações e tinham um caráter eletro-corpuscular, i.e., de partículas carregadas, ocorreu em 1903, quando RUTHERFORD demonstrou que elas eram defletidas por campos magnéticos e elétricos em direções opostas, Figura 1.2.6. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 13 Fig. 1.2.6 : Separação das radiações , –, + e por campo magnético ou elétrico realizada por Ruterford em 1903. (fig. 2.6 em [KEL.88]). RUTHERFORD também mediu nesses experimentos a relação carga massa dessas partículas e também suas velocidades, sendo que para as partículas a relação carga massa era igual àquela para o elétron e a velocidade praticamente igual a velocidade da luz. Para as partículas , a relação carga massa era metade daquela para o cátion de hidrogênio e a velocidade aproximadamente um décimo da velocidade da luz (2 107 m [HAR.62]). Nesse mesmo ano de 1903, E. RUTHERFORD juntamente com F. SODY, concluíram que as emissões de radiações pelos elementos radioativos advinham da transmutação de um elemento químico em outro, e que esse processo se originaria de transformações subatômicas no interior do átomo. Vale lembrar que a idéia de núcleo atômico ainda não era conhecida naquele momento. Em 1904 W.H. BRAGG evidenciou que as partículas tinham um alcance característico, dependendo do absorvedor e da fonte emissora dessas partículas, não tendo, portanto, um perfil de penetração exponencial, como acreditava RUTHERFORD. Em 1905, von SCHWEIDLER demonstrou a natureza puramente estatística, i.e., aleatória, dos processos radioativos de transmutação. Ele propôs que cada átomo radioativo teria uma probabilidade p, constante no tempo, de sofrer uma transmutação atômica em um dado intervalo de tempo, t, centrado no tempo t. Além do mais, essa probabilidade seria proporcional a t se esse intervalo de tempo fosse suficientemente pequeno, ou seja, p = t, onde seria uma constante característica de cada nuclídeo radioativo. A partir dessa idéia, SCHWEIDLER demonstrou que a lei de decaimento radioativo deveria ser um decaimento exponencial, cuja constante de decaimento seria , o que implicaria que cada nuclídeo teria uma meia-vida t1/2 = ln2/ característica. Esse comportamento já havia sido observado experimentalmente por RUTHERFORD. A hipótese de que as partículas seriam, de fato, átomos de hélio duplamente carregados positivamente foi logo levantada, pois já se sabia da presença desse gás em minérios de urânio e tório. Em 1909 RUTHERFORD e Thomas ROYDS (físico inglês nascido em 1884) demonstraram essa hipótese. Em seus experimentos (Figura 1.2.7) uma fonte de partículas , constituída do gás radônio contido em uma ampola de vidro de paredes finas T, é inserido em outro tubo de vidro S, previamente evacuado, acoplado a um tubo de descarga D. As partículas emitidas pelo radônio atravessam as paredes finas de vidro da ampola T diminuindo sua alta velocidade inicial, quando se neutralizam arrancando elétrons do vidro. O He assim formado se acumula no tubo de vidro S. A quantidade de He produzida vai aumentando à medida que o radônio vai decaindo. Após Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 14 algum tempo o nível do mercúrio no aparelho é elevado, comprimindo o He no tubo de descarga D. Fazendo uma descarga elétrica entre os eletrodos, os átomos de He são eletronicamente excitados e emitem o espectro característico do átomo contido no tubo de descarga. Dessa forma, RUTHERFORD e ROYDS obtiveram o espectro do He, onde antes este átomo não existia, confirmando a natureza atômica das partículas . Algumas outras descobertas importantes, que aconteceram nas primeiras décadas do Século XX, foram: E. RUTHERFORD (Figura 1.2.8) realizou a primeira reação nuclear artificial, ou transmutação nuclear artificial, em 1919, bombardeando nitrogênio gasoso com partículas , eq.1.2.1 Ele propôs, como havia observado MARSDEN em 1914, que átomos de H eram liberados nesse processo e que o átomo de nitrogênio se transformava em outro nuclídeo. BLACKETT, utilizando uma câmara de Wilson, demonstrou posteriormente que o nuclídeo formado era o 17 O : 14 4 17 1 7 2 8 1N He O H (1.2.1) Fig. 1.2.7 :Aparelho usado por RUTHERFORD e ROYDS para a identificação da natureza da partícula como sendo núcleos de He. T = ampola de vidro de parede finas contendo o gás radônio. S = Recipiente de vidro sobre baixa pressão. D = tubo de descarga com seus dois eletrodos aos quais é aplicada uma diferença de potencial. Mercury = mecúrio (Fonte: fig. 2.2 da ref. [HAR.62] Em 1932 o nêutron, cuja existência foi proposta por RUTHERFORD em 1920, foi descoberto por James CHADWICK bombardeando o Li ou o Be ou o B com partículas do Po. Também, em 1932, o pósitron foi descoberto por C.D. ANDERSON através de fotografias dos rastros da radiação cósmica deixados em câmaras de vapor, instrumento inventado por Pierre CURRIE em 1898. Dirac havia previsto teoricamente a existência do pósitron em 1930. Ainda neste mesmo ano de 1932 COCKROFT e E. WALTON construíram o primeiro acelerador de Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 15 partículas (íons positivos) aplicando uma alta tensão de 500 kV em um tubo de descarga. Utilizando prótons (H + ) acelerados nesse equipamento, eles observaram a primeira reação de fusão de dois átomos leves : 7 Li + 1 H 2 4He. A medida da energia cinética dos átomos de He produzidos mostrou-se superior àquela dos átomos alvo e projétil (reagentes), e essa foi a primeira comprovação da relação de EINSTEIN entre a massa e a energia, uma vez que a massa dos produtos era menor que a dos reagentes. Fig. 1.2.8 : Ernest RUTHERFORD (físico inglês nascido na nova Zelandia, Nelson 1871 – Cambridge 1937 [REY.87]), à direita, conversando com Ratcliffe em 1935 em seu laboratório em Cambridge na Inglaterra. RUTHERFORD recebeu o prêmio Nobel de física em 1908 pelo seu trabalho de caracterização dos diferentes modos de decaimento radioativo, estudos do radônio e do decaimento do urânio e tório em outros elementos. (Fonte: fig. 1.4 da ref. [EHM.91]). Fig.1.2.9 : Irene JOLIOT-CURIE (física francesa filha de Marie CURIE, Paris 1897 – id. 1956 [REY.87]) e Frederick JOLIOT (físico francês marido de Irene, Paris1900 – id. 1958 [REY.87]), participaram da identificação do nêutron juntamente com CHADWICK. Frederick descobriu a aniquilação do pósitron em 1933 e o casal JOLIOT-CURIE observaram a formação de par, logo em seguida, tendo recebido o prêmio Nobel de química de 1935 pela produção de radioisótopos artificiais. (Fonte: fig. 1.8 da ref. [EHM.91]) Irene JOLIOT-CURIE, filha de Marie e Pierre CURIE, e seu marido Frederick JOLIOT (Figura 1.2.9) descobriram, em 1934, os primeiros radioisótopos produzidos artificialmente, o nitrogênio-13, 13 N, e o fósforo-30, 30 P, a partir do bombardeamento do boro e do alumínio, respectivamente, com partículas emitidas pelo polônio [JOL.34]. Eles estavam pesquisando a emissão, a partir de radionuclídeos, do recém descoberto pósitron. Os radionuclídeos N-13 e o Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 16 P-30 decaem com emissão de pósitrons e com vidas-médias 9,96 min e 2,50 min, respectivamente. Em 22 de dezembro de 1938 os químicos alemães Otto HAHN e Fritz STRASMANN submeteram um artigo, publicado em 6 de janeiro de 1939, anunciando a fissão nuclear do urânio bombardeado com nêutrons. 1.3 – Modelos Atômicos De acordo com o modelo atômico de Niels BOHR (físico dinamarquês, Copenhague 1885 – id. 1962), de 1913, o átomo pode ser visto como uma esfera, constituída de um núcleo central extremamente pequeno, envolvido por camadas de elétrons em órbitas circulares com raios e energias quantizadas, de tal forma que o comprimento de suas órbitas seja um múltiplo inteiro de comprimentos de ondas de de BROGLIE (Louis de BROGLIE físico francês, Dieppe 1892, prêmio Nobel de física de 1929, secretário da Acad. Francesa de Ciência de 1942 a 1975 [REY.87]). No átomo neutro, o número de núcleons carregando carga positiva, isto é, os prótons, formam o número atômico, Z, que é igual ao número de elétrons, cuja energia de ligação decresce à medida que se afastam do núcleo, de tal modo que os elétrons nas camadas mais externas é que são os responsáveis pelas ligações e propriedades químicas. Esta visão do átomo, entretanto, era bem diferente no início do século XX. De acordo com o modelo proposto por Joseph John THOMSON (físico inglês, Cheehan Hill 1856 – Cambridge 1940 [REY.87]), em 1908, os elétrons deveriam estar dispersos com uma certa ordem fixa em uma esfera contínua de eletricidade positiva, como “um pudim com passas” (veja Figura 1.3.1). Em 1911, RUTHERFORD propôs um modelo baseado nas experiências com espalhamento de partículas , realizadas em 1909 por Hans GEIGER (físico alemão, Neustadt 1882 – Berlin 1945, determinou a carga da partícula em 1908, inventou, em 1913, juntamente com RUTHERFORD, o contador Geiger [REY.87]) e Ernst MARSDEN na universidade de Manchester [DAS.94]. Eles utilizaram uma película metálica de ouro para espalhar as partículas , e observaram as imagens registradas em uma placa de vidro recoberta com uma fina camada de ZnS (Figura 1.3.2) (era, de fato, a descoberta do núcleo). De acordo com seu modelo, conhecido como “modelo do sistema solar miniaturizado”, o átomo era constituído de um núcleo formado por partículas de massa significativa e de carga positiva, que ocupariam uma pequena parte do volume total do átomo. Esta parte do átomo, responsável por praticamente toda a massa do átomo, era circundada por partículas negativas, os elétrons, em número suficiente para neutralizar a carga positiva localizada no núcleo e que girariam em torno deste, como um sistema solar miniaturizado. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 17 Fig. 1.3.1 : No canto esquerdo superior e na metade inferior representações do modelo nuclear de J.J. THOMSON (―grapes-in-jello‖). No canto direito superior representação do modeleo de H. RUTHERFORD (―Modelo do sistema solar miniaturizado‖) (Fontes: fig. 1-1 da ref. [CHO.64] e Web) Fig. 1.3.2 : Equipamento de Hans GEIGER e Ernst MARSDEN para o estudo do espalhamento de partículas . R = fonte radioativa, O = fenda colimadora, B = feixe de partículas, F = folha de ouro, S = tela fluorescente de ZnS, M = microscópio, C = junção cônica que permite girar a fonte radioativa e a folha metálica ao redor da tela fixa (Fonte: fig. 1-1 da ref. [HAR.62]) 1.3.1 – Núcleo e nuclídeos Durante muitos anos acreditou-se que o núcleo do átomo era constituído por prótons e elétrons, esta era a chamada hipótese do próton–elétron. De acordo com este entendimento, o átomo de nitrogênio, por exemplo, seria constituído por 14 prótons e 7 elétrons, em um núcleo central e outros sete elétrons, extranucleares, girando em torno deste núcleo. Esta idéia permaneceu até 1932, quando James CHADWICK (físico inglês, Manchester 1891 – Cambridge 1974 [REY.87]) demonstrou a existência do nêutron, que havia sido proposta por H. RUTHERFORD em 1920, dando início ao modelo que hoje conhecemos. Assim, para o átomo de nitrogênio, tem-se : 7 p + 7 n + 7 e – . núcleons Os núcleos atômicos são constituídos de núcleons : prótons (Z) + neutrons (N) e o número de núcleons é : (A = Z+N), com carga Z característica. deve-se lembrar que um nêutron livre (não ligado) é instável e desintegra-se (decai) de acordo com com a reação da eq.1.3.1.1 : Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 18 1/ 2 10,6minen p e t E (1.3.1.1) onde e é o antineutrino do elétron e E = 0,77 MeV é a energia liberada no processo, essa reação ocorre porque, como veremos adiante, a massa do nêutron é maior que a do próton. nuclídeos Um nuclídeo é uma espécie constituída de um número definido de prótons (Z) e número definido de nêutrons (N), em seu núcleo atômico. Todos os átomos com Z e N iguais pertencem ao mesmo nuclídeo, que podem ser estáveis ou instáveis, estes últimos sendo radioativos e denominados radionuclídeos. A convenção internacional de representação de um nuclídeo é: XAZ em que A é o número de núcleons e Z o número atômico. Se o nuclídeo aparece em alguma formula química, então a ele poderá estar associado uma carga e um índice representando quantos átomos daquele elemento deve conter o composto. Nesse caso a carga é escrita como sobrescrito à direta do símbolo e o índice como subscrito à direita do símbolo. e.g.: 22 17 11 2 8Na O para representar o óxido de sódio contendo os radioisótopos do sódio e do oxigênio, ambos emissores de pósitrons. Isótopos e isóbaros Nuclídeos com mesmo Z, mas diferentes A são denominados isótopos (mesma posição) e se mesmo A, mas diferentes Z, são denominados isóbaros (mesma massa). Por exemplo, o hidrogênio possui três isótopos, que são os únicos a possuírem nomes específicos : 1 H (hidrogênio) , 2 H = D (deutério) e 3 H = T (trítio, radioativo). É importante ressaltar que é muito comum o uso incorreto do termo isótopo quando está se referindo a nuclídeo de diferentes números atômicos. Recomendamos que isso deva ser evitado, especialmente na prática pedagógica. As primeiras evidências de que existiriam radionuclídeos, hoje denominados isótopos, surgiram com a constatação, a partir de 1910, em especial dos trabalhos de SODY, de que as 3 famílias radioativas naturais : a do U-238 (4n + 2), a do Th-232 (4n) e a do U-235 (4n + 3), produziam espécies radioativas com propriedades químicas idênticas, e que portanto deveriam pertencer ao mesmo elemento, mas com diferentes propriedades radioativas. Naquela época essas famílias radioativas eram chamadas as famílias do UI, do Th e do AcU, respectivamente, todas envolvendo decaimentos e . Além do mais, todas elas terminavam por produzir chumbo, como nuclídeo estável final. Esperava-se, porém, que esses 3 chumbos tivessem massas atômicas diferentes. Em 1912 THOMSON obteve uma ligeira Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 19 separação dos 2 isótopos naturais, e não radioativos, do neônio, fazendo o gás, mistura dos 2 isótopos, difundir repetidamente através de um tubo de argila. Ele usava, nesse momento, a teoria cinética dos gases que previa que moléculas ou átomos gasosos de diferentes massas se difundiriam com velocidades proporcionais ao inverso de suas massas molares. Em seguida ele determinou a razão carga/massa das frações obtidas utilizando um esquema de deflexão de um feixe de íons de neônio através de campos elétrico e magnético, encontrando para o valor de suas massas atômicas, respectivamente 20,15 e 22,28 g mol –1 , os valores atuais sendo, para o Ne-20, 19,9924 g mol –1 e para o Ne-22, 21,9914 g mol –1 com, respectivamente, as abundâncias isotópicas 90,51 e 9,22%. Em 1914, SODY e HYMAN determinaram a massa atômica do chumbo obtido da torita, um mineral do tório, como sendo 207,74 g mol –1 , enquanto RICHARDS e colaboradores obtiveram um valor de 206,08 g mol –1 para o chumbo extraído do mineral de urânio clevita. Em 1919, ASTON, usando, um equipamento de deflexão por campo elétrico e magnético mais preciso, ao qual ele chamou de espectrógrafo de massa, demonstrou que muitos elementos eram constituídos de uma mistura de isótopos, cujas massas atômicas eram muito próximas de valores inteiros da unidade de massa atômica. A adoção definitiva do termo isótopo, entretanto, só pôde ser feita após a descoberta do nêutron em 1932 e a confirmação da hipótese próton-nêutron para a constituição do núcleo. Vale ressaltar que o deutério, cuja abundância isotópica é de míseros 0,0148%, somente foi isolado em 1933 na Alemanha durante pesquisas militares do terceiro Reich. A quantidade de isótopos naturais estáveis de um elemento é muito variável, sendo o Bi- 209 o mais pesado deles, visto que o U-238 (99,28%, 4,47 109 a), o U-235 (0,72%, 7,04 108 a), o U-234 (0,0055%, 2,44 105 a) e o Th-232 (100%, 1,405 1010 a) são nuclídeos naturais, mas não são estáveis, já que todos eles sofrem decaimento . Os Elementos tecnécio e promécio são os únicos elementos abaixo do bismuto que não possuem isótopos naturais estáveis, sendo o Tc-97 (t1/2 = 2,6 10 6 a), o Tc-98 (t1/2 = 4,2 10 6 a), o Tc-99 (t1/2 = 2,1 10 5 a), o Pm- 145 (t1/2 = 17,7 a), o Pm-146 (t1/2 = 5,53 a), e o Pm-147 (t1/2 = 2,62 a) os isótopos de meias vidas mais longas desses elementos. Os nuclídeos Be-9, F-19, Na-23, Al-27, P-31, Sc-45, Co-59, As- 75, Y-89, Nb-93, Rh-103, I-127, Cs-133, Pr-141, Tb-159, Ho-165, Tm-169, Au-197 e o Bi-209 são os únicos isótopos naturais estáveis desses elementos. Os elementos cádmio, xenônio e o estanho são os elementos que apresentam as maiores quantidades de isótopos naturais, respectivamente, 8, 9 e 10 isótopos. Abundância natural dos isótopos estáveis de um elemento é, em geral, constante no tempo e independente da fonte ou origem do elemento. Assim, as massas molares dos elementos encontradas nas tabelas periódicas, são calculadas como a média ponderada, pelas suas abundâncias isotópicas, das massas, expressas em g mol –1 , de seus isótopos naturais estáveis, e são também constantes. Em algumas situações, porém, a abundância isotópica de certos elementos é diferente dos valores adotados para os cálculos das massas molares. Em minerais de urânio e tório, os isótopos Pb-206, Pb-207 e Pb-208, produtos finais das 3 famílias radioativas naturais, ocorrem em proporções maiores que as esperadas relativamente ao Pb-204 que não é radiogênico (originado de um processo radioativo). Em cavidades fechadas de minerais contendo urânio ou tório e em poços de gás natural a quantidade de He-4 relativamente a de He-3 é muito maior que aquela encontrada na atmosfera. Isto se deve à produção de He-4, a partir da neutralização das partículas emitidas pelos radionuclídeos das 3 famílias radioativas naturais mencionadas acima. Devido à maior velocidade de difusão e ao menor ponto de ebulição das moléculas constituídas de isótopos mais leves de um dado elemento, certas fontes dessas moléculas podem se apresentar enriquecidas das moléculas constituídas pelos isótopos mais pesados. Estes fenômenos são conhecidos como efeitos isotópicos sobre a cinética Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 20 e sobre o equilíbrio das transformações de estado termodinâmicas. Efeitos isotópicos sobre a posição de equilíbrio das reações químicas podem também favorecer o enriquecimento de certos isótopos em alguns compostos [FRI.81]. Considerando o total de isótopos de um dado elemento, estáveis ou não, naturais ou sintéticos, o hidrogênio é o elemento que possui o menor número de isótopos, apenas 3, já os elementos com maiores números de isótopos : Sn, In, Pt, Hg, Te, Ba, Pb, Cs, e Xe possuem, respectivamente, 29, 29, 29, 30, 30, 30, 30, 31 e 32 isótopos conhecidos até 1981 [FRI.81]. Evidentemente, não foram contados os vários isômeros (cf. definição abaixo) desses nuclídeos. Outras definições: Radioisótopos – são isótopos radioativos de um elemento. Isótonos – são nuclídeos com mesmo número N de nêutrons, por exemplo: 36 16S , 37 17Cl , 38 18Ar , 39 19K , 40 20Ca (todos tem mesmo número de nêutrons, isto é, 20). Isômeros – são nuclídeos que se diferenciam apenas no estado de energia de seu núcleo, tendo o mesmo número de prótons e nêutrons. Em 1922 quando HAHM mostrou que as espécies radioativas, naquela época, denominadas de UX2 (Pa-234m) e UZ (Pa-234) teriam o mesmo número atômico (91) e o mesmo número de massa (234), como então era chamado o hoje denominado número de núcleons, foi quando se descobriu o fenômeno do isomerismo. Os isômeros de um nuclídeo podem estar no seu estado fundamental de energia (estado de mais baixa energia, às vezes indicado com a letra g do lado direito de seu número de núcleons) ou em estados excitados de energia. Os isômeros excitados não são estáveis e decaem, em geral emitindo apenas radiação gama, para o estado fundamental com meias vidas características. Quando essa meia vida é maior que 1 s (microssegundo) o nuclídeo é chamado de isômero metaestável (m), caso contrário, ele é designado de estado excitado. Exemplos são apresentados nas reações das equações eq.1.3.1.2, eq.1.3.1.3, eq.1.3.1.4, eq.1.3.1.5, e eq.1.3.1.6 : 1/ 2 18,75 s46 46Sc Sc γtm g (1.3.1.2) 1/ 2 56,114 min103 103Rh Rh γtm g (1.3.1.3) 1/ 2 25,2 s211 207 γ 0,02% Po Pb αtm g (1.3.1.4) 1/ 2 43,9 a121 121 β 22,4% Sn Sb γtm g (1.3.1.5) 1/ 2 6,472 h82 82 γ 0,33% Rb Kr βtm g (1.3.1.6) No caso das duas primeiras reações, radiações gama são emitidas mas, de um modo geral, não são representadas. Essas reações nucleares podem ser representadas de outra forma. No caso das Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 21 três primeiras reações acima (eq.1.3.1.2, eq.1.3.1.3, eq.1.3.1.4) podemos escrever equações simplificadas e equivalentes, respectivamente, eq.1.3.1.7, eq.1.3.1.8, eq.1.3.1.9 : 1/ 2 18,75 s46 46 γ Sc Sc tm g (1.3.1.7) 1/ 2 56,114min103 103 γ Rh Rh tm g (1.3.1.8) 1/ 2 25,2 s211 207 α Po Pb tm g (1.3.1.9) onde as radiações emitidas são colocadas debaixo das setas entre reagentes e produtos. Para a eq.1.3.1.9 lê-se: o radionuclídeo 211Po, metaestável (m), desintegra-se formando o nuclídeo 207 Pb, com uma meia-vida (t1/2) de 25 segundos, emitindo partículas . (t1/2 é o tempo necessário para que a metade dos nuclídeos se desintegrem, isto é, a radioatividade caia para a metade de seu valor inicial). Exercício 1.3.1.1 : Escreva os textos com as leituras das reações de decaimento radioativo das equações eq.1.3.1.7, eq.1.3.1.8, eq.1.3.1.10, eq.1.3.1.11 e eq.1.3.1.12 : 1/ 2 43,9 a121 121 77,6 % Sn Sb tm g (1.3.1.10) 1/ 2 6,472 h82 82 γ, β 99,77% Rb Kr tm g (1.3.1.11) 1/ 2 2,55 a22 22 11 10β , CE Na Ne t (1.3.1.12) 1.3.2 – Materiais radioativos São materiais contendo radionuclídeos, em concentrações mensuráveis, já que praticamente todos materiais contêm alguma espécie radioativa, mas em quantidades muito pequenas, dificilmente mensuráveis. O material radioativo pode ser : natural, ou sintético (isto é, preparado em laboratórios especiais, por exemplo, através do bombardeamento de certos núcleos com partículas, como , , p, d, etc.). Materiais ou fontes radioativas fechadas são aqueles em que o radioisótopo encontra-se preso (encapsulado) no interior de um sólido (matriz sólida), com espessura de no mínimo 5 mm, impedindo, assim, sua liberação para o meio ambiente. Caso contrário, a fonte é dita aberta. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 22 Todos os elementos acima do bismuto (Z = 83) são radioativos. Entre eles, todos aqueles que ocorrem na natureza são produtos da série de decaimentos radioativos e – das três famílias ou séries naturais : a do urânio-238, a do urânio-235, inicialmente conhecido como actínio- urânio – AcU – daí a série ser também chamada de família do actínio, e a do tório-232, (veja as Figura 1.3.2.1, Figura 1.3.2.2 e Figura 1.3.2.3), respectivamente. Esses três radionuclídeos têm meias vidas muito longas (maior que 10 8 anos) e, por isso, ainda são encontrados na natureza e constituem os pais de cada uma dessas famílias. Após uma série de decaimentos radioativos e –, cada um desses nuclídeos produzem seus filhos, netos, bisnetos, etc, até que, finalmente, todas as séries terminem por produzir um isótopo estável do chumbo, respectivamente, o 206 Pb, o 207 Pb, e o 208 Pb. É fácil verificar nas Figura 1.3.2.1, Figura 1.3.2.2 e Figura 1.3.2.3 que os números de núcleons de todos os nuclídeos pertencentes a cada uma dessas séries podem ser obtidos pelas expressões 4n+2, 4n+3 e 4n, onde n é um número inteiro adequado. Por exemplo n = 59 resulta em A = 4 59 + 2 = 238, o número de núcleons do primeiro radionuclídeo da família do 238 U; já n = 51, resultaria em A = 206, o número de núcleons do último nuclídeo dessa série. Não existe a família radioativa natural 4n+1, pois seu nuclídeo pai é o 237 Np de vida média de 2,14 106 anos, muito menor que a idade da terra, por isso ele não pode ser encontrado na natureza. Produzido sinteticamente, o Np-237 decai em uma série de decaimentos radioativos e – até produzir o nuclídeo estável 209Bi (cf. Figura 1.3.2.4). Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 23 Fig. 1.3.2.1 : Família radioativa natural do U-238, ou série 4n+2. (Fonte: fig. 1.1 da ref. [FRI.81]) O Cm-246 é avô lábil do U-238. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 24 Fig. 1.3.2.2 : Família radioativa natural do U-235, ou série 4n+3. (Fonte: fig. 1.3 da ref. [FRI.81]) O Cm-243 é avô lábil do U-235. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 25 Fig. 1.3.2.3 : Família radioativa natural do Th-232, ou série 4n. (Fonte: fig. 1.2 da ref. [FRI.81]) O Cm-244 é bisavô lábil do Th-232. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 26 Fig. 1.3.2.4 : Família radioativa sintética do Np-237, ou série 4n+1. (Fonte: fig. 1.4 da ref. [FRI.81]) O Es-249 é bisavô lábil do Np-237. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 27 Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 28 Em 1906, N.R. CAMPBELL e A. WOOD descobriram que havia uma leve radiação no potássio e no rubídio. Em 1932, G. HEVESY e M. PAHL detectaram emissões de radiação do samário. Nos anos que se seguiram, outros radionuclídeos naturais foram descobertos (vide Tabela 1.3.2.1). Um dos fatores que dificultam a descoberta de radionuclídeos naturais reside no fato de que, em geral, eles possuem baixa abundância isotópica e/ou meias vidas muito longas. Isso torna suas atividades (quantidade de radiação emitida pela amostra radioativa, por unidade de tempo) muito baixas, tornando-os de difícil detecção, especialmente devido à contagem de fundo (ou ruído de fundo ou em inglês background) causada pela radiação oriunda da presença de urânio, tório e potássio no solo e alvenaria do laboratório, assim como devido à radiação cósmica. Tab. 1.3.2.1 : Nuclídeos radioativos que ocorrem na natureza, mas não fazem partedas 3 famílias radioativas naturais. (adaptado da Tab. 1.1 da ref. [FRI.81]) Nuclídeo radioativo Tipo de desintegração Meia-vida anos Abundância isotópica % Produtos estáveis de desintegração K-40 –, EC, + 1,28 109 0,0117 Ca-40, Ar-40 Rb-87 – 4,8 1010 27,83 Sr-87 Cd-113 – 9 1015 12,2 In-113 In-115 – 5,1 1014 95,7 Sn-115 La-138 EC, – 1,1 1011 0,089 Ba-138, Ce-138 Nd-144 2,1 10 15 23,8 Ce-140 Sm-147 1,06 10 11 15,1 Nd-143 Sm-148 8 10 15 11,3 Nd-144 Gd-152 1,1 10 14 0,20 Sm-148 Lu-176 – 3,6 1010 2,61 Hf-176 Hf-174 2,0 10 15 0,16 Yb-170 Re-187 – 4 1010 62,60 Os-187 Pt-190 6 10 11 0,013 Os-186 1.4 – Estabilidade dos nuclídeos A IUPAC e a IUPAP reconhece desde 08 de janeiro de 2016 a existência de 118 elementos [IUPAC.16], sendo que somente 81 deles possuem isótopos estáveis, o mais pesado deles sendo o Bi-209 ou 209 83 Bi . Os (109 – 81) = 28 elementos restantes são todos radioativos, o U-238 ou 238 92 U sendo o elemento natural mais pesado. O roentgênio 272 111 Rg foi o último elemento a ter sua descoberta reconhecida e nome definitivo adotado. Os elementos de Z = 113, 115, 117 e 118 já tiveram suas sínteses anunciadas, mas a IUPAC e a IUPAP aguardam novos resultados que confirmem os já anunciados, para só então reconhecerem os descobridores desses elementos e seus nomes propostos pelos pesquisadores que reclamam suas descobertas (sínteses). Por enquanto esses elementos têm nomes e símbolos provisórios, a saber : Uut-113 ununutrio, Uup-115 ununpentio, Uus-117 ununséptio e Uuo-118 ununóctio. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 29 Levando-se em conta que o número de isótopos de cada elemento pode variar de 3 (H) a 29 (Pt), eram conhecidos, no início de 1980, mais de 2500 [FRI.81] nuclídeos, sendo que somente 271 deles são estáveis, os demais radioativos. Se considerarmos apenas os 271 nuclídeos estáveis sua distribuição é mostrada na Tabela 1.4.1 : Tab. 1.4.1 : Distribuição dos nuclídeos estáveis existentes na natureza. Tipo de nuclídeo Número de nuclídeos estáveis g,g 162 g,u 55 u,g 49 u,u 5 g = par e u = ímpar (gerade e ungerade em alemão) Esta distribuição, nada aleatória, indica que por alguma razão os nuclídeos g,g, de número par de prótons e número par de nêutrons, devem ser mais estáveis que os demais. Os cinco nuclídeos u,u : 2 H, 6 Li, 10 B, 14 N 50 V, são leves, não existindo nuclídeo desse tipo pesado (o 180 Ta, não se sabe ao certo, talvez seja estável, sua vida média é maior que 1,2 × 10 15 a e sua abundância isotópica é 0,01201% [NNDC.BNL]). Outra observação empírica é resumida na chamada regra isobárica de MATTAUCH : ―Não existe um par de isóbaros estáveis cujos números atômicos difiram apenas de uma unidade‖. As únicas exceções conhecidas a essa regra são : 50 50 50 22 23 24Ti V Cr ; 113 113 48 49Cd In e 180 180 72 73Hf Ta , embora os raros nuclídeos 50 23 V e 180 73 Ta possam ser radioativos com meias vidas extremamente longas (V-50: t½ > 2,1 × 10 17 a, 0,250% ; Ta-180: t½ > 1,2 × 10 15 a, 0,01201% [NNDC.BNL]). Essa regra foi útil na descoberta de novos radionuclídeos, e portanto instáveis, como o 40 K o 138 La e o 176 Lu nas série isobáricas : 40 40 40 18 19 20Ar K Ca , 138 138 138 56 57 58Ba La Ce , 176 176 176 70 71 72Yb Lu Hf . A distribuição dos nuclídeos estáveis apresentada na Tab. 1.2 e a regra de MATTAUCH deram subsídio para o desenvolvimento do modelo nuclear da gota líquida e podem ser entendidas com base. Os nuclídeos não estáveis procuram alcançar a estabilidade através de uma transmutação nuclear radioativa ou decaimento radioativo ou, ainda, desintegração nuclear, no qual o núcleo instável se transforma em outro núcleo, estável ou não, alterando sua composição nuclear, no que se refere ao seu número de prótons e de nêutrons, ou sua configuração nuclear, alterando seu nível de energia potencial interno. Nesse processo, uma radiação é emitida, a qual, contendo uma certa quantidade de energia, contribui para diminuir a alta quantidade de energia contida no núcleo originalmente instável. As radiações que podem ser emitidas nesse processo de estabilização nuclear se dividem em dois tipos : radiações corpusculares e eletromagnéticas. Os tipos mais comuns de radiações corpusculares são as radiações e . Quanto à radiação Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 30 eletromagnética emitida nesses processos, ela, em geral, se encontra na faixa de energias desde algumas dezenas de elétron volts (eV), correspondendo a raios-X, até alguns milhões de elétron volts (MeV), correspondendo às chamadas radiações gama (). No decaimento com emissão de radiação eletromagnética não ocorre alterações no número atômico ou de núcleons do nuclídeo, mas tão somente uma alteração da distribuição desses núcleons pelos níveis energéticos nucleares, que passando a ocupar níveis de mais baixas energias, liberam a diferença de energia – E –, entre esses níveis de energias nucleares, através da radiação eletromagnética emitida. Assim temos : E = h = h/(c), onde e são, respectivamente, a freqüência e o comprimento de onda da radiação emitida. As reações eq.1.3.1.2, eq.1.3.1.3, eq.1.3.1.7 e eq.1.3.1.8 acima são exemplos típicos de decaimento gama. No decaimento beta duas situações podem ocorrer : o decaimento beta menos – – –, mais comum nos radionuclídeos naturais, e o decaimento beta mais – +. No primeiro caso, o número atômico do nuclídeo produto da desintegração radioativa, chamado de nuclídeo filho, é uma unidade maior que do nuclídeo original, o nuclídeo pai, enquanto seu número de núcleons permanece inalterado (vide reações eq.1.3.1.5 e eq.1.3.1.10. No segundo caso, o número atômico do nuclídeo filho é reduzido de uma unidade, sem alteração em seu número de núcleons (vide reações das eq.1.3.1.6, eq.1.3.1.11 e eq.1.3.1.12. Nos decaimentos com emissão de partículas , ocorre, simultaneamente, uma redução de duas unidades do número atômico e de quatro unidades do número de núcleons do nuclídeo filho em relação a esses valores do nuclídeo pai (vide reações eq.1.3.1.4 e eq.1.3.1.9. 1.5 – Propriedades do Núcleo Atômico 1.5.1 – A Carga Nuclear De acordo com o modelo nuclear de H. RUTHERFORD o núcleo teria uma carga positiva distribuída em um volume muito menor que o do próprio átomo. Essa carga altamente concentrada seria responsável pelo espalhamento das partículas , em especial causando grandes ângulos de espalhamento observados por GEIGER e MARSDEN (Figura 1.3.2 e Figura 1.5.1.1). Trabalhando com a hipótese de que a carga nuclear era puntual, que quase toda a massa do átomo se concentra nesse ponto eletricamente carregado, e que permanece imóvel durante o choque com a partícula , RUTHERFORD deduziu a eq.1.5.1.1a: Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 31 d E eZZlN n dn 2sin 1 416 4 2 0 2 (1.5.1.1a) onde : dn() é o número de partículas que se chocam por unidade de tempo em uma pequenina (a rigor infinitesimal) área circular unitária, centrada no ângulo , da placa fluorescente de ZnS, colocada a uma distância r do alvo, r é a distância da placa circular fluorescente de ZnS, ao pontode incidência do feixe do projétil sobre a folha metálica do alvo. é o ângulo de espalhamento medido no centro da área unitária da placa fluorescente de ZnS, onde se está contando as cintilações provocadas pelas partículas , d é o ângulo sólido que engloba a área unitária da placa fluorescente de ZnS, referida acima, que é constante se essa placa está à distância fixa da folha metálica, vide Figura 1.3.1, n(0) é o número de partículas que atravessam uma área unitária, por unidade de tempo, no feixe incidente de partículas , i.e., é a intensidade do feixe incidente, que é uma constante, N é o número de átomos alvo por unidade de volume. i.e., N = NA/M. M = massa molar do metal alvo. NA = número de Avogadro. = densidade específica do metal alvo, l é a espessura da folha metálica (em geral de ouro) usada como alvo, Z e Z é o número atômico do átomo projétil (4 no caso da partícula ) e do átomo alvo (79 no caso do Au), respectivamente. Em geral estamos interessados em determinar Z, e é a carga elementar de elétrons e prótons (e = 1,6021910–19 C), o é a Constante dielétrica do vácuo, E é a energia cinética das partículas incidentes. i.e., E = 1/2 mv 2 ., onde m é a massa da partícula e v sua velocidade. Como a energia cinética das partículas oriundas do radionuclídeo 210Po (E = 5,30415 MeV [KNOL.89]) usado nesses experimentos era conhecida, e as demais grandezas eram mensuráveis, pode-se determinar o número atômico Z do átomo alvo, com facilidade. A expressão da eq.1.5.1.1a está escrita na forma de um diferencial. Podemos também escrevê-la em sua forma integrada, considerando que contamos o número de partículas por unidade de tempo que alcançam uma superfície circular unitária finita, centrada no ângulo e a uma distância r da folha metálica, assim, obtemos a expressão da eq.1.5.1.1b : 2 2 α 2 4 0 α 0 1 16 4 sin 2 n Nl Z Z e n r E (1.5.1.1b) Onde os símbolos têm os mesmo significados definidos acima para a eq.1.5.1.1a. Essa forma para a equação de RUTHERFORD é de mais fácil compreensão. De acordo com as eq.1.5.1.1a ou eq.1.5.1.1b os produtos dn sen4(/2) ou n sen4(/2), respectivamente, devem ser constantes. O que pode ser verificado na Tabela 1.5.1.1, que mostra alguns resultados típicos nesse tipo de experimento. Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 32 Tab. 1.5.1.1 : Resultados típicos de um experimento de espalhamento de partículas por uma folha de ouro como no experimento de GEIGER e MARSDEN. (tabela adaptada da Tabela 1.1 em [HAR.62]) Ângulo de deflexão, /graus Número de flashes por unidade de tempo, n Produto : n sen4(/2) 30 7800 35,0 37,5 3300 35,3 45 1435 30,8 60 477 29,8 75 211 29,1 105 69,5 27,5 120 51,9 29,0 135 43,0 31,2 150 33,1 28,8 As eq.1.5.1.1a e eq.1.5.1.1b foram deduzidas considerando o núcleo como pontual e imóvel, o que gera imprecisão na determinação do número atômico do alvo, em especial para átomos leves. Mas é fácil perceber que o número de partículas espalhadas, para um dado ângulo, é proporcional ao quadrado da carga, em unidades da carga do elétron do núcleo alvo e, portanto, ao quadrado do número atômico. Até aquela data, o número atômico representava apenas a posição do elemento na tabela periódica, agora se via que esse número corresponderia à carga nuclear, ao número de elétrons extranucleares e determinaria as propriedades químicas do elemento. Outra forma de determinar o número atômico de um nuclídeo é usar a lei de MOSELEY. H.G.J. MOSELEY verificou, em 1913 [HAI.57, MOS.13, MOS.14], que a freqüência de fluorescência de raios-X, X, das raias K crescia com a massa molar, mas de forma um tanto desordenada. Entretanto, o gráfico da raiz quadrada de X em função de o número atômico (a carga nuclear determinada pelo espalhamento ) tinha o comportamento perfeitamente linear (Figura 1.5.1.2), levando à eq.1.5.1.2 : X = k(Z – 1) 2 (1.5.1.2) onde, k 5 107 s–1 é uma constante de proporcionalidade. A lei de MOSELEY ajudou na descoberta de novos nuclídeos instáveis, em especial para aqueles de meia vida curta, para os quais seria impossível determinar o número atômico através de um experimento de espalhamento de partículas . A determinação do número atômico de um nuclídeo X instável, produzido pelo bombardeamento do 248 Cm com íons 12 C acelerados (eq.1.5.1.3), foi possível através da determinação do número atômico de seu filho Y, usando a lei de MOSESLY : 248 Cm( 12 C,5n) 255 X ou : 248 12 255Cm C X 5n (1.5.1.3) O nuclídeo 255 X sofre decaimento com meia vida de 3,1 min, transformando-se em 251Y, de acordo com a reação da eq.1.5.1.4a : Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 33 1/ 2 3,1min255 251X Y αt (1.5.1.4a) Quando a partícula atravessa a nuvem eletrônica de 251Y, elétrons da camada K podem ser arrancados, e o decaimento de elétrons da camada L, imediatamente superior, leva à emissão fluorescente da raia K de raios-X do nuclídeo 251 Y, com X = 49,005 10 10 s -1 . Aplicando a eq.1.5.1.2 : 49,005 1010 s-1 / 5 107 s-1 = 9801 = (Z – 1)2 ==> (Z – 1) = 99, obtemos, assim, o valor Z = 100 para o número atômico de 251 Y, que corresponde ao 251 Fm; logo o nuclídeo 255 X deve ter número atômico 102, o que corresponde ao 255 No e a reação da eq.1.5.1.4a se torna a eq.1.5.1.4b. 1/ 2 2513,1min255 100102 No Fm α t (1.5.1.4b) Em 1913, Niels BOHR propõe seu modelo explicando como elétrons girando ao redor do núcleo não terminariam por cair sobre ele. Para isso BOHR supôs que apenas as órbitas de comprimento múltiplo inteiro do comprimento de onda de ―de BROGLIE‖, associado ao elétron, seriam estáveis (cf. eq.1.5.4.2). Surge assim, o número quântico principal n, para os níveis de energia eletrônicos. Posteriormente, em 1926, E.SCHROEDINGER e W. HEISENBERG, propuseram o modelo mecânico quântico moderno, o conceito de orbita é substituído pelo de orbital e surgem os números quânticos secundário l (orbital), magnético m e de spin s. Fig. 1.5.1.1 : Representação do fenômeno de espalhamento de partículas , observado por GEIGER e MARSDEN e interpretado por RUTHERFORD. é o ângulo de espalhamento medido entre a direção de incidência e de reflexão da partícula. (Fonte: fig. 1.1 da ref. [KEL.81]) Fig. 1.5.1.2 : Lei de MOSELEY, que relaciona a freqüência das linhas K de fluorescência de raios-X com o número atômico Z do elemento fluorescente: 1/2 = k(Z - 1) (Fonte: fig. 1.2 da ref. [KEL.81]) Introdução à Radioquímica e à Química Nuclear W.F. MAGALHÃES & J.C. MACHADO 34 1.5.2 – Massa Nuclear, Massa atômica, Massa do Nuclídeo ou Massa Nuclídica e Peso Atômico O valor experimental para a massa do núcleo atômico, i.e., a massa dos prótons e nêutrons que o constituem, é chamado de massa nuclear. Referimo-nos à massa experimental de um dado nuclídeo específico, incluindo aí as massas de prótons, nêutrons e elétrons, como massa atômica ou ou massa do nuclídeo ou massa “nuclídica”, conforme o contexto de sua utilização. O que chamamos de peso atômico, é a massa molar do elemento, como ela aparece na tabela periódica. O peso atômico não é um peso mas sim a massa média ponderada, pelas suas abundâncias isotópicas, das massas atômicas dos isótopos naturais estáveis, que existem para
Compartilhar