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Resenha do livro “O Poder Simbólico”, de Pierre Bourdieu (com ênfase no capítulo 8)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE NACIONAL DE DIREITO (FND – UFRJ)
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
ANDRÉ ARBEX LOURENÇO
CULTURA JURÍDICA E ATUAÇÃO DOS OPERADORES DO DIREITO:
Resenha do livro “O Poder Simbólico” – Capítulo VIII
Rio de Janeiro
2018
ANDRÉ ARBEX LOURENÇO 
CULTURA JURÍDICA E ATUAÇÃO DOS OPERADORES DO DIREITO:
Resenha do livro “O Poder Simbólico” – Capítulo VIII
Trabalho apresentado ao Professor Doutor Alexandre Miguel França, desenvolvido como critério para a obtenção de pontuação integral na disciplina de Sociologia e Antropologia Jurídica.
Rio de Janeiro
2018
CULTURA JURÍDICA E ATUAÇÃO DOS OPERADORES DO DIREITO
Resenha do livro “O Poder Simbólico”, de Pierre Bourdieu (com ênfase no capítulo VIII – A força do direito. Elementos para uma sociologia do Direito)
A obra de Pierre Bourdieu é completa, complexa e abrangente. Tratando e analisando de forma coerente e consciente os mais diversos objetos, o autor se dedica de forma contundente ao estudo do Poder Simbólico, considerando-o um poder invisível que é exercido (e só assim pode ser) com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a ele. Basicamente, ele expõe que os sistemas simbólicos exercem um “poder estruturante” - visto que também são estruturados -, sendo tal exercício relacionado a sua função básica: a de integração social com vistas a formação de um consenso, o qual solidifica uma forma de dominação e de hegemonia de uns sobre outros. 
A ideia de Poder Simbólico, contudo, decorre de longínquos debates e raciocínios elencados ao longo da história. A teoria neo-kantiana tratava os universos simbólicos (arte, religião, língua, ciência, etc.) como formas de conhecimento e construção do mundo, servindo de instrumentos para tal. Émile Durkheim (pai da Sociologia Moderna que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica), contudo, considerava tais formas simbólicas totalmente arbitrárias e socialmente construídas. Bourdieu, fazendo considerações a Erwin Panofsky (grande crítico da arte alemã e um dos principais representantes do método iconológico. Sua grande obra foi um estudo sobre a Arquitetura Gótica e Escolástica: uma analogia sobre a arte, a filosofia e a teologia na Idade Média) e – principalmente - ao pensamento do sociólogo francês, o coloca como representante da tradição Kantiana pelo fato de procurar respostas concretas, “positivas” e “empíricas” acerca dos fatos, problemas e questões que envolviam o conhecimento, não se atendo somente ao empirismo como forma una de entendimento social. Elenca-se ainda que Durkheim, ao lançar fundamentos de uma sociologia das formas simbólicas, que neste caso equivaleriam a formas de classificação, explicita o caráter transcendental que faz essas formas de classificação se tornarem formas sociais, se aproximando dessa maneira da teoria de Panofsky, onde elas são socialmente determinadas e, portanto, relativas a um determinado grupo particular. Justamente, por isso, se mostram como formas sociais arbitrárias. 
A partir desses ideais e de seu entendimento acerca da invisibilidade do poder simbólico e de sua necessidade de consentimento e recepção dos que a ele se submetem para sua funcionalidade, Bourdieu expõe que os sistemas simbólicos diferenciam-se em dois âmbitos: o de sua produção (quem os produz, como e o porquê de fazê-lo) e o de sua recepção (a quem se destina e o porquê de se submeterem a ele). Contudo, ambos se coadunam, sendo o aperfeiçoamento de um dependente integralmente do avanço do outro. Tal máxima se traduz na ideia de que o poder simbólico – atendendo a seu objetivo de constituir algo pela enunciação e através desse poder instituir credibilidade – só se aperfeiçoa e se exerce de fato se for reconhecido. Desse modo, entende-se que o poder simbólico nada mais é, portanto, que uma forma transformada e legitimada de outras formas de poder. É, com isso, um poder de construção da realidade que buscar estabelecer que o sentido do mundo supõe um “conformismo lógico”, tornando possível a concordância entre inteligências através dos símbolos e gerando integração social. Nesse sentido, é justamente através dos símbolos - enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação que são – que se torna possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social.
Partindo do pressuposto enfatizado de que os sistemas simbólicos possuem uma função de integração social para gerar um consenso pautado em hegemonia e dominação, o autor coloca que as relações de comunicação são, intrinsecamente – e de forma persistente e contínua – relações de poder que dependem integralmente do poder material e simbólico acumulados pelos agentes que as recebem. Basicamente, o que acontece não são meros atos de comunicação em si. Há, em verdade, uma relação de luta – dentre suas mais variadas formas, porém, principalmente, a simbólica – em que as classes envolvidas buscam impor através desse poder sua forma de viver. Buscam, enfim, colocar sua definição de mundo social de acordo com seus interesses.
Desse modo - baseado na tradição marxista - Bourdieu conclui, ao início de sua exposição, que as produções simbólicas são, de fato, instrumentos de dominação que se exercem pautados por um campo que consiste em ser um microcosmos da luta simbólica entre as classes. Assim, a classe dominante, que tem seu poder pautado no capital econômico, tem em vista impor a legitimidade da sua dominação por meio da própria produção simbólica. Basicamente, ele explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses das classes dominantes. 
Em uma especificação acerca dos sistemas simbólicos, Bourdieu expõe que eles, ao cumprir sua função política – servindo como instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação -, acabam criando uma espécie de “violência simbólica”, reforçando a dominação de uma classe sobre a outra. O renomado Max Weber - intelectual, jurista e economista alemão considerado um dos fundadores da Sociologia – utilizou para sintetizar tal sistemática a expressão “domesticação dos dominados”. Basicamente, tem-se que a luta pelo topo da hierarquia das classes dominantes legitima sua dominação não só por meio de produções simbólicas, mas também por meio de ideólogos conservadores que servem às classes dominantes. 
Ao longo do livro, Bourdieu expõe relevantes observações acerca do poder simbólico. Entretanto, é no capítulo 8 que ele se atém para a força do direito. Sistematicamente, o que ele busca elencar são os elementos que compõem a sociologia do direito: como ela se aplica, seus objetivos e seus nuances. 
O autor considera o direito como um sistema fechado e autônomo, expondo que sua dinâmica só pode ser entendida, de fato, se também for compreendida a história do desenvolvimento interno dos conceitos e métodos jurídicos, visto que tais métodos são, em verdade, a concepção de direito como ciência jurídica que é concebida por seus integrantes. Sinteticamente, ele elenca que se faz necessário formular uma ciência do direito que seja diferente dessa já pré-concebida, a qual, em geral, envolve excessivos formalismos e propõe uma instrumentalidade do direito. Genericamente, tal instrumentalização se traduz como um “utensílio ao serviço dos dominantes”. 
Relativamente à divisão do trabalho jurídico, Bourdieu demonstra preocupação em distinguir, por exemplo, a atividade interpretativa do jurista de outras atividades – como a hermenêutica literária e filosófica, por exemplo. Em sua argumentação, ele sugere que o Direito possibilita decisões mais coesas do que em outras áreas, visto que “os juristas permanecem inseridos num corpo fortemente integrado de instâncias hierarquizadas que estão à altura de resolver um conflito entre os intérpretes e as interpretações”. (BOURDIEU, 1989, p. 213-214) Nesse sentido, entende-se que o convencimento almejado é o de que é fácil um corpo de juristasconvencer-se que o Direito se fundamenta em si mesmo, isto é, por intermédio de algo constituído, palpável, como uma Constituição, por exemplo. 
Relevante em sua obra é também a consideração acerca do efeito de apriorização, o qual está intrinsecamente ligado à lógica do campo jurídico, revelando-se na sua linguagem e combinando tanto elementos da língua comum como elementos estranhos ao seu sistema para a formação de sua linguagem. Contudo, é válido esclarecer que a referida orquestração produz efeitos diversos, isto é, boa parte dos processos linguísticos próprios da linguagem jurídica, quando combinados, acabam produzindo dois efeitos maiores. O primeiro deles é o da neutralização, o qual é obtido com construções frasais passivas e impessoais, objetivando justamente marcar a impessoalidade e a objetividade. O segundo efeito – e não menos relevante para a compreensão da questão – é o da universalização, atingido por processos convergentes, como a retórica de atestação oficial. Basicamente, este último consiste na pretensão de exprimir a generalidade e a omnitemporalidade das regras jurídicas. Tais características refletem, em conjunto, o funcionamento do campo jurídico e, segundo a proposição de Bourdieu, expressam o processo de racionalização a que os sistemas de normas se encontram submetidos há tempos, e na qual o sentido jurídico consiste em uma postura universalizante. Ainda nessa tangente de raciocínio acerca da linguagem, Bourdieu sugere que “a linguagem jurídica consiste num uso particular da linguagem vulgar” (BOURDIEU, 1989, p. 226), pois, ainda que uma mesma palavra seja usada, seu uso pelo linguajar jurídico e pela linguagem vulgar são tão excludentes entre si que dificilmente ocorreria uma confusão dos receptores quanto ao resultado que se queria expressar. Isso decorre, basicamente, do fato de que tais posturas linguísticas são tão opostas quanto uma consciência perceptiva e uma consciência imaginária, por exemplo. Em verdade, não há desvio entre os dois significados: o que há é uma dualidade de espaços mentais solidários de espaços sociais que os sustentam.
Nesse limiar, passa a tratar o autor da aplicação concreta do direito em si. Destarte, Bourdieu faz uma longa análise acerca dos nuances que envolvem a teoria e a prática, considerando-as excludentes e sendo consequências de uma luta simbólica, principalmente em relação aos juízes e seus vereditos. Em suma, traduz-se tal ideia pelo trecho em que se afirma que o “conteúdo prático da lei que se revela no veredicto é resultado de uma luta simbólica” (BOURDIEU, 1989, p. 224), visto que a decisão judicial seria, em sua visão, uma relação de força tendente a ser utilizada pelos profissionais que a aplicam para “fazerem triunfar sua causa” (BOURDIEU, 1989, p. 224). Desse modo, pode-se inferir que a decisão judicial se apresenta não somente como derivada da própria norma jurídica, mas, em verdade, mais relacionada a um reflexo das atitudes dos agentes que a regem.
	Atendo-se a todos os aspectos possíveis, Bourdieu também analisa a instituição de um monopólio relacionado ao direito. Mais uma vez voltando-se para o veredito judicial, o autor expõe que ele é um “compromisso político entre exigências inconciliáveis que se apresenta como uma síntese lógica entre teses antagonistas, condensando toda a ambiguidade do campo jurídico.” (BOURDIEU, 1989, p. 228) Sinteticamente, expõe-se que a eficácia deste veredito só se dará com a interação concomitante da lógica do campo político com a lógica do campo científico.
	O campo jurídico é, além de um campo social que configura a transformação de um conflito entre partes a um debate juridicamente regulado e mediado por profissionais que conhecem tanto as leis escritas como as não escritas do ordenamento de uma nação, um espaço de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito, isto é, de interpretar textos que consagram a visão “legítima” do mundo social. Nesse sentido, torna-se evidente que é exatamente através dessa disputa acerca do domínio dos meios jurídicos que o trabalho contínuo da racionalização é favorecido. Portanto, vê-se que desconsiderar o direito como um sistema simbólico e detentor de um discurso específico é um erro crasso, e que no universo jurídico será redefinida a experiência e a situação que estão em pauta no litígio.
A instituição do monopólio
A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia a violência física e às formas elementares da violência simbólica, como a injúria. (BOURDIEU, 1989, p. 229)
Em relação a essa entrada no campo jurídico, Austin vem a sugerir que possui pré-requisitos, que segundo ele são: a necessidade de uma decisão efetiva, a aderência da acusação e da defesa às categorias reconhecidas do procedimento e ao fato de se recorrer a precedentes e se conformar com eles. Ressalta Austin que dessa visão de mundo jurídico deriva a condição “de os juristas não darem às expressões correntes o seu sentido corrente”. (BOURDIEU, 1989, p. 230)
Bourdieu considera ainda que existem duas justificativas utilizadas para o uso de precedentes: ou eles são utilizados como instrumento de racionalização, visando à decisão judicial parecer “produto de uma aplicação neutra e objetiva de uma competência especificamente jurídica” (BOURDIEU, 1989, p. 231) ou como razões determinantes. Contudo, o autor reitera que, no sentido de Weber, a racionalidade do direito, que consiste em previsibilidade e calculabilidade, assenta-se na “constância e na homogeneidade do habitus jurídico”. (BOURDIEU, 1989, p. 231)
Ao delinear características do campo jurídico, considera algo nada natural a necessidade jurídica, ou seja, o sentimento de injustiça que resulta na procura de serviços de um profissional. Segundo Felstiner, são os próprios profissionais que fabricam a necessidade de utilização de seus próprios serviços ao constituírem em problemas jurídicos, “traduzindo-os na linguagem do direito, problemas que se exprimem na linguagem vulgar e ao proporem uma avaliação antecipada das probabilidades de êxito e das conseqüências das diferentes estratégias” (FELSTINER apud BOURDIEU, 1989, p. 232)
Deste modo, aquele que se submete o campo jurídico torna-se um cliente do profissional. Profissional este que determina a forma e os fatos relevantes para a construção de debates propriamente jurídicos, garantindo aos profissionais o “monopólio dos instrumentos necessários à construção jurídica, que é, por si, apropriação”. (BOURDIEU, 1989, p. 233)
Cada progresso no sentido de jurisdicização de uma dimensão da pratica gera novas ‘necessidades jurídicas’, portanto, novos interesses jurídicos entre aqueles que, estando de posse da competência especificamente exigida encontram aí um novo mercado; estes, pela sua intervenção, determinam um aumento do formalismo jurídico dos procedimentos e contribuem assim para reforçar a necessidade dos seus próprios serviços e dos seus próprios produtos e para determinar a exclusão de facto dos simples profanos, forçados a recorrer aos conselhos de profissionais (BOURDIEU, 1989, p. 234)
O que se conclui, nesta parte, é que existe uma produção por parte dos juristas da necessidade do direito, de forma que os profanos – os não profissionais jurídicos, nas palavras de Bourdieu – sempre deles dependam para a construção do justo. É uma comparação com a prática religiosa que decorre, por exemplo, do “princípio da oferta jurídica que se gera na concorrência entre profissionais, e a procura dos profanos que são sempre em parte determinados pelo efeito da oferta”. (BOURDIEU, 1989, p. 240)
O poder de nomeação
No embate de visões de mundo diferentes – do profissional jurídico e do leigo -, encontra-se em jogo o “monopólio do poder de impor o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos como princípio de universal de visão e dedivisão, portanto, de distribuição legítima” (BOURDIEU, 1989, p. 236) Destarte, o poder judicial e suas sanções “manifestam esse ponto de vista transcendente às perspectivas particulares que é a visão soberana do estado, detentor do monopólio da violência simbólica legítima” (BOURDIEU, 1989, p. 236)
Continuando nessa mesma percepção, observa que o veredicto do juiz é tomado como ‘actos de nomeação’, que representam a palavra pública, oficial: “são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão a altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem”. (BOURDIEU, 1989, p. 237)
Esboça também características do direito que se referem a concepção de que  “O direito consagra a ordem estabelecida , ao consagrar uma visão desta ordem que é uma visão de Estado, garantida pelo Estado.” (BOURDIEU, 1989, p. 237). Nessa perspectiva, ao Direito cabe limitar, pôr um limite “ao regateio ou à negociação acerca das qualidades das pessoas e dos grupos”. Assim como é a densificação do poder simbólico de nomeação e “a forma por excelência do discurso actuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este”. (BOURDIEU, 1989, p. 237)
(...) o efeito próprio, quer dizer, propriamente simbólico, das representações geradas segundo esquemas adequados às estruturas do mundo de que são produto, é o de consagrar a ordem estabelecida: a representação justa sanciona e santifica a visão dóxica  das divisões (...) que lhe confere a universalidade pratica do oficial. (BOURDIEU, 1989, p. 238)
Conclui que, “se não há dúvida de que o direito exerce uma eficácia específica, imputável sobretudo a trabalho de codificação, de pôr forma e em fórmula, de neutralização e de sistematização, que os profissionais do trabalho simbólico realizam segundo as leis próprias do seu universo” (BOURDIEU, 1989, p. 239) “também não há duvida de que esta eficácia, definida pela oposição à inaplicação pura e simples ou à aplicação firmada no constrangimento puro, se exerce na medida que o direito é socialmente reconhecido e depara com um acordo”(BOURDIEU, 1989, p. 239-240), acordo este que, ao menos aparentemente, atende a interesses e necessidades reais
A força da forma
Bourdieu propõe que, para se explicar o que é o direito, em sua estrutura e em seu efeito social, será necessário recuperar “além do estado da procura social, actual ou potencial, e das condições de possibilidade que ela oferece a ‘criação jurídica’” (BOURDIEU, 1989, p. 241):
a lógica própria do trabalho jurídico no que ele tem de mais específico, quer dizer, a actividade de formalização, e os interesses sociais dos agentes formalizadores, tal como se definem na concorrência no seio do campo jurídico e na relação entre este campo e o campo do poder no seu conjunto” (BOURDIEU, 1989, p. 241)
Utiliza-se de pensamento de Eugen Ehrlich, que diz que: “O centro da gravidade do desenvolvimento do direito (...), na nossa época, como em todo o tempo, não deve ser procurado nem na legislação, nem na doutrina, nem na jurisprudência, mas sim na sociedade ela própria” (EHRLICH apudBOURDIEU, 1989, p. 241). Observa Bourdieu que há também uma proximidade de interesses entre os detentores do poder simbólico e os detentores do poder temporal, político ou econômico, de forma que os textos jurídicos se encontram adequados aos valores e perspectivas dos dominantes.
Em seguida, o autor delineia exemplos históricos, objetivando mostrar que os magistrados sempre estiverem vinculados e pertencentes às classes dominantes. Para Bourdieu, mostra-se como próprio da eficácia simbólica a condição de ser exercida devido à cumplicidade daqueles que a suportam. “Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento (...) do seu funcionamento”. (BOURDIEU, 1989, p. 243)
Assim, “A emergência do direito, escreve Jacques Ellul, situa-se no ponto em que o imperativo formulado por um dos grupos que compõem a sociedade global tende a tomar um valor universal pela sua formalização jurídica” (BOURDIEU, 1989, p. 244). Bourdieu ressalta em seguida a importância do direito escrito, favorecendo a “autonomização do texto, que se comenta e que se interpõe entre os comentadores e a realidade” (BOURDIEU, 1989, p. 244).
(o direito) liga continuamente o presente ao passado e dá garantia de que; salvo revolução capaz de pôr em causa os próprios fundamentos da ordem jurídica, o porvir será a imagem do passado e de que as transformações e as adaptações inevitáveis serão pensadas e ditas na linguagem da conformidade com o passado. (BOURDIEU, 1989, p. 245)
Considerando essa premissa, acaba-se por observar que o trabalho jurídico, “pela sistematização e pela racionalização a que ele submete as decisões jurídicas e a regras invocadas para as fundamentar ou as justificar, ele confere o selo da universalidade, factor por excelência da eficácia simbólica” (BOURDIEU, 1989, p. 245).
Deste modo, o trabalho jurídico pode vir a conduzir uma universalização prática, que parte de uma generalização das práticas, quando como, por exemplo, uma lei passa a ser reconhecida pelo uso e densifica-se como patrimônio da coletividade. (ELLUL apud BOURDIEU, 1989, p. 245). Assim, como decorrência do efeito de normalização de regras de conduta, verifica-se que “vem aumentar o efeito da autoridade social que a cultura legítima e os seus detentores já exercem para dar toda a sua eficácia prática à coerção jurídica” (BOURDIEU, 1989, p. 246).
O autor enfoca alguns reflexos simbólicos do direito, como o “reconhecimento público de normalidade que torna dizível, pensável, confessável, uma conduta até então considerada tabu.” (BOURDIEU, 1989, p. 244), por exemplo, como se diz respeito à homossexualidade. Por outro lado, Bourdieu propõe que a imaginação jurídica pode contribuir para fazer existir, em maior ou menor quantidade, determinadas atitudes reguladas por regras  de transgressão previstas.
Além disso, comenta o autor, o direito de família, constituído pela normatização de práticas familiares que foram gradativamente surgindo, acaba por “fazer avançar a generalização de um modelo da unidade familiar e da sua reprodução que, em certas regiões (...) esbarrava em obstáculos econômicos e sociais ligados sobretudo a lógica específica da pequena empresa e da sua produção” (LENOIR apud BOURDIEU, 1989, p. 247).
Este fato, junto aos outros anteriormente abarcados, contribui para a idéia de universalização que está também “na ideologia que tende a fazer do direito um instrumento de transformação das relações sociais”, o que se pode constatar na assertiva de que “não é em qualquer região do espaço social que emergem os princípios práticos ou as reivindicações éticas submetidas pelos juristas à formalização e à generalização”. (BOURDIEU, 1989, p. 247).
 (...) ao fazer desaparecer as excepções e o caracter vago dos conjuntos nebulosos, ao impor descontinuidades nítidas e fronteiras estreitas no continuum dos limites estatísticos, a codificação introduz nas relações sociais uma nitidez, uma previsibilidade e, por este modo, uma racionalidade que nunca é completamente garantida pelos princípios práticos do habitusou pelas sanções do costume que são produto da aplicação directa ao caso particular desses princípios não formulados. (BOURDIEU, 1989, p. 249)
 
3.     Assertivas críticas sobre as concepções de Direito em Bourdieu. Considerações Finais.
É claro, por exemplo, que, à medida que aumenta a força dos dominados no campo social e a dos seus representantes (partidos ou sindicatos) no campo jurídico, a diferenciação do campo jurídico tende a aumentar, como sucedeu, por exemplo, na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento do direito comercial, e também com o direito do trabalho e mais geralmente com o direito social. (BOURDIEU, 1989, p. 252)
Pierre Bourdieu ressalta quehá uma ambigüidade contida no discurso jurídico, dispõe: “que os defensores da autonomia e da lei como entidade abstrata e transcendente são, de fato, os defensores de uma ortodoxia”, pois, “o culto do texto, o primado da doutrina e da exegese, que dizer, ao mesmo tempo da teoria e do passado, caminham a par da recusa em reconhecer à jurisprudência o menor valor criativo, portanto a par de uma denegação pratica da realidade econômica e social e de uma recusa de toda apreensão  cientifica desta realidade”. (BOURDIEU, 1989, p. 252)
Muitos acreditam, assim como observa Bourdieu, que a Sociologia encontrar-se-ia vinculada ao Socialismo e deste modo encarnaria uma reconciliação maléfica entre ciência e realidade social, “contra qual a exegese da teoria pura representava a melhor opção”.
A função de manutenção da ordem simbólica que é assegurada pela contribuição do campo jurídico é (...) produto de inúmeras acções que não tem como fim a realização desta função e que podem mesmo inspirar-se em intenções opostas, como os trabalhos subersivos das vanguardas, os quais contribuem para determinar a adaptação do direito e do campo jurídico ao novo estado das relações soias e para garantir assim a legitimação da forma estabelecida dessas relações. (BOURDIEU, 1989, p. 254)
Da mesma forma, fomenta Pierre Bourdieu que a questão do fundamento do conhecimento científico acha-se posta na própria realidade da existência social. (BOURDIEU, 1989, p. 215) Ao ponderar que não é demais dizer que o Direito faz o mundo social, desde que considerada a condição de se não esquecer que ele é feito por este, o sociólogo reflete características que há pouco tempo vem sendo reconhecidas nos estudos jurídicos: de que a lei é somente um ponto de partida, e não um ponto de chegada, de conclusão.
O Direito, então, neste enfoque sociológico, contribui para a produção e reprodução de uma dada ordem social, proclamando e definindo aquela ordem que será tida como exemplar.  Assim, ao consagrar determinada realidade,  o Direito desconhece  ou  ignora  as  que possam coexistir. Nesse contexto, a divisão da realidade leva à desconsideração ou à negação das demais visões, decorrendo na força e a violência simbólica do Direito, que, além de construir uma dada realidade social, impõe uma definição ideológica que passa a ser legítima. 
Destutt de Tracy é apontado como criador da palavra ideologia. (COSTA, 2001, p. 108) Em sua obra Eléments de l´Idéologie, a ideologia é vista como a ciência que estuda as idéias, em sua gênese e como conjunto. O autor, um nobre rico e iluminista ligado à Revolução Francesa, fora preso durante o período do Terror. Este período, como observa o jurista Alexandre Araújo Costa, refletiu a negação do ideário iluminista “de uma sociedade racional e organizada” (COSTA, 2001, p. 108) Assim, coube a Tracy, quando libertado, a estruturação de uma nova ciência que partisse da análise minuciosa e sistemática das idéias, como tentativa de compreender o mundo que possibilitaria organizar a sociedade de forma justa. A ideologia serviria, dessa forma, como base para todas as ciências. (COSTA, 2001, p. 108-109) 
Quem introduziu o sentido pejorativo da palavra foi Napoleão Bonaparte (COSTA, 2001, p. 109). A oposição e a ridicularização do conceito de ideologia de Tracy foi resultado de um embate político, pois ele se opunha às pretensões autocráticas de Napoleão. Assim, Napoleão introduziu a palavra na história de forma que ela passasse a designar pessoas que “ao invés de procurarem desenvolver a política com base em um conhecimento do mundo real, buscavam a base da política em um estudo metafísico de idéias” (COSTA, 2001, p. 109). 
O sentido embutido por Napoleão algum tempo depois foi retomado por Marx e Engels, autores que visavam à crítica de filósofos alemães que seguiam as teorias de Hegel. Os hegelianos acreditavam que a realidade poderia ser mudada por meio de uma batalha real de idéias, onde se assumiria uma postura crítica perante elas. (THOMPSON apud COSTA, 2001, p. 109)
Marx e Engels presumiam que uma luta no campo das idéias seria vã, pois assim não se promoveria mudanças sociais e não se compreenderia a realidade social. O necessário seria alterar a estrutura econômica. A ideologia de Marx está relacionada às relações de classe e condições econômicas (COSTA, 2001, p. 110), o que corresponde, como se pode observar em O poder simbólico, à perspectiva marxista de poder como luta de classes de Pierre Bourdieu.
Das premissas destes autores surge um dos conceitos mais conhecidos de ideologia, na qual esta é vista como meio das classes dominantes se manterem no poder (COSTA, 2001, p. 110), de se firmarem no status quo, ou seja, de se manter a ordem vigente, a estrutura social existente na sociedade em determinado momento.  Como define Thompson, sobre ideologia:
Sistema de representações que servem para sustentar relações existentes de dominação de classes através da orientação das pessoas para o passado em vez de para o futuro, ou para imagens e ideais que escondem as relações de classe e desviam da busca coletiva de mudança social.  (THOMPSON apud COSTA, 2001,  p. 110)
 A socióloga brasileira Marilena de Souza Chauí representa uma das maiores difusoras do pensamento marxista sobre ideologia. A autora propõe que a ideologia consiste em tomar as idéias como independentes da realidade histórica e social. Para ela, a ideologia de certa forma explica a realidade através de uma suposta neutralidade e imparcialidade, quando o que realmente acontece é que é a realidade que explica as idéias, e estas seriam determinadas pela época e condições exteriores. Como sugere em sua obra O que é ideologia:
A ideologia é então um conjunto lógico, sistemático e corrente de idéias [...] valores, normas e regras que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que pensar, o que dever fazer e como dever fazer, o que sentir e como sentir. [...] Ela é um conjunto explicativo e pratico de caráter normativo, prescrito, regulador e controlador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional e convincente para as desigualdades sociais, políticas e culturais, jamais atribuindo a origem destas desigualdades á divisão de classes, á exploração e á dominação. (CHAUÍ, 1984, p. 25)
Dessa forma, CHAUÍ critica a visão distorcida da realidade vista como resultado da ideologiaimposta pelo modo de produção capitalista. (COSTA, 2001, p. 111) Alguns sentidos para ideologia são listados pelo inglês Terry Eagleton, o que condiz com o ideário de “ideologia dominante” proposto por CHAUÍ. Para ele, uma das funções da ideologia seria a “falsificação da realidade social” (EAGLETON apud COSTA, 2001, p. 111), por meio do embutimento de crenças. Os sentidos seriam:
1. processo de produção de significados, signos e valores na vida social
2. corpo de idéias característico de um determinado grupo ou classe social
3. idéias que ajudam a legitimar um poder político dominante
4. comunicação sistematicamente distorcida
5. formas de pensamento motivadas por interesses sociais (EAGLETON, 1997, p.1)
Destarte, apesar das diferenças de idéias entre os autores pode-se vislumbrar um vínculo entre a concepção de Marx, Engels, Thompson, Eagleton e Chauí com relação ao sistemas simbólicos de Bourdieu, vistos como “instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) poder simbólico como poder de transformar a visão de mundo, e deste modo, a ação sobre o mundo” (BOURDIEU, 1989, p. 11).
Pode-se, por outro lado, apontar que a ideologia marxista é quem introduz a concepção jurídica do mundo (COSTA, 2001, p. 121), na qual o Direito é visto como fonte e fundamento da organização da sociedade, e não como reflexo da organização social (COSTA, 2001, p. 129). Essa observação suscita uma importante reflexão: de que é comum se centrar em idéias pré-concebidas, e assim se abster da realidade social. (COSTA, 2001, p. 113) Da mesma forma, fomentaPierre Bourdieu que a questão do fundamento do conhecimento científico acha-se posta na própria realidade da existência social. (BOURDIEU, 1989, p. 215)
 No campo dos juristas, esta antiga concepção se reflete em padrões inquestionáveis e tomados como verdade: os dogmas.
O dogma, afinal, atravessa a história das idéias como uma verdade absoluta, que se pretende erguer acima de qualquer debate e, assim, captar a adesão, a pretexto de que não cabe contestá-la ou a ela propor qualquer alternativa. Neste viés, terá, sempre, uma tendência a cristalizar as ideologias mascarando interesses e conveniências dos grupos que se instalam nos aparelhos de controle social, para ditarem as normas em seu próprio benefício. (LYRA FILHO apud  BISOL, 1993, p. 18)
Deste modo, o que predomina sobre o campo jurídico é, propõe Bourdieu, o que Hans Kelsen faz, ou seja, o tentar construir um aparato teórico capaz de distanciar todo direito da realidade social, como se o direito fosse capaz de se fundamentar em si mesmo. O que se observa, entretanto, é que o Direito atual já propõe respostas a essas estruturas anteriormente estanques, exegéticas.
Para Roberto Lyra Filho, as diferentes manifestações de ideologias ao longo da História convergem com o histórico aqui tomado. Para o autor, a ideologia inicialmente seria um “estudo da origem e funcionamento das idéias em relação aos signos que as representam” (LYRA FILHO, 2004, p. 13), em seguida desenvolver-se-ia o conceito de ideologia como o conjunto de idéias. Contudo, ressalta que esta alteração de concepção trouxe consigo uma mudança, que reflete o pensamento de Bourdieu: “idéias e seus conjuntos padronizados começaram a destacar as deformações do raciocínio (...) distorcidos ao sabor de vários condicionamentos, fundamentalmente sociais”. (LYRA FILHO, 2004, p. 14)
Em outra de suas obras, Para um direito sem dogmas, condizendo com sua perspectiva, Lyra Filho explica:
Um dogmatismo é uma tese aceita às cegas, por simples crença, sem crítica, sem levar em conta as condições de sua aplicação. O dogmatismo é característico de todos os sistemas que defendem o caduco, o velho, o reacionário e combatem o novo, o progressista.   (ROSENTHAL & IUDIN apud LYRA FILHO , 1980, p. 13)
O dogmatismo é a esclerose teórica; seu equivalente prático é a inquisição, sempre disposta a culminar em violência, que vão do temor infundido à força, erguida pelos ‘justiceiros’. Esta, a suprema irrisão da espada maniquéia, levantada para um simulacro de Justiça.(LYRA FILHO apud FURMANN, 2006)
Vale ressaltar que Pierre Bourdieu não sugere determinadas mudanças, pois limita-se a analisar de forma crítica a sociedade, de forma a observar o quanto somente aqueles detentores de capital cultural, social, ou econômico socialmente aceitos podem se inserir na esfera de poder de dominação simbólica, e assim exercer aviolência.
O que aqui se propõe, entretanto, é que as estruturas rígidas por ele observadas  relacionadas ao Direito vem continuamente sendo questionadas, repensadas e discutidas. Não cabe mais aos estudos e às estruturações jurídicas a ênfase nas tradições: o que o Direito enfatiza, na atualidade, é uma perspectiva de resignificação do presente, partindo de uma análise histórica, para que melhor se atenda as demandas futuras.
Como propõe o professor Menelick de Carvalho Neto, há a concepção moderna de que aos indivíduos se embute a tarefa de se auto-reger, visto que as regras seguidas foram, de forma democrática, construídas por eles mesmos. Em relação à dificuldade de ruptura com determinadas tradições, temática suscitada por Bordieu, muito bem explica, em uma perspectiva crítica e atual, Cristiano Paixão e Menelick de Carvalho Netto:
Tradições, práticas e atitudes mentais são, a um só tempo, difíceis e fáceis de mudar. Fáceis de serem alteradas porque em uma sociedade moderna, ao contrário do que ocorre nas sociedades tradicionais, a eticidade torna-se reflexiva, ou seja, capaz de voltar-se criticamente sobre si própria. Bons costumes são apenas aqueles capazes de sustentação em um debate público, de serem aceitos por todos os seus potenciais afetados (de aceitabilidade). Todos os dias nós damos continuidade a práticas que passam por esse crivo e descartamos as que de agora em diante serão vistas como abusivas e discriminatórias. Por outro lado são extremamente difíceis de serem modificadas enquanto persistirem não problematizadas, a integrar o pano-de-fundo de silêncio que sustenta e naturaliza o horizonte de significação do nosso agir e falar cotidianos, pois possuem, também no campo da política, uma imensa força de inércia capaz de, sempre silenciosa e sub-repticiamente, continuar a moldar mesmo a leitura das práticas alternativas constitucionalmente requeridas, subvertendo-as do avesso, ao reduzirem a sua novidade a uma forma vazia que permite que se acolha como conteúdo delas as antigas práticas que deveriam obviar, assegurando, assim, o continuísmo. Desse modo é que de forma latente, elas permanecem a nortear o imaginário da sociedade, quer por manifestações naturalizadas de puro irracionalismo, quer pela lembrança de um passado que se revela repentinamente idílico, confortante, feliz. [1]
Em uma sociedade como a nossa, complexa, com o gradativo aumento da quantidade de riscos, ao Direito cabe regular expectativas. A perspectiva de Bourdieu apresenta-se como insuficiente, pois prevalece na atualidade a idéia de mutabilidade do Direito, pela qual o risco deve ser assumido como essencial para que se possibilitem novas perspectivas e o reconhecimento e efetivação de princípios fundamentais. Sendo assim, o poder simbólico de Bourdieu, oculto e dissimulado mantêm-se presente. Contudo, o Direito, ao assumir sua condição de regulador de expectativas não mais pode ser visto como elemento formador da sociedade: ele é resultado, e deve estar sempre aberto à discussão.
Referências Bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. O poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

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