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Diretor de redação: Mino Carta Redator-chefe: Nirlando Beirão Consultor editorial: Luiz Gonzaga Belluzzo Editor especial: Mauricio Dias Editores: Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa, Carlos Drummond e Rodrigo Martins Repórteres: André Barrocal (Brasília) e Gianni Carta (Paris) Secretária de redação: Mara Lúcia da Silva Diretora de arte: Pilar Velloso Chefes de arte: Daniele Doneda, George B. J. Duque Estrada (Fundador), Mariana Ochs (Projeto Original) Designer: Milena Branco Fotografia: Wanezza Soares (Produtora Editorial) Revisores: Áli Onaissi (coordenador) e Hassan Ayoub Colaboradores: Afonsinho, Antonio Delfim Netto, Carlos Leonam, Claudio Bernabucci (Roma), Djamila Ribeiro, Drauzio Varella, Eduardo Graça, Eduardo Nunomura, Gabriel Galípolo, Guilherme Boulos, Hélio de Almeida, José Genulino Moura Ribeiro, Jotabê Medeiros, Luiz Roberto Mendes Gonçalves (Tradução), Marcos Coimbra, Nivaldo de Souza, Oliviero Pluviano, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Alexandre Sanches, René Ruschel, Riad Younes, Rogério Tuma, Rodrigo Casarin, Thomaz Wood Jr. e Ubirajara Correia Ilustradores: Eduardo Baptistão e Venes Caitano Secretária: Ingrid Sabino Carta on-line Editor executivo: Miguel Martins Editores: Dimalice Nunes e Tatiana Merlino Editor de vídeo: Cauê Gomes Repórteres:Ana Luiza Rodrigues Basilio (CartaEducação), Carolina Servio Scorce, Gabriel Bonis e Marina Gama Cubas Analista de mídias sociais: Julio Simões Estagiários: Ana Carolina Pinheiro, Giovanna Costanti e Laura Castanho Cerqueira Coordenadora de projetos digitais: Daniela Neiva Designers: Lidiane Siqueira e Regina de Assis Site: www.cartacapital.com.br Publisher: Manuela Carta Diretor executivo: Sergio Lirio Diretora de publicidade: Simone Puglisi Estagiária de publicidade: Leticia Leite Freitas Gerente de marketing e relacionamento: Leticia Terumi Kita Estagiária de marketing e relacionamento: Gabriela Lira Bertolo Coordenador administrativo e financeiro: Mario Yamanaka Equipe administrativa e financeira: Fabiana Lopes Santos e Rita de Cássia Silva Paiva Analista de RH: Claudinéia da Cruz e-mail: comercial@cartacapital.com.br Representantes regionais de publicidade: Rio de Janeiro: Enio Santiago/Fernando Silva, (21) 2556-8898/2245-8660, enio@gestaodenegocios.com.br, fernando@gestaodenegocios.com.br BA/AL/PE/SE: Canal C Comunicação, (71) 3025-2670 – Carlos Chetto, (71) 9617-6800/ Luiz Freire, (71) 9617-6815, canalc@canalc.com.br Brasília (DF): Vertmídia, (61) 3711-2112, Solange Tavares, solangetavares@vertmidia.com.br, Sávio Otaviano, savio@vertmidia.com.br Espírito Santo: Enio Santiago/ enio@gestaodenegocios.com.br Flávio Castro (27) 3389-3452/ flavio@gestaodenegocios.com.br Minas Gerais: Marco Aurélio Maia, (31) 31 3047 4947/9983-2987. marcoaureliomaia@marcoaureliomaia.com Santa Catarina: Marcucci&Gondran Associados (48) 333-8497. marcucci.gondran@terra.com.br Pará: Glícia Diocesano, (91) 3242-3367, gliciadiocesano@yahoo.com.br CE/PB/PI/MA/RN: AG Holanda Comunicação, (85) 3224-2267, agholanda@Agholanda.com.br Rio Grande do Sul: Armazém de Mídia, (51) 3061-0208, opec@armazemdemidia.com Paraná: SEC Estratégias, (41) 3019-3717, opec@sec-estrategias.com.br GO/MT/MS/TO: W Verissimo Mídia e Comunicação, Walison Veríssimo, (62) 3945 8295, comercial@wverissimocomunicacao.com.br Assessoria contábil, fiscal e trabalhista: Firbraz Serviços Contábeis Ltda. Av. Pedroso de Moraes, 2219 – Pinheiros – SP/SP – CEP 05419-001. www.firbraz.com.br, Fone (11) 3463-6555 CartaCapital é uma publicação semanal da Editora Confiança Ltda. CartaCapital não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não têm autorização para falar em nome de CartaCapital ou para retirar qualquer tipo de material se não possuírem em seu poder carta em papel timbrado assinada por qualquer pessoa que conste do expediente. Registro nº 179.584 De 23/8/94, modificado pelo registro nº 219.316 De 30/4/2002 no 1º Cartório, de acordo com a Lei de Imprensa. Impressão: Plural Industria Gráfica - São Paulo - SP Distribuição: Dinap S/A – Distribuidora Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – São Paulo – SP Assinantes: Treelog S.A. Logística e Distribuição. ÍNDICE 20 de Junho de 2018 - Ano XXIII - Nº 1008 Cartas Capitais O "novo" vem da esquerda Russa Guerra e paz? Rosa dos ventos Vão privatizar o Brasil? Editorial A Medusa A Semana Outra vitória feminina Reportagem de capa Nas barbas do guru Seu País 2018 Mesmo preso, Lula decide Marcos Coimbra Antipetistas de velas na mão Seu País Saúde Os frutos da reforma agrária Seu País Diálogos Capitais O horizonte das cidades Economia Petrobras O País entregue ao deus-dará Antonio Delfim Netto Dois problemas, mas só um sucesso Luiz Gonzaga Belluzzo Editoriais do desastre Nosso Mundo G-7 Assustador mundo novo Nosso Mundo The Observer Adeus à hegemonia digital Nosso Mundo The Observer Pacto de mão única Plural Música Clássica O esqueleto de sal Bravo! Para ler, ver e ouvir QI A torcida dos outros Ninguém me ama QI Estilo Nossa ideia de elegância QI Saúde Não jogue fora a camisinha Afonsinho Chegou! Vara Por Venes Caitano BOLSONARO, NOVA VERSÃO Tínhamos a cantada, hoje temos o assédio acompanhado pela apologia do estupro promovido por um parlamentar. Alguns o querem candidato. Como assim? Se a prática estava um pouco contida, agora se espalha com a aprovação de acólitos a consagrar a corrupção moral, encorajando a violência duplicada contra a mulher: física e moral. Mesmo réu pelo Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro repetiu a dose, com ofensas verbais preconceituosas a negros e gays. A turma da molecagem o aplaude mesmo com tantos deslizes, os quais consideram pequenos. E quantos, literalmente, vestem e passeiam pelo parque com a camisa da triste figura? Por nossas bandas, o machismo não dá sinais de arrefecer. Ao contrário, parece ter voltado com mais vigor. Agora, alguns até conseguem apoiar quem faz apologia do estupro como candidato à Presidência do País. Estamos mesmo numa época estranha, deveras atrapalhada e confusa. Este nosso país é quase um encanto. Celito M. Brugnara Porto Alegre, RS (Enviado via carta) Temer vai de mal a pior. O programa derrotado de Aécio, hoje implantado por Temer, não beneficiou a classe média, como se esperava. O dólar continua altíssimo. O desemprego, aterrorizante. O PMDB congelou o investimento em saúde e educação dos pobres, enquanto tenta vender estatais para qualquer grupo estrangeiro que possa pagar. O Brasil está fraco. Os patos amarelos estão murchos. Não acreditam mais em Alckmin. Estão desconfiados do PSDB, dos escândalos de Aécio, do elitismo que enriquece os banqueiros e deixa o povo cada vez mais pobre. Boa parte do eleitorado está disposta a apelar, radicalizar, flertar com o absurdo, cristalizado na candidatura de Bolsonaro. A novidade agora é apostar na extrema-direita. Bolsonaro é apenas um personagem inventado, um mito brasileiro, é só a máscara de mais uma mentira fascista. Suas falas absurdas começarão a cansar mesmo os seus antigos eleitores. São mentiras vazias. Não há milagre em política. Não há intervenção militar que salve. O PCC continuará poderoso no Brasil. O desemprego, alto. Os escândalos, diários. Depois da ditadura, do fascismo, de Bolsonaros, quem sabe o nosso povo se afaste por um tempo dos mitos, dos falsos heróis e dos salvadores da pátria. Wellington Anselmo Martins Bauru, SP (Enviado via carta) O site oficial de Bolsonaro não tem nenhuma proposta. Achei que, pelo menos, iria encontrar algumas bobagens genéricas e preconceituosas, mas nem isso eles tiveram a capacidade de escrever. Rodrigo N. Matsui (Enviado via Facebook) O PIANISTA DO SAMBALANÇOMuito bacana a matéria sobre Antonio Adolfo. Principalmente, por trazer informações preciosas para as novas gerações sobre o momento após o AI-5, quando a ditadura assumiu um caráter bastante repressivo. As violações daquela época só vieram a público depois, por meio de matérias como essa. Apenas senti falta de uma referência ao disco Feito em Casa, marco da produção independente de música no Brasil. Orlando Oliveira São Paulo, SP (Enviado via carta) O SERVIÇAL CERCADO Temer é de uma inteligência sem tamanho: enganou até os caminhoneiros, visto que o desconto do diesel não vai aparecer na bomba. Os postos dão um jeitinho de disfarçar e embolsar a diferença. Não satisfeito, sabotou a greve dos petroleiros, colocando o povo contra os únicos com coragem de lutar por um Brasil melhor. Faz o povo pensar que vive em uma democracia. Nunca mais alguém vai conseguir mentir, manipular, enganar tanto quanto ele e seus aliados e mesmo assim sair lucrando. Mas não se preocupem: nós temos gasolina. Drica Serato (Enviado via Facebook) Temer enfiou uma estaca no coração de um governo democrático. Pelo andar do jogo eleitoral, não há sinais de melhora no futuro. Anice Rocha (Enviado via Facebook) Todo mês Michel Temer reduz algum benefício. Está se aproveitando disso para acabar de vez com o “colchão de segurança” garantido aos pobres pelos governos anteriores. Suayne Suzi (Enviado via Facebook) MAIS PRODUÇÃO, MENOS ESPECULAÇÃO Do ponto de vista econômico, não está “na hora de Ciro”, questionamento levantado por CartaCapital em edições recentes. Entre os pré-candidatos à Presidência, ele é quem mais causa desconfiança nesse campo, mesmo com experiência em cargos públicos. Seu economista, Nelson Marconi, também não parece ter autonomia suficiente para quitar o saldo negativo da era Temer e reformar a indústria do País. O desenvolvimentismo que ele prega não é tão novo assim. João Pedro Marques Cardoso São Paulo, SP (Enviado via carta) Vemos a nação mergulhar no caos, como consequência de um conluio jurídico-parlamentar de alta traição, em que, acintosamente, se conspurcou a democracia. No cenário de 2018, cabe ao PT e ao PDT recorrerem, possivelmente, a uma aliança ou a um gesto de grandeza. Há uma nítida linha que vai de Getúlio Vargas a Luiz Inácio Lula da Silva, passando pela página de bronze escrita por Leonel Brizola em 1961. A esquerda precisa se entender. Ilma Cecília Leite Rio de Janeiro, RJ (Enviado via carta) DÁ PARA TORCER? O Brasil que eu quero não tem a Rede Globo. Quanto à Seleção, está difícil vestir a camisa verde-amarela. Que seja eliminada bem depressa. Airton Brisolla Curitiba, PR (Enviado via carta) O “NOVO” VEM DA ESQUERDA É disso que as elites têm medo: da massa culta e esclarecida. Eles não conseguem comprar a ignorância de um país inteiro. Rogério Ferreira (Enviado via Facebook) ÍNDICE CRÉDITO DA PÁGINA: Reprodução Mídia Social CAPA: Ilustração: Daniele Doneda. Fotos: iStockphoto ANIAMÇÃO: Regina Assis Marivaldo luta para acabar com a exclusão social e a manutenção de privilégios Guerra e paz? Uma guia turística no Expresso Transiberiano, um pregador nas ruas de Moscou e a revisão histórica na Rússia de Vladimir Putin | | | Em Por Flávio Ricardo Vassoler* Na moda. Depois do fim da União Soviética, os Romanov foram reabilitados. De assassinos viraram santos agosto de 2017, ministrei um curso de história e literatura russa a bordo do Grande Expresso Transiberiano. O trem partiu de Ulan-Bator, capital da Mongólia, entrou em território russo pela cidade de Ulan-Ude, capital da República da Buriátia, singrou a imensidão da Sibéria por mais de 5 mil quilômetros, cruzou a fronteira eurasiana na cidade de Ekaterimburgo e, ao fim e ao cabo, chegou em Moscou. Nestas duas últimas cidades – 24 horas distantes uma da outra a bordo do trem –, vivenciei os fragmentos narrativos relatados a seguir. Ninguém governa sem culpa? Com gestos vivazes, a guia turística Natália Radtchenko me explica que a Catedral do Sangue Derramado, no coração de Ekaterimburgo, foi erigida, após o fim da União Soviética, “sobre as ruínas da casa do comerciante Ipatiev, onde, em julho de 1918, os algozes bolcheviques fuzilaram o czar Nicolau II e sua família. Assim, a Igreja Ortodoxa Russa batizou essa catedral com o sangue inocente dos Romanov. Ademais, Nicolau II e seu filho Alexei foram canonizados após o fim do ateísmo soviético”. – Natália, posso lhe fazer umas perguntas? – Pois não. – Com o atraso e a fome que devastavam a Rússia antes da Revolução de 1917, será que os Romanov eram tão inocentes quanto reza a hagiografia histórica pós- soviética? (Natália faz um Pelo-Sinal da Santa Cruz, à maneira ortodoxa, para iniciar o meu processo de excomunhão.) – De fato, Natália, o fuzilamento dos Romanov foi uma ação bastante questionável capitaneada por Lenin. Mas, ora, quando é que transformações históricas radicais não ceifaram vidas humanas? A república moderna não foi disseminada com a guilhotina dos franceses? A abolição da escravatura não se viu profundamente municiada pela guerra civil nos Estados Unidos? Ora, ainda que discordemos visceralmente de Lenin, é preciso dizer que há pressupostos históricos para sua medida draconiana: se as tropas monarquistas resgatassem os Romanov em meio à guerra civil que as contrapunha aos bolcheviques, os czaristas teriam uma bandeira e tanto para impulsionar a reação à Revolução de Outubro, não? É por isso, Natália, que o revolucionário francês Saint-Just sentenciou que “ninguém governa sem culpa”. (Natália beija um ícone com a imagem do Cristo Ortodoxo junto à lapela de sua blusa, para prosseguir com meu processo de excomunhão.) – Uma última pergunta, Natália: será que, a exemplo do que ocorreu com São Nicolau II, a Igreja Ortodoxa Russa canonizará Vladimir Putin, quando o novo czar deixar o trono da Presidência após a morte? (Natália me fulmina com os mesmos olhos que fuzilaram os Romanov.) Estátuas equestres dos antigos czares cerram fileiras com os bustos de Marx e Lenin Bode expiatório Morei em Moscou entre 2008 e 2009, para fazer um curso de língua russa na RUDN, a Universidade Russa da Amizade dos Povos, e para realizar parte de minha pesquisa de mestrado sobre a obra de Fiodor Dostoievski. De volta à cidade, Moscou me parece bem mais capitalista. Há oito anos se discutia a remoção da múmia de Lenin do mausoléu na Praça Vermelha, mas ainda não havia rumores sobre a construção de um centro empresarial a meros 2 quilômetros do Kremlin, com arranha-céus que destoam radicalmente do estilo dos prédios aristocráticos na área histórica da capital. (Será possível imaginar Moscou como uma sucursal eslava de Chicago?) Há oito anos não havia estátuas equestres dos czares Alexandre III e São Nicolau II cerrando fileiras com os bustos de Karl Marx e Lenin. E eis que, nas imediações do agourento prédio da KGB, ao lado de um busto de São Alexei Romanov, filho de Nicolau II, vejo uma roda ao redor de um velho de barba bíblica. Os fiéis parecem hipnotizados pela pregação eslavófila a clamar pela “Grande Rússia comandada por Putin! Sim, agora voltamos a ter orgulho da nossa pátria! E em verdade lhes digo que a União Soviética só caiu porque seus líderes não eram russos autênticos: Lenin era judeu, Kruchev, ucraniano, e que dizer do georgiano Stalin?” Entorpecido pela pregação eslavófila, não consigo deixar de levantar a mão para pedir a palavra. Contrariado, o velho me olha com desconfiança e apruma o ouvido com a mão direita em concha. – Senhor pregador, o que o senhor disse sobre os líderes soviéticos forasteiros (e potencialmente traidores) me deixou pasmo e me lembrou de algo... Uma vez, em Berlim, eu ouvi um bêbado nazista latir que Hitler só não conseguira exterminar todos os judeus porque ele próprio era... judeu.(O velho pregador me fulmina com olhos de inquisidor.) – E mais: há pouco, eu ouvi algo de um mendigo, senhor pregador, algo que me fez pensar sobre a sua Grande Rússia... A algumas quadras daqui o pobre diabo gritava que, na época da União Soviética, todos tinham dinheiro, mas não havia nada nas lojas. Agora há de tudo nas lojas, mas ninguém tem dinheiro... (O velho e os fiéis me fulminam com olhos de quem, enfim, encontrou um bode expiatório.) • *Flávio Ricardo Vassoler é doutor em Letras pela USP, com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University (EUA). Traçará um retrato da Rússia moderna durante a Copa do Mundo Vão privatizar o Brasil? | | | A sanha privatizante no Brasil, a de ontem, a de hoje ou a de amanhã, tem sido tão somente, muitas vezes, serviço patrocinado vindo d’além-mar. Lá de fora sempre se ganha mais do que se perde. Assim vão comendo o País em fatias. Comeram a Companhia Siderúrgica Nacional. A Companhia Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo, criada pelos ingleses, foi estatizada por Getúlio Vargas, em 1942, e tornou-se uma das maiores mineradoras do mundo. Foi privatizada em 1997, vendida a preço de banana. Michel Temer trilhou esse caminho. Chegou a anunciar um pacote de 25 concessões e privatizações. Não foi tão longe. Enfrentou resistência interna e luta, com poucas chances, para privatizar a Eletrobras. Antes dele, Fernando Henrique Cardoso assumiu o poder e prometeu acabar com a “Era Vargas”. Por Mauricio Dias A ameaça mais tenebrosa feita por FHC foi a de privatizar a Petrobras. Privatizada passaria a se chamar Petrobrax. Um jeitinho de o governo atrair interesse externo. Como acontece ainda agora com a fabulosa descoberta do pré-sal. Shell, ExxonMobil, Chevron, BP Energy, Petrogal e Statoil foram vencedoras da quarta rodada de licitação do pré-sal. A Petrobras foi derrotada no leilão de duas áreas. Levantou 3,15 bilhões de reais abaixo do valor mínimo estipulado pelo governo Temer. O estado de exceção gerado pelo golpe caminha neste sentido. Se os empresários brasileiros fossem aqueles de quatro décadas atrás, não permitiriam Mas o Brasil apoia a privatização do País? Há sintomas diferentes. E não é de agora. Em 1978, o Ibope ouviu cem empresários do Rio de Janeiro para uma avaliação a respeito do governo do general Ernesto Geisel, o penúltimo da ditadura. Duas respostas da pesquisa (ver tabela) surpreendem, caso os empresários não tenham mudado radicalmente de opinião. Eles consideravam necessária a presença do Estado na economia. Surpreendente é a resposta relativa a empresas como a Petrobras, Vale do Rio Doce e Companhia Siderúrgica Nacional. Elas deviam continuar “controladas pelo Estado”. Das três indicadas só resta a Petrobras. Mesmo assim, embora controlada pelo governo, já está dividida com a iniciativa privada. A criação da Petrobras, em 1952, com apoio popular, impulsionada pelo lema “O petróleo é nosso”, por décadas não foi objeto de suspeitas nem de ladroagem, a não ser durante o governo Geisel, quando presidida por Shigeaki Ueki. Estranha coincidência. Ao contrário do que o acontece hoje com o pré-sal, não duvidavam que o Brasil tivesse recursos financeiros e capacidade técnica para sustentar a empresa. Hoje, se possível fosse, privatizariam até os postes das ruas. • ANDANTE MOSSO Eleição reforçará o PT Apenas 8 dos atuais 61 deputados da bancada do PT, a maior na Câmara dos Deputados, não vão disputar a reeleição. Dois deles vão para a disputa ao Senado, um a governador, outro para deputado estadual. Os demais trocam o Parlamento por projetos pessoais. A campanha será curta. Terá menos de quatro meses. Com teto de gastos, quem tem mandato fica com mais chance de se reeleger. Com Lula ou sem Lula, mas pelo impacto da liderança dele, é muito provável que os petistas saiam das urnas em maior número do que agora. Será um reforço poderoso para uma legenda que perdeu fôlego. Na eleição de 2002, a primeira vencida por Lula, o PT elegeu 90 deputados federais. Bola murcha Há um desânimo visível no “país do futebol”, impulsionado pelo governo ilegítimo de Michel Temer. A falta de enfeites nas ruas para saudar a Seleção, como em épocas passadas, tem sido notada. Nem mesmo sob a botina dos militares, no tricampeonato de 1970, o brasileiro deixou de torcer. É possível admitir, pois, que a bola do Brasil murchou. Cabo eleitoral irresistível Um dígito Geraldo Alckmin é um exemplo da vida dura de um candidato à Presidência pela segunda vez. É possível que, a quatro meses da eleição, o tucano não resista à próxima pesquisa. Principalmente se ele permanecer com o porcentual de intenção de voto com um só dígito. Como sofre este senhor Pulo do gato O empresário João Doria Junior saltou dos 15 meses da prefeitura de São Paulo, antecipadamente, para ser candidato ao governo do estado. Nos primeiros dias, entretanto, ele tentou projetar-se como uma possibilidade para a Presidência da República. Foi enxotado. Mas é um gato à espreita. Caso Alckmin desista, o que farão os tucanos? Vão recolher-se ao ninho ou, constrangidos, baterão à porta de Doria? O romântico do Planalto Em cerimônia no Palácio do Planalto, onde lançou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), o suposto poeta atropelou o coração do suposto presidente. Foi assim: “Não se pode tratar a criminalidade com rosas na mão”. Arrancou discretos sorrisos irônicos. ÍNDICE CRÉDITOS DA PÁGINA: Mauro Pimentel/AFP, Benedikt Von Loebell/AFP e Alexandre Carvalho/A2img O lustroso cavalheiro está sempre de prontidão A Medusa Se Caravaggio conhecesse a ministra Cármen Lúcia, creio que a escolheria como modelo de uma de suas obras | | | Caravaggio escolhia seus modelos nas ruas, desde um grupo de jogadores de baralho reunidos à volta da mesa de uma estalagem do arrabalde até a cortesã Fillide Melandroni, iguaria de príncipes e cardeais, personagem de várias telas, entre elas Judite e Olofernes. De outro nível era a prostituta com a qual viveu por dois anos, modelo para duas Madonne, a dos palafreneiros e a dos peregrinos. Formosa de traços mediterrâneos, tinha um filho dos seus 5 ou 6 anos, em nada parecido com o icônico Menino Jesus e, no entanto, designado para o papel pelo pintor. Não sei da modelo da Medusa conservada em Florença nos Uffizi, mas ouso supor que a presidente do Supremo Tribunal Federal funcionaria a contento. A ministra Cármen Lúcia de tudo faz para me espantar. Na segunda 11, no seminário “Trinta anos sem censura: a Constituição de 1988 e a liberdade de Por Mino Carta Durma-se com um pesadelo destes... imprensa”, disse impávida que “sem imprensa livre a Justiça não funciona bem, o Estado não funciona bem”. Com candura, perguntei aos meus atônitos botões se porventura, em um repente de sinceridade e insólita sabedoria, teria apresentado as razões da tragédia em que o Brasil precipita como em um abismo sem fundo. Quem se faz de bobo, resmungaram os meus soturnos interlocutores, você ou ela? A mídia nativa, é do conhecimento até do mundo mineral, defende os interesses da casa-grande, mesmo porque seus patrões são inquilinos da mansão. Esta não é liberdade de imprensa, e sim a obrigação de informar da maneira mais conveniente aos donos do poder. Certo é que no momento a Justiça e o Estado de fato não funcionam. Melhor, foram demolidos pelo estado de exceção gerado pelo golpe de 2016. A ministra Cármen Lúcia, que preside também o CNJ, promotor do seminário, deita falação sobre um Constituição enxovalhada faz mais de dois anos, brutalmente rasgada, a turvar o sono eterno de Ulysses Guimarães. Há momentos em que a argumentação dos meus botões me soa de total coerência. A presidente do STF acredita realmente que o Brasil vive hoje uma “democracia plena”, onde cada cidadão exerce “sua liberdade de forma crítica e bem informada?”Trata-se de um bestialógico arrepiante, de sorte a justificar sérias dúvidas em relação à saúde mental de quem o desenrola de cara lavada. Em artigo recente, publicado na Época, Conrado Hubner Mendes, professor de Direito da USP, escreve com rara felicidade: “O estilo de Cármen Lúcia escancarou um costume perverso do STF: a total arbitrariedade do que entra e do que sai da pauta (...) A agenda constitucional do País tornou-se agenda do STF, e quem manda nela é uma única pessoa”. O professor refere-se explicitamente, entre outras situações, ao caso da execução da pena em segunda instância cuja ação deixou de pautar para que a questão viesse à tona “por ocasião do habeas corpus de Lula”. Agora, a ministra Cármen Lúcia aventa a necessidade de uma reinterpretação da Constituição para adequar-se “às transformações vividas nas últimas décadas”. Quem sabe cogite de uma reformulação capaz de consagrar o estado de exceção, o impeachmentconforme a vontade da casa-grande, as condenações sem prova, o loteamento do País para entregá-lo ao capital estrangeiro. A Medusa transformava em pedra quem a encarasse, mas Perseu soube como enfrentá-la instruído por Palas Atena, deusa da sabedoria, que cuidou de presenteá-lo com uma espada e um escudo destinado a refletir o olhar funesto da criatura monstruosa. Protegido desta forma, Perseu em segurança avançou contra ela e cortou-lhe a cabeça. Um herói mitológico, mais Hércules do que Perseu, talvez pudesse enfrentar a enésima fadiga para consertar o Brasil reduzido a escombros política, econômica e moralmente. Mas, se viesse Perseu, Sergio Moro já o teria condenado e encarcerado antes que ele recebesse os presentes da deusa da sabedoria. • Nas barbas do guru A acusação contra uma quadrilha de doleiros chamusca um sócio de Paulo Guedes, conselheiro econômico de Bolsonaro, e expõe pecados do “mercado”, berço da teoria de que privatizar não é bom somente para a economia, mas também na luta contra a corrupção | | | | Por André Barrocal Bolsonaro prepara-se a combinar sua plataforma reacionária com... O “mercado”, essa abstração formada por bancos, fundos, corretoras de valores e especuladores em geral, está tenso com o hoje imprevisível resultado da eleição. Seus presidenciáveis prediletos, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e companhia, fazem feio nas pesquisas. A aflição tem se revelado na alta do dólar, firme rumo aos 4 reais, apesar de o Banco Central ultimamente atuar de forma pesada no câmbio. Se a situação está assim agora, espere-se até passar a eleição no México, em 1o de julho, quando toda a atenção da turma se voltará para cá, comenta um analista do mercado. Sem opção, parte da banca inclina-se na direção do pré-candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, seduzida pelo economista que o deputado escolheu como guru, Paulo Guedes. Este ajuda a preparar a plataforma bolsonarista com a paixão neoliberal do Chicago Boy que é. Quer privatizar tudo, pois a mão invisível do mercado seria não só mais virtuosa na economia, como também na luta contra a corrupção, um antídoto contra o uso de estatais em negociatas. Essa mão aí pode ser leve também. É o que se constata em uma acusação à Justiça que acaba de sair do forno. Uma história cheia de dólares também e com dois personagens da órbita de Guedes. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) atinge 62 pessoas apontadas como integrantes de uma rede doleira. Foi fechada em 6 de junho, após uma longa investigação sobre 1,6 bilhão de dólares movimentados por 52 países e 3 mil offshores, empresas em geral abertas em paraísos fiscais. Os acusados serão processados pelos crimes de formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e corrupção. Vários deles tinham sido presos preventivamente, no início de maio, por ordem do juiz federal Marcelo ... a paixão neoliberal do Chicago Boy Paulo Guedes Bretas, da 7a Vara do Rio de Janeiro, quando a Operação Câmbio, Desligo foi às ruas. Um deles era um executivo do Grupo Bozano, Oswaldo Prado Sanches. Ele teve um pedido de habeas corpus negado na segunda e na terceira instâncias, mas vai responder a Bretas em liberdade. No dia 1o, conseguiu um HC no Supremo Tribunal Federal, de Gilmar Mendes. Prado caiu na tarrafa graças às delações de dois doleiros, Vinicius Claret, o Juca Bala, e Claudio Barboza, o Tony. Com a ajuda dos alcaguetes, os investigadores descobriram um verdadeiro sistema financeiro clandestino existente desde os anos 1990, conforme CartaCapital contou há um mês. A dupla gerenciava as transações a partir do Uruguai, para onde havia se mudado por volta de 2003, após o caso Banestado, um escândalo a botar em cena vários dos mesmos doleiros e endinheirados de agora. Para controlar os negócios, Juca e Tony tinham um sistema contábil eletrônico. Sanches era chamado no sistema de “Barbear”, um trocadilho com o nome do patrão dele, o Grupo Bozano. O codinome foi cadastrado no sistema em maio de 2006. O registro da última transação com “Barbear” é de, exatamente, uma década depois. A função principal de “Barbear” na rede clandestina, segundo os delatores, era providenciar dólares. De 2011 a 2016, teria arranjado 15,5 milhões. A grana, ao que parece, saía do Bozano. Em sua deduragem, Juca diz que o relacionamento com o grupo começou nos anos 1990, e que o grupo “sempre vendeu dólares” para o esquema, “através de depósitos em contas bancárias indicadas” por ele e por Tony. O dinheiro fornecido por Sanches saía às vezes de uma conta bancária mantida em uma agência do Morgan Stanley em Nova York. É possível que seja uma conta pessoal do octogenário líder do grupo, o gaúcho Julio Bozano, uma das maiores fortunas do Brasil, estimada em 1,8 bilhão de dólares pela Forbes em janeiro. Durante as investigações, Bretas autorizou a quebra de sigilo de Sanches, e o MPF descobriu um sugestivo e-mail de Sanches para o chefe com data de 26 de abril de 2017. “Dr. Julio, segue abaixo o e-mail que enviei ao Luis Romero falando que não será mais necessário ele enviar o relatório sobre a Juca Bala , um dos alcaguetes, revelou a ligação entre Bozano e Guedes conta do Sr. junto ao Morgan Stanley.” Pelo que se vê na mensagem encaminhada no e-mail, Sanches tinha falado com Romero na véspera. Contava ter conversado naquele dia com Julio sobre a conta nova-iorquina e que não era necessário que o Morgan Stanley preparasse um relatório a respeito dela. Pelo que Sanches escreveu, o relatório teria utilidade em uma declaração de Imposto de Renda. Na denúncia contra Sanches, o MPF lista alguns negócios feitos pela rede doleira com a ajuda de “Barbear”. Há, por exemplo, um caso de parceria com o doleiro Rony Hamoui, codinome “Jacinto”, outro denunciado. Jacinto acionou a rede doleira em busca de 250 mil dólares para uso no exterior. “Barbear” fez duas transferências em agosto de 2013, uma de 100 mil dólares, a partir de uma conta no J.P. Morgan em Nova York, outra de 150 mil de uma agência nova-iorquina do HSBC para a Índia. Por aqueles dias, “Jacinto” entregou dois cheques ao esquema dos doleiros, em montante aproximado ao equivalente em reais às 250 mil verdinhas. Esse tipo de operação é o que se chama de dólar-cabo, uma forma de driblar as autoridades. Uma compra de dólares sem que haja movimento físico dentro do País. Em uma das pontas há um interessado em esconder dinheiro no exterior. Na outra, alguém que precisa de reais aqui. Nos dois casos há crimes por trás. Uma pessoa a esconder dólares no exterior para não pagar IR, por exemplo. A ponta interna podia ser pagamento de propina a corruptos. Essa era a essência do serviço prestado pela rede doleira: unir as duas pontas – em troca de comissão, claro. De 2012 a 2015, “Zorro” foi decisivo na evasão de cerca de 13 O bilionário Julio Bozano vai sofrer a revisitação de um escândalo de quase 20 anos atrás milhões de dólares do Liechtenstein que reaparecem naLava Jato A denúncia contra “Bar-bear” mostra que, em janeiro de 2014, ele ajudou a rede a evadir, via dólar-cabo, 143 mil dólares, para ajudar Henri Joseph Tabet, codinome “Fofinho”, mais um denunciado à Justiça. Essa grana foi de Nova York para a China. Entre agosto de 2015 e maio de 2016, a evasão da qual “Barbear” fez parte foi de 730 mil dólares, em negócios que tinham na ponta oposta outro acusado, Wu Yu Sheng, codinome “Molleja”. Foram cinco transferências. O dinheiro saiu de uma agência do Citibank em Wall Street, a rua nova-iorquina que é a meca do financismo global, e foi para Hong Kong, um paraíso fiscal. O Grupo Bozano também se valia de paraísos, como se pode deduzir do sistema eletrônico de Juca Bala e Tony. O sistema permitia trocas de mensagens entre os doleiros. Em 21 de maio de 2014, há uma conversa em que “Barbear” pede para mudar o endereço da Bozano Limited para outro nas Bahamas. “Fui informado que esse é o novo endereço da empresa”, escreveu. Em troca dos serviços prestados ao esquema, Sanches recebia cash. Carlos José Alves Rigaud, colaborador de Juca e Tony na condição de “carregador de mala”, também se tornou delator e contou que “sempre fazia entregas” para Sanches, “em torno de 150 mil reais por semana”. A grana era deixada na sede do Banco Bozano, Simonsen, uma instituição que não existe mais, na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio. Ou, então, na Rua 2 de dezembro, número 78, no bairro do Catete, também no Rio. Este último endereço é o de uma empresa de Sanches, a DH4S. Diante de todas as descobertas, o MPF diz na denúncia que “resta cristalinamente claro” que “Oswaldo era um alto executivo do Grupo Bozano”, “tinha amplo acesso às contas do Grupo Bozano em Nova York”, e que “operava criminosamente” com a rede doleira para “ocultar movimentação de vultosas quantias, das quais as imputadas nesta denúncia são apenas parte da operação criminosa”. Sanches é homem de confiança de Julio Bozano há muito tempo. Trabalhava no grupo desde os anos 1980. Após sua prisão preventiva em maio, o Grupo Bozano passou a dizer que o executivo deixara a empresa no mês anterior. Versão conveniente, mas esquisita. No registro da Companhia Bozano junto à Receita “Fofinho”, “Jacinto” e “Molleja”, figuras eméritas de uma quadrilha Federal, Sanches era apontado ainda em 11 de junho como “presidente”. A história do “Barbear” permite revisitar um escândalo de quase 20 anos a envolver o bilionário Julio Bozano. Em 1999, havia uma CPI dos Bancos no Senado. Em setembro, a comissão tomou sigilosamente o depoimento de um empresário que tinha trabalhado no Bozano, Simonsen, que ainda existia na ocasião. Yssuyuki Nakano disse que operava caixa 2 de Julio e do banco, que administrava uma conta pessoal do magnata em Nova York. Apresentou, inclusive, uma declaração registrada em cartório, na qual um ex- gerente-geral do Bozano, Simonsen em Campinas (SP), José Carlos Franz, afirmava que recebia ordens diretas da presidência do banco para atender a todos Dario Messer, personagem do escândalo do Banestado, deu uma força ao... ... banqueiro Daniel Dantas com remessas de 3 milhões de dólares para o Opportunity nas Ilhas Cayman os pedidos de Nakano, como descontar cheques dele e suas empresas. Segundo Nakano, de 1990 a 1993, suas empresas tomaram 50 milhões de dólares no banco, sem sequer ter de apresentar garantias. Parte da bolada teria servido para compras ilegais de dólares. O depoimento levou a CPI a convocar Julio, que alegou estar no exterior e mandou dois prepostos no lugar. Levou também o Banco Central a botar lupa no Bozano, Simonsen. Nakano contou sua versão publicamente em maio de 2000 à Folha, com uma frase forte: “Eu era testa de ferro de Julio Bozano”. Tinha resolvido abrir o bico, pois era alvo de outra CPI, sobre o narcotráfico, e não queria que sua riqueza fosse confundida com tráfico – aparentemente, era melhor ser confundido com crime do colarinho-branco, mais chique. A fiscalização do BC descobriu que, mesmo na pior, o banco praticara evasão de divisas, ao mandar dólares, em 1998, para os paraísos fiscais das Ilhas Cayman e das Ilhas Virgens. Em dezembro de 1999, Julio foi convocado ao BC e teve de assinar um termo de ajustamento de conduta. Em maio de 2000, conforme o noticiário da época, o BC estava decidido a proibir o empresário de ter ou de dirigir instituições financeiras. Foi aí que o gaúcho retomou e concluiu negociações para vender seu banco. Selou o negócio no fim de 2000, com o Santander. Era o fim do Bozano, Simonsen, fundado nos anos 1960 como o primeiro banco de investimentos do País, aquele tipo de negócios que não trabalha com correntistas comuns, mas com grandes transações e clientes ricos. Velha imagem do Bozano Simonsen, fundado nos anos 1960 e vendido ao Santander em 2000 Julio voltou ao mercado financeiro em 2013. Fez uma sociedade com Paulo Guedes na empresa Bozano Investimentos. Esta foi registrada na Receita Federal em 19 de agosto de 2013 e tem como sócios Guedes, a Companhia Bozano e a Bozano Partners, entre outros. Sanches, o “Barbear”, participa do arranjo societário. Ele é, ou era, presidente da Companhia Bozano, como visto anteriormente. A Bozano Partners foi criada em 11 de julho de 2013, tendo ele como um dos diretores- executivos. Desde o surgimento da Bozano Investimentos, administradora de 3,5 bilhões de reais em dinheiro de terceiros, Guedes é seu principal dirigente e estrategista. Comanda o conselho de administração. Guedes disse a CartaCapital que não sabia das atividades de Sanches com doleiros e que não comentaria a acusação contra o executivo. Julio e o Grupo Bozano não responderam ao pedido de informações da reportagem. Guedes ganhou holofotes de uns tempos para cá, por ter entrado no time de Jair Bolsonaro, escolhido para ajudar o presidenciável a ser aceito no “mercado”. É neoliberal da gema, um Chicago Boy com Ph.D. pela universidade veneradora do austríaco Friedrich Hayek e do norte-americano Milton Friedman. Como estes, Guedes acha que o governo só atrapalha a economia. É essa a filosofia do programa econômico que prepara para o deputado da extrema-direita. Bolsonaro até já declarou: se vencer, Guedes será seu ministro da Fazenda. Um dos fundadores do Instituto Millenium, think tank direitista do qual fazem parte o economista Pedro Malan, o empresário Josué Gomes da Silva, da Coteminas, e alguns globais, entre outros, Guedes tem difundido a ideia de que “Bolsonaro é o fenômeno eleitoral da direita” contra “um sistema político degenerado pelo dirigismo Zelada preso por lavar dinheiro em Mônaco, aprazível recanto também visitado por Sergio Moro, como será provado nas páginas seguintes na economia”. Em abril, disse ao Estadão que a “velha política está morrendo em praça pública, devido à degeneração da política” por causa desse “modelo dirigista, onde as estatais são os braços usados para fazer governabilidade”. Ou seja, bom seria deixar tudo com a mão invisível do mercado. Fica bem que um juiz de uma vara especializada em crimes financeiros aceite receber prêmio em um paraíso fiscal? O que dizer, então, da mão leve do mercado vista no escândalo dos doleiros? Sanches e o Grupo Bozano não são os únicos representantes do mercado, esse virtuoso, no esquema. Um dos denunciados é Chaaya Moghrabi, codinome “Monza”. Sua função na rede clandestina era similar à de “Barbear”, providenciar dólares e fazê-los chegar a algum ponto no exterior. Onde ele arrumava dólares? Em sua delação, Tony afirmou que Moghrabi “já trabalhou no Banco Safra, onde conseguiu uma grande carteira de clientes”. “Monza” foi cadastrado no sistema contábil eletrônico de Tony e Juca Bala em 2006 e fez o último negócio no ano passado. De 2011 a 2017, teria ajudado a evadir 239 milhões de dólares. Outro egresso do reino da virtude é Diego Renzo Candolo, o “Zorro”, igualmente denunciado como membro da rede doleira. Tonyafirma tê-lo conhecido entre 2002 e 2003, através de uma pessoa “de quem Zorro tinha sido chefe no Credit Suisse”. Já Juca Bala diz tê-lo conhecido nos anos 1990, “quando Candolo era representante do Deutsche Bank”, e que o know-how de “Zorro” era valioso. “Ele era responsável pela abertura de contas no exterior para serem utilizadas no exterior, haja vista seu relacionamento com instituições financeiras”, contou o doleiro. Um exemplo desse know-how posto a serviço da rede é uma conta no Banco Valartis, no paraíso fiscal de Liechtenstein. De 2012 a 2015, “Zorro” ajudou a evadir 12,9 milhões de dólares, pelo menos, conforme a contabilidade dos delatores. Uma parte dos dólares movimentados lá fora com a ajuda dele virava propina em reais aqui dentro, subornos pagos, por exemplo, pela Odebrecht. “Zorro” era sócio no exterior de Fernando Baiano, lobista conhecido na Operação Lava Jato por ajudar negociatas do MDB. A propósito de paraísos fiscais, doleiros e Lava Jato, o juiz Sergio Moro recebeu em 2 de junho um prêmio em Mônaco. O galardão partiu de uma ONG, a Projeto Brasil Mônaco, criada pela brasileira Luciana Paulina Montigny, esposa do cônsul honorário do Brasil no principado, o canadense André de Montigny. A entidade tenta estreitar laços de amizade e culturais entre os dois países. Mônaco é o segundo Paulo Pimenta lidera a proposta na Câmara de uma CPI das Delações. Conta, obviamente, com a resistência de Rodrigo Maia Basto foi aquinhoado por uma mesada de 50 mil dólares por oito anos menor país do mundo, mas um enorme paraíso fiscal. Ninguém paga Imposto de Renda, razão para atrair ricaços do planeta. Para obter um golden visa e morar sossegado, basta prometer investir lá, motivo de os imóveis custarem fábulas. O IR das empresas é mínimo. Por muito tempo, Mônaco esteve na lista negra de paraísos fiscais da OCDE. Aí vem a dúvida: pega bem o juiz titular de uma vara especializada em crimes financeiros aceitar ir a um paraíso fiscal para receber prêmio? Não deveria ao menos ter aproveitado a chance para dizer ao mundo que nações mais humildes, como o Brasil, precisam de ajuda para caçar sonegador? E olha que na Lava Jato condenou um ex-diretor da Petrobras, Jorge Zelada, por usar um banco em Mônaco para esconder e lavar dinheiro da corrupção. No discurso, Moro limitou-se a agradecer a colaboração das autoridades locais com a Lava Jato. Estranhezas à parte, a denúncia contra a rede de doleiros aponta um como líder da quadrilha, o sujeito que ficava com 60% dos lucros, um velho conhecido de Moro, Dario Messer. Hoje foragido, Messer era um dos personagens do escândalo do Banestado, o caso que primeiro tornou o juiz de Curitiba famoso nacionalmente, no início do século. Foi graças a esse caso que Messer e seus sócios Juca Bala e Tony passaram a controlar as operações a partir do Uruguai, ali por volta de 2003, para ficar longe das autoridades brasileiras. A CPI do Banestado descobriu, entre outras, que Messer deu uma força ao banqueiro Daniel Dantas, com remessas de 3 milhões de dólares, em 1997, para o Banco Opportunity nas Ilhas Cayman. A bolada saiu de uma offshore controlada pelo doleiro, a Depolo Corporation. Até 2012, 2013, Messer tinha um banco, o EVG, em Antígua e Barbuda, outro paraíso fiscal, através do qual fazia negócios para uma clientela de gente fina, como o empresário Alexandre Accioly, dono de uma rede de academias no Rio investigado hoje como prestador de serviços clandestinos ao senador Aécio Neves, tucano enrascado na Justiça. Ao menos até 2009, Accioly era sócio de outros dois recém-denunciados integrantes da megarrede de doleiros, os irmãos Roberto e Marcelo Rzezinski. Até aquele ano pelo menos, os três estavam unidos na Empresa Brasileira de Distribuição de Ingressos. Um quarto sócio era o apresentador Luciano Huck, que era o presidenciável dos sonhos de Fernando Henrique Cardoso e com quem Paulo Guedes, agora com Bolsonaro, chegou a conversar para ver se colaboraria de alguma forma, caso o global se candidatasse. Segundo a denúncia que vão encarar, Roberto e Marcelo tinham como papel principal na rede doleira ajudar a arrumar a moeda norte- americana em espécie. Em troca, recebiam pagamentos em reais em um shopping e um hotel na Barra da Tijuca, no Rio, dinheiro que depois colocariam à disposição de corruptos do MDB. E assim funciona a relação entre doleiros e endinheirados no Brasil, um escândalo tratado por aqui com aparente naturalidade. Das delações de Juca Bala e Tony, origem das revelações atuais, saiu uma espécie de bala perdida contra o advogado Antonio Figueiredo Basto, especializado em delações e bastante atuante na Lava Jato em Curitiba, outra história contada recentemente por CartaCapital. Segundo os alcaguetes, Basto teria recebido uma mesada de 50 mil dólares entre 2005/2006 e 2013 para proteger das autoridades as pessoas que lhe pagavam. Da vaquinha, participariam outros dois doleiros, Richard Otterloo e um chamado Matalon. Tanto Otterloo quanto a família Matalon acabam de ser denunciados juntamente com Messer, “Barbear” e companhia. A acusação de mesada a Basto levou vários partidos, o líder petista Paulo Pimenta à frente, a propor na Câmara uma CPI das Delações. O pedido reuniu 190 assinaturas válidas, 19 acima do mínimo necessário. O PT vê uma chance de prensar Moro e a Vejam só o nosso inquisidor em companhia do príncipe de Mônaco República de Curitiba. O plano parece, porém, ter encontrado um obstáculo inesperado. Após ter, segundo petistas, se comprometido a instalar a CPI, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, anda meio contrariado com a ideia. Maia, outro neoliberal, é ex-funcionário dos bancos BMG e Icatu. O deputado diz que a agenda da Casa que preside “tem como foco o mercado”, esse virtuoso da mão invisível e da mão leve. • ÍNDICE CRÉDITOS DA PÁGINA: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr, Silvia Constanti/Ag. O Globo, Reprodução, Tv Globo, Glaucio Dettmar, Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Ag. O Globo, Lula Marques/Ag. PT e Jefferson Rudy/Ag. Senado Argentina/ Outra vitória feminista Em votação apertada, a Câmara aprova a descriminalização do aborto | | | Na manhã da quinta-feira 14, apesar das pressões em contrário do papa e da Igreja Católica, a Argentina ficou a um passo de se tornar o terceiro país latino-americano a descriminalizar o aborto, depois de Cuba e Uruguai. Após 22 horas de debates, a mudança na lei foi aprovada por 129 votos – um a mais do que o necessário – a 125, para a alegria da grande concentração feminista que atravessou a madrugada gelada às portas do Congresso, enquanto o pequeno grupo antiaborto rezava sobre o asfalto. Falta a votação no Senado, que deve acontecer em até três semanas, mas os líderes dos principais blocos dizem que a iniciativa conta com votos suficientes e o presidente Mauricio Macri prometeu respeitar a decisão do Congresso. Era uma questão de saúde pública inadiável em um país onde a cada ano há estimados 450 mil abortos clandestinos, dezenas dos quais (55 em 2015, 43 em 2016) terminam em morte. Que o exemplo sirva ao vizinho do Norte, onde os números são muito semelhantes. Devastação no Iêmen Com apoio aéreo saudita, tropas dos Emirados Árabes Unidos vindas de uma base na Eritreia lançaram, na quarta-feira 13, um ataque ao porto iemenita de Hodeida, o mais importante nas mãos das forças houthi que os enfrentam na guerra pelo controle do Iêmen. Para além da violência no esforço pela conquista da cidade, que já incluiu o bombardeio e a destruição de um Centro de Controle do Cólera dos Médicos sem Fronteiras, a operação ameaça estrangular a ajuda humanitária ao interior do Iêmen, que, devastado pela fome e pela epidemia de cólera, tem esse porto como único e precário acesso a alimentos e medicamentos. Europa/ Nau dos aflitos Resgate de refugiados causa crise diplomática na Europa Após resgatar 629 refugiadosameaçados de afogamento no Mediterrâneo, inclusive doentes, feridos e grávidas, o navio Aquarius, operado pelas ONGs francesas Médicos sem Fronteira e SOS Mediterrâneo, teve o desembarque vetado em Malta pelo governo do primeiro-ministro Joseph Muscat, e na Itália pelo declaradamente xenófobo ministro do Interior, Matteo Salvini. Após um longo impasse, o recém- empossado chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, aceitou recebê-los e a França prometeu asilo aos que atenderem a seus requisitos. Não é ainda um final feliz. O navio sobrecarregado enfrenta uma viagem de 750 milhas até o Porto de Valência com mau tempo, enquanto Roma digladia com Paris e Madri, que a acusam de cinismo e irresponsabilidade. O governo de Giuseppe Conte os acusa O Aquarius, mais um pomo de discórdia de uma Europa cada vez mais dividida de hipocrisia e exige desculpas. Esses países deveriam se unir por um novo modelo para a União Europeia contra a rigidez alemã, mas a questão migratória envenena suas relações tanto quanto a política de toda a Europa. Coreias/ O amor venceu? Trump e Kim fazem as pazes no encontro de 12 de junho em Cingapura Antes a hipocrisia do que a catástrofe. Os dois líderes – ou “dois ditadores”, como deixou escapar a Fox News em um significativo ato falho – abraçaram-se como grandes amigos, como se há poucos meses não chamassem um ao outro de “homenzinho foguete” e “velho caduco de mente transtornada”. Não será surpresa se Kim Jong-un e Donald Trump forem indicados para o Nobel da Paz, por aliviar o mundo das tensões por eles mesmos criadas no ano passado, quando pareciam levar o planeta à beira da guerra nuclear. Ambos voltam para casa como vitoriosos aos olhos dos seguidores, mas Kim tem mais motivos para comemorar. Pôde negociar de igual para igual com uma superpotência e obteve a suspensão imediata dos exercícios militares conjuntos do Pentágono e de Seul, oferecendo em troca apenas uma promessa de desnuclearização, válida apenas se os EUA também retirarem suas armas da Península. Vale a pena, é preciso concluir, desafiar Washington para obter armas nucleares e mísseis intercontinentais. Nem parece que há pouco se ameaçavam com ogivas nucleares Justiça/ Suprema hipocrisia Agora, e só agora, o STF considera ilegais as conduções coercitivas para interrogatório A condução coercitiva para interrogatório, procedimento-padrão na Operação Lava Jato, é inconstitucional e fere o direito do investigado de não produzir provas contra si mesmo, decidiu a maioria do Supremo Tribunal Federal na quinta-feira 14. O instrumento estava suspenso desde dezembro, em razão de uma liminar de Gilmar Mendes. Além do ministro, votaram contra esse tipo de prática Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e o decano Celso de Mello.A condução coercitiva foi autorizada pelo juiz Sergio Moro em mais de 50 oportunidades. Em 2016, o magistrado responsável pela Lava Jato na primeira instância determinou que Lula fosse levado à força para depor sobre supostos favorecimentos de empreiteiras e do pecuarista José Carlos Bumlai ao petista. Embora o ex-presidente jamais tenha se recusado a prestar depoimento de forma espontânea, foi conduzido de forma espalhafatosa por agentes armados até a unidade da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas. À época, o Supremo omitiu-se diante da flagrante ilegalidade. Quando Lula foi conduzido à força, Mendes fez galhofa. Depois mudou o entendimento e proibiu a prática por meio de liminar O interventor perde o seu “braço direito” O general Mauro Sinott deixou o cargo de secretário do Gabinete de Intervenção Federal, órgão que assumiu o comando das forças policiais do Rio de Janeiro por determinação de Michel Temer. A saída ocorreu no dia 6 de junho, mas só foi confirmada na quinta-feira 14. Comandante da 1ª Divisão do Exército no Rio, Sinott foi destacado para assumir a 3ª Divisão, no Rio Grande do Sul. Segundo o Comando Militar do Leste, a mudança já estava prevista desde março, e foi adiada em razão da crise de segurança no estado. Ele era considerado o braço direito do interventor Walter Braga Netto, que continua no cargo. Marielle/ Três meses sem respostas A versão apresentada por testemunha-chave é alvo de variadas suspeitas Ex- deputado estadual pelo MDB e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão foi intimado pela Divisão de Homicídios da capital a prestar esclarecimentos no inquérito que apura o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL. Os investigadores querem saber se existe alguma ligação do conselheiro com uma testemunha do caso, que afirmou ter visto o chefe de uma mílicia da Zona Oeste, Orlando Araújo, e o vereador Marcelo Siciliano, do PHS, tramando a morte de Marielle. A polícia quer saber se Domingos Brazão (detalhe), do MDB, tem ligações com o delator Há tempos os investigadores desconfiam da versão apresentada pelo delator, um ex-miliciano cuja identidade permanece sob sigilo. Ao contrário do que disse em depoimento, Marielle tinha pouca presença no reduto eleitoral do vereador do PHS e nas áreas controladas pelo grupo de Orlando. Além disso, a testemunha teria ligação com o agente federal aposentado Gilberto Ribeiro, funcionário do gabinete de Domingos Brazão. As suspeitas são reforçadas pelo fato de o conselheiro do TCE ser irmão do vereador Chiquinho Brazão (Avante), um conhecido desafeto de Siciliano. Todos os envolvidos negam qualquer participação no crime.Em meio à reviravolta nas investigações, a bárbara execução de Marielle completou três meses sem respostas. “É fundamental que continuemos cobrando justiça, ainda mais em um país com memória tão curta”, disse Monica Benício, viúva da vereadora, em recente ato promovido pela Anistia Internacional em frente ao Ministério Público no Rio de Janeiro. “A possível participação de políticos nesse caso não é algo que nos surpreenda. No entanto, antes de qualquer coisa, prefiro esperar a conclusão das investigações”, emendou, em entrevista ao jornal O Globo, o deputado estadual Marcelo Freixo, amigo e padrinho de Marielle na política. ÍNDICE CRÉDITOS DA PÁGINA: Eitan Abramovich/AFP, Louisa Gouliamaki/AFP, Kevin Lim/AFP, Tania Rego/Abr, Reprodução Mídia Social e Carlos Moura/STF Mesmo preso, Lula decide 2018 Com desfecho imprevisível, as eleições seguem atreladas ao futuro do ex- presidente | | | | Por Rodrigo Martins Cabo eleitoral. Fernando Haddad quase quadruplica as intenções de voto quando é apresentado como o candidato de Lula Preso há mais de dois meses em Curitiba, Lula segue na liderança da corrida presidencial, com 30% das intenções de voto, além de bater qualquer adversário no segundo turno, atesta a mais recente rodada de pesquisas do Datafolha, divulgada no domingo 10. Diante da quase certa interdição judicial de sua candidatura, o indicador mais relevante da sondagem é, porém, outro. De acordo com o instituto, 30% dos eleitores disseram que votariam com certeza num candidato apontado pelo ex-presidente e outros 17% talvez trilhem o mesmo caminho. Na verdade, o potencial de transferência de votos até aumentou. O total de brasileiros com mais de 16 anos inclinados a seguir a orientação do líder petista passou de 44%, no fim de janeiro, para 47% em junho. Incapazes de considerar essa variável, as sondagens eleitorais limitam-se a esboçar cenários inverossímeis. Com Lula excluído do questionário, Jair Bolsonaro assume a liderança, com 19%. Marina Silva ocupa o segundo lugar, com porcentuais que variam entre 14% e 15%. Ciro Gomes é o que mais se beneficia com a interdição do ex-presidente: ganha ao menos 4 pontos e se consolida na terceira posição, com até 11%. O tucano Geraldo Alckmin, por sua vez, continua patinando, com 7% das intenções de voto. Quando incluídos na disputa, os petistas Fernando Haddad e Jaques Wagner figuram com 1%,o mesmo porcentual de Henrique Meirelles, ex-ministro de Michel Temer. Esse cenário pode, no entanto, ser tão ilusório quanto as predições de uma cartomante. O que aconteceria se Lula declarasse apoio a um candidato, dentro ou fora do PT? 47% dos brasileiros estão inclinados a votar em candidato indicado pelo ex-presidente, atesta o Datafolha Uma pesquisa encomendada pela XP Investimentos buscou testar o talento de Lula como cabo eleitoral. Quando os pesquisadores apenas mencionavam o nome de Haddad, o ex-prefeito paulistano figurava com 3% das intenções de voto. Ao apresentá-lo em outro contexto, com o apoio explícito do ex-presidente, o porcentual quase quadruplicou. Chegou a 11%, o suficiente para Haddad assumir o segundo lugar da corrida eleitoral, atrás de Bolsonaro (21%) e empatado com Marina. A sondagem consultou mil eleitores por telefone de 4 a 6 de junho e tem margem de erro de 3,2 pontos porcentuais. Especialistas criticam a metodologia usada pelos pesquisadores. Sondagens por telefone não são as mais indicadas para traçar cenários eleitorais, e a inclusão da informação “apoiado por Lula” é controversa. “Isso é uma forma de induzir a resposta do entrevistado. É mais um aspecto de curiosidade e ansiedade de quem contrata a pesquisa, para consumo próprio, do que um método científico sério”, pondera Humberto Dantas, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. De acordo com o cientista político, também seria um desequilíbrio em relação às demais candidaturas apresentar Meirelles como candidato de Temer. “Faria a sua intenção de voto cair de 1% para 0%”, especula, ironicamente. Apesar das limitações metodológicas, o estudo tem a sua relevância, por dar pistas do potencial de transferência de votos do ex-presidente logo de largada e para um nome concreto. “Não há dúvidas de que Lula é um grande cabo eleitoral. A maior incerteza é saber até quando o PT vai manter a estratégia de apresentá-lo como candidato, porque os eleitores começam a perceber que esse cenário não é real. Se esticar demais o anúncio de um ‘plano B’, fica mais complicado para o partido viabilizar uma candidatura própria”, avalia o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. “Nas eleições, o timing é importante. Se esperar uma decisão do TSE, que pode ser anunciada a poucas semanas do primeiro turno, o postulante petista entraria nas eleições atrasado, com a campanha dos adversários a pleno vapor nas ruas e na televisão. Nesse caso, o apoio de Lula poderia cair no colo de Ciro Gomes, do PDT.” Aventura. Com a “âncora presidencial” e o desemprego em alta, Meirelles figura com mísero 1% das intenções de voto Para o consórcio político que derrubou Dilma Rousseff, as adversidades avolumam- se. Apesar da crescente simpatia do setor financeiro, Bolsonaro segue uma incógnita para os donos do poder. No último Datafolha, cresceu 2 pontos porcentuais, ainda que dentro da margem de erro da pesquisa. De toda forma, reduziu-se o ritmo de expansão verificado em sondagens anteriores, observa Couto. “É provável que esteja se aproximando do teto. Embora tenha uma competente equipe mobilizando militantes pelas redes sociais, ele terá pouquíssimo tempo na tevê e seu discurso agressivo, que lhe garante muita visibilidade agora, tende a prejudicá-lo no debate público.” Em 2010 e 2014, Marina Silva também iniciou a campanha com um porcentual elevado de votos, e mesmo assim não chegou ao segundo turno, emenda o especialista. Diante da dificuldade da Rede em ampliar o leque de alianças e garantir maior tempo de exposição na tevê, é improvável que se mantenha no segundo lugar. Alckmin, por sua vez, há meses oscila entre 5% e 7% das intenções de voto e continua a ser alvo de pressões dentro do PSDB. Os rumores de que o ex-governador anda inusualmente destemperado, discutindo com correligionários em restaurantes, alimentam as especulações sobre uma possível substituição do candidato tucano. O partido não tem, contudo, muitas alternativas. “João Doria não conta com um porcentual de votos superior e, na atual conjuntura, dificilmente trocaria o certo pelo duvidoso, uma vez que lidera as intenções de voto para o governo de São Paulo. Que outro nome o PSDB poderia apresentar?”, indaga Couto. Alckmin confia que o início da campanha na tevê o fará crescer nas pesquisas, o que parece crível pelo tempo reservado ao seu partido. Seu maior desafio será descolar a imagem do PSDB de Temer, uma âncora que arrastará para o fundo todos os que estiverem em sua volta. “Meirelles, com seu proverbial carisma, ainda não percebeu isso. Parece viver um devaneio.” Os candidatos com imagem associada a Temer sofrem nas pesquisas eleitorais Na última rodada do Datafolha, Temer conseguiu bater o próprio recorde de impopularidade. Agora é rejeitado por 82% dos brasileiros e aprovado por míseros 3%. O pessimismo em relação ao futuro do País está escancarado. Para 32%, a situação econômica vai piorar e outros 38% acreditam que ficará do jeito que está. A maioria dos entrevistados tampouco acredita que o desemprego vai cair, como tem propagandeado o governo. Sobram razões para desconfiar da promessa. No primeiro trimestre de 2018, a taxa de desocupação voltou a crescer, atingindo 13,1% da população, um contingente de 13,7 milhões de desempregados, segundo a Pnad Contínua, do IBGE. Não é tudo. Após a draconiana reforma trabalhista imposta pela equipe de Temer, os empregos com carteira assinada continuam em queda. No último trimestre, caíram 1,2%. O número absoluto é o menor da série histórica, iniciada em 2012. Além disso, o atual titular da Fazenda, Eduardo Guardia, admite que o governo terá de revisar para baixo as projeções de crescimento do PIB. Atualmente, o Planalto prevê uma alta de 2,5% em 2018. Segundo o boletim Focus, do Banco Central, os analistas do mercado já reduziram suas previsões de 2,18% para 1,94%. O Fervura. Estagnado nas pesquisas e distante de Bolsonaro, o tucano Geraldo Alckmin volta a ser pressionado no PSDB e se depara com velhos fantasmas diminuto número de intenções de voto fragiliza Meirelles, que passou a ser contestado dentro de seu próprio partido. Um grupo de parlamentares descontentes, puxado por Fabio Ramalho e por Osmar Terra, quer largar o ex- ministro da Fazenda na estrada e substituí-lo por Nelson Jobim. “Ele é a melhor alternativa para o momento. Tem conhecimento, tem boa relação com a esquerda e a direita, foi ministro do Supremo, ministro da Defesa”, afirmou Ramalho ao Estado de S. Paulo. Somente depois, verificou-se um impeditivo. Jobim não está filiado ao partido e perdeu o prazo para o registro, até 2 de abril. Ademais, que diferença faria trocar de candidato com Temer de âncora? Diante do banho de água fria, líderes de partidos governistas trataram de minimizar as revelações do Datafolha. “Não tem surpresa nenhuma, são números que já vinham sendo desenhados. O quadro continua muito aberto”, disse ACM Neto, presidente do DEM e prefeito de Salvador. “Desses nomes, exceto Lula, não vejo nenhum candidato que possa empolgar. A única coisa que permanece é a polarização entre direita e esquerda”, emendou José Rocha, líder do PR na Câmara. Segundo o deputado Marcus Pestana, secretário-geral do PSDB, a eleição “não está no cardápio de 90% dos brasileiros”. Como previsto, nenhuma admissão de culpa pelo fracasso do projeto golpista. Se não apresentar um substituto até 17 de setembro, o PT pode ficar sem cabeça de chapa, alerta especialista É por essa razão que Guilherme Boulos, pré-candidato à Presidência pelo PSOL, confia na presença de ao menos um candidato de esquerda no segundo turno. “Todos os demais postulantes defendem o projeto neoliberal de Temer, alguns assumidamente, outros de forma envergonhada, mas a essência é a mesma. Trata- se de um projeto rejeitado pela ampla maioria da população, derrotado nas urnas por quatro eleições”, resume.A opinião está, porém, longe de ser consensual entre as lideranças do campo progressista. Algumas delas advogam por uma aliança ainda no primeiro turno, a exemplo dos governadores Flávio Dino (PCdoB) e Camilo Santana (PT), embora este seja historicamente ligado ao grupo político de Ciro Gomes. O principal obstáculo é a estratégia petista de levar a candidatura de Lula até as últimas consequências, forçando o Judiciário a assumir o ônus político de retirá-lo da disputa. Não serão poucos os aspectos que o PT terá de analisar com cuidado. De acordo com o advogado Fernando Neisser, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, tem até 17 de setembro para solicitar a mudança do cabeça de chapa. Depois disso, não haveria tempo hábil para a Justiça Eleitoral carregar a foto do novo candidato nas urnas eletrônicas. Até alguns anos, isso não era um problema, tanto que a mulher de Joaquim Roriz chegou a disputar o governo do Distrito Federal, em 2010, com a imagem do marido, barrado pela Lei da Ficha Limpa. A partir de 2012, a prática foi considerada fraude, e estabeleceu-se o prazo. O PT também terá de calcular outro risco. Caso o Tribunal Superior Eleitoral negue a candidatura de Lula, o ex-presidente poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal e continuar na disputa até que a condenação criminal do ex-presidente seja julgada em todas as instâncias. Na hipótese de vencer as eleições, mas não conseguir reverter a condenação posteriormente, novas eleições serão convocadas. “Até 2015, o segundo colocado levava a disputa nesses casos, mas a legislação mudou”, explica Neisser. De acordo com relatos na mídia, ministros do TSE articulam-se para impedir a candidatura de Lula por ofício no ato do registro de candidatura. Tal decisão não encontra respaldo na lei, tampouco na jurisprudência, emenda o especialista. A medida de exceção não causaria surpresa, a julgar pelo longo histórico de “excepcionalidades” no processo contra Lula, condenado sem provas por representantes do Santo Ofício curitibano. E as viradas de mesa no Judiciário só aumentam o caráter imprevisível da disputa deste ano, a mais pulverizada desde 1989, quando o outsider Fernando Collor roubou a cena, com o inestimável apoio da mídia e sua máquina de propaganda. • ÍNDICE CRÉDITOS DA PÁGINA: Douglas Magno/AFP, Paulo Pinto,Antonio Cruz/ABR, Aloisio Mauricio/Fotoarena, Heuler Andrey/AFP, Paulo Whitaker/Reuters, Mauro Pimentel/AFP e Elza Fiúza/ABR Apostas. Se demorar demais para lançar um “plano B”, o apoio de Lula pode cair no colo de Ciro. Boa de largada, Marina não costuma manter o desempenho até o fim Antipetistas de velas na mão Lula segue fortíssimo nas pesquisas e a eleição caminha para um desfecho indesejado para a coalizão que derrubou Dilma | | | A semana começou mal para os adversários de Lula e do PT. Foram dormir esperançosos no sábado, como as crianças que acham que vão ganhar presentes de Papai Noel na manhã do Natal. Que decepção! Receberam péssimas notícias no dia seguinte, com os números do último Datafolha. Os antipetistas relacionam-se de maneira curiosa com o Datafolha, a empresa de pesquisas da Folha de S.Paulo. Talvez por saber que o jornal compartilha as suas preferências, sempre imaginam que os resultados de novos levantamentos do instituto serão “bons”, isto é, iguais ao que pensam. Às vezes, no entanto, se desapontam. A nova pesquisa tem um só resultado relevante, que foi, no entanto, tão diluído pelo tratamento editorial a que foi submetido que quase passou despercebido. Tirando obviedades e insignificâncias, ela mostrou que Lula continua fortíssimo e que a eleição caminha para o desfecho indesejado pela coalização política, empresarial, judicial e midiática que derrubou Dilma Rousseff, perseguiu o ex-presidente e o levou para a cadeia. Não foi a primeira pesquisa que os frustrou. A rigor, desde outubro de 2016, não houve uma única com resultados que pudessem festejar. Todas foram unânimes ao apontar a liderança do PT e de Lula, preservada mesmo com a caçada e a prisão. Todas a mostrar que os que mais sofreram foram os que quiseram destruí-los, no Judiciário, na imprensa e no empresariado, sem falar nos partidos e lideranças políticas que se apoderaram do governo. Enquanto a imagem de Lula e do PT se recuperou e cresceu, a confiança e a avaliação dessas instituições nunca esteve em nível tão baixo. Quase mais ninguém acredita nelas. Assim como na divulgação de pesquisas anteriores, também agora a Folhafez o possível para não chamar atenção para o dado relevante. A manchete do domingo foi típica, destacando que a rejeição a Michel Temer “(...) salta para 82%”. Como se houvesse novidade ou interesse na (im)popularidade do personagem. Tampouco foram surpreendentes os resultados relativos às chances de Lula na eleição. A pesquisa confirmou a larga vantagem que o ex-presidente tem diante de quaisquer candidatos, em primeiro e segundo turnos. Lula permanece como favorito a vencer a eleição, apesar de tudo o que contra ele é dito e feito. Para quem, como o jornal, raciocina com a hipótese de Lula não poder ser candidato, as respostas à pergunta que interessa só foram mostradas nas páginas internas, em texto tortuoso: “Apoio de Lula pode aumentar chances de candidato, segundo Datafolha”. Por que um título com tanta condicionalidade e cautela? O próprio contratante e dono do instituto estaria colocando em dúvida a pesquisa? Em português claro e respeitando os números do levantamento, o que a pesquisa mostrou foi que 30% dos entrevistados “votariam com certeza” e 17% “poderiam votar” no candidato a presidente indicado por Lula, um total de 47% do eleitorado. Ou seja, que o apoio do ex-presidente quase certamente colocaria um nome no segundo turno da eleição (ou, quem sabe, a depender da performance na campanha, em condições de até vencer em um turno). Igualmente importante é ver que essa proporção se mantém estável nos últimos meses, apesar da condenação por aqueles juízes de Porto Alegre e da prisão. Segundo o Datafolha, no fim de janeiro, a soma desses contingentes alcançava 44% do eleitorado, com 27% afirmando que “votaria com certeza” no candidato apontado por Lula. Em abril, o total foi a 46%, dos quais 30% dizendo “com certeza”. Agora em junho, chegamos aos 47% que levaram o articulista a dizer que o apoio de Lula “pode aumentar (as) chances...” Difícil falar de um número tão claro de modo tão dissimulado. Qualquer especulação a respeito de como se sairiam nomes que Lula poderia apoiar é hoje impossível. Seus eleitores querem mesmo é votar nele e só não o farão se forem proibidos. Por enquanto, a única coisa que sabemos é que seu potencial de transferência é muito grande. O PT, por tudo que se vê e de acordo com a pesquisa, deverá estar no segundo turno da eleição e seu adversário mais provável, como era previsível desde o ano passado, é Jair Bolsonaro. Quem não gostar desse cenário que vá se acostumando. Enquanto isso, pode continuar acendendo velas para que um futuro Os frutos da reforma agrária SAÚDE Responsáveis pela maior parte da produção de alimentos orgânicos do País, agricultores familiares e assentados resistem à falta de incentivo estatal | | | | O gaúcho Cleomar José Pietroski, de 36 anos, engrossava o público de 10 mil participantes da 17ª Jornada da Agroecologia, realizada em Curitiba de 6 a 9 de junho. Além da exposição de produtos da agricultura familiar, o evento promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra serviu como palco de debates e palestras. Morador de um assentamento em Nova Santa Rita, na Região Metropolitana de Porto Alegre, Pietroski é produtor de arroz orgânico em uma área de apenas 12 hectares. Por René Ruschel, de Curitiba O agricultor é um daqueles que acreditam na força da união. Somado a outras 546 famílias distribuídas em 16 assentamentos do MST no estado, ajudou a transformaro Rio Grande do Sul no maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Na safra 2016-2017, foram cultivados 4.886 hectares e colhidas 464.409 sacas. Um dos desafios do movimento, além de superar os obstáculos pela falta de políticas públicas do governo Temer, é justamente apresentar esses resultados à sociedade, para provar que a reforma agrária no Brasil é muito mais do que apenas assentar pessoas. “No início, a meta principal do movimento era garantir terra para trabalhar e criar as famílias. A visão era até um pouco ingênua: terra para quem nela trabalha. É um princípio justo, porém insuficiente para resolver os problemas da produção de alimentos. Na medida em que evoluímos, fomos adequando o nosso programa e incorporando a agroecologia”, explica João Pedro Stedile, coordenador nacional do MST. O modelo agroecológico, segundo o dirigente, é antagônico ao do agronegócio, porque este último “visa o lucro a qualquer custo, usando agrotóxicos, transgênicos e maquinário, o que afasta os trabalhadores rurais do campo”. O projeto do MST é exatamente o oposto. Produzir alimento de qualidade, saudável, destinado, prioritariamente, às famílias de baixa renda. Para ele, é preciso ir sempre além. Cita o modelo de países europeus onde a produção de orgânicos segue em ritmo acelerado. A Dinamarca pretende transformar 100% de sua agricultura em orgânica, eliminando de vez o uso de agrotóxicos. A primeira fase acontece até 2020, quando o volume de terras com plantações orgânicas deve ser o dobro da área atual. Em terras verde-amarelas, nossas lavouras consomem cerca de 1 milhão de toneladas de agrotóxico por ano, uma média de 5,2 quilos por habitante, segundo um estudo do Instituto Nacional do Câncer. Na contramão das nações europeias, o Brasil é recordista em uso de agrotóxicos No Brasil, de acordo com os dados do Centro de Inteligência em Orgânicos, da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), a área plantada com orgânicos chega a 750 mil hectares. O País ocupa a 12ª posição entre os principais produtores e o quinto lugar entre os países emergentes, atrás de Uruguai e Argentina. Estima-se que o mercado brasileiro apresenta um crescimento de 20% ao ano. Dos atuais 15 mil produtores certificados ou em processo de transição, 75% estão na agricultura familiar. Por aqui, os incentivos fiscais só chegam aos produtores do agronegócio. A isenção de IPI e redução de 60% do ICMS são dois exemplos clássicos. Os produtores de orgânicos não têm nenhum desses benefícios. Daí um dos motivos de os produtos dessa linha serem mais caros para o consumidor. Outra questão é o desmonte dos programas e projetos de políticas públicas promovido, a partir de 2016, pelo atual governo. Criado em 2003, no início do primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Programa de Aquisição de Alimentos era o principal incentivo para o aumento da produção de orgânicos. Tinha dois objetivos básicos: possibilitar às famílias de baixa renda o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. O mecanismo era simples: o governo financiava e depois comprava a produção para ser distribuída às entidades carentes. Desde 2016, todo esse esforço veio por água abaixo. Para se ter uma ideia das dificuldades vividas pelos pequenos produtores, a dotação orçamentária desse programa, em 2015, na segunda gestão de Dilma Rousseff, era de 32,8 milhões de reais. Em 2018, o valor despencou para 3,2 milhões, um décimo de três anos atrás. Os recursos federais são repassados à Companhia Nacional de Abastecimento. Por meio das cooperativas de produtores, a empresa pública repassa os valores ao produtor no campo. “Nossa cooperativa recebia, em média, de 6 a 7 milhões de reais por safra para financiar todo o processo produtivo de nosso assentamento. Hoje, recebemos cerca de 300 mil”, relata Pietroski. O drama vivido pelo gaúcho é o mesmo de milhares de outros assentados. Com isso, Ceres alerta para os malefícios dos pesticidas. Pietroski queixa-se da redução brutal de financiamento para os pequenos produtores as famílias de baixa renda deixam de receber os produtos e os cooperados não conseguem vender o que produzem. Ainda segundo Pietroski, quase a metade da produção de arroz da safra passada permanece depositada nos armazéns à espera de compradores. O caminho tem sido a busca do mercado formal. Uma das contradições é de que as grandes redes de abastecimento, quando se propõem a comprar, exigem que a marca do produto estampada nas embalagens seja a bandeira do supermercado. Essa prática mostra o preconceito em relação à reforma agrária e aos movimentos de luta pela terra. Ceres Hadich, engenheira agrônoma, mestre em agroecologia e agricultura sustentável, além de integrante da direção nacional do MST, explica que um dos objetivos da jornada agroecológica é justamente conscientizar os agricultores e a sociedade dos malefícios e danos causados à saúde pelo uso excessivo de agrotóxicos. “Nos últimos anos, a feira tomou outra dimensão, ao ampliar seu enfoque até então voltado para as questões de produção e conscientização interna do Movimento. Era preciso atingir a sociedade como um todo. Transformamos a feira em uma grande vitrine”, comenta. No documento final, os organizadores do encontro questionam: por que o agronegócio no Brasil insiste em liberar agrotóxicos nos alimentos em uma quantidade 400 vezes superior à média europeia? A quem interessa a redução das políticas públicas que apoiam a produção de alimentos de qualidade para o povo brasileiro? Como enfrentar a indústria cultural que reforça preconceitos e promove um modo de vida que nos adoece? Algumas pistas estão no Projeto de Lei nº 6.299, de 2002, o chamado “Pacote do Veneno”, em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados. A proposta é de autoria do então senador Blairo Maggi, hoje ministro da Agricultura. O colegiado que vai decidir se o texto segue para votação em plenário é composto de 26 deputados, dos quais 20 fazem parte da bancada ruralista, ligados ao lobby da indústria de agrotóxicos. Além de pequenas firulas, como mudar a expressão “agrotóxico” por “defensivos fitossanitários”, o projeto regulamenta o uso de novos venenos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente. Uma verdadeira luta de Davi contra Golias. Alguém se arrisca a prever o resultado da votação? • ÍNDICE CRÉDITOS DA PÁGINA: René Ruschel e Gibran Mendes O horizonte das cidades DIÁLOGOS CAPITAIS O novo ciclo de investimentos nas metrópoles não pode repetir os erros do século XX | | | | Um novo ciclo de investimentos públicos nas metrópoles não pode repetir os erros da expansão urbana do século XX, avalia Marco Aurélio Crocco, diretor-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. “Pensar a sustentabilidade não é só plantar árvores. O desafio é promover uma nova revolução, ampla e inclusiva, que some o estímulo ao mercado de capitais e a atuação das instituições financeiras estatais.” Crocco foi um dos debatedores da segunda etapa do ciclo de seminários “Bancos Públicos e o Desenvolvimento Econômico e Social”. Realizado em Belo Horizonte Por Karla Monteiro 1. Jair Ferreira, presidente da Fenae 2. Maria Fernanda Coelho, ex-presidente da Caixa 3. Marco Aurélio Crocco, presidente do BDMG 4. Luiz Gonzaga Belluzzo, economista na quarta-feira 13, o debate teve como tema central o financiamento da infraestrutura nas cidades. Segundo o executivo, repensar a atuação dos bancos públicos é o ponto de partida para enfrentar o que chamou de desafios contemporâneos. “Com a crise do pensamento keynesiano nos anos 1980, a meta passou a ser a estabilidade monetária. Os bancos públicos e de investimento deixaram de ter papel. Aí começa o processo de privatização. A Associação Latino-Americana de Desenvolvimento tinha 173 instituições filiadas em 1980. Hoje tem 75”. Crocco acrescenta: “Não é só
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