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I – NOÇÕES DE DIREITO. 1. Origem e finalidade do direito. O Direito nasceu junto com a civilização. Sua história é a his- tória da própria vida. Por mais que mergulhemos no passado sempre vamos encontrar o Direito, ainda que em estágio rudimentar, a regular as relações humanas. É que os ho- mens, obrigados ao convívio, labutando uns ao lado dos outros, carecem de certas regras de conduta, de um mínimo de ordem e direção. Daí a atualidade do velho apotegma: ubi homo, ubi jus (onde está o homem está o Direito). Essas regras de procedimento, disci- plinadoras da vida em sociedade, receberam o nome de Direito. Portanto, a finalidade do direito se resume em regular as rela- ções humanas, a fim de que haja paz e prosperidade no seio social, impedindo a desor- dem e o crime. Sem o Direito estaria a sociedade em constante processo de contestação, onde a lei do mais forte imperaria sempre, num verdadeiro caos. II - EPISTEMOLOGIA DO DIREITO Do grego epistême (ciência) e logos (estudo) significa e- timologicamente “teoria da ciência”. Ao estudar o direito como ciência, devemos naturalmente e- xaminar sua definição, assim como o lugar que ele ocupa no conjunto das ciências e a natureza de seu objeto. Tais problemas pertencem ao campo da Epistemologia Jurídica. Conceituar o Direito é definí-lo e há duas espécies de definição: NOMINAL – que consiste em dizer o que uma palavra ou nome significa; REAL – consiste em dizer o que uma coisa ou realidade é. Estudaremos primeiro o significado da palavra e examinaremos em seguida a realidade ou realidades que constituem o direito. Instituições de Direito Público e Privado Prof. Pauline Gomes 2 1. Origem do Vocábulo “direito”. Que significa a palavra “direito”? Qual a sua origem? O vocábulo Direito encontra similar em todas as línguas neo- latinas e, de forma geral, nas línguas ocidentais modernas: Droit (francês), Diritto (italia- no), Derecho (espanhol), Recht (alemão), Rigth (inglês). Essas palavras têm origem num vocábulo do baixo latim: di- rectum ou rectum, que significa “direto” ou “reto”. Rectum ou directum é o que é con- forme uma reta. Abrimos aqui um parênteses para um breve relato histórico, que confirma um aspecto cultural nítido de que quase todas as palavras ligadas ao direito, são de origem latina. O que revela a influência poderosa do direito romano sobre o direito moderno, influindo ainda no direito contemporâneo, como o costume patriarcal, direito à posse e propriedade, etc. No fim da Monarquia e início da República, a “plebe” estava em conflito com os “patrícios”, que detinham o poder, mandamentos e leis, interpretados arbitrariamente. O povo então, ansiando por igualdade, elegeu 10 cidadãos romanos, os “decemviri”, que buscaram na Grécia o seu modelo jurídico, e o adaptaram à sua reali- dade social e política vigente, erigindo assim a LEI DAS XII TÁBUAS (que na verdade, originalmente, eram 12 placas de bronze fundido). No dizer de Tito Lívio, historiador romano, “ainda hoje em dia, nessa massa enorme de leis, em que umas se amontoam sobre as outras, ela continua sendo a fonte de todo direito público e privado.” 2. Pluralidade de Significações. Todo conhecimento jurídico necessita do conceito do Direito. Que é o direito? Na linguagem comum e na linguagem científica, o vocábulo direito é empregado com significações diferentes. Ele tem sentido nitidamente diverso nas seguintes expressões: a) o direito brasileiro proíbe o duelo; b) o Estado tem direito de cobrar imposto; c) o salário é direito do trabalhador; d) o direito é um setor da realidade social; e) o estudo do direito requer métodos próprios. Cada uma dessas frases emprega uma das significações fun- damentais do direito: 3 a) no primeiro caso, direito significa norma, a lei, a regra social obrigatória; b) na segunda expressão, direito tem o sentido de faculdade, o poder, a prerrogativa, que o Estado tem de criar leis; c) na terceira expressão, direito indica o que é devido por Justiça; d) na quarta frase, direito é considerado como fenômeno da vida social; e) na quinta expressão, direito é referido como disciplina científica, a ciência do Direito. Façamos um exame rápido dessas definições. Direito-norma Direito, no sentido de lei ou norma, é uma das acepções mais comuns do vocábulo. Inúmeras correntes referem-se à acepção do direito como lei. As- sim, por exemplo, a de Clóvis Beviláqua, que conceitua o direito como “uma regra social obrigatória”. No dizer de Ihering, “o direito é um conjunto de normas, coativamente ga- rantidas pelo poder público”. Mas direito, na acepção de norma ou lei, indica realidades diferentes, quando se refere: ao direito positivo e direito natural; ao direito estatal e não- estatal. a) Direito Positivo e Direito Natural. O Direito Positivo é constituído pelo conjunto de normas ela- boradas por uma sociedade determinada, para reger sua vida interna, com a proteção da força social. (Ex.: se o inquilino não pagar o aluguel, estará sujeito a uma ação de despe- jo.) Direito Natural é constituído pelo princípios que servem de fundamento ao Direito Positivo. (Ex.: o bem deve ser feito, a pessoa humana deve ser respeitada.) b) Direito Estatal e Não-Estatal (social) A palavra direito aplica-se geralmente às normas jurídicas elaboradas pelo Estado, para reger a vida social, como a Constituição, Código Civil, etc. Mas ao lado do direito estatal, existem outras normas obriga- tórias, elaboradas por diferentes grupos sociais e destinadas a reger a vida interna desses grupos. Estão neste caso o direito universitário (estatuto e normas que regulamentam a vida de uma universidade), direito esportivo (que regulam as atividades esportivas), direito religioso (canônico, budista, etc.). 4 Direito-faculdade O vocábulo direito, com frequência, é empregado para desig- nar o poder de uma pessoa individual ou coletiva, em relação a determinado objeto. O direito de usar um imóvel, cobrar uma dívida, propor uma ação, são exemplos de direito- faculdade, ou direito subjetivo. Então neste caso, também, o direito de legislar ou de punir, de que o Estado é titular, o pátrio-poder do chefe de família, etc. Cada um desses direitos é uma prerrogativa ou faculdade de agir. Uma facultas agendi, em oposição ao direito-lei, que é uma norma agendi. A expressão “direito subjetivo” explica-se e se justifica, por- que o direito nessa acepção é realmente um poder do sujeito. É uma faculdade reconheci- da ao sujeito ou titular do direito. O direito subjetivo possui duas acepções distintas: direito- interesse, direito-função. O direito-interesse se manifesta no direito conferido ao seu titular para satisfazer suas necessidades espirituais e materiais, como o direito à vida, à liberdade, de reivindicar um imóvel. Já o direito-função é exercido em benefício de outra pessoa, como o pátrio-poder conferido ao pai no interesse do filho; como o direito de julgar ou legislar, conferido ao juiz ou legislador, em benefício da coletividade. Direito-justo A palavra direito é ainda suscetível de outra significação, cla- ramente distinta das anteriores, que coloca o direito em outra perspectiva, e o relaciona com o conceito de justiça. Trata-se do direito na acepção de justo., seja designando o bem “devido” por justiça (Ex.: o salário é direito do trabalhador), seja explicitando a “confor- midade” com a justiça (Ex.: não é direito (justo) condenar um anormal). Estas duas acepções estão relacionadas com o conceito de justiça. A primeira, “devido por justiça”, porque direito neste caso, é aquele bem que é devido a uma pessoa por exigência da justiça. Nestesentido, o respeito à vida é devido a todo homem, o pagamento é devido ao vendedor. Já a Segunda acepção, “de conformi- dade com a justiça”, emprega um significado qualificativo, onde direito é igual a justo, indica a conformidade com as exigências da justiça. “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”. – Ulpiano 5 Direito-ciência Num plano inteiramente diferente dos anteriores, a palavra direito é empregada para designar a “ciência do direito”. Quando falamos em estudar di- reito, formar-se em direito, ser bacharel em direito, é no sentido de “ciência”. “Direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas”. – Hermann Post Direito-fato social Finalmente, a palavra direito é empregada, principalmente pelos sociólogos, no sentido de fato social. Ao realizar o estudo de qualquer coletividade, a sociologia distingue diversas espécies de fenômenos sociais. Considera os fatos religiosos, econômi- cos, culturais, e, entre eles, o direito. O direito é, então, considerado um setor da vida social, inde- pendentemente de sua acepção como norma, faculdade, ciência ou justo. E, como setor da vida social, deve ser estudado sociologicamente, é dentro desta perspectiva que se situa a Sociologia do Direito. Outras acepções As acepções fundamentais que acabamos de examinar são as que reais interessam ao estudo jurídico. Entretanto, podemos acrescentar, ainda, outras menos importantes, que são de uso corrente. Assim, a palavra direito é usada, muitas vezes, no sentido de tributo ou taxa, por exemplo, quando se fala em “direitos” alfandegários ou aduaneiros. Direito é ainda empregado com o significado de “reto”, no sentido geométrico. Por exemplo, um “segmento direito”, isto é, geometricamente reto. É, ainda, usado para indicar uma operação certa: Este cálculo está direito”. Isto é, aritmeticamente certo. Pode-se usar a palavra para designar um “homem direito”, no sentido de ter uma conduta moralmente correta. Direito pode significar, finalmente, oposto a esquerdo: lado “direito”. Evidentemente, essas últimas acepções não apresentam inte- resse jurídico. São mencionados apenas com o objetivo de fazer, na medida do possível, uma análise exaustiva das significações do direito. 6 III – CONCEITO DE DIREITO. Vulgarmente, costuma-se dizer que o Direito não passa de um “sentimento”, algo assim como o amor, que nasce no coração dos homens. “Não é exagero mesmo afirmar-se que todos sentem o Direito e que, de certo modo, todos sabem o que o Direito é.” Vocábulo corrente, empregado a todo instante nas relações da vida diária para exprimir sentimento que todos já experimentamos, está gravado na mente de cada um, representando idéia esboçada em traços mais ou menos vagos e obscuros. “Isto é direito”, “o meu direito foi violado”, “o juiz reconheceu o nosso direito”, são expressões cotidianas ouvidas, que envolvem a noção vulgar a respeito do fenômeno jurí- dico. Direito – pluralidade de significações Direito Norma Direito Positivo e Direito Natural Direito Estatal e Não-Estatal Direito Faculdade Direito Interesse Direito Função Direito Justo Devido pela justiça Conforme à justiça Direito Ciência Direito Fato-social Vocábulo DIREITO Droit (francês), Diritto (italiano), Derecho (espanhol), Recht (alemão), Rigth (inglês). Latim: directum ou rectum, que significa “direito” ou “reto”. Rectum ou directum é o que é conforme uma reta. RESUMO 7 Os especialistas, entretanto, dada à precariedade dessa noção vulgar, buscam, incessantemente, um conceito mais aprofundado do que seja o Direito. No entanto, não há entre os autores um certo consenso sobre o conceito do direito; impossível foi que se pusessem de acordo sobre uma fórmula única. Realmente, o direito tem escapado aos marcos de qualquer definição universal; dada a variedade de elementos e particularidades que apresenta, não é fácil discernir o mínimo necessário de notas sobre as quais se deve fundar seu conceito. Na verdade, para não adentrarmos ao estudo da filosofia jurí- dica, à qual pertence a questão, diremos que o Direito é um complexo de normas regula- doras da conduta humana, com força coativa. Sim, a vida em sociedade seria impossível sem a existência de um certo número de normas reguladoras do procedimento dos homens, por estes mesmos julgadas obrigatórias, e acompanhadas de punições para os seus transgressores. A puni- ção é que torna a norma respeitada. De nada adiantaria a lei dizer, por exemplo, que ma- tar é crime, se, paralelamente, não impusesse uma sanção àquele que matasse. A coação, ou a possibilidade de constranger o individuo à observância da norma, torna-se insepará- vel do Direito. Por isso, como mostra conhecida imagem, a justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defen- der. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do Direito. 1. Direito Objetivo e Direito Subjetivo. Dentre as várias acepções da palavra Direito, as mais impor- tantes são as traduzidas pelas expressões direito objetivo e direito subjetivo. DIREITO OBJETIVO é o conjunto de regras vigentes num determinado momento, para reger as relações humanas, impostas, coativamente, à obedi- ência de todos. Os Códigos Penal, de Processo, Civil, etc., bem como qualquer uma de suas regras, são exemplos de direito objetivo. DIREITO SUBJETIVO é faculdade ou prerrogativa do indiví- duo de invocar a lei na defesa de seu interesse. Assim, ao direito subjetivo de uma pessoa corresponde sempre o dever de outra, que, se não o cumprir, poderá ser compelida a ob- serva-lo através de medidas judiciais. A Constituição Federal garante o direito de propriedade, ao dispor no art. 5º, XXII, que “ é garantido o direito de propriedade”. Essa regra é um pre- ceito de direito objetivo. Agora, se alguém violar a minha propriedade, poderei acionar o Poder Judiciário para que a irregularidade seja sanada. Essa faculdade que tenho de mo- vimentar a máquina judiciária para o reconhecimento de um direito que a lei me garante é que constitui o direito subjetivo. Disso resulta que o direito objetivo é o conjunto de leis 8 dirigidas a todos, ao passo que o direito subjetivo é a faculdade que tem cada um de invo- car essas leis a seu favor sempre que houver violação de um direito por elas resguardado. 2. Direito e Moral. A vida social só é possível uma vez presentes regras determi- nadas para o procedimento dos homens. Essas regras, de cunho ético, emanam da MO- RAL e do DIREITO, que procuram ditar como deve ser o comportamento de cada um. Sendo ambos – Moral e Direito – normas de conduta, evidentemente apresentam um campo comum. Assim, aquele que estupra uma donzela viola, a um tempo, normas jurídica e moral. Poderíamos então representar o Direito e a Moral por um único círculo, já que comum o campo de ação de ambos. Sustenta-se, por outro lado, que o Direito, embora não sendo algo diverso da Moral, é uma parte desta, armada de certas garantias. Miguel Reale eluci- da que “o Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver.” A moral é cumprida de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça com mais vigor e rigor, a trans- gressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensáveis à paz social. Essateoria, chamada de “mínimo ético”, pode ser reproduzida por dois círculos concêntricos, sendo o círculo maior o da Moral, e o círculo menor o do Direito. Haveria, portanto, um cam- po de ação comum, sendo mais amplo o da Mo- ral. De acordo com essa imagem, poderíamos di- zer que “tudo o que é jurídico é Moral, mas nem tudo o que é Moral é jurídico.” Mas seria certo dizer que todas as normas jurídicas estão con- tidas no plano Moral? Evidentemente que não. Ações existem, entretanto, que interessam apenas ao Direito, como ocorre, por exemplo, com as formalidades de um título de crédito. Finalmente, ou- tras existem que ao Direito são indiferentes, mas que a Moral procura disciplinar. É o que acontece com a prostituição, por exemplo. A mulher que vende seu corpo não sofre qual- quer sanção legal, pois a prostituição não é crime. Contudo, é considerada como um cân- cer social, por motivo de ordem ética, sendo marginalizada e sofrendo a repulsa de todos. DIREITO MORAL 9 Portanto, embora tenha um fundamento ético comum, também possuem características próprias que as dis- tinguem, embora as normas Morais exerçam, em sua maior parte, grande influência sobre as normas jurídicas. Daí a elucidativa figura, onde o Direito e a Moral se situam em círcu- los excêntricos, possuindo o da Moral diâme- tro maior que o do Direito. Esses caracteres distintivos podem ser sistematizados sob trí- plice aspecto: DIREITO MORAL a) Quanto ao campo de ação Atua no campo exterior Atua, predominantemente, no foro interior b) Quanto à intensidade da sanção Sanções mais enérgicas, de natureza mate- rial, consubstanciadas em punições legais Sanções mais brandas, de natureza interna ou de reprovação a) Quanto aos efeitos das normas Bilateral Unilateral a) Sob o aspecto do campo de ação, temos que a Moral atua no foro intimo do indivíduo, enquanto o Direito se interessa pela ação exteriorizada do homem, ou seja, aquilo que ele fez ou deixou de fazer. Assim, a maquinação de um cri- me, indiferente ao Direito, é repudiada pela Moral. Já exteriorização desse pensamento, com a efetiva prática do crime, importa em conduta relevante para o Direito, que mobiliza o aparelho repressivo do Estado para recompor a ordem social. DIREITO MORAL 10 b) Quanto à intensidade da ação, a Moral estabelece sanções internas e individuais (remorso, arrependimento, desgosto) ou de reprovação social (a prostituta é colocada à margem da sociedade). O Direito estabelece sanção mais enérgica, consubstanciada em punição legal (aquele que mata fica sujeito a uma pena que varia de 6 a 20 anos de reclusão). C) Quanto aos efeitos, observa-se que da norma jurídica de- correm relações com um alcance bilateral, ao passo que da regra moral deriva conse- quência unilateral, isto é, “quando a Moral diz a um que ame o seu próximo, pronuncia-o unilateralmente, sem que ninguém possa reclamar aquele amor; quando o Direito deter- mina ao devedor que pague, proclama-o bilateralmente, assegurando ao credor a faculda- de de receber”. Fonte: MANUAL DE DIREITO PÚBLICO & PRIVADO. Max & Édis. Ed. Revista dos Tribunais, 2003.
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