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LIVRO- SOLO, PLANTA E ATMOSFERA = Capitulo 18

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ANÁLISE DIMENSIONAL
INTRODUÇÃO
A análise dimensional refere-se ao estudo das
dimensões que caracterizam as grandezas físicas,
como massa, força e energia. A Mecânica Clássica
baseia-se em três grandezas fundamentais, com
dimensões MLT, a massa M, o comprimento L e
o tempo T. Da combinação destas, surgem as
grandezas derivadas, como o volume, a veloci-
dade e a força, de dimensões U, LT-1e MLT-2,res-
pectivamente. Nas outras áreas da Física, são
definidas outras quatro grandezas fundamentais,
entre elas a temperatura e e a corrente elétrica I.
Para introduzir o assunto da análise dimen-
sional, vejamos um exemplo clássico da literatura
romântica: Dean Swift, em As aventuras de
Gulliver descreve as viagens imaginárias de
Lemuel Gulliver aos reinos de Liliput e Brobding-
nag. Nesses dois lugares a vida era perfeitamente
idêntica à dos homens normais, mas suas dimen-
sões geométricas eram diferentes. Em Liliput, os
homens, as casas, o gado, as árvores eram doze
vezes menores do que no país de Gulliver, e em
Brobdingnag era tudo doze vezes maior. O ho-
mem de Liliput era um modelo geométrico de
18
Gulliver em escala 1:12, e o homem de Brobding-
nag era um modelo em escala 12: 1.
Pode-se chegar a interessantes constatações a
respeito desses dois reinos fazendo uma análise
dimensional. Muito antes de As aventuras de
Gulliver terem sido escritas, Galileu já afirmara
que os modelos ampliados ou reduzidos de ho-
mens não poderiam ser como somos. O corpo
humano é constituído de colunas, tirantes, ossos
e músculos. O peso do corpo que a estrutura (es-
queleto) deve sustentar é proporcional ao seu pró-
prio volume, isto é, aU, ao passo que a resistência
de um osso à compressão ou de um músculo à
tração é proporcional a U.
Comparemos Gulliver com o gigante de Brob-
dingnag, que tem cada uma de suas dimensões li-
neares 12 vezes maiores. A resistência de suas
pernas seria 144 vezes maior do que a das de
Gulliver, o seu peso 1.728 vezes maior. A relação
resistência/peso do gigante seria 12 vezes menor
do que a nossa. Para sustentar seu próprio peso,
teria de fazer um esforço equivalente ao que tería-
mos de fazer para carregar onze homens às costas.
Galileu tratou com clareza esses problemas
usando argumentos que refutam a possibilidade
424 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
da existência de gigantes de aspecto normal. Se
quiséssemos manter em um gigante a mesma pro-
porção de membros que em um homem normal,
ter-se-ia de usar um material mais duro e forte
para constituir os ossos ou ter-se-ia de admitir
uma diminuição de sua resistência em compara-
ção com a de um homem de estatura normal. Por
outro lado, se o tamanho de um corpo for dimi-
nuído, sua resistência não diminuiria na mesma
proporção; quanto menor o corpo tanto maior
sua resistência relativa. Assim, um cachorrinho
poderia, provavelmente, carregar sobre as costas
dois ou três cachorrinhos de seu próprio tama-
nho; já um elefante não poderia carregar nem
sequer outro elefante de seu próprio tamanho.
Analisemos agora um problema dos liliputia-
nos. O calor que um corpo vivo perde para o am-
biente se dá, sobretudo, através da pele. Esse fluxo
de calor é proporcional à área de superfície
recoberta pela pele, isto é, à V, desde que sejam
mantidas constantes a temperatura do corpo, as
características da pele etc. Essa energia dissipada,
assim como a energia gasta nos movimentos, pro-
vém dos alimentos ingeridos. Portanto, a quanti-
dade mínima de alimento a ser consumido é
proporcional a V. Se um homem como Gulliver
pudesse se alimentar durante um dia com, diga-
mos, um frango, um pão e uma fruta, um lilipu-
tiano necessitaria de um volume de alimento (l/
12)2 vezes menor. Mas um frango, um pão e uma
fruta, reduzidos à escala de seu mundo, teriam um
volume (1/12)3 vezes menor. Portanto, ele precisa-
ria de uma dúzia de frangos, uma dúzia de pães e
uma dúzia de frutas por dia para sentir-se tão bem
alimentado como Gulliver com um de cada deles.
Os liliputianos deveriam ser um povo irri-
quieto e faminto. Essas qualidades se encontram
em muitos mamíferos pequenos, como os ratos.
É interessante notar que não há animais de san-
gue quente muito menores que os ratos, talvez
porque, de acordo com as leis de escala discuti-
das, esses animais seriam obrigados a ingerir uma
quantidade tão grande de alimentos que se tor-
naria impossível a sua obtenção ou, mesmo, a sua
digestão em tempo hábil.
De tudo o que vimos, é importante frisar que,
embora Brobdingnag e Liliput sejam modelos
geométricos de nosso mundo, não poderiam ser
modelos físicos, pois não encontraríamos ali com-
pleta semelhança física como nos fenômenos na-
turais. Para viabilizar os modelos, seria preciso
que as variáveis fossem ajustadas conveniente-
mente. No caso de Brobdingnag, por exemplo, o
gigante poderia muito bem sustentar seu peso,
mesmo possuindo a estrutura dos humanos, se
estivesse vivendo em um planeta em que a acele-
ração gravitacional fosse 1/12 g.
GRANDEZAS FíSICAS E
ANÁLISE DIMENSIONAL
Os parâmetros que caracterizam os fenôme-
nos físicos se relacionam por meio de leis, em
geral, quantitativas, nas quais eles comparecem
como medidas das grandezas físicas consideradas.
A medida de uma grandeza resulta da compara-
ção desta com outra do mesmo tipo, denomina-
da unidade. Assim, uma grandeza (G) é dada por
dois fatores, em que um é a razão entre os valores
das grandezas consideradas ou medidas (M) e o
outro é a unidade (U). Dessa forma, quando es-
crevemos V = 50 m", a razão entre as grandezas é
50, a grandeza considerada é o volume e a unida-
de, o m". Uma grandeza G pode, portanto, ser
generalizada pela expressão:
G=M(G)·U(G)
sendo M(G) a medida de G e U(G) a unidade de
G. Além disso, utiliza-se o símbolo dimensional
da grandeza G, uma combinação das grandezas
ANÁLISE DIMENSIONAL I 425
Grandeza Símbolo dimensional
Área
Velocidade
Força
Pressão
Vazão
fundamentais, simbolizadas por letras maiúsculas.
Alguns exemplos, usando as grandezas fundamen-
tais MLT (massa, comprimento, tempo) são mos-
trados acima.
Sistemas de unidades contêm unidades fun-
damentais e derivadas estabelecidas de forma co-
erente. O sistema internacional de unidades SI é
coerente e é o único sistema de unidades legal no
Brasil. As sete unidades fundamentais desse sis-
tema e seus respectivos padrões são:
a) Massa (M): quilograma (kg): é a massa do
protótipo internacional do quilograma,
construí do em platina irradiada, conser-
vado no Bureau Internacional de Pesos e
Medidas em Sevres, França;
b) Comprimento (L): metro (rn): é o com-
primento igual a 1.650.763,73 comprimen-
tos de onda da radiação correspondente à
transição entre os níveis 2PlOe 5ds do áto-
mo 86Kr,no vácuo;
c) Tempo (T): segundo (s): é a duração de
9.192.631.770 períodos de radiação corres-
pondente à transição entre os dois níveis
hiperfinos do estado fundamental do 133Cs;
d) Corrente Elétrica (I): Ampere (A): é a
intensidade de uma corrente elétrica
constante mantida em dois condutores
paralelos, retilíneos, de comprimento in-
finito, de seção circular desprezível e si-
tuados a distância de 1 metro no vácuo,
que produz, entre estes condutores, uma
L2
LT'
MLT2
ML-1T2
L3T'
força igual a 2 X 10-7 Newton por metro
de comprimento;
e) Temperatura Termodinâmica (8): Kelvin
(K): é a fração 1/273,16 da temperatura
termodinâmica do ponto triplo da água;
f) Intensidade Luminosa (Iv): candela (cd):
é a intensidade luminosa, na direção per-
pendicular, de uma superfície de 11
600.000 m2 de um corpo negro à tempe-
ratura de solidificação da platina sob pres-
são de 101.325 N . m",
g) Quantidade de Matéria (N): mol (rnol): é a
quantidade de matéria de um sistema con-
tendo tantas unidades elementares quantos
átomos existentes em 0,012 kg de 12C.
As grandezas físicas são grandezas que se re-
lacionam entresi de tal forma que ocorrem os
mesmos tipos de relações com as unidades des-
sas grandezas, pois estas são valores particulares
daquelas. Assim, por exemplo, se considerarmos
a 2ª Lei de Newton, podemos escrever:
F=m·a
em que m é a massa de uma partícula e a sua ace-
leração. Para as unidades dessas grandezas, po-
demos escrever que:
U(F) = U'(rn) X U(a)
em que U(F), U(m) e U(a) são as unidades de
força, massa e aceleração, respectivamente.
426 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
A equação anterior, que relaciona símbolos
dimensionais, é dimensional e os expoentes de m
e de a, respectivamente, 1 e 1, definem a dimen-
são da força em relação à massa e à aceleração.
De forma geral, se G é uma grandeza que tem
expoentes a em relação a X, b em relação a Y, c
em relação a Z etc., podemos escrever:
G = kX' .yb . zc .
em que k é uma constante adimensional.
Uma equação física verdadeira deve ser ho-
mogênea em relação aos expoentes de cada mem-
bro da equação, a fim de que representem as
relações que realmente existem entre as grande-
zas consideradas. Esse critério representa uma
condição necessária para que toda equação física
seja verdadeira e é denominado princípio da ho-
mogeneidade dimensional.
"Uma equação física não pode ser verdadeira
se não for dimensionalmente homogênea."
Se, por exemplo, não tivéssemos certeza da
fórmula F = m . a, poderíamos fazer a prova. Pelo
menos precisamos admitir que F é uma função
de m e de a. Assim:
G = kX' .yb ou F = k m' . a"
como F tem dimensões MLT-2, o segundo mem-
bro também deve ter dimensões MLT-2 pelo cri-
tério de homogeneidade, isto é:
espaço S percorrido por um corpo em queda livre
a partir do repouso, admitindo-se que S é função
do peso do corpo p (uma força!), da aceleração da
gravidade g e do tempo t. Nesse caso:
S = k . p' . gb . t'
L = k(M . L .T2)" • (L. T2)b . (T)'
L = k . Ma . L (a+b) • T(-2a-2b+c)
e assim: a = O; (a + b) = 1; b = 1; (-2a - 2b + c) = O;
c = 2, para que o segundo membro também te-
nha dimensões L. Finalmente:
Skol212= . P .g . t = -g .t
2
que é a fórmula bem conhecida da queda dos cor-
pos, na qual k= 1/2. Note-se que assumimos erro-
neamente que S é uma função de p e como não é,
apareceu a potência zero: p" = l.
Os produtos de variáveis P são quaisquer pro-
dutos das variáveis que envolvem um fenômeno,
cada uma elevada a um expoente inteiro. Acaba-
mos de ver que a queda dos corpos envolve S, g e
t. Com essas variáveis podemos fazer vários pro-
dutos dimensionais, como:
P S2 -21 = . t . g,
com dimensões L2. T2 • L .T2 = L3 • T-4
P2 = SO • t2 • g,
com dimensões 1· T2 • L .T2 = L
P S-3 43 = . t . g,
lembrando que as dimensões de a são LT-2. Assim: com dimensões L-3• T4 . L. T -2= L-2 . T2
MT-2 = k Ma . p .T-2b. Daí vê-se que as únicas
possibilidades são k = 1; a = 1 e b = 1, resultando
MLT-2 = MLT-2 e, conseqüentemente, F = m.a. Ve- P4 = 5-
2 . e . g',
jamos mais um exemplo: como seria a equação do com dimensões L-2. T4 . (L. T2)2=Lo. TO=l
Toda vez que um produto escolhido é adi-
mensional, como foi P4' esse é chamado de pro-
duto adimensional, simbolizado por n, no caso,
P4 = 1t4• Pelo Teorema dos n, dadas n grandezas
dimensionais Gj) G2, •••• , Gn, obtidas por produ-
tos de k grandezas fundamentais, se um fenôme-
no pode ser expresso por uma função F(Gp G2,
...., Gn) = 0, ele também pode ser descrito por uma
função <1>(1tI, 1t2, •••• , 1tn-k) = o. Em Mecânica dos
Fluidos, por exemplo, ao estudar o escoamento
de um líquido em torno de um obstáculo fixo,
temos as seguintes variáveis:
Gj=p,
G2 =v,
G3= D,
G4 = 11,
Gs=F,
massa específica do líquido;
velocidade do líquido;
diâmetro do obstáculo;
viscosidade do líquido;
força sobre o obstáculo.
que descrevem o fenômeno por uma equação do
tipo F(Gp G2, G3, G4, G5) = 0, que envolve cinco
variáveis. Como as k fundamentais são três, o
mesmo fenômeno pode ser descrito por uma fun-
ção <1>(1tp 1t2) = 0, com duas variáveis apenas. Isso
significa que de cinco variáveis G, passamos a
5 - 3 = 2 variáveis 1t, o que simplifica a descrição
do fenômeno. Nesse caso, os dois produtos adi-
mensionais mais adequados são:
p. v.D ° ° °n, = --- ---?M L T = 1 ---?Número de Reynolds
!l
F
1t2 = 2 2 ---? MOCTO = 1 ---? Coeficiente de arrastep /2vD
SEMELHANÇA FíSICA
o problema abordado na introdução sobre
os reinos de Liliput e Brobdingnag é de semelhan-
ça física. Sempre que se trabalha com modelos
ANÁLISE DIMENSIONAL 427
de objetos em escalas diferentes, é necessário que
haja semelhança física entre o modelo (protóti-
po, em geral menor) e o objeto real em estudo.
Dependendo do caso, falamos em semelhança
cinemática, que envolve relações de velocidade e
de aceleração entre o modelo e o objeto ou em
semelhança dinâmica, que envolve relações entre
as forças que atuam no modelo e no objeto. Na
análise de semelhança são utilizados produtos
adimensionais n, como os "números" de Euler, de
Reynolds, de Froude e de Mach.
Assim, para objeto e protótipo, temos:
OBJETO:
F(Gp G2, ••• ,GJ = °~ <1>(1tp 1t2, • ··,1tn_k) = °
PROTÓTIPO:
sendo que os Gj podem ser diferentes dos G'j. Só
haverá semelhança física entre o objeto e o pro-
tótipo, se 1t1 = 1t' I; 1t2 = 1t' 2; ••• ; 1tn_k = 1t' n-k- Em nos-
so exemplo de fluido em torno de obstáculo para
haver semelhança entre o objeto e um possível
protótipo, teríamos:
Nº Reynolds do objeto =
Nº de Reynolds do protótipo
Coeficiente de arraste do objeto =
Coeficiente de arraste do protótipo
Essa análise de semelhança é muito usada em
hidrodinâmica, máquinas etc. e não tem muita
aplicação em nosso sistema solo-planta-at-
mosfera. Exceção é o trabalho de Shukla et al.
(2002) que emprega os produtos adimensionais
rt em um trabalho de deslocamento miscível em
solos. Os textos de Maia (1960), Fox &McDonald
(1995) e Carneiro (1996) abordam com proprie-
dade esse assunto.
428 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
GRANDEZAS ADIMENSIONAIS
São grandezas obtidas a partir de produtos
adimensionais n, que possuem um valor numé-
rico k, cuja dimensão é 1:
MOLOTOKO= 1
Além dos casos já vistos, é comum o apareci-
mento de grandezas adimensionais por meio da
relação entre duas grandezas G1 e G2 de mesma
dimensão: GJ G2 = rt. É o caso do próprio núme-
ro rt = 3,1416 ....., resultado da divisão do com-
primento 7tD de qualquer círculo (dimensão L)
pelo respectivo diâmetro D (dimensão L).
No SSPA,várias grandezas são adimensionais
por natureza e são representadas em porcenta-
gem (%) ou partes por milhão (ppm), em desuso
hoje. As umidades u, 8 e as porosidades (X, ~ defi-
nidas no Capítulo 3, equações 3.14, 3.15, 3.12,
3.30, respectivamente, são exemplos de grande-
zas 7t.Lá foi dito que é importante manter as re-
lações das unidades (kg . kg', m3• m') para que
possa ser vista a diferença entre elas.
Importante é a adimensionalização de gran-
dezas, com objetivo determinado. O caso mais
simples é dividir a grandeza por ela mesmo, em
duas condições diferentes. Por exemplo, experi-
mentos em colunas de solo são muito comuns e
cada pesquisador usa um comprimento diferen-
te L m (obs.: este L não é o L da dimensão com-
primento). Como comparar ou generalizar
resultados? Se a coordenada x ou z (distância ao
longo da coluna) for dividida pelo comprimento
máximo L, aparece uma nova variável adimen-
sional X = x/L, com a vantagem de que, para qual-
quer comprimento L, em x = O, X = O; em x = L,
X = 1, variando, portanto, no intervalo O a 1, o
que é uma grande vantagem.
Esse mesmo procedimento pode ser utiliza-
do para grandezas que já são adimensionais, como
a umidade do solo 8. Se dividirmos (8 - 8,) pelo
seu intervalo de variação (80 - 85), em que 85 e 80
são as umidades residual quando seco e de satu-
ração, respectivamente, teremos uma nova variá-
vel e = (8 - 8,)/(80 - 8,), cujo valor é e = Opara
8 = 85 (solo seco) e e = 1 para8 = 80 (solo
saturado). Assim, para qualquer solo, e varia de
O a 1 e comparações podem ser feitas mais ade-
quadamente.
Dividir uma variável G por seu valor máxi-
mo Gmax (ou seu intervalo de variação) é uma téc-
nica muito empregada. Por exemplo, na Figura
4.1 (modelo sigmoidal para acúmulo de matéria
seca) do Capítulo 4, tanto a ordenada y como a
abscissa x poderiam ser adimensionalizadas por
y = MS/MSmax e x = GD/GDmax, e a Figura 4.1
(Capítulo 4) ficaria generalizada, abrindo a pos-
sibilidade de comparar curvas de crescimento de
diferentes culturas.
PRINCIPAIS GRANDEZAS NO
SISTEMA SOLO-PLANTA-
ATMOSFERA
Neste item listaremos as principais grande-
zas físico-químicas utilizadas na descrição do Sis-
tema Solo-Planta-Atmosfera SSPA,indicando
sua fórmula dimensional e unidade no sistema
internacional SI. Como já foi dito, o uso do SI é
obrigatório, mas, mesmo assim, apresentaremos
outras unidades em uso rotineiro pela comuni-
dade científica agronômica. Para comprimento,
por exemplo, a unidade é o metro m, mas em
muitos casos, para que os valores não fiquem
muito pequenos ou grandes, lança-se mão dos
múltiplos e submúltiplos, o que é permitido: km,
mm, um, nm etc. Estritamente proibido é o uso
de unidades fora do sistema métrico, como a po-
a
legada (inch), a milha, o angstrom, A. Nos
submúltiplos do m, o uso do centímetro, em, é
Quadro 18.1. Múltiplos e submúltiplos do Sistema Internacional.
problemático pelo fato de pertencer a outro sis-
tema, o CGS, e ser um submúltiplo da ordem 10-2.
Mesmo assim, por conveniência, ele é muito usa-
do, inclusive neste texto.
No caso do tempo, a unidade é o segundo, s, e
apenas os submúltiplos pertencem ao sistema de-
cimal, como o us, ns ete. Os múltiplos não são do
sistema decimal, uma vez que raramente se utiliza
ks,Ms. Usa-se mais os múltiplos derivados de nosso
"calendário": ano, mês, dia, hora e minuto. Em
nosso caso, como as culturas agrícolas seguem o
calendário, essas unidades serão muito emprega-
das, sobretudo, o dia. Outro fator que leva a seu
uso é o movimento relativamente lento da água,
cuja velocidade (ou taxa) fica mais bem descrita
em mm . dia-I do que em m . S-I. Por exemplo,
uma taxa típica de evapotranspiração é:
5 di -I 5 X 10-
3m 5 79 x 10-8 -Imm· Ia = = , m . s
86.400s
No caso da massa, a unidade é o kg, que já é
um múltiplo do grama, g. De qualquer forma,
pode-se usar múltiplos e submúltiplos como Mg,
mg, ug ete. Novamente, o uso do grama é proble-
ANÁLISE DIMENSIONAL 429
mático por pertencer ao CGS. Mesmo assim, seu
uso é, muitas vezes, conveniente e, por isso, é
muito utilizado neste texto. No Quadro 18.1 são
apresentados os múltiplos e submúltiplos mais
usados do Sistema Internacional SI.
O Quadro 18.2 apresenta as principais gran-
dezas empregadas no SSPA, com suas fórmulas
dimensionais. Com elas é facilitada a transfor-
mação de unidades. Por exemplo, vamos trans-
formar Newtons (força MLT2) em dinas:
1kg x í m
1N = 2
1s
A grandeza fundamental mal refere-se à
quantidade e equivale ao número de Avogadro:
6,02 x 1023. Essa quantidade é usada para
quantificar substância químicas. Assim, 1 mal
de qualquer substância corresponde à massa de
6,02 x 1023unidades dessa substância. Dizemos
que 1 mal de CaCl2 equivale a 75,5 g deste sal, e
essa massa contém 6,02 x 1023moléculas de CaCI2,
Fator Prefixo Símbolo
10'8 exa- E
10'5 peta- p
10'2 tera- T
109 giga- G
106 mega- M
103 quilo- k
10-3 mili- m
10-6 micro- 11
10-9 nano- n
10-12 pico- P
10-15 fento- f
10-18 atto- a
430 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
Quadro 18.2. Grandezas, dimensões e unidades mais utilizadas no SSPA.
Outras unidades
Grandeza Nome Dimensão Unidade SI e múltiplos
Massa quilograma M kg Mg; mg; I1g
Comprimento metro L m km; cm; mm; 11m
Tempo segundo T s min; h; d; ano
Área metro quadrado L2 m2 ha (1 ha = 10.000 rn')
Volume metro cúbico L3 m3 L (litro), mL, I1L
Freqüência hertz r' Hz cps; cpm
Umidade % peso u MM-1 kg . kq' s g-l; %
Umidade % volume 8 L3L-3 m3• m" cm3• em": %
Porosidade total do solo a
Porosidade livre de água ~ L
3L-3 m3• rn" cm3• em": %
Densidade do solo d,
Densidade das partículas dp ML-3 kg . m" Mg . rn": 9 . em"
Densidade de fluido d
Densidade de fluxo de nutrientes, j ML-2r' kg . m-2• s' mg . em" . d'
íons, gases kg . ha' . ano"
Densidade de fluxo de água; q
de chuva; p
de irrigação; L3L-2r' 3 -2 -1 mm. d-1m . m . s
de evapotranspiração; q" (m. ç') mm. h-1
condutividade hidráulica K(8)
Difusividade da água no solo D(8) L-2r'
-2 -1 cm-2. ç'm . s
Fluxo ou vazão Q L3r' m3.ç' L. h-1
Altura de água: chuva, lâmina P
d'água, armazenamento de I L m cm; mm
água no solo A,
Força newton MLr2 N Kgf, dina
Pressão pascal ML-1r2 Pa = N . rn' b = d . cm -2; atm
Trabalho
Energia joule ML2r2 J=N ·m erg = d . cm; cal
Calor (1 cal = 4,18 J)
Potência watt ML2r3 W=J·ç' cal- min'
Densidade de fluxo de calor ou
Mr3
J . S-l . rn" ou
cal· em" . rnln'
energia radiante
q
W -2·m
ANÁLISE DIMENSIONAL 431
Quadro 18.2. Grandezas, dimensões e unidades mais utilizadas no SSPA. (cont.)
Outras unidades
Grandeza Nome Dimensão Unidade SI
e múltiplos
energia/V MLT2 J . rn" = Pa atm
Potencial da água 'P energia/M LT2 J . kg-1 erg . g-l
energia/peso L J. N-1 = m mH20; cm H2O;
mm Hg
Temperatura Kelvin S K °C; °F; °R
Calor específico c L2T2-1 J . kq' . K-1 cal-q' . °c'
Calor latente L L'T2 J . kq" cal. g-l
Capacidade calorífica C ML'T2S-1 J . K-1 cal·oC-1
Entropia 5 ML2T2-1 J . K-1 cal·oC'
Velocidade v LT' rn i s" km. h-1; cm .0C'
Aceleração a LT' m· ç'
Deslocamento angular ângulo plano rad grau °
ângulo sólido sr
Velocidade angular co T' rad . ç' grau o . h-1
Gradiente de temperatura grad T SL-1 K -1 °C. crn'·m
Gradiente de potencial da água grad'P L. L-1 m. rn' cm H2O/cm
Condutividade térmica K MLT3-1 J . rn" . K-1 cal. em" . °C'
(W . rn" . K-1)
Difusividade térmica DT L'T' m'. ç' cm'. çl
Condutividade elétrica da água K s. rn' mmho. em"
Viscosidade absoluta ML-'T' N -2 -1. m . s
Viscosidade cinemática L'T' m2. s'
Tensão superficial c MT2 J . m" = N . rn'
Quantidade moi N moi rnmol. urnol
Carga elétrica coulomb C =A· s
Concentração de elemento NL-3 cmolc. drn' meq/1OOg
químico no solo NM-1 cmolc. kq
Permeabilidade intrínseca k L' m' em'
Tortuosidade LL-1 -1 em- em"m·m
Matéria seca vegetal MS ML-2 kg. rn" kg . ha': Mg . ha':
MM"' kg. kq' 9 . g-l; %
432 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
ou de íons de Ca" e o dobro de Cl, Uma solução
1M (um molar) possui 75,5 g de CaC12 por litro
de solução, e equivale a uma solução lN (um nor-
mal ou um equivalente por litro) em cálcio e 2N
em cloro. Na avaliação de concentrações iônicas
(ver Quadro 18.2) se utilizava a unidade meq/100g
de solo, que foi hoje alterada para cmole• dm"
ou cmole• kg'. Equivale, portanto, a um número
de moles de carga do elemento considerado, por
unidade de volume ou de massa de solo. Note-se
que a massa de solo não equivale a seu volume, a
diferença está na densidade do solo d., que impli-
ca um fator que varia de solo para solo, da ordem
de 1,5. Na avaliação dessa grandeza, um método
recomenda o uso de um volume (cachimbo) de
solo seco peneirado por peneira de 2 mm e, ou-
tro, o uso de uma massa de solo, digamos 50 g.
O mol também é usado para quantificar feixes
de radiações, assim, p.ex., um feixe de 6,02 x 1023
fótons de comprimento de onda 555 nm (cor
amarela) tem uma energia de 21,56 x 104 J,e equi-
vale a 1 einstein dessa radiação.
SISTEMAS DE COORDENADAS
O sistema coordenado mais comum é o
cartesiano ortogonal da Geometria Euclidiana, no
qual as três dimensões lineares x, y, z são dispos-
tas perpendicularmente entre si, como foi feito
para a equação da continuidade (equação 7.17,
Capítulo 7). Esse sistema envolve três coordena-
das de dimensão L, resultando:comprimento L
(x, y ou z), área U (xy,xz ou zy) e volume U (xyz).
Os expoentes de L indicam a "dimensão", isto é,
dimensão 1= linear; dimensão 2 = plano; dimen-
são 3 = volume, e não são admitidas dimensões
fracionárias como 1,6 ou 2,4. Como veremos a
seguir no item Geometria Fractal e Dimensão
Fractal, as dimensões fractais são fracionárias,
para as quais fica difícil sua visualização em ter-
mos do que estamos acostumados a ver: linha,
plano, volume. Até a quarta dimensão L4 fica bas-
tante "virtual". Na Física Moderna, Einstein utili-
za quatro dimensões: x, y, z, t.
No sistema de três dimensões, a posição de
um ponto fica plenamente definida pelas três co-
ordenadas lineares x, y, z, isto é, só há um ponto
A no espaço com coordenadas xA, YA, ZA- Além
desse sistema, temos vários outros, alguns de uti-
lidade na descrição do SSPA.No sistema cilíndri-
co, um ponto B no espaço é definido por duas
coordenadas lineares (altura z e um raio r) e uma
coordenada angular o: No Capítulo 14, Figura
14.4, esse sistema é esquematizado. No sistema
esférico, um ponto C no espaço é definido por
uma coordenada linear (raio r) e dois ângulos ~ e
"(.Quando o objeto em estudo é esférico, esse sis-
tema de coordenadas é vantajoso.
ESCALAS E ESCALONAMENTO
Já falamos em escalas no início deste capí-
tulo ao apresentar o problema de semelhança fí-
sica entre o objeto em estudo e o modelo. Mapas
também são elaborados em escala, por exemplo,
em uma escala 1:10.000, 1 em? de papel pode re-
presentar 10.000 rrf no campo, isto é, 1 ha. Gran-
dezas que possuem diferenças em escala não
podem ser simplesmente comparadas. Como vi-
mos, há o problema da semelhança física; mas, e
se quisermos fazer a comparação sem mudar a
escala de cada um? Uma das técnicas propostas é
a do escalonamento ou scaling, muito emprega-
da em Física de Solos. A técnica foi introduzida
na Ciência do Solo por Miller & Miller (1956),
pelo conceito de meios similares aplicado ao fluxo
"capilar" de fluidos em meios porosos. Segundo
eles, dois meios MI e M2 são similares quando as
grandezas que descrevem os processos físicos que
neles ocorrem diferem por um fator linear À, de-
Se escolhermos entre os i solos um solo pa-
drão para o qual À* = r" = 1 (um 11m, ou qual-
(18.1) quer outro valor), a constante acima fica igual a
h*r* = h", que seria o potencial matricial h" do
(18.2) solo padrão (Figura 18.2). Pela análise dimensio-
nal mostrada anteriormente, podemos ainda tor-
nar h" adimensional:
nominado comprimento microscópico caracte-
rístico, e que relaciona suas características físi-
cas. A melhor forma de visualizar o conceito é
considerar M2como uma fotografia ampliada de
MI por um fator À.Para esses meios, o diâmetro
D de uma partícula de um estaria relacionado
ao outro pela relação: D2 = ÀDI. A superfície S
dessa partícula por: S2= À2S1e seu volume V por
V2 = À3VI (Figura 18.1). Nessas condições, se
conhecermos o fluxo de água em MI>seria possí-
vel estimá-l o em M2, baseando-se em À?Utili-
zando meios porosos artificiais (microesferas de
vidro) de diversas dimensões, Klute &Wilkinson
(1958) e Wilkinson & Klute (1959) obtiveram
resultados sobre curva de retenção e condutivi-
dade hidráulica desses meios, que sustentavam
muito bem a teoria dos meios similares.
Em seguida, não apareceram na literatura
contribuições que levassem adiante esse concei-
to. Mais de dez anos depois, Reichardt et al. (1972)
retomaram o tema, obtendo sucesso, mesmo com
meios porosos naturais, isto é, solos de diferentes
texturas. Basearam-se no fato de que solos po-
dem ser considerados meios similares, cada um
com seu fator À que, inicialmente, não sabiam
como determinar. Tomaram para teste a infiltra-
ção horizontal, abordada no Capítulo 11, cujo
PVC é repetido aqui:
8 =B; x > O, t = O
8 =80, x = O, t > O
08 = 1... [D(8) 08 1
ot ox ox (18.3)
onde D(8) = K(8) . dh/dê.
Como para qualquer solo a solução deste PVC
é do mesmo tipo: x = <1>(8). t1/2,na qual <1>(8)de-
ANÁLISE DIMENSIONAL I 433
pende das características de cada meio poroso, não
seria possível obter uma solução generalizada para
todos os meios (considerados similares), desde que
se conhecesse o À característico de cada um? O
procedimento que utilizaram foi o de adimensio-
nalizar todas as variáveis, usando também a teoria
dos meios similares aplicada a i solos, cada um com
seu ÀI>Àz, Ài.A umidade 8 e a coordenada x
foram apenas adimensionalizadas, como já foi visto
anteriormente neste capítulo:
(18.4)
xx=-
x",ax (18.5)
Com relação ao potencial matricial h, este foi
considerado apenas o resultado de forças capila-
res, isto é, h = 2cr/pgr (equação 6.18, Capítulo 6)
ou hr = 2cr/pg = constante. Se cada solo i fosse
constituído de capilares de raio ri e se o compri-
mento característico Àifosse proporcional ao raio
ri' teríamos:
(18.6)
Com relação à condutividade hidráulica K,
como ela é proporcional à área (À2) disponível
434 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
r, = 3 em
A, = TC r~ = 28,27 em'
3TC r: 3
V, = -- = 63,62 em
4
r, = 1,5 r,
r3 = 0,2 mm
V
r, = 4,5 em
A, = TC r~ = 63,62 em'
3m; 3V, = -- = 214,71 em
4
A, .~
-- = 2,25 ~ 'i 2,25 = 1,5 ou
A,
A, = (1,5)' A,
V, 3~
--= 3,37 ~ 'i 3,37 =1,5 ou
V,
Figura 18.1. Esferasperfeitamente similares.
r, = 0,15 mmC'=O'\~~ \
h, = 14,4 em
" .I·
I .
V, = (1,5)3 V,
h, = 9,6 em
h.r, = h,r, = h3r3 = constante
14,4 x 0,1 = 9,6 x 0,15 = 7,2 x 0,2 = 1,44
Figura 18.2. Capilares similares imersos em água.
h, = 7,2 em
e com essa relação Reichardt et al. (1972) determi-
naram os valores de À;para cada solo, tomando
(18.11) como padrão, arbitrariamente, o de infiltração
para o fluxo (k = permeabilidade intrínseca, U),
temos pelo mesmo raciocínio K = kpg/n (equa-
ção 7.9, Capítulo 7) ou K/k = pg/r; = constante:
KI K2 Ki= - = = - = constante
kl k, k,
(18.7)
em que K* é a condutividade hidráulica do solo
padrão, assumindo À*= r" = k" = 1 (Figura 18.3).
Pela definição de D = Kdh/ de, pode-se verificar
que a difusividade do solo padrão D* é dada por:
(18.8)
De todas as variáveis da equação 18.3, falta
adimensionalizar o tempo. Se isso for feito de for-
ma a tornar a equação 18.3 adimensional, tería-
mos um tempo t* para o solo padrão, dado por:
Nessas condições, o leitor pode verificar que
substituindo e por e, t por t", x por X e D por D*
em 18.3, obtém-se a equação diferencial adimen-
sional do solo padrão, que difere dos demais por
fatores de escalonamento À;, ocultos em 18.10,
mas que estão nas definições de t" e D*:
de =~ [D*(e)de]
dt* sx dX (18.10)
sujeita às condições:
e = o,x~o, t" = o
ANÁLISE DIMENSIONAL I 435
e = 1, X = O, t" > o (18.12)
cuja solução, por analogia à equação 11.17, é:
X = <p* (e) . (t*)I/2 (18.13)
É oportuno analisar a equação 18.9 dos tem-
pos adimensionais à luz de semelhança física e
dos reinos de Liliput e Brobdingnag, que mostra
que para comparar solos diferentes (mas consi-
derados meios similares), seus tempos precisam
ser diferentes e dependentes de À, que é um
comprimento. Poderíamos até sugerir que esse
fato contribui para explicar como na Física Mo-
derna o tempo entra como uma quarta coorde-
nada, junto com x, y e z. Por analogia ao que foi
feito com h e K, podemos escrever:
Estabelecida a teoria, Reichardt et al. (1972)
procuraram formas de medir À para os diferen-
tes solos. O "ovo de Colombo" surgiu quando per-
ceberam que, se as retas x, versus t1/2 (ver Figura
11.7, Capítulo 11) características para cada solo
i, devem se reduzir a uma única reta X, versus 1'1/2
segundo a equação 18.13, os fatores que fazem a
sobreposição das retas poderiam ser os próprios À;.
Sabemos que retas que passam pela origem y = ao . x
podem ser rebatidas umas sobre as outras pela
relação a/aj dos respectivos coeficientes angula-
res. Como a reta em questãoenvolve raiz quadra-
da, a relação a ser utilizada é:
À ( a )2I _ I---
À* a*
(18.14)
K, K2 K,
-- = -- = -- = constante,,~ ,,~ ~
2 4,5 8
-- - = --=200
(0,10)2 (0,15)' (0,20)'
Figura 18.3. Meios similares com respectivas condutividades.
436 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
mais rápida, para o qual postularam À*" = 1.Dessa
forma, quanto mais lenta a infiltração do solo i,
tanto menor seu Àj. Esse procedimento de deter-
minar um À relativo como um fator de escalona-
mento e não um comprimento microscópico
característico, como sugeriram Miller & Miller
(1956), facilitou a parte experimental e abriu as
portas para o uso do escalonamento em várias
outras áreas da Física de Solos. Finalizando,
Reichardt et al. (1972) conseguiram escalonar per-
feitamente D(8) e com restrições h(8) e K(8), isso
porque os solos não são verdadeiramente meios
similares. O fato de conseguirem escalonar D(8)
K,= 2,0 mm . dia'
'" = 0,10 mm
K2= 4,5 mm . dia'
"2 = 0,15 mm
K, = 8,0 mm . dia'
'" = 0,20 mm
levaram Reichardt & Libardi (1973) a estabelecer
uma equação geral para a determinação de D(8)
de um solo, sendo conhecido apenas o coeficiente
linear a, de sua curva x, versus t1/2 obtido em um
experimento de infiltração horizontal:
D(8) = 1,462 X 10-5 a~exp(8,087· 8) (18.15)
Ainda Reichardt et al. (1975) apresentam um
método de determinação de K(8) por meio de a.;
Bacchi &Reichardt (1988) usaram o escalonamen-
to para avaliar a eficácia de métodos de determi-
nação de K(8) e Shukla et al. (2002) escalonaram
experimentos de deslocamento miscíveLAlém dis-
so, a técnica do escalonamento foi muito empre-
gada em estudos de variabilidade espacial de solos,
assumindo um 'A característico para cada ponto
de uma transeção. Uma boa revisão sobre escalo-
namento foi feita por Tillotson & Nielsen (1984)
e, mais recentemente Kutilek & Nielsen (1994) e
Nielsen et alo (1998).
GEOMETRIA FRACTAL E
DIMENSÃO FRACTAL
A geometria fractal, ao contrário da euclidia-
na, admite dimensões fracionárias. O termo fractal
é definido em Mandelbrot (1982) proveniente do
adjetivo latino fractus, cujo verbo frangere significa
quebrar, criar fragmentos irregulares. Etimologi-
camente, o termo fractal é o oposto do termo álge-
bra (do árabe jabara) que significa juntar, ligar as
partes. Segundo Mandelbrot, fractais são objetos
não-topológicos, ou seja, objetos para os quais sua
dimensão é um número real não inteiro que exce-
de o valor da dimensão topológica. Para objetos
chamados topológicos, ou de formas geométricas
euclidianas, a dimensão é um número inteiro (O
para um ponto, 1para qualquer curva, 2 para qual-
quer superfície, 3 para volumes). A dimensão que
Mandelbrot denominou dimensão fractal, é uma
medida do grau de irregularidade do objeto con-
siderado em todas as escalas de observação. A di-
mensão fractal está relacionada à rapidez com que
a medida estimada do objeto aumenta enquanto a
escala de medida diminui. A propriedade de auto-
similaridade ou escalonamento dos objetos é um
dos conceitos centrais da geometria fractal e per-
mite melhor entendimento do conceito de dimen-
são fractal. Um objeto normalmente considerado
unidimensional (Figura 18.4) como um segmen-
to de reta, pode ser dividido em N partes idênticas
de tal forma que cada parte é um novo segmento
ANÁLISE DIMENSIONAL I 437
de reta representado em uma escala r = 1/N do
segmento original, de modo que Nr' = 1.
De forma semelhante, um objeto bidimensio-
nal (Figura 18.5), como uma área quadrada em
um plano, pode ser dividida em N áreas quadra-
das idênticas em uma escala r = 1 / -{N da área ori-
ginal, de modo que Nr2 = l.
Tal escalonamento pode ser estendido para
objetos tridimensionais (Figura 18.6) e a relação
entre o número de fragmentos semelhantes (N) e
sua escala em relação ao objeto original (r) pode
ser generalizada por NrD = I, em que D define a
dimensão de similaridade ou dimensão fractal.
Portanto, as formas geométricas euclidianas,
com dimensões O, I, 2 e 3, com as quais estamos
mais familiarizados, podem ser vistas como casos
particulares das numerosas formas e dimensões
que ocorrem na natureza. A Figura 18.7, adaptada
de Barnsley et alo (1988), conhecida como curva
de Von Koch, é construída de forma iterativa ou
recursiva, partindo-se de um segmento de reta (a)
dividido em três partes iguais e o segmento cen-
tral substituído por dois segmentos iguais, forman-
do parte de um triângulo equilátero (b). No
estágio seguinte cada um desses quatro segmen-
tos é dividido novamente em três partes e cada
uma é substituída por quatro novos segmentos de
comprimento igual a 1/3 do original e dispostos
de acordo com o mesmo padrão apresentado em
(b), e assim sucessivamente. A partir do estágio
b, em cada mudança de estágio o comprimento
total L da figura aumenta de um fator 4/3, o nú-
mero N de elementos semelhantes ao do estágio
a aumenta de um fator de quatro e suas dimen-
sões estão em escala r = 1/3 do estágio preceden-
te. Em cada estágio a figura pode ser dividida em
N elementos semelhantes, tal que N . rD = I, em
que D é chamada de dimensão fractal do objeto.
Essa curva apresenta dimensão fractal aproxima-
da D = 1,26, que é maior que 1 e menor que 2, o
que significa que preenche mais o espaço do que
438 I SOLO, PLANTA EATMOSFERA
,, L = 1:
r •• N = 1
::,
L=1:,
r = 1/2
:
N =2I.,,
i,,,
r = 1/3 1 N =3:'4 14 ~I
i
1
log N log 2 log3
D,=--- = ---= ---=1
log (1/r) log 2 log3
Figura 18.4. Generalização da relação N . rD = 1, para o caso D = 1, isto é, N . r1 = 1.
N = 1
A=1
r(linear) = 1/2
r(área) = 1/4
N =4
A = 1/4
A = 1/4
r(linear) = 1/4
r(área) = 1/16
N = 16
A=1/16
log N log 4 log 16
DA= --- = -- =-- =2
log(1 / r) log 2 log 4
r= --
{N
Figura 18.5. Objetos bidimensionais.
r(linear) = 1/2
r(volume) = 1/4
r(linear) = 1/4
r(volume) = 1/16
Dv=
log N
10g(1 / r)
Figura 18.6. Objetos tridimensionais.
uma simples linha (D = 1) e menos que uma área
euclidiana de um plano (D = 2).
Formas e estruturas altamente complexas e ir-
regulares, comuns na natureza, podem ser
reproduzidas com riqueza de detalhes mediante
procedimentos semelhantes, indicando que por
traz de uma aparente desordem dessas formas, es-
truturas e processos dinâmicos que ocorrem na
ANÁLISE DIMENSIONAL 439
li
I
L
N = 1
V = 1
N = 8
V = 1/4
N = 64
V = 1/16
= ~ = log64 =3
log 2 log 4
r=
natureza, há alguma regularidade capaz de sermais
bem entendida. Físicos, astrônomos, biólogos e
cientistas em muitas outras áreas vêm desenvol-
vendo nas últimas décadas uma nova abordagem
para tratar a complexidade da natureza, denomi-
nada "Teoria do Caos': e que matematicamente
define a casualidade gerada por sistemas dinâmi-
cos determinísticos simples. Tal abordagem per-
440 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
mite a descrição de certa ordem em processos di-
nâmicos que anteriormente eram definidos como
completamente aleatórios.
Com o indispensável auxílio dos computado-
res, a geometria fractal vem tomando vulto nas
mais diversas áreas do conhecimento, incluindo-
se as artes, como nova ferramenta de trabalho para
o melhor entendimento da natureza. A pesquisa
agronômica, que trata basicamente de processos e
objetos da natureza, acompanha essa tendência e
vem aplicando essa nova abordagem em diversas
situações, como no estudo dos processos dinâmi-
cos que ocorrem no solo (movimento de água,
gases e solutos), estrutura dos solos, arquitetura e
desenvolvimento das plantas, processos de dre-
nagem em bacias hidrográficas ete.
A Figura 18.8, extraída de Barnsley et al.
(1988), mostra uma imagem gerada por compu-
tação gráfica, mediante sistemas de funções
iterativas (IFS), que simula de forma bastante re-
alista uma planta. As possibilidades de simulações
de objetos da natureza são ilimitadas, sendode
grande utilidade na caracterização morfológica e
funcional de suas formas e estruturas.
Modelos fractais que simulam a estrutura do
solo (Figura 18.9) têm sido largamente estudados
e testados contra as características e propriedades
reais de diferentes tipos de solo. A característica
fractal demonstrada por alguns atributos do solo
tem permitido o seu estudo mediante novas abor-
dagens fisicamente fundamentadas, que passam a
ocupar o espaço de tratamentos puramente
empíricos até então aplicados.
Vamos agora esclarecer em mais detalhe as Fi-
guras 18.4 a 18.7.Ao medirmos um comprimento
L, que pode ser um segmento de reta, uma curva,
o contorno litorâneo de um mapa, usamos como
unidade uma régua linear de "tamanho" E ,menor
que L. Se E couber N vezes em L, temos:
E
L(r) =N(r) r, em que r =-
L
Escrevemos L(r) por que um comprimento
tortuoso L, medido com a régua linear, depende
do tamanho da régua, pois "arcos" são medidos
retilineamente. Quanto menor a régua, melhor a
medida. Na Figura 18.4, L é uma reta e não se
perde por tortuosidade. No primeiro caso, L = 1,
N = 1 e r = 1, isto é, a régua é o próprio L. Se a
régua for a metade de L, teremos N = 2 e r = 1/2 .
Se for um terço N = 3 e r = 1/3.
Pode-se demonstrar que:
(18.16)
em que D é a dimensão geométrica. Na geometria
euclidiana, D = 1 (linha); D = 2 (plano); D = 3
(volume). Aplicando logaritmo a ambos os mem-
bros da equação 18.16, temos:
N = r", ou log N = -D -Iog r,
ou ainda log N = D -Iog (L'r) e assim:
10gN
D=---
10g(1/r) (18.17)
Na Figura 18.4 utilizamos o símbolo DL para
dimensão linear e nela pode se ver que pela equa-
ção 18.17, a medida é linear: DL = 1, concordando
com a geometria euclidiana.
Na Figura 18.5 medimos objetos bidimen-
sionais, isto é, áreas e a dimensão euclidiana é
DA = 2, sendo DL = DA -1. Para objetos tridimen-
sionais (volumes), a dimensão euclidiana é D, = 3,
sendo DL = Dy-2 (Figura 18.6).
A equação 18.16 também admite dimensões
fracionárias, denominadas de dimensões fractais,
que aparecem quando medimos contornos L tor-
tuosos, áreas A e volumes V irregulares. Na Figura
18.7, a tortuosidade é mostrada de forma progres-
siva em: a) é dado um comprimento básico Lo;em
b) é acrescentado 1/3 de L,e para caber no mesmo
ANÁLISE DIMENSIONAL I 441
r = 1/3 I
a) I L=l;N=l
r=1/3 Â
b) ~ ~,--- ...••
r= 1/9 ~"7
c)~ ~
"
L= 4/3; N = 4
L= 16/9 = (4/3)2; N = 16
d) Próximo estágio --. L= 64/27 = (4/3i; N = 64
log N log 4 log 16 log 64
0= =--=--=-- =1,26
10g(1/r) log 3 log 9 log 27
Figura 18.7. Curva de Von Koch.
Figura 18.8. Simulação da imagem de uma planta gerada por computação gráfica, por meio de sistemas
de funções iterativas (lFS), extraída de Barnsley et 01. (1988).
442 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
Figura 18.9. Simulações da matriz do solo.
espaço é feita a montagem mostrada. Se a régua
for de comprimento Lo, ela não mede LI que é 4/3
Lo, em c) para cada trecho de b, é feita a mesma
montagem e um comprimento maior L2 = 16/9 Lo'
que não seria observado com uma régua de com-
primento L;
Pela equação 18.17 resulta a dimensão D
1,26...., maior que 1 e menor que 2 da geometria
euclidiana. Não é linha reta nem área, é uma "li-
nha tortuosa".
No caso da Figura 18.7,se acrescentarmos duas
partes, teremos:
log 6
D = = 1,63
log 3
e se acrescentarmos quatro partes:
log 7
log 3
D= = 1,77
ou ainda, acrescentando seis partes:
=2log 9
log 3
D=----~----~l_____7
isto é, D = DA = 2 o que significa que a tortuosida-
de é tão grande que a "curva" tende para uma área.
Em Física de Solos, como o caminho percorri-
do pela água, percorrido pelos íons e gases; como
a distribuição de partículas e, conseqüentemente,
de poros são todos tortuosos, os conceitos fractais
parecem ser uma boa opção para modelagem.
Nessa linha Tyler &Wheatcraft (1989) mediram
a dimensão fractal volumétrica do solo pela dis-
tribuição de partículas (Capítulo 3) pelo coeficiente
angular de gráficos log N versus log R, sendo N o
número de partículas de raio menor que R. Mais
tarde, Tyler &Wheatcraft (1992) reconheceram a
dificuldade de medir o número de partículas N e
utilizaram massa de partículas, em forma adimen-
sional M (R < R)/Mt e raios também de forma
adimensional R/Rt.
Bacchi & Reichardt (1993) empregaram esses
conceitos na modelagem de curvas de retenção de
água, estimando o comprimento de poros Li que
correspondem a uma dada classe textural, pela ex-
pressão empírica de Arya & Paris (1981): Li =
2RiNiu,em que 2Ri é o diâmetro das partículas da
classe i eNi o número de partículas da mesma clas-
se.Não houve sucesso e esse tema se encontra aber-
to para pesquisa. Bacchi et al. (1996) comparam o
uso de distribuições de partículas e distribuições
de poros na obtenção D, e estudaram seus efeitos
em dados de condutividade hidráulica de solos.
Ainda em nosso meio Guerrini (1992, 2000)
aplicou a geometria fractal com sucesso na agro-
nomia. Para os interessados em geometria fractal,
o texto básico é o de Mandelbrot (1982) e, além
dos trabalhos já citados, são de interesse: Puckett
et alo (1985), Turcotte (1986), Tyler &Wheatcraft
(1990), Guerrini & Swartzendruber (1994, 1997)
e Perfect & Kay (1995).
EXERCíCIOS
ANÁLISE DIMENSIONAL I 443
DIMENSÕES HUMANAS
Não poderíamos deixar de mencionar as di-
mensões humanas, não exatas, que não podem
ser quantificadas e, assim, não podem ser expres-
sas por meio de equações, cálculos e índices, nem
por isso menos importantes. O assunto é com-
plexo não cabendo bem aqui, razão pela qual, a
título de exemplo, apresentamos apenas as dimen-
sões propostas por Boff (1997), a da águia (A) e a
da galinha (G). São duas dimensões fundamentais
da existência humana . .G é a dimensão do enraiza-
mento, do cotidiano, do prosaico, do limitado, do
"quadrado", do conformado, que simboliza o com-
portamento humano que se assemelha à galinha.
A representa a dimensão da abertura, do desejo,
do poético, do ilimitado, do desafio, que simboliza
o comportamento humano de uma águia. Boff
(1997) em A águia e a galinha, mostra a dificul-
dade de equilibrar C'dimensionalizar" em nossa
linguagem) essas duas grandezas.
18.1. No exemplo da Figura 18.1, mostre que a superfície das esferas também está relacionada por
similaridade.
18.2. A tensão superficial é dada como força por unidade de comprimento ou energia por unidade
de área. Demonstre que as duas formas têm a mesma dimensão.
18.3. Sabendo que a condutividade hidráulica é uma função da permeabilidade intrínseca k (em-
ou rn-), da densidade de fluidos p (g . crrr! ou kg . rn'), da aceleração da gravidade 9 (cm . S-2
ou m . $'2) e da viscosidade do fluido 11 (g . crn' . s' ou kg . m' . s'), determine a função K =
K (k, p, g, 11).
18.4. Na equação 18.9, mostre que t* é adimensional.
18.5. Qual a relação entre cal· cm-2• rnin' e W . rrr-?
18.6. Como adimensionalizar K(8)?
18.7. Na equação N . rD = 1, mostre que D = 109 N I 109 (1 Ir).
444 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA
18.1. 47tr~= 47t(1,5 r,)2
18.2. MT2 = MT2
18.3. K = k P g / 11
18.4. t" = 7t
18.5. 1 cal- cm-2. mino' = W . m?
18.6. 7t= K(8)/Ko' quando K(8) = K, 7t= 1; quando K(8) = O,7t= O
RESPOSTAS
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