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Direito Penal na Grécia Antiga - Viviana Gastaldi - Fichamento

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FICHAMENTO - DIREITO PENAL NA GRÉCIA ANTIGA 
Autora: GASTALDI, Viviana 
 
Por: Víctor Rodrigues Nascimento Vieira 
 
Direito Penal na Grécia Antiga / Viviana Gastaldi – Florianópolis – Fundação Boiteux, 2006. 
Tradução de Mônica Sol Glik.120 p. (Coleção Arqueologia Jurídica / dir. Arno Dal Ri 
Júnior) 
 
Resumo: 
A partir de testemunhos oferecidos por fontes literárias, são analisadas nesta obra 
noções de direito penal na Grécia Antiga. Em especial, examina-se o homicídio e suas 
consequências jurídicas em diferentes etapas da cultura grega. Esboçam-se também, 
questões relativas à penalidade, e à voluntariedade. Em uma perspectiva filosófica são 
abordadas as principais teorias sobre a justificação da punição na Antiguidade. 
 
Autora: 
 
VIVIANA GASTALDI, Professora e pesquisadora de Humanidades na Universidade 
Nacional Del Sur, na Argentina, é Doutora em Letras com especialidade em Direito Grego e 
Literatura. Publicou diversos artigos em revistas especializadas e proferiu conferências, à 
convite, na Università degli studi di Bari na Itália, na Universidad Nacional Autónoma de 
México e nas Universidades Federal de Santa Catarina, Federal do Rio de Janeiro, Federal do 
Paraná e Estadual de São Paulo. Ministra seminários e cursos de pós-graudação sobre Direito 
Grego e Literatura na Argentina e no exterior. 
 
A OBRA 
 
PREFÁCIO: 
 
(p. 5) 
- nascimento e evolução direito penal na Antiguidade grega; 
- características mais importantes do direito grego, não só a partir dos seus 
fundamentos teóricos, mas também, a partir dos testemunhos que as fontes literárias da 
Antiguidade nos oferecem; 
- a problemática de um dos delitos privados considerados mais graves dentro do 
sistema jurídico da Grécia: o homicídio; suas regulações e consequências de sua sanção nas 
origens do mundo jurídico e na época clássica (período durante o qual a sanção sofreu a 
influência dos códigos normativos escritos pelos primeiros legisladores); 
(p. 6) 
- Abordam-se também (após uma breve referência ao delito de adultério no mundo 
homérico) questões relativas à penalidade, à intencionalidade como elemento essencial do 
direito penal e às teorias filosóficas em relação à justificativa da punição. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 QUESTÕES PRELIMINARES 
 
1. TEORIAS SOBRE O NASCIMENTO DO DIREITO. 
O MITO DO PRÉ-DIREITO 
 
- Individualização do Direito (Platão, Hobbes e Marx); 
- Existência do Direito vinculada à existência do Estado (perspectiva evolucionista). 
(pág. 11) 
- Michael Gagarin (1989)
1
: Para tal autor, é praticamente impensável falar de Direito 
penal em uma sociedade arcaica, pois este surgiria quando o Estado, tendo estabelecido 
normas legitimas de comportamento, passasse a regular os delitos e, desta forma, as penas. 
(pág. 11) 
- Direito como um modo mais flexível (perspectiva antropológica do direito; 
funcionalismo). (pág. 11) 
- Malinowski: para tal autor, são jurídicas todas as regras concebidas e aplicadas 
como obrigações de vínculo (Teoria geral do direito primitivo baseada no mecanismo de 
reciprocidade de certas atividades sociais
2
). (pág. 11/12) 
- Particularmente iluminadora do direito grego mais arcaico é a postura de Hoebel
3
, 
que sustenta que: 
 
1
 Michael Gagarin comenta que há três estágios de desenvolvimento do Direito em uma sociedade: 
Sociedade pré-legal: Onde não há critérios estabelecidos sobre os litígios; Sociedade proto-legal: O avanço 
chega com procedimentos para dirimir as disputas, porém não existem regras definidas ainda; Sociedade legal: 
Estágio mais avançado de uma sociedade em crescimento. O Estado intervém nas querelas, através de normas e 
sanções. Há também a construção embrionária de um Direito positivado em códices. (GAGARIN, 
Michael. Early Greek Law. Califórnia: 1989) 
 
2
 Reparamos elementos sociais distintos no que tange a razão quantitativa de bens em clássicos exemplos de 
Malinowski das populações das ilhas Trobriand na Melanésia. O urigibu é a distribuição de bens e prestações ao 
marido da irmã. Este, por sua vez, retribuirá o cunhado (e aliado), pois a avareza é extremamente condenada na 
ética trobriandesa. Neste caso, observa-se que uma prestação, obviamente não somente material, tem uma 
contrapartida subjetiva e se estabelece em função deste valor de hierarquia suprema nas trocas que é a 
generosidade. O vaygu’a é uma forma de troca hierarquicamente superior e envolve objetos específicos: colares 
e braceletes feitos de conchas que tem sua própria história mítica e circulam segundo regras específicas 
(MALINOWSKI, 1978). 
http://www.pet-economia.ufpr.br/banco_de_arquivos/00018_texevincirodrigo.pdf (pág. 2) 
 
3
 Conforme CANTARELLA, Eva (2002, p. 193) 
(...) quando a comunidade considera justo e correto o exercício da força por parte do 
indivíduo que sofreu um dano, ou por parte do grupo parental em uma situação determinada, 
e, ao mesmo tempo impede ao transgressor o contra-ataque, o direito prevalece e a ordem 
triunfa sobre a violência. 
Tal postulado é essencial para a compreensão do direito arcaico e, em especial, para 
sustentar a opinião de todos aqueles que consideram que o direito grego nasce com Homero, 
pois segundo fontes que os poemas épicos testemunham, a existência, não só de certas regras 
de conduta, como também de violações a essas regras, e ainda de sanções públicas que fixam 
a punição – executada por uma autoridade legitimamente estabelecida -, permite-nos falar de 
um direito penal em gestação ou, pelo menos de um ordenamento jurídico. (pág. 12) 
- O pré-direito: este mito do pré-direito remete os estudiosos ao problema de 
estabelecer as origens do direito penal na Grécia. A esse respeito, Louis Gernet afirma que já 
em tempos muito antigos identificava-se o delito como um ato sacrilégio
4
 (e esta 
identificação foi o começo do direito penal). (pág. 12 e 13) 
- Cultura de vergonha/culpa evidencia a necessidade de manter comportamentos 
fixados pelo costume e aplicar sanções as violações às regras. (pág. 13) 
- Na etapa do pré-direito não havia direito porque não havia um Estado apto a impor 
a observação das regras por meio da força. O que havia era um conjunto de forças que 
impunham a observação de determinadas normas de comportamento. 
- Âmbitos em que o pré-direito se manifesta: 
1 – Relações interfamiliares (regulado através da reciprocidade, ou xemia5, no 
benefício da hospitalidade); (pág. 13) 
2 – Questões como a autoridade e a lei. Uma definição extrema e restritiva da lei, 
sustentada por alguns juristas, ignora a diferença entre jus e lex. Esta se define exclusivamente 
em termos da lei escrita; ou seja, a lei se baseia em princípios formais e abstratos adotados 
pela autoridade política de uma sociedade que tem uma legislação positiva. 
- Modelo de Popsil: A existência do direito requer 4 atributos: autoridade; intenção de 
aplicação universal, obrigatio
6
 (iuris vinculum
7
), ou deveres e direitos e a aplicabilidade da 
sanção. 
 
4
 Desrespeito a certas normas e/ou preceitos religiosos; pecado cometido contra aquilo que é considerado 
sagrado. Desonra ou difamação direcionada as coisas que são caracterizadas sagradas. Falta de respeito contra 
o que deveria ser respeitado e/ou admirado; ato condenável: derrubar aquele monumento foi um sacrilégio. 
5
 Do grego: Hospitaleiro; Hospitalidade. 
6
 Do latim: obrigação 
7
 Do latim: Vínculo Jurídico 
Autoridade: possuir o poder necessário para induzir ou forçar a maioria dos membrosde um grupo a aceitar suas decisões. 
Intenção de aplicação universal: que existam diferenças entre jurídicas e políticas, 
podendo as primeiras serem aplicadas a situações idênticas no futuro; 
Obrigatio (iuris vinculum): ou deveres e direitos entre as partes 
Aplicabilidade da sanção: Por meio da força física ou coerção. 
De acordo com essa teoria antropológica, o direito definido segundo os quatro critérios 
acima citados, está presente em todas as sociedades; logo, nem a escrita, nem a formulação 
de sistemas abstratos de leis são requisitos necessários para a sua existência. (pág. 14 e 
15). 
 
2. DIREITO GREGO E DIREITO ÁTICO 
 
DIREITO ÁTICO: 
- pela denominação “direito ático” entendem-se o direito público e o privado que 
imperaram em Atenas nos séculos V e IV a.C. (pág. 15) 
- A reconstrução do direito ático interessa aos historiadores, filólogos e juristas. (pág. 
16) 
Historiadores da Grécia: por pormenorizar o ordenamento da polis
8
 na política 
interna e externa, as suas instituições e os meios através dos quais os cidadãos exerciam as 
suas atividades; 
Filólogos: o rigor e a exatidão das expressões jurídicas de que dão conta os 
testemunhos conservados, permitem uma avaliação cabal do direito e uma melhor 
interpretação dos textos em um sentido interdisciplinar 
Juristas: pela contribuição do direito grego à história e à cultura jurídica da 
Antiguidade. 
- Fonte de dados do direito grego: diretas e indiretas 
Diretas: documentos nos quais emerge de forma imediata a existência de uma norma 
ou de uma instituição jurídica. Exemplos: textos legislativos (epígrafes e manuscritos); textos 
dos oradores; Constituição de Atenas; antiga lei de Gortina; as Leis e a República (Platão) e a 
Política (Aristóteles). 
 
8
 Do latim: cidade 
Indiretas: (subsidiárias das anteriores), constituem-se naqueles textos em que tais 
elementos se apresentam de maneira implícita. 
Exemplos: 
- autores latinos das palliatae, Menandro, os textos históricos de Xenofonte e 
Tucídides, dramas de Aristófanes (tratam de direito público). 
- as tragédias, especialmente na obra de Eurípedes (tratam de direito Ático Privado). 
(pág. 17) 
 
DIREITO GREGO: 
Inseparável da moral e da política, não aparece restrito a um número limitado de 
Especialistas, mas revela-se como “(...) Sentimento comum a todo o povo e se reflete em 
todas as manifestações da vida.”9 (pág. 17) 
Homero e sua obra A Odisséia
10
: é legítimo apontar para determinada organização 
jurídica presente já na obra de Homero. A existência de certas regras de conduta, de violações 
a essas regras, e de sanções públicas que fixam castigos executados por uma autoridade 
legitimamente estabelecida, permite-nos falar de um direito em gestação ou, pelo menos, de 
um ordenamento jurídico
11
. (pág. 17) 
 
3. AS NOÇÕES DE LEI E DELITO NA ANTIGUIDADE: DELITOS PÚBLICOS E 
DELITOS PRIVADOS 
 
- Direito Penal: “Aquela parte do direito que descreve os crimes e suas punições”12 
(pág. 18) 
- Delito: “(...) incapacidade ou recusa de viver à altura do padrão de conduta 
considerado obrigatório pelo restante da comunidade”. Ou “ (...) uma revolta do indivíduo 
contra a sociedade” ou “(...) uma ação proibida” (CALHOUN, George. 1977, p. 2) (pág. 18) 
 
9
 “(...) sentimento comune a tutto il popolo e che investe tutte le manifestazioni dela vita.” In: BISCARDI (1982, 
p. 14 ss) 
10
 A Odisseia narra a história de Ulisses, que depois de passar 10 anos na Guerra de Troia, leva mais 17 anos 
para voltar para casa, passando por muitas aventuras no caminho. Escrito, provavelmente no fim do século VIII 
a.C.
2
 . 
 
11
 CANTARELLA, Eva (2002); também Maine, citado por CALHOUN, GEROGE (1997, p. 15, nº1) percebe a 
peculiar importância dos poemas Homéricos para o estudo do direito e das instituições. 
12
 “that part of the law which relates the crimes and their punishment, In: CALHOUN, George (1997, p. 1) 
- Direito arcaico – por Pollock: gérmen do direito penal, primitivo e elementar, mas 
apenas direito, pois consiste em normas reconhecidas de conduta que eram feitas cumprir pela 
comunidade, envolvendo uma ação punitiva. (pág. 18) 
- Delito e sua evolução: ofensa que a sociedade costuma punir, primeiro pela ação 
direta do povo, mais tarde pela lei e pela ação pública institucionalizada. (pág. 19) 
- Hybris: primeiro termo que se refere à noção de mal e violência na cultura grega; 
(Homero: não constitui ato contrário à lei, sendo, pois, um atentado à honra e à 
prosperidade. Sanção: reprovação da opinião pública.). 
Hybris
13
 viola um nomos
14
 (entendido como harmonia geral e não corpo de leis) 
Hybris num primeiro momento: ato ilícito religioso; delito de traição; ação contrária à 
segurança geral; noção primitiva de delito; primeiro estágio do direito penal. 
Hybris e sua evolução: violação das normas que regem a conduta entre os homens; 
ideia de injustiça. (pág. 19) 
Hybris no Século V: sacrilégio, adultério, incesto, violações à hospitalidade, ofensas a 
mortos e parentes, injúrias verbais, atentados contra a autoridade constituída. 
- adikía
15
: Injustiça. Representação do sacrilégio, da violação de algo sagrado, donde 
viria a mácula criminal. Noção de impiedade cometida no interior da cidade, e a ideia de 
delito fixa-se sobre uma repressão organizada. 
- agos: o crime concebido como sacrilégio. 
- DELITOS PRIVADOS* X DELITOS PÚBLICOS: 
*Privados: Requerem sanção jurídica, supõe uma justiça organizada; o fato de lesar 
os indivíduos não é percebido de forma imediata, como uma ofensa à comunidade e só 
provoca reação organizada do grupo de forma secundária. 
Para Gernet: o homicídio, o roubo (salvo exceções) e todo atentado a bens alheios ou 
a pessoas. 
- Lei na Grécia: Primitivamente, de dois tipos: a themis e dikê.(pág. 20) 
themis: primeiro conceito (época homérica): preceito que fixa os direitos e deveres de 
cada um sob a autoridade do chefe do genos
16
. 
 
13
 Tudo que passa da medida; desmedido. 
14
 Mitologia grega: materialização da lei humana na Grécia Antiga. 
15
 Mitologia grega: Deusa da injustiça, que era a companheira inseparável de Disnomia, a Deusa da desordem. 
16
 O termo genos significa família no seu sentido mais amplo: comunidades de parentes de várias gerações que 
vivem sob um mesmo teto e numa mesma terra. Suas características mais relevantes são: solidariedade 
recíproca, rituais religiosos comuns, lugares comuns de incineração, direito hereditário, dever de endogamia. 
Os themistes eram decisões autoritárias emanadas por um chefe, princípios latentes e 
fórmulas mágico-religiosas que provinham de Zeus e que se impunham a todos os membros 
da comunidade. 
Dikê: ideia de ordem e equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos da 
sociedade humana. 
- Começo do século VIII: nas diversas cidades os primeiros legisladores ditam as 
suas constituições: a lei se opõe deste modo, ao arbitrário. 
- Atenas: A constituição estabelecida por Clístenes logo após a morte de Sólon 
destitui a aristocracia gentílica e divide (pág. 21) a cidade topograficamente; o conselho – 
composto agora por quinhentos representantes das dez tribos – e a assembleia do povo 
impõem um sentido jurídico à norma: a lei, fundamento e emanação da democracia, tem 
sua origem na norma política, nomos, que constitui “(...) a expressão do que o povo, 
como um todo, considera como uma norma válida e obrigatória”17. (pág. 22) 
 
 PARTE I 
O COMEÇO: HOMERO 
 
1. A SOCIEDADE HOMÉRICA E A CULTURA DE VERGONHA.CÓDIGOS DE COMPORTAMENTO 
 
- “Cultura da Vergonha”: Sociedade na qual o respeito a regras não se deve à 
imposição de deveres, característica da cultura de culpa. 
A observação das regras é obtida através dos modelos positivos de condutas, e os que 
não se adaptam, incorrem na vergonha social em uma consequente sanção. 
Sanção: de inadequação definida por vergonha (aideomai
18
). 
No mundo homérico, os heróis transferiam seus atos reprováveis aos deuses ou às 
forças externas (moira
19
). 
Sanção: perder a sua própria dignidade. 
Temor a boatos e à burla dos seus concidadãos; privação da honra; 
Temor a demou
20
 phêmis
21
, voz popular que reconhece a virtude ou sanciona a falta. 
Esta sanção é antecedente à atimia
22
 clássica. 
 
17
 “(...) the expression of what the people as a whole regard as a valid and binding norm.” In: JARRAT, Susan 
(1991, p. 41) 
18
 Do grego: do que se envergonhar. 
19
 Do grego: partilhar. 
- Atimia: penalização que já na polis
23
 implicava exclusão e a separação dos espaços 
públicos e a perda total ou parcial dos direitos de cidadão. 
- Cultura de Culpa: Quem tem um comportamento proibido sente-se oprimido pela 
culpa, pelo temor e pela angústia. 
 
2. LEI E AUTORIDADE NOS POEMAS HOMÉRICOS (pág. 26) 
 
Descrição da sociedade proveniente dos poemas 
homéricos: Poder articulado em três órgãos; Comunidade 
composta pelos gemê (agrupados em phratrias
24
 e 
philais). 
 
O conselho (boulê), em 
que os gerontes
25
 não eram 
definidos por idade; Rei 
descendente de um Deus ou 
grande herói, que ostentava os 
themistes; Nas reuniões da 
ágora
26
, o arauto é quem dá (pág. 
26) a cada um o cetro para que 
possa falar; o povo tem um papel 
passivo e só intervém através de 
sons ou ruídos de aprovação 
(aclamação ou descontentamento); É possível apontar algumas passagens de poemas 
que demonstram a existência de juízes únicos; Enquanto a competência desses juízes, únicos 
possuidores do cetro, parecia abranger múltiplos aspectos da vida social e política, a dos 
gerontes, limitava-se ao litígio em matéria de vendetta
27
. (pág. 27) 
 
20
 Do latim: demonstração 
21
 Do latim: Blasfêmia, difamação. 
22
 Do grego: Desonra, desgraça. 
23
 Do grego: cidade. 
24
 Fratrias; subdivisões da tribo. 
25
 Anciãos 
26
 Corpo legislativo, câmara; comício; reunião. 
27
 Casos de homicídio 
- Aerópago (do período de Drácon): era semelhante ao órgão encarregado de regular a 
norma consuetudinária da vendetta. 
 
 
 
- Noção de lei: themis e dikê 
Noção de lei 
themis dikê 
- conjunto de regras de 
comportamento que coincidem com a 
vontade divina; consuetudinárias
28
. 
Themistes: pronunciamentos 
oraculares de sentenças divinas recebidas 
através da mediação de um eleito (o rei). 
(pág. 28) 
themisteuein: indica o ato de emanar uma 
ordem. (pág. 29) 
- Expressão da justiça humana; 
- ordem imanente
29
 que deve 
uniformizar a ação do indivíduo enquanto 
membro de uma coletividade. 
- regra que domina as relações 
interfamiliares em um âmbito de relações 
públicas que constitui o prelúdio de um 
sistema democrático. 
dikazein: ato de oferecer uma solução 
para uma controvérsia. (pág. 29) 
 
3. A REGULAÇÃO DO HOMICÍDO, VENDETTA E POINÉ30. 
4. 
- HOMICÍDIO: Ato ilegítimo mais importante dos tempos de Homero. 
Três aspectos relevantes: solidariedade do grupo familiar (genos); o sentimento de 
honra do grupo e do indivíduo (time) e a escassa intervenção de um Estado organizado. (pág. 
29) 
- Sociedade homérica: pode ser pensada em termos da cultura da vergonha. 
A sociedade operava, neste contexto, mediante os códigos de aidos
31
, a time
32
, a orge
33
 
e a bia
34
 (extremamente valorizada, numa sociedade extremamente competitiva). (pág. 30) 
 
28
 Habitual, acostumado; Direito consuetudinário: direito não escrito, fundado no uso, costume ou prática. 
29
 Que fazer parte de maneira inseparável da essência de um ser ou de um objeto; inerente. 
30
 Penê, Poine, Pojné ou Pena (Pœna), “Castigo” é uma das Queres, a personificação do Castigo, identificada às 
vezes com as Fúrias, em cuja companhia vivia. Na mitologia romana Pœna aparece como mãe das Fúrias, sendo 
uma das Divindades Infernais. 
 
31
 Vergonha e pudor, utilizados em sentido amplo, já que abrangem a aidos pessoal e a cooperação na batalha. 
32
 Do latim. Referente ao medo, ter medo, ter medo, ficar apreensivo, com medo, medo, apreensão. 
- Podem-se distinguir, nos poemas (Ilíada e Odisseia), três situações de ruptura da 
ordem social: o homicídio, a lesão da honra e os atos que provocam algum tipo de dano 
patrimonial. 
- HOMICÍDIO: O homicídio no mundo homérico, segundo Eva Cantarella, era aceito 
na medida em que refletia a superioridade do homicida, o qual demonstrava ter mais força e 
arete
35
 do que o morto. 
Em somente três casos o homicídio era reprovado: quando acompanhado de engano, 
contra um hóspede e em caso de parricídio
36
. A violação a esses valores heroicos (a philia
37
 
nos laços parentais, o dever de hospitalidade) era, portanto, objeto de reação. 
CONSEQUÊNCIAS: 
O homicídio dava início a uma reação, as vezes de tipo privado; outras vezes parecia 
ser um meio através do qual a comunidade expressava seus sentimentos e regia com violência 
física à violação de uma regra. A vendetta, dominada pelo sentimento de honra do grupo e 
pela necessidade de dar satisfação ao morto, era uma sanção material, mas na interação 
jurídica existiam outras, como a desonra e a sanção da demou phatis
38
. 
Existiam dois modos de evitar a vendetta por parte do grupo da vítima: o exílio e a 
poiné, mas a aplicação de um não exclui a possibilidade de que o outro pudesse ser aplicado 
também. Todavia, não fica claro se o exílio era um modo de fuga (pág. 31) ou se era fruto de 
um acordo com os parentes da vítima. 
O grupo da vítima não era obrigado a aceitar a poiné: mas, se o fizesse não poderia 
executar a vingança, que seria, então um ato reprovável e legitimaria nova vendeta. (pág. 32) 
poiné 
Composição pecuniária fruto de um acordo entra as partes, com a qual se 
renuncia à vendetta de sangue de modo a evitar o exílio – era em parte utilizada para 
 
33
 Cólera 
34
 Força física 
35
 Definida como: “excelência prática de natureza física, intelectual ou moral”, e também “excelência e 
virtude”, foi adquirindo, com o tempo, diferentes matizes por causa da diversidade das situações contextuais. 
VIANELLO DE CÓRDOVA, Paola (1990) esboça os diferentes significados do termo de acordo com a realidade 
histórica, política e social de Atenas. 
36
 Assassinato de pai, mãe, ou qualquer outro ascendente legítimo. 
37
 Philia (em grego: "φιλíα"; transliteração para o latim: "philia", e para o português: "filia") retirado do tratado 
de Ética a Nicômaco de Aristóteles, o termo é traduzido geralmente como "amizade", e às vezes também como 
"amor". 
38
 A língua grega distingue estes diferentes sentidos: entre numerosos termos, a resposta divina pode ser 
designada por χρηςμόσ - khrêsmós, literalmente o fato de informar. Pode-se também dizer φάτις - phátis, o 
fato defalar. O intérprete da resposta divina é freqüentemente designado por προφήτησ - prophêtê, aquele 
que fala em lugar (do deus), ou ainda μάντισ - mántis. Por fim, o lugar do oráculo é χρηςτήριον - kherêstêrion. 
honrar e aplacar o morto. O termo poiné está relacionado a time: ambos indicam 
valorização, honra, pagamento. Pode ser inicialmente entendido como indenização, 
ressarcimento material; posteriormente virá a se revestir de um caráter mais moral de 
sanção, pena ou expiação; em Homero, contudo, não era somente um remédio de fato 
contra a vendeta: era uma instituição com uma configuração jurídica precisa, tal como 
se aponta em uma passagem da Ilíada: 
 
Pela morte do irmão ou filho, recebe-se uma compensação; e, uma vez paga a 
importante quantia, o assassino fica no povoado, e o coração e o ânimo irado se 
acalmam com a compensação recebida (...).
39
 (pág. 32) 
 
De qualquer sorte, caso houvesse dúvidas sobre pagamento efetivo da poiné, ou seja, 
sobre a legitimidade da vendetta, a comunidade intervinha com os gerontes, e tinha lugar um 
processo que reconhecia e investigava os fatos e argumentos de cada uma das partes em 
litígio. 
Este processo – considerado um dos primeiros testemunhos de repressão por 
homicídio – é o que aparece representado no escudo de Aquiles: (pág. 32) 
Os homens estavam reunidos no mercado. Ali uma discussão se iniciou. Dois homens 
pleiteavam a pena devida por causa de um assassinato: um deles insistia em que tinha pago 
tudo em presença do público, o outro negava ter recebido. Ambos pediam o recurso a um 
árbitro para um veredicto. 
As gentes aclamavam a ambos, em defesa de um ou de outro; os arautos, por sua vez, 
tentavam conter o povo. Os anciãos estavam sentados sobre polidas pedras em um círculo 
sagrado e tinham nas mãos os cetros de claros arautos, com os que se iam levantando, por 
turno, para dar o seu veredicto. 
No centro, havia dois talentos de ouro no chão, para premiar aquele que pronunciasse 
a sentença mais justa. 
40
 
E esta era a questão a resolver: tinha-se pago ou não, ou seja, qual dos dois 
argumentos era legítimo? 
No que concerne ao caráter da decisão, a crítica formula o seguinte problema: a 
sentença emitida era de caráter arbitral ou judicial? 
 
39
 Ilíada, 632-36 
40
 Ilíada, XVIII, 496-508 
O uso de dikazein no texto grego remete a uma decisão imediata e direta, baseada no 
exame dos fatos por parte dos anciãos, sem que mediasse a vontade das partes. Ou seja, os 
gerontes constituíam um órgão institucional, público, que emitia (pág. 33) uma sentença 
judicial? A presença de istôr
41
, por sua vez, remete a uma testemunho ou a uma espécie de 
juiz instrutor do seu testemunho? Dependia definitivamente, da decisão dos gerontes. Por 
último, os dois talentos dos versos 507-508 estavam destinados a quem fosse o vencedor, ou 
seja, à parte que oferecesse a dikê (o raciocínio) mais justa. 
- A cena do julgamento mostra alguns elementos sobre a administração da vendeta no 
interior da comunidade. 
- A Assembleia é o único juiz da sociedade representada; guia o comportamento dos 
homens tendo por base regras e valores comuns. 
- Incerteza sobre o comportamento a seguir. Consequência: recurso ao conselho; 
pronunciamento dos gerontes (os quais, como depositários das regras, devem procurar uma 
solução). 
- Assim, a dikê nasce como norma de direito ritualmente proposta em assembleia, 
em um contexto formalmente público e diferente da sanção espontânea da demou 
phêmis. 
- O exílio: era considerado um remédio para evitar a vingança de sangue; não era 
suficiente para que o indivíduo ficasse a salvo. (pág. 34) 
 
5. A QUESTÃO DA INTENCIONALIDADE 
6. 
Intencionalidade: Exame do elemento intencional. 
- No mundo homérico, a vendetta poderia assumir outras formas que considerassem o 
caráter voluntário do ato cometido? 
- Aquele que comete o delito é, na realidade, vítima da própria condição humana; isto 
não o isenta, porém, da responsabilidade, nem o protege da vingança dos ofendidos. 
- Homicídio preterintencional
42
: mesmo não pretendendo provocar a morte do outro, 
o homicida parte para o exílio: com isso, outorga-se satisfação para a alma da vítima, que não 
tolera a presença do criminoso na própria terra. Ao mesmo tempo, a honra do grupo é 
restituída pelo afastamento do culpável. (pág. 36) 
 
41
 Um homem sábio, aquele que conhece direito, um juiz 
42
 Cujo resultado se agravou, ainda que a intenção do criminoso fosse menos grave; diz-se do crime cujo 
resultado foi mais grave que o esperado; preterdoloso. 
- A necessidade de reparar a honra perdida e de dar satisfação à vítima não levava em 
consideração a intencionalidade do homicídio. 
- O exílio, então, para além do caráter voluntário do homicídio, advém do costume 
admitido pelo grupo social em conjunto. 
- Embora não exista ainda a ideia de impureza do homicida e de contaminação, os 
poemas revelam a noção de ódio da vítima e terror do grupo diante da presença do homicida. 
7. O ADULTÉRIO: A SANÇÃO PÚBLICA E A SANÇÃO MATERIAL 
 
- A presença do povo na celebração (das bodas ou gamos
43
) ratifica a importância do 
reconhecimento social do matrimônio, já que este se realiza kata nomon
44
, ou seja, de 
acordo com a lei e o costume. 
- na época homérica, é o marido quem oferece os seus bens ao pai de sua esposa 
(eedna
45
). Tais bens, poderiam ser reclamados pelo marido, uma vez que se comprovasse o 
adultério feminino. Esta instituição jurídica chamada por Homero engue
46
, é o que hoje 
conhecemos sob a denominação de “garantias pessoais de obrigações”. 
- Em se tratando de adultério, Homero refere-se na Odisséia - mediante o relato do 
aedo
47
 Demódoco – aos amores ilícitos de Ares e Afrodite. Tal ato divino contém, todavia, 
elementos chaves de semelhança com o adultério cometido entre os homens; faremos menção 
a estes com o objetivo de elucidar a passagem citada: 
1 Como é aplicada a sanção da demou phati; 
2 O poder da assembleia para sancionar; 
3 As garantias pessoais e a devolução dos eedna; 
4 O pagamento de uma multa (khreos) por moikhagria e 
5 O papel feminino no adultério. 
 
- Uma vez que os amantes deitaram-se no leito, tornaram-se prisioneiros da armadilha 
que Hefeso fabricou. Este deus, então, chamou os demais deuses para que se reunissem em 
assembleia e fossem testemunha de sua desonra. (pág. 37) 
 
43
 Do grego : casamento 
44
 Por leis. 
45
 Do grego: “bride-price” ou o preço da noiva. 
46
 Do grego: uma garantia 
47
 Um aedo (em grego clássico ἀοιδόσ / aoidos, do verbo ᾄδω / aidô, "cantar") era, na Grécia antiga, um artista 
que cantava as epopeias acompanhando-se de um instrumento de música, o forminx. 
- O requerimento da devolução do dote entregue por Hefesto não se faz esperar; (pág. 
38) 
- Com a chegada dos deuses, que riem ao contemplar os amantes na armadilha, a 
sanção pública do ridículo e do boato é infligida e a honra de Ares já está comprometida. A 
reação reivindicatória de Hefesto, enquanto marido traído que não pode recuperar por si só a 
honra perdida, apela a um procedimento público que tende a tutelar sua vendetta: a 
assembleia dos deuses, em paralelo com a assembleia humana, exige que Ares pague pelo 
adultério. (pág. 38) 
As três sanções indicam a regulação do adultério homérico: 
1 O riso e a sanção psíquica (o ridículo); 
2 A devolução do dote por parte do pai, ligado possivelmente ao repúdio 
da adúltera, a sanção material e 
3 O pagamento da multa.(pág. 38) 
- o texto revela, em relação ao poder da assembleia, a voz e o murmúrio dos deuses, 
similar ao que acontece numa reunião de homens. 
- descrição da sociedade real, cujas regras de comportamento estabelecem obrigações 
contratuais. 
- A menção homérica de khreos
48
, como ressarcimento material por adultério ou 
moikheia
49
, implica uma consideração importante: o uso deste termo, e não de poiné, aplicado 
em casos de homicídio ou dano patrimonial, parece antecipar uma mudança na regulação da 
vendetta, uma diferenciação substancial na natureza do dano, indício de uma maior precisão e 
maior aperfeiçoamento do sistema reivindicatório. (pág. 39) 
- O único destino possível para a adúltera, era, por certo, o retorno à casa paterna e a 
uma vida de reclusão e humilhação. 
- A mudança mais significativa terá lugar dois séculos mais tarde, uma vez que o 
Estado passa a regular o delito de moikheia e o marido pode, então, dar morte 
impunemente ao cônjuge adúltero sob certas condições de flagrante. A lapidação, ademais, 
impõe-se não como lei, mas como sanção coletiva para a adúltera, tal como testemunham o 
mito e os textos trágicos. (pág. 40) 
 
8. O ABANDONO NOXAL 
 
 
48
 Do grego: dívidas 
49
 Do grego: Adultério 
- O abandono noxal é, então, essencialmente, um ato de rompimento da solidariedade 
entre o culpável e seu grupo, e marca, na história jurídica o ponto de emergência do princípio 
da responsabilidade. 
- Tal como aponta Glotz:
50
 
“Em um tempo em que toda obrigação real era ainda no fato ou na forma uma 
obrigação ex delicto
51
, as famílias não aceitavam mais, a este respeito, o peso da 
solidariedade.”52 
 
 PARTE II 
A ÉPOCA CLÁSSICA 
 
1. EVOLUÇÃO DO SISTEMA PENAL 
O CÓDIGO DE LEIS DE DRACON 
 
O primeiro passo para o desenvolvimento das instituições jurídicas na antiga polis aconteceu 
através da separação de poderes e de funções judiciais, a serem desenvolvidas por nove 
magistrados: o arconte epônimo, o arconte basileus (chefe religioso da comunidade), o 
polemarco (que comandava durante a guerra) e seis thesmotheai. O primeiro deles tinha 
responsabilidades especiais em questões de herança, o segundo presidia festivais e 
julgamentos por homicídio, o polemarco era o responsável pela justiça militar e os outros seis 
magistrados, cuja etimologia significa "fixadores de pareceres", eram, presumivelmente, 
responsáveis pela organização de tribunais e julgamentos; em outros termos, eram juízes. 
- Com a expansão do alfabeto: tornou-se possível fixar por escrito as normas que 
deveriam ser aplicadas. Os primeiros legisladores surgiram no Oriente, em meados do 
século VII: Zaleuco, (pág. 45) em Locros, e Carondas, em Catana. A invenção da escrita 
passa a ser, então, um requisito para a emergência da legislação. (pág. 46) 
- Nas últimas décadas do século VII (621 a.C.) aparece um documento legislativo de 
fundamental importância para a história do direito na Grécia arcaica. Este documento, 
representado nas leis de Dracon, demonstra que o Estado, no século VII, toma para si, por 
via exclusiva, o direito de punir quem comete um homicídio. É deste modo que a ideia de 
 
50
 GLOTZ, Gustave (1904, p. 858 ss) 
51
 Algo que fora causado por infração penal 
52
 “(...) em um temps où toute obligation réelle était encore em fait ou em la forme une obligation ex delicto, les 
familles n’acceptaient plus à cet ègard les charges de la solidarité” 
delito, de crime, aparece como um comportamento proibido, sancionado por um órgão 
institucionalmente competente. (pág. 46) 
- Na realidade, a situação político-social de Atenas no final do século VII, após o 
levante de Cilon numa tentativa de derrocar a aristocracia, fez com que fosse imperativa a 
redação de um código de leis que mantivesse a regulamentação fora do alcance exclusivo 
dos árbitros ou dos juízes, colocando-a no plano de administração da justiça. Tinha por 
intenção substituir o regime da vingança privada pela repressão social e colocar freio ao 
derramamento de sangue; por isto, a parte lesada ficava obrigada a levar o culpável 
perante os magistrados e a reconhecer que o direito de punir caberia somente aos 
representantes da cidade. (pág. 46) 
- As leis, escritas em axones
53
 (tabuinhas de madeira sustentadas por eixos giratórios), 
foram descobertas em 1843 em uma (pág. 46) tábua de pedra sobre a qual foram reeditadas no 
ano de 409 pelos anagrafeis
54
; nelas aparece pela primeira vez a distinção entre homicídio 
premeditado, voluntário e homicídio involuntário. Também previa uma aidesis
55
 
concedida pelos membros do grupo da vítima, por meio da qual o homicida poderia evitar a 
pena ou retomar à pátria após o exílio. (pág. 47) 
- Um elemento importante a ser destacado refere-se ao estabelecimento do exílio não 
como remédio para a vendetta, mas como pena. Neste sentido, deve-se salientar o 
aparecimento do exílio na época de Dracon como a única sanção pública para o 
homicídio
56
. 
Esta lei influenciou notavelmente o oráculo de Delfos e o culto de Apolo, que instituiu 
o princípio de impureza do homicida (miasma) e a regulamentação do katharmós
57
 (puro). 
Logo, a lei grega sobre o homicídio tem suas raízes mais profundas na religião, tal como 
afirmam os estudiosos do direito. (pág. 47) 
- A implantação de diferentes tribunais encarregados de julgar os delitos foi outro 
elemento considerado essencial para a evolução do sistema jurídico. (pág. 47) 
- No caso de homicídio premeditado, a lei não impedia a intervenção da família: a 
prorresis
58
, ou proibição ao homicida de aparecer em lugares públicos, bem como o anúncio 
 
53
 Do grego: eixos 
54
 Do grego: inscrição 
55
 Do grego: aplicação 
56
 Em definitiva, e segundo a opinião de MODRZEJEWSKI, J. Mélèze (1991, p. 11), tanto o exílio como a pena de 
morte para o homicídio voluntário, não são mais do que modalidades de vingança de sangue, estabelecidas 
dentro de um sistema profundamente reivindicatório. 
57
 Do grego: claro 
58
 Do grego: predição 
de vingança, poderiam ser realizadas pelos parentes da vítima: o pai, irmão e os filhos 
apresentavam-se, deste modo, como acusadores oficiais. A lei também permitia ao homem 
matar o sedutor, o adúltero pego em flagrante com sua esposa, mãe, irmã, filha ou concubina. 
(pág. 48) 
 
 
2. AS MODIFICAÇÕES DE SÓLON. O SISTEMA DEMOCRÁTICO 
 
O código draconiano, com exceção de sua lei em matéria de homicídio, foi 
substituído, ao cabo de uma geração, pelo cófigo soloniano. Sólon, poeta e magistrado 
principal, é considerado o fundador do Estado ateniense. Suas reformas foram conhecidas 
como "a liberação das cargas", ou seja, a abolição da (pág. 48) escravidão por dívidas e a 
redistribuição de terras. Junto a essas medidas, Sólon estabeleceu que a riqueza seria o único 
critério para a atribuição do poder público, e não mais a nobreza de berço. 
- De acordo com Aristóteles, as suas reformas democráticas mais importantes foram 
duas: 
Reformas solonianas 
A norma que estabelecia que qualquer cidadão que desejasse poderia 
empreender uma ação a favor dos agravados e o direito de apelação a um 
tribunal popular contra a decisão de um magistrado (ephesis
59
) 
Portanto, a disposição draconiana que reconhecia a um membro da família lesada o 
direito de vingança é estendida por Sólon a qualquer cidadão. 
Surgem, deste modo, as graphai
60
, ou ações públicas, junto às dikai
61
, ou ações 
privadas. 
Graças a Sólon, as grapahi se multiplicaramà medida que a justiça pública se 
fortaleceu: o povo transformou-se, deste modo, em mestre da República. 
- Clístenes: No final do século VI, entre 510 e 500 a.C., limitaram-se os poderes do 
Areópago, introduziu-se o ostracismo, ou seja, o desterro dos cidadãos considerados 
perigosos para a democracia, e fomentou-se, na população da Ática, a ideia de defesa de seus 
próprios direitos. As fontes de poder residiam em três órgãos institucionais; o Conselho 
 
59
 Do grego: apelação 
60
 Do grego: escrituras 
61
 Do grego: Direito 
(boulê) composto por quinhentos membros eleitos por sorteio entre os (pág. 50) cidadãos, os 
tribunais e a Assembleia Geral. 
 
 
 
3. AS CONSEQUÊNCIAS DO HOMICÍDIO: 
A MÁCULA, O EXÍLIO E A PURIFICAÇÃO 
 
Uma característica importante na evolução do direito ateniense é sua estreita relação 
com a religião. Os delitos cometidos no interior da cidade implicam um atentado contra a 
ordem estabelecida pela divindade. Deste modo, a religião força a sociedade a intervir nos 
assuntos de sangue interfamiliares, e esta atua contra a família que rejeita a sua intervenção. 
- Uma ideia nova aparece no espírito dos gregos: a da mácula que o homicida contrai. 
O miasma vinculado ao crime vira objeto de horror, já que constitui uma ameaça de 
contágio; por esta razão, o homicida está proibido de habitar sob um teto comum e de 
participar da mesma refeição; e sua presença, na Ágora ou nos templos, deixava a cidade 
vulnerável à maldição dos deuses. Para ele, só restava o exílio como recurso. (pág. 50) 
- Apolo: exige que todo crime seja expiado para assegurar a punição do culpável. 
(pág. 51) 
- Um outro elemento importante nesta consideração sobre a questão da mácula é que o 
homicídio cometido no interior da família cria um laço estreito de contágio entre o 
homicida e os seus parentes mais próximos. Deste modo, Platão impõe severas restrições ao 
homicida logo após o retorno do seu exílio. Na cena trágica, esta penalidade, estabelecida na 
realidade segundo a lei ateniense pelo tribunal correspondente, revela-se como uma sanção 
auto imposta. Assim, o exílio de Orestes em Coéforas: 
Estas mulheres horrendas como Górgones! Vestidas de negro e emaranhadas em 
múltiplas serpentes! Já não posso ficar aqui. 
- Ligada à questão do homicídio justificado ou legítimo aparece a ideia da 
purificação como medida punitiva. A esse respeito, não existe unanimidade: para Platão, 
certos crimes requerem purificação, mesmo que estejam isentos de sanção legal, mas nestes 
casos é somente depois da purificação que o criminoso é chamado katharós
62
. Para 
 
62
 Do grego: claro 
Demóstenes, ao contrário, e da mesma forma que para oradores posteriores, katharós significa 
"sem sanção legal" e "puro", pois, como afirma Parker: (pág. 52) 
O status ritual e jurídico é assimilado fazendo com que, em contextos de homicídio 
"puro" e "não sujeito às sanções legais", sejam frequentemente sinônimos. (pág. 53) 
Todavia, estudiosos do direito grego afirmam que, nos testemunhos da oratória, 
katharós não significa que o homicida de um ato justificado esteja isento de uma purificação 
simbólico-religiosa, e o fato de um homicídio justificado não ser punível pela lei não implica 
que o criminoso seja dispensado da purificação. 
 
 
4. O TESTEMUNHO DA ORATÓRIA EM CASOS DE HOMICÍDIO: MÁCULA E 
CONTÁGIO NA RETÓRICA DE ANTIFONTE 
 
- O documento mais revelador da questão da mácula e do contágio por homicídio é o 
produzido por um orador: Antifonte, primeiro logógrafo grego e mestre da persuasão. O 
sofista demonstra com absoluta clareza que a oratória Ática constitui uma fonte 
importantíssima de dados para a apreciação da cultura e da vida política de Atenas. (pág. 54) 
- a retórica de Antifonte contém numerosos traços que a aproximam do pensamento 
sofista da segunda metade do século V 
- suas obras demonstram um profundo conhecimento de pautas e valores sociais que 
faziam parte do imaginário ateniense, tais como as relacionadas com o homicídio, a 
responsabilidade, a vítima e a mácula contraída pelo homicida. (pág. 54) 
- a narrativa é quase inexistente, o esforço do orador concentra-se nos argumentos, 
dando quase por óbvios outros pormenores. (pág. 55). 
- dikê phonou - procedimento por homicídio no qual os parentes da vítima - logo após 
uma proclamação na Ágora em que declaram o nome do agressor e exigem vingança - 
conduzem a causa para a frente do basileus, oficial encarregado dos assuntos de homicídio. 
Apesar da intervenção do Estado em matéria de homicídio, este continuava sendo um assunto 
privado (tinha vigência a lei de Dracon com as reformulações posteriores de Sólon). Mas, 
diferentemente de épocas mais primitivas, no século V eram o Estado e os seus tribunais que, 
mediante um julgamento, comprovavam a culpabilidade do acusado e, consequentemente, 
pronunciavam um veredicto. 
- O tribunal era o Aerópago, que entendia em matéria criminal. (pág. 56) 
- o problema da mácula por homicídio é uma característica recorrente nas 
Tetralogias. A teoria da mácula, aparentemente ausente em Homero, encontra-se com 
singular força na produção das tragédias do século V e diretamente vinculada a homicídios 
ocorridos no seio do oikos, ou no âmbito mais extenso do genos. Neste sentido, os agentes do 
homicídio viravam, por este ato, seres maculados que deveriam se auto-exilar para evitar não 
só o contágio, mas também que o miasma se espalhasse. (pág. 59) 
 
- Contudo, a mácula nas tragédias, como fenómeno irracional que afeta quem 
cometeu um delito, desencadeia também uma determinada conduta na sociedade. A atitude 
da comunidade frente a isto é naturalmente de rejeição e expulsão do maculado. (pág. 59) 
- Tal como se depreende dos textos, os alcances da mácula e da contaminação por 
homicídio apresentam características distintas: a imagem literal do sangue nas mãos - tal 
como aparece no drama é aqui substituída pelo símbolo, já que a mácula é invisível. 
- Na retórica de Antifonte, é a cólera das vítimas, e não o crime - como ocorre na 
cena trágica - que se revela como causa principal do miasma. Mas o orador vai ainda mais 
longe, e nisto, cremos, baseia-se a sua inovação. 
- Em todos os casos analisados, o tema da mácula e do contágio estão imersos em um 
contexto específico: o da punição. E nele, Antifonte explora, mediante recursos arcaicos do 
direito, uma das questões mais vitais de sua época: a atuação dos magistrados, ou seja, a 
conduta do órgão institucional que emitia uma sentença. 
Em cada uma das alegações das partes, resulta ser primordial "fazer vingança pela 
vítima" para não serem vítimas da mácula do homicídio. Entretanto, o problema não se 
concentra somente nos juízes, mas também nas testemunhas. (pág. 61) 
- Antifonte, pois, organiza sua preocupação dentro do aparato processual que julga o 
delito de homicídio. Esta preocupação pode ser verificada na necessidade de que os tribunais 
operem a céu aberto, segundo observamos em 5.11.82, costume que Aristóteles revela na 
Constituição Ateniense, 57, 4. 
 
5. DIKÊ6364 PHONOU65: O PROCESSO POR HOMICÍDIO. 
A RETÓRICA PROCESSUAL: A CENA TRÁGICA E O TRIBUNAL 
 
63
 Na mitologia grega, Diké (ou Dice; em grego Δίκη), é a filha de Zeus comTêmis, é a deusa grega dos 
julgamentos e da justiça (deusa correspondente, na mitologia romana, é a Iustitia), vingadora das violações da 
lei. 
64
 Do grego: lance, lançado. 
65
 Do grego: assassinato 
código draconiano 
Preserva, enquanto documento legal, a invenção fundamentalda retórica como 
uma técnica de discurso público. Desta forma, a justiça passa a ser decidida através de 
argumentos apresentados perante um corpo de cidadãos que representam a 
comunidade. A profunda inovação das leis gera, também, uma nova realidade social: 
aquilo que constitui a retidão ou a injustiça encontra-se agora definido por padrões 
fixos, aos quais toda a sociedade tem acesso. (pág. 62) 
No tardio século V, o processo por homicídio era constituído por uma série de 
formalidades. O papel dos basileus (rei-arconte) era preparar o caso para o juiz. 
No começo estava prevista uma etapa instrutiva: a anakrisis
66
 ou prodikasia. 
anakrisis 
nome através do qual os atenienses designavam a fase do processo durante a 
qual o magistrado instruía a ação e reunia todos os elementos decisórios que deveriam 
ser produzidos perante o tribunal. (Segundo Darember e Saglio; In: SAGLIO, Edmond, 
1919, p. 241) (pág. 63) 
 Nesta etapa, o arconte ou magistrado, no dia fixado para a apreciação do caso, tinha 
em seu poder um escrito (lexis), no qual constavam os nomes das partes, a exposição dos fatos 
que tinham dado lugar ao processo, o objeto da demanda e a designação de testemunhas que 
tinham presenciado o fato. O exame da lexis pelo magistrado, centrava-se nas seguintes 
questões: (pág. 63) 
1 Se o acusador tinha o direito de apresentar a demanda; 
2 Se o acusador tinha a capacidade para se defender pessoalmente; 
3 Se a lexis era regular em suas formas e 
4 Se o magistrado era competente para resolver o caso. (pág. 63) 
No dia fixado, as partes apresentavam-se diante do magistrado; eram oferecidas quatro 
possibilidades diferentes ao acusado: (pág. 63) 
1 Reconhecer como legítima a demanda, aceitar a acusação e cumprir as 
exigências do seu demandante; 
2 Sem contestar as faltas alegadas por ele, paralisar a demanda por uma 
exceção; 
3 Admitir em princípio as reclamações do acusador, mas preparar contra ele, 
outra demanda e 
 
66
 Do grego: interrogatório 
4 Contradizer as afirmações do demandante. (pág. 63) 
Nestes dois últimos casos, o acusado apresentava um ato inscrito, no qual indicava a 
posição que adotava (pág. 63); estabelecia-se, então, um debate entre os litigantes e começava 
a instrução. 
O primeiro ato da anákrisis era constituído pelo juramento das partes: o acusador 
jurava que o acusado tinha cometido o homicídio, o acusado jurava que não o tinha feito; 
ambos os juramentos – diomosia – confirmatórios comprometiam os deuses (o que deixava os 
depoimentos seguros e de proteção contra falso testemunho). (pág. 64) 
A finalidade da anakrisis era, portanto, reunir todos os elementos necessários para o 
julgamento, através do qual o magistrado introduzia a causa no tribunal e o arauto a 
proclamava. 
A cena do juízo de Orestes é considerada por toda a crítica especializada, uma 
reconstrução, com traços poéticos, bastante precisa das práticas contemporâneas; 
É digno de destaque, também, o fato de que – entendendo o direito não como uma 
disciplina ou uma ciência isolada do contexto que a produz, mas sim como um campo 
transdisciplinar que abrange diferentes aspectos econômicos, sociais, religiosos e políticos – 
determinadas pautas de argumentação retórica, reveladas nas instâncias processuais, 
apresentam valores, tal como demonstra o julgamento na cena trágica. (pág. 65) 
- negativa de Orestes e a postura que ele toma – enquanto acusado – frente aos seus 
demandantes. É evidente que Orestes não pode se declarar não-culpável, pois que em todo 
momento reafirmou o seu homicídio e a legitimidade do mesmo; por outra parte, fazê-lo 
significaria perjúrio – neste caso duplamente grave – já que os deuses perante os quais e pelos 
quais deve jurar são, precisamente, os seus demandantes. (pág. 67) 
- seu discurso contém um elemento significativo, já que confirma, mediante um 
silogismo retórico, sua capacidade jurídica para comparecer ao julgamento. Este traço 
configurava-se como o eixo mais importante em torno do qual se desenvolve a anakrisis, uma 
vez que da credibilidade do seu argumento depende a possibilidade de levar a cabo o processo 
judicial. (pág. 68) 
- o recurso da interrogação ou erotesis
67
. Em virtude deste, um orador podia 
interrogar o seu adversário e os juízes podiam interrogar o seu adversário e os juízes podiam 
interromper e perguntar ao orador. M Carawan tem examinado este motivo, destacando a sua 
função: (pág. 70) 
 
67
 Do grego: pergunta 
A erotesis nos discursos existentes, porém, frequentemente indica quais posições os 
adversários simbolizaram no anakrisis e qual era o assunto central do julgamento. (pág. 71) 
Este tipo de recurso, aplicado tanto na anakrisis como no transcurso do próprio 
julgamento, é essencial para definir a questão e a legalidade dos cargos. 
Geralmente é na anakrisis que estas questões são resolvidas, enquanto no juízo as 
exposições são somente exercícios de argumentação. 
A erotesis, formalmente colocada no texto em um breve e rápido diálogo, tenta 
esclarecer algumas questões: o modo com que se levou a cabo o homicídio, se houve ou não 
instigação e o problema de o réu ser assassino de alguém que não possui o mesmo sangue. 
(pág. 71) 
- synegoros
68
: Uma das características essenciais em todo o juízo público era a 
presença de synegoros ou representante defensor das partes, o qual se dirigia aos juízes 
imediatamente depois dos principais. A figura de synegoros era importante nos tribunais, 
porquanto ele mesmo podia atuar como testemunha. 
- Como afirma Harrison, no desenvolvimento do próprio julgamento, referindo-se aos 
testemunhos das partes: 
Com seus auxiliares [as testemunhas do synegoroi
69
] eram envolvidos em uma disputa 
[agón
70
]; os juízes concediam a vitória à performance mais impressionante. (HARRISON, 
Alick. 1971, p. 156) (pág. 73) 
O Corifeu, porém, reitera uma preocupação similar àquela que havia manifestado 
anteriormente: Orestes não pode ser absolvido em virtude do perigo que pressupõe para o 
resto da sociedade a presença de um homem átimos e, sobretudo, pelo que isto significa para 
sua reintegração ao oikos paterno. Para o acusador, Orestes continua sendo um ser maculado e 
esta convicção continua evidenciando as diferenças entre as partes. (pág. 76) 
Tal como já examinamos, as únicas provas que parecem ser válidas no processo 
são as que cada orador cria com um propósito deliberado. Neste sentido, tal afirmação 
leva a questionar a funcionalidade da divisão aristotélica, que não parece resultar, no gênero 
trágico, facilmente aplicável. 
Na última instância processual e diante do requerimento de Atena, os juízes 
depositam os votos nas urnas. A cena contém todos os elementos que se correspondem 
com a prática jurídica: 
 
68
 Do grego: conselho 
69
 Do grego: advogados 
70
 Do grego: luta 
Existiam duas urnas, mas uma era para absolvição e a outra para condenação. 
Cada jurado tinha, para votar, apenas uma pedrinha, que deveria ser colocada na urna 
apropriada. 
Logo após, Atenas proclama o Aerópago como o único tribunal insubornável para 
julgar os delitos de sangue e reclama novamente que os juízes depositem nas urnas o voto. 
Uma vez emitidos os votos, Atena declara que o seu será em favor de Orestes e, depois da 
recontagem, anuncia que Orestes fora absolvido, dado que existe um empate. (pág. 77) 
Indo além das controvérsias entre os críticos em relação à interpretação destes versos e 
à atitude real de Atena, é possível analisar tal cena levando em conta a importânciada 
justificativa com a qual Atena argumenta a sua postura; ou , de outro modo: mais do que 
elucidar se Atena “cria” ou “quebra” o empate do júri, resultam significativas razões pelas 
quais Orestes recebe absolvição por delito. Com as suas palavras, Atena ratifica a 
argumentação anterior de Apolo, que a tinha citado como exemplo de um nascimento “sem 
mãe”, mas vai além disso: expõe a sua virgindade e, o que ainda é mais importante, salienta o 
fato de ela não ter preferido defender uma mulher que matou seu esposo, “o chefe do oikos”. 
As razões de Atena, compreendidas em um dado contexto social, manifestam 
categoricamente a necessidade vital da permanência do pai como eixo através do qual se 
estruturam as relações familiares ; do ponto de vista jurídico, a restituição a Orestes de 
sua identidade como argivo
71
 - fato que pressupõe, definitivamente, estar livre de 
miasma
72
 e, consequentemente, de atimia – e a possível reintegração ao seu lar paterno 
implicam a forte reconsideração de uma categoria de homicídio que - pelo menos nas 
fontes filosóficas e literárias – aparece problemática e ambígua (pág. 78) no que 
concerne à qualificação jurídica do agente do fato e no que diz respeito à precisão da 
respectiva punição. 
Compreendida deste modo, a cena do julgamento por homicídio representa a 
ritualização de uma forma de penalidade racional e institucionalizada, que substitui o 
antigo sistema reivindicatório pelo sangue. Desta forma, justificando a inclusão da 
tragédia em nosso exame sobre o homicídio na época clássica, diremos que a cena 
dramática resulta sempre paidêutica: os espectadores podiam , mediante a ficção do 
drama, confrontar suas ideias com as crenças e normas jurídicas contemporâneas, ao 
mesmo tempo em que os exercícios retóricos enquadrados nos agoes ajudavam a 
 
71
 De Argos, antiga cidade do Peloponeso. O mesmo que grego. 
72
 Do grego: mancha, contaminação 
reafirmar sua verdadeira identidade como cidadãos participativos da polis ateniense. 
(pág. 79) 
 
 
 
 
 PARTE III 
A PENALIDADE 
 
1. ABORDAGENS DA PENALIDADE. 
CONSIDERAÇÕES GERAIS 
 
O estudo da punição na Atenas Clássica implica basicamente, para os estudiosos do 
direito grego, as seguintes questões: 
- Como e de que modo, o sistema de penalização interagia com a vida da polis em seu 
conjunto; 
- O que significa examinar como era o impacto das instituições e dos processos de 
punição sobre outras estruturas sociais e de que forma estas serviam pra expressar a 
construção do poder e da autoridade (pág. 83). 
- No âmbito específico da penalização na Grécia , Louis Gernet analisa a punição 
inserida em uma estrutura social ampla, a partir do simbólico. 
 Diferenças básicas entre vingança e penalização; 
- as diferentes penalidades e sua evolução no transcurso das distintas etapas da vida política e 
social 
 Ênfase às instituições que tinham a função de aplicar tais penalidades 
- Questão da voluntariedade e as diferentes posturas sobre as teorias da finalidade da punição. 
 
2. VINGANÇA VERSUS PENALIZAÇÃO 
 
Vingança Penalização 
Focada sobre um mal pessoal sofrido; 
Passional e irada; (pág. 84) 
Não existe limitação alguma; 
Produzida por um ator judicial 
imparcial que não está pessoalmente 
envolvido com a matéria e que age de 
É pessoal; 
Envolve um tom particular de 
emoção e prazer causados pelo 
sofrimento do outro. (pág. 85) 
Simples respostas a outros atos: 
não tem autoridade nem estão 
legitimados. (pág. 86) 
acordo com a lei; (pág. 84) 
Para Hart: 
“Deve ser uma ofensa às normas 
jurídicas e deve ser imposta e 
administrada por uma autoridade 
constituída pelo sistema jurídico contra o 
qual a ofensa foi cometida”73 ; 
Existe um limite conforme a 
gravidade da ofensa; 
Ajustam-se a princípios gerais – 
prima facie – que demandam punições 
idênticas em circunstâncias similares. 
(pág. 85) 
As bases de autoridade para a 
punição são legitimas e incontestáveis. 
Esta autoridade pode ser política, familiar 
ou institucional; não necessita ser criada 
por leis, mas sim ser estabelecida através 
de outros mecanismos de legitimação; 
 
 
- Autoridade: A autoridade é criada através da obediência (consenso), mas também é 
capaz de criar consenso e obediência mediante um conjunto de mecanismos racionais e 
emocionais Todo o sistema punitivo democrático estável depende disto, ou seja, legalidade, 
ação pública e imparcialidade, aceitos pela maior parte da sociedade. 
 
3. PRINCIPAIS PUNIÇÕES: EVOLUÇÃO E CARACTERÍSTICAS. 
OS EXEMPLOS DAS TRAGÉDIAS 
4. 
 
73
 In: Op. Cit. (p. 18) 
Na época anterior à formação da polis, eram consideradas infrações graves todas 
aquelas que colocavam em perigo a existência da sociedade: sacrilégio e traição. Os antigos 
recorriam então à ordalia
74
. 
- atimos: todo aquele que cometera um delito era considerado átimos, um homem 
marginalizado e separado do seu grupo social, devendo ele fugir por estar sujeito à 
lapidação
75
, escárnio
76
 e golpes. (pág. 86). 
Tinha o valor de uma humilhação nos tempos anteriores a Sólon. (pág. 87) 
- Estabelecimento da cidade: a atimia se converte em uma penailidade imnposta por 
lei: no direito Ático ela é definida como a privação do exercício de todos os seus direitos 
ligados à condição de cidadania (ou de uma parte deles). 
Na polis clássica, a atimia adquire o sentido jurídico de degradação. Neste sentido, 
reconhece-se: 1. Uma atimia que proíbe temporariamente o exercício dos direitos de 
cidadania; 2. Uma atimia perdurável, subdividida em duas partes: parcial e total. (pág. 87) 
- Marcando a estreita relação entre direito e religião, outra forma de penalidade, as 
arai
77
 ou imprecações
78
, aparece escrita na lei ou proferida publicamente: por este 
mecanismo de punição o culpável poderia estar sujeito à excomunhão imediata e severa, 
frequentemente hereditária. 
- Outra das penalidades a que faremos menção, pouco usual e somente aplicável a 
casos extremos de traição contra o Estado era a lapidação. (pág. 90) 
Pouco frequente entre os atenienses, somente aplicado em casos extremos, tais como 
prodosia
79
 ou antagonismos políticos. (pág. 91) 
Aparece nos mitos e textos trágicos com características singulares em sua aplicação: 
contra as adúlteras, contra o incesto, contra o poder estabelecido. (pág. 92) 
- Para Heródoto a punição passa a ser, então, a partir desta ótica, um ato instintivo, 
violento e coletivo que a comunidade usava para (pág. 90) penalizar os traidores da pátria. 
- Para Licurgo a punição aprece aqui com um elemento importante: a legalidade. A 
inclusão do termo psêphisma (decreto), como afirma Rosivach,
80
 indica que a lapidação de 
 
74
 Ordálio ou ordália é um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do acusado 
por meio da participação de elementos da natureza e cujo resultado é interpretado como um juízo 
divino. Também é conhecido como juízo de Deus (judicium Dei, em latim). 
75
 Suplício que consistia no apedrejamento do criminoso 
76
 Aquilo que se diz ou faz para zoar (caçoar) alguém ou alguma coisa; caçoada ou zombaria: as cantigas que 
ficaram famosas foram as de escárnio e de maldizer. Comportamento que demonstra desdém por (algo ou 
alguém); menosprezo. 
77
 Do grego: oração 
78
 Ato de imprecar; maldição, praga 
79
 Delitos que afetavam a vida interna ou externa do Estado. 
Lícides não fora um ato coletivo e espontâneo, massim a aplicação racional de um processo 
legal. 
- As tragédias mencionam casos de lapidação por traição ou ameaça de traição, como 
Heraclidas, de Eurípedes, Os Sete contra Tebas, de Ésquilo, e Antígona, de Sófocles. 
- Inscrições em pedras: Não se pode esquecer das inscrições em pedras ou emplacas 
de bronze, uma forma eficaz de assegurar a publicação das condenações. Expostas à vista de 
todos, reservava-se um lugar, ao lado das disposições das leis, para inserir os nomes de todos 
aqueles que tinham delinquido. (pág. 93) 
 
- ataphia : Ligada à atimia, a privação de sepultura (ataphia) era prevista para traidores e 
ladrões. Esta era uma forma excessiva de privação da honra, devido à importância que os 
costumes e rituais funerários tinham para a cultura grega. (pág. 93) 
- precipitação: é certo que segundo um decreto proposto por Canonos, 
aproximadamente na metade do século V, seria morto mediante precipitação aquele que fosse 
condenado por (pág. 93) delitos políticos. Deste modo, assinala Xenofonte: “Se alguém tiver 
cometido um delito contra o povo dos atenienses, que seja julgado e acorrentado diante do 
povo e, se condenado, que seja jogado no barathron
81
. (pág. 94) 
- Envenenamento: O envenenamento com cicuta transforma-se em alternativa em 
relação à morte por lapidação ou precipitação: eis a famigerada morte doce que, introduzida 
em Atenas, consagrou-se como privilégio concedido a poucas pessoas. (pág. 94) 
- Prisão: No que concerne à prisão, convém salientar incialmente que nunca se tratou 
de uma penalidade estabelecida pela lei. Atenienses empobrecidos que não podiam pagar 
suas multas ficavam na prisão durante um determinado período, até que pagassem suas 
dívidas. Aliás, a função primária do cárcere, coincide com o exílio: afastar-se do alcance 
social aquele que delinquiu. (pág. 94) 
- Multa: Por último, consideraremos brevemente o pagamento de multas como 
penalidade leve. Aplicada nos seguintes casos: 1. Pelo uso de linguagem abusiva (dikê 
kakegorias); 2. Por dano intencional (blabê); 3. Pela violação de uma mulher livre; 4. Por 
abuso ou negligência dos deveres oficiais. (pág. 95) 
 
5. A EXECUÇÃO DA PUNIÇÃO: AS INSTITUIÇÕES 
 
 
80
 ROSIVACH, Vincent (1987, p.238) 
81
 um abismo, abismo, golfo, 
Os veredictos e penalidades eram decididos por tribunais populares, chamados 
dikasteria
82
, cujo quórum, eleito por sorteio, oscilava entre 200 e 1000. Uma exceção era o 
homicídio, cuja sanção estava a cargo dos cinco tribunais especiais, presididos pelos 
primeiros arcontes
83
. Com a exceção do Aerópago, que tinha jurisdicção sobre casos de 
homicídio intencional, incêndio premeditado, envenenamento e ofensas religiosas, os outros 
tribunais eram presididos por um grupo de 51 juízes, conhecidos como ephetai, cuja 
identidade não está bem determinada. (pág. 95). 
No período clássico o Aerópago tinha a reputação de ser “a última instância em 
Atenas.” Licurgo chama o tribunal de “ (...) a forma superior da Grécia” e Lísias destaca que 
esse tribunal é tão superior a todos os outros que mesmo os homens condenados por ele 
concordam que seus veredictos são justos. 
Quanto às ações, são significativas duas distinções: a primeira é aquela que diferencia 
os casos públicos dos casos privados. (pág. 96) 
Casos públicos Casos privados 
granphai – se realizam perante um 
júri formado por quinhentos cidadãos. 
(pág. 96) 
dikai – Tinham lugar em caso de 
homicídio (considerado um caso privado) 
e de roubo, o qual poderia ser considerado 
caso público ou privado (pág. 97) 
 A segunda distinção baseia-se em duas modalidades diferentes de sentenciar um caso. 
timesis agon atimetos 
Tanto o demandante como o 
acusado propunham uma sentença perante 
o tribunal e, após uma discussão, 
votavam-se as duas opções. Procedimento 
de estimação. (pág. 97) 
Sem estimação (avaliação), 
poderia ser deixada a pena para a 
discrição dos juízes, determinada em 
adiantado, por uma lei, pela jurisprudência 
do tribunal ou por um acordo entre as 
partes. Este procedimento era chamado 
agon atimetos, e a sentença condenatória 
implicava pena, sem outra formalidade. 
(pág. 97) 
 
82
 Do grego: tribunais 
83
 Dentre os cinco tribunais encarregados do homicídio os mais importantes eram o Aerópago, o Palladium e o 
Delphinion. Do Pritaneo e Phreato conhecem-se, na realidade, poucos dados. Demóstenes (23, 73-74) une o 
Aerópago ao Palladiun, apontando que são “two tribunals of great antiquity and high characte” e define o 
Delphinion como a “triad aside from these two courts whose usages are still more sacred and awe-inspiring” 
A legislação aplicada pelos tribunais fundamentava-se na opinião comum e nas teorias 
dos filósofos, nas ideias de correção, reparação, intimidação e defesa social. O procedimento e 
a punição diferiam segundo a condição jurídica das partes: se fossem cidadãos (punições 
tratadas anteriormente) ou escravos. Neste último caso, era comum o flagelo. A notificação da 
sentença dava-se por escrito e era entregue aos magistrados competentes, aos Onze, aos 
oficiais administrativos ou a outros, fosse o algoz ou aqueles encarregados de confiscar os 
bens do acusado. (pág. 97) 
 
6. VOLUNTÁRIO-INVOLUNTÁRIO COMO CATERGORIAS JURÍDICAS. A 
CONTRIBUIÇÃO DA SOFÍSTICA 
 
Estudiosos do direito grego, em particular, do direito ático, coincidem em afirmar que o 
problema da responsabilidade individual, da intencionalidade ou voluntariedade em 
qualquer ato ilícito constitui a essência mesma e a base fundamental do direito penal. 
- Responsabilidade Jurídica – ou seja, o grau de compromisso (seja autoria ou 
cumplicidade) que cabe a um indivíduo que cometeu um delito e sua correspondente sanção, 
outorgada por uma autoridade legitimamente constituída em um contexto organizado 
juridicamente
84
. 
- Distinção voluntário-involuntário: aparece definitivamente adquirida na sociedade 
como categoria jurídica quando as representações da polis dominam e regulam as 
representações familiares: é o Estado quem não somente define o equilíbrio entre ambas as 
forças, mas também impõe uma ordem sistemática às crenças. (pág. 98) 
- Com a evolução do pensamento, o indivíduo delineia-se como um ser autônomo na 
realização de seus atos, e o direito, sob o poder de Dracon e regulado agora pelo nomos, 
ordena e classifica diferentes órgãos institucionais destinados a julgar os atos cometidos, 
atribuindo-lhes diferentes faculdades segundo se trate de faltas voluntárias, premeditadas ou 
involuntárias. 
- Nesta nova realidade social (pág. 99): 
 
 
84
 Para esta distinção remetemos a HART, Herbert (1968). Tratando-se em particular de um texto literário, é 
necessário pontuar que a sanção ou castigo correspondente à falta cometida está somente dentro dos limites 
do discurso, já que nenhuma execução ocorria realmente na cena trágica. Esta ausência não invalida, porém, a 
consideração das tragédias como fontes incontestáveis e fundamentais para o estudo de questões jurídicas e 
legais do século V Ateniense. 
hekon (hekousios) e pronoia
85
 akôn 
Ideia de intenção e de vontade é 
expressa através dos termos hekon 
(hekousios) e pronoia. 
No que tange a hekon, há 
divergências acerca dos alcances e 
significados da vontade: para alguns 
estudiosos do direito grego, Dracon não 
distingue intenção de premeditação e 
confere à hekon ambos os sentidos,empregando-se, com efeito, hekon e 
pronoia indistintamente. (pág. 99) 
A involuntariedade, entretanto, 
verifica-se com uma única expressão: 
akon. 
Outros, ao contrário, assinalam que na realidade, Dracon diferencia três tipos de 
homicídio, segundo a atitude psicológica do homicida. Naturalmente, das três categorias, a 
menos grave e que tem maiores possibilidades de obter o perdão é a última: akôn. 
 
- akôn: os diferentes usos de akôn em dramaturgos e historiadores do período clássico 
revelam os diferentes significados do termo: ausência completa de algo, falta, negligência, 
imprudência, erro ou ignorância. 
- Distinção voluntário-involuntário: A distinção voluntário-involuntário 
engendrara-se lentamente antes de Dracon, sendo elaborada no domínio da justiça familiar ou 
interfamiliar. A distinção é baseada em um princípio, em juízos de valor que traduzem o 
estado de uma sociedade. (pág. 100) 
- Para Gernet: Entre os gregos, uma necessidade de universalidade entre hekon 
adikein e akon adikein, uma vez organizado plenamente o direito na polis e considerado o 
termo adikeîn como o mais significativo para determinar um princípio geral de incriminação. 
(pág. 101) 
- A sofística : Com a chegada da sofística como fenômeno cultural, as questões 
relativas ao problema da responsabilidade nas argumentações de defesa adquirem novas 
matizes. Nesta perspectiva, precisamente, a práxis do agoreuiem segue como uma forma de 
ação política que permite o desenvolvimento de raciocínios capazes de definir os interesses e 
 
85
 A pronoia é um conhecimento, uma intelecção feita de antemão, uma pre-meditação. Na palavra hekon, de 
grau, está implícita a ideia pura e simples de intenção, concebida sem nenhuma análise prévia. Entretanto, 
segundo a análise de VERNANT, Jean-Pierre (1980, p. 58) ambas as categorias são intercambiáveis na legislação 
draconiana. 
os valores da sociedade. Por esta razão, o logos
86
 constitui a condição fundamental para o 
(pág. 101) exercício da política, da retórica e do direito. 
- Segundo Górgias: Somente se é responsável por um ato ilícito quando existe 
intenção. (pág. 102) 
 
- Platão e Aristóteles: a noção de involuntário adquire novos significados, que depois 
sistematizarão as obras de Platão e Aristóteles
87
. (pág. 103) 
- as discussões dialéticas sobre a responsabilidade fomentavam a excessiva elaboração 
e sofisticação dos argumentos de defesa. Por sua vez, estes argumentos constituíam um 
esforço importante para elucidar fatos e causas a partir dos quais atenienses tentavam fixar as 
bases para uma justiça mais clemente. (pág. 103) 
- Tragédias: As estreitas relações entre ambos os âmbitos (oratória e drama) permitem 
uma leitura da tragédia que a identifica – principalmente nos agões – com as práticas 
forenses; da mesma forma, as situações de índole judicial formuladas na retórica do fim do 
século evidenciam o problema da involuntariedade. (pág. 103) 
- As manifestações e justificações de um ato involuntário definem-se assim, a partir de 
vários aspectos: a ignorância: (agnoia
88
, de origem religiosa), a compulsão (bia
89
) do amor 
(eros
90
) ou enfermidade (nosos). Em outra perspectiva, as discussões acerca de uma ação 
definida como involuntária estabelecem diferentes (pág. 103) critérios para avaliar o papel do 
agressor e da vítima: o suposto agente responsável por uma ação torna-se – devido à 
argumentação retórica – o verdadeiro “sofredor”, ou seja, a vítima forçada pelas 
circunstâncias. 
Sob tais circunstâncias, as tragédias revelaram-se, nos discursos de defesa das 
personagens, uma série de atenuantes que tendem a conseguir a absolvição de suas penas. 
(pág. 103) 
- Entretanto, na retórica de Górgias e nos escritos de Antífone, ambos os sofistas de 
fins do século V, é possível perceber uma inversão dos critérios de responsabilidade 
 
86
 O logos (do grego: razão), significava inicialmente a palavra escrita ou falada – o verbo. Mas a partir de 
filósofos gregos, como Heráclito, passou a ter um significado mais amplo. Logos passa a ser um conceito 
filosófico traduzido como razão, tanto como a capacidade de racionalização individual ou como um princípio 
cósmico da Ordem e Beleza. 
87
 Sabemos que a especulação filosófica teve um papel fundamental na história do direito grego. Aristóteles, 
como Platão, distingue claramente três tipos de atos ilícitos: os cometidos por erro (hamartemata), ato injusto 
cometido sem premeditação e ato injusto cometido com premeditação e voluntariedade (adikemata). Platão 
distingue entre ato involuntário, ato cometido com impetuosidade (thymô) e ato premeditado. 
88
 Do grego: ignorância. 
89
 Do grego: violência, força física, força, restringir. 
90
 Do grego: amor, desejo. 
anteriormente expostos. Em primeiro lugar, tratando-se de Antífone convém analisar a 
Terceira Tetralogia. Nessa obra, um jovem, depois de se envolver em uma luta com o ancião, 
o mata. A situação parece deste modo, enquadrada em um caso de “homicídio justificado” ou 
de legitima defesa, embora a argumentação do acusado (ou a da sua defesa) aponte para a 
“involuntariedade” da sua ação. Mas o que nos interessa mencionar neste caso é a inversão 
dos critérios de responsabilidade: resulta ser a vítima que, atuando de forma voluntária, impôs 
a condição para a própria morte. O agente que cometeu a ação ilícita (o homicídio) é, ao 
contrário, quem “sofreu involuntariamente” um infortúnio. (pág. 104 e 105) 
 
7. AS TEORIAS SOBRE A FINALIDADE DA PUNIÇÃO: 
UTILITARISMO E RETRIBUCIONISMO 
 
Na época clássica, os gregos necessitavam justificar a sua legislação penal e, a esse 
respeito, os filósofos davam estas explicações: 
1. A pena é punição, uma correção que tem por finalidade punir o culpável (kolasis); 
2. A pena é a reparação de uma ofensa (timôria
91
) e tem por finalidade devolver a 
ofensa com todas as satisfações às quais se tem direito; 
3. A pena é um ato de intimidação, uma lição dada aos que delinquem (paradeigma
92
) 
e tem por objetivo dissuadir, mediante a expectativa de um sofrimento, qualquer um que 
queira cometer algo prejudicial para o interesse público. (pág. 106) 
UTILITARISMO RETRIBUCIONISMO 
Uma justificativa clássica para a 
prática da punição fundamenta-se nas 
consequências benéficas que sua 
aplicação produziria em uma determinada 
comunidade (utilitarismo). (pág. 106) 
 
Aristóteles: trata a pena como 
uma medicina para a dissipação e a 
injustiça; (pág. 109) 
 
Uma réplica clara a esse utilitarismo 
insiste na possibilidade de que infligir uma 
punição aos transgressores seja algo valioso em 
si mesmo (retribucionismo). 
Como foi assinalado, o direito penal 
grego, em suas origens, é essencialmente 
retribucionista. (pág. 106) 
Segundo Kelsen
94
, temos aqui a 
primeira afirmação de uma lei imanente que 
governa o universo, análoga à lei de 
 
91
 Do latim: medos 
92
 Do grego: exemplo 
94
 KELSEN, Hans (2000) 
A pena é, então, um “ato de 
necessidade”, e o criminosos deve ser 
punido segundo a proporção da lesão 
causada; a medida para a pena deve ser 
consequentemente, proporcional à 
gravidade da infração cometida. Sua 
teoria é, basicamente, distributiva e 
corretiva 
 
 Contudo, os séculos posteriores 
testemunharam uma mudança voltada 
para a compreensão, a indulgência e a 
philantropia
93
 (pág. 110). Modernamente, 
estas questões se ajustam nas palavras dos 
juristas e filósofos da punição. Cesare 
Beccaria afirma a respeito:

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