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da indústria e do comércio. Ainda na Bahia, o príncipe- regente já decretara a incorporação da primeira companhia de seguros, autorizara a instalação de uma fábrica de vidro, cultura de trigo e fábricas de moagem, uma fábrica de pólvora e uma fundição de artilharia. As primeiras providências do príncipe-regente, ao cabo de tantos anos de abandono, foram recebidas como sinal de redenção. Estabelecida a corte no Rio de Janeiro, começaram a afluir os governadores de Minas Gerais e São Paulo, em busca de medidas de amparo e proteção para suas capitanias, agora transformadas em províncias. A cidade, que à época contava com apenas 75 logradouros -- 46 ruas, 19 campos ou largos, seis becos e quatro travessas -- não tinha condições de abrigar a comitiva de 15.000 pessoas que acompanharam a família real. As melhores casas foram confiscadas, com a sigla PR (Príncipe Regente) inscrita nas portas, e que o povo logo interpretou ironicamente como "ponha-se na rua". É claro que as arbitrariedades cometidas pelos fidalgos provocaram rusgas e dissensões com os portugueses da terra -- apelidados respectivamente de "pés-de-chumbo" e "pés-de-cabra", em alusão aos calçados (portugueses) e aos descalços (brasileiros). Hegemonia do Centro-Sul. Até o estabelecimento da família real, o úni- co fator de unidade que vinha mantendo os laços frouxos da nacionalidade, apenas esboçada, era o regime servil. Num aglomerado inorgânico, quase caótico, do Amazonas ao Prata, a escravidão era o único traço comum, respeitado e uniforme, de caráter institucional, capaz de assegurar a inte- gração das chamadas capitanias, na verdade um conjunto de regiões isoladas umas das outras, separadas às vezes por distâncias intransponí- veis. Quer na Bahia, quer no Rio de Janeiro, o vice-rei jamais pôde exercer em plenitude e extensão a sua autoridade. Os baxás, como eram conheci- dos os governantes e capitães-generais, eram os senhores todo- poderosos, que mandavam e desmandavam despoticamente até onde alcançassem suas respectivas jurisdições. A justiça era a mais incipiente e deficiente que se pode supor: apenas uma relação de segunda instância na Bahia e outra no Rio de Janeiro para todo o vasto território da colônia, e ainda assim dependentes de Lisboa. Os processos arrastavam-se com tal lentidão que muitas vezes era preferível sofrer uma injustiça e conformar-se com ela do que aguardar a reparação do dano, quase sempre decepcio- nante, ao final de uma inútil e dispendiosa campanha. D. João, ainda como príncipe-regente, procurou amenizar essa situa- ção. A Casa da Suplicação, instituída em 1808, substituiu o Supremo Tribunal de Lisboa e instituiu mais duas relações: uma em São Luís do Maranhão, em 1813, e outra em Recife, em 1821. Mesmo assim, a adminis- tração de D. João teria muitos atritos com a classe dos aristocratas, altivos, orgulhosos, rixentos e intrigantes. Não aceitavam o serviço militar, recusa- vam-se a pagar impostos e mostravam-se ciumentos dos benefícios que engrandeciam o Rio de Janeiro e toda a área fluminense. A situação de inferioridade em que se encontrava Portugal, na prática como vassalo do Reino Unido, permitiu a entrada em profusão de firmas inglesas, ansiosas por tirar partido das tão apregoadas riquezas brasileiras, mesmo numa época em que já se haviam esgotado as minas de ouro e diamantes. Em agosto de 1808 já havia no Rio de Janeiro cerca de 200 estabelecimentos comerciais ingleses. No entanto, muitas das cláusulas leoninas dos tratados de 1810, que Portugal fora obrigado a assinar com a coroa inglesa não passaram de letra morta. Os portugueses, por inércia ou por astúcia, como no caso da abolição gradual do tráfico negreiro, resistiam ao seu cumprimento. Mesmo assim os ingleses gozaram de uma situação extremamente privilegiada, como os direitos de extraterritorialidade e as tarifas preferenciais muito baixas. Com o final da guerra européia e a assinatura do reconhecimento de paz em Paris, em 1813, o príncipe-regente assinou um novo decreto que abria os portos brasileiros a todas as nações amigas, sem exceção. Repre- sentantes diplomáticos da França, Holanda, Dinamarca, Áustria, Prússia, Estados Unidos, Espanha e Rússia vieram para o Brasil, com novos inte- resses e propostas. A chegada dos comerciantes franceses foi recebida com regozijo pela população. Reatadas as relações com a França e devol- vida a Guiana, a influência francesa competiu com a inglesa e logo a supe- rou em muitos sentidos, não apenas nas idéias, como nos costumes, na culinária, na moda e no viver citadino. Esses imigrantes, entre os quais se encontram padeiros, confeiteiros, ourives, modistas, alfaiates, marceneiros, serralheiros e pintores, impulsionaram a vida urbana do Rio de Janeiro e transformaram a fisionomia da cidade. Preocupações de D. João VI. Duas questões de especial relevância marcaram o período joanino: uma de âmbito interno foi a influência das idéias liberais e a proliferação das sociedades maçônicas, que formavam uma vasta corrente subterrânea, sustentada e estimulada em grande parte por agentes franceses, republicanos vermelhos ou saudosistas do bonapar- tismo, de qualquer modo claramente hostis às monarquias tradicionais; na frente externa, a questão do Prata, colocada pela insistência de D. João de retomar a Colônia do Sacramento e com ela a Banda Oriental, para dessa forma fixar a fronteira meridional brasileira na margem esquerda do estuá- rio. No plano interno, o episódio de maior relevância no período joanino foi a inconfidência mineira, que alguns historiadores preferem chamar conjura- ção mineira, já que o termo "inconfidência" sugere traição, e esse era exatamente o ponto de vista do colonizador. Organizado em 1789, na localidade de Vila Rica, atual Ouro Preto, então sede da capitania das Minas Gerais, o movimento visava a independência do Brasil. Os principais conspiradores foram Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, único condenado à morte, menos por ser considerado chefe da conjuração que pela atitude de altiva dignidade com que enfrentou a prisão, os interrogató- rios e o julgamento, sem jamais delatar os companheiros ou eximir-se de culpa; os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixo- to e Tomás Antônio Gonzaga, este último autor de um belo livro de poe- mas, Marília de Dirceu; os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim, Luís Vieira da Silva, José Lopes de Oliveira e Manuel Rodrigues da Costa; e José Álvares Maciel, filho do capitão-mor de Vila Rica. Os revolucionários não tinham opinião unânime em todos os pontos: uns queriam a república, outros um governo monárquico; uns defendiam a imediata abolição da escravatura, outros achavam melhor adiá-la. Em comum, queriam a criação de indústrias e universidades e a dinamização da pesquisa e lavra mineral. A bandeira do novo sistema, toda branca, teria como dístico um verso do poeta latino Virgílio: Libertas quae sera tamen (Liberdade, ainda que tardia). Na disputa com Buenos Aires pela posse das terras, o Brasil não pôde contar com a ajuda inglesa, a essa altura pragmaticamente convencida de que, não podendo impor pelas armas a sujeição das províncias espanholas à coroa britânica, mais valia incentivá-las à revolução contra a Espanha e ao estabelecimento de governos independentes, com os quais a Inglaterra poderia ter relações muito mais proveitosas. A questão complicou-se mais ainda com a rebelião de José Gervasio Artigas, que levantou a bandeira da autonomia uruguaia. E chegou a um ponto insustentável com a guerra entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, que colocava para o Brasil uma opção das mais difíceis. D. João decidiu aguardar as decisões do Congres- so de Viena, para iniciar a contra-ofensiva no Prata. Santa Aliança. O pacto da Santa Aliança foi um acordo firmado entre várias