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artigo Comunicação Dijon 2013

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É possível prever a iminência de uma situação revolucionária? 
Revoluções políticas como manifestação da urgência da transformação histórica.
 Valerio Arcary, professor do IFSP, é doutor em História pela USP.
Agora (contra a linha do terceiro período), como antes, Trotski defendeu a opinião de que toda a época que se iniciara com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa era de declínio do capitalismo(...) Isso, porém, não significava que o edifício estava na iminência de desabar com estrondo. A decadência de um sistema social não é um processo isolado de colapso econômico ou uma sucessão ininterrupta de situações revolucionárias. Nenhuma depressão era, portanto, a priori, a "derradeira e final”(...) Era, portanto, absurdo anunciar que a burguesia chegara “objetivamente" ao seu impasse final: não havia impasse do qual uma classe dominante não tentasse sair e seu êxito dependia não tanto de fatores puramente econômicos, mas muito mais do equilíbrio das forças políticas.[1: DEUTSCHER, Isaac, Trotsky, O Profeta Banido, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1984, p.50.]
 Isaac Deutscher
A lei fundamental da revolução(...) consiste no seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo como vivem e exijam mudanças; para a revolução é necessário que os exploradores não possam continuar vivendo e governando como vivem e governam. Só quando “os de baixo” não querem e os “os de cima” não podem continuar vivendo como antes, só então pode triunfar a revolução.”(grifo e tradução nossos) [2: LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov, La maladie infantile du communisme (Le Gauchisme), Pekin, Editions en langue etrangéres, 1970, parte IX, p.85.]
 Vladimir Ilitch Ulianov, alias, Lenin
 Todas as sociedades contemporâneas estiveram, em algum momento, diante do desafio de se transformarem, ou mergulharem em crise. Mas a necessidade de reformas entra em contradição com a avareza dos interesses de classe privilegiados, com a rigidez social e cultural reacionária, e não menos importante, com a tendência de inércia dos regimes políticos. Nem todas as crises desbordam, por suposto, em revoluções. 
 Mudanças podem ser realizadas por métodos de pactuação, concertação, negociação, ou seja, com maior ou menor conflitualidade social, mas sem a precipitação de uma situação revolucionária. Há muitos e variados tipos diferentes de crises: crises de gestão de governo, crises sociais, crises políticas de regime, e, finalmente, a mais séria de todas as crises, a revolucionária. Em outras palavras, reformas aconteceram, essencialmente, quando foi iminente o perigo de revoluções, ou como consequência da vitória de revoluções que ameaçavam alastrar-se e contagiar toda uma região.
 O argumento desta comunicação é que revoluções aconteceram quando a injustiça ou a tirania se demonstraram insustentáveis, e os regimes políticos foram incapazes de, preventivamente, realizar mudanças por reformas. A hipótese teórica que apresentamos é que a impossibilidade de regimes políticos tomarem a iniciativa de promover reformas fermentou as condições objetivas de situações revolucionárias. [3: As revoluções são também o momento de irrupção das multidões na História, quando nas palavras de Bensaïd, uma longa espera se encerra: “Elles commencent dans l'étonnement et la bonne humeur, dans la confiance en une juste cause. Le dérèglement soudain des temps prend d'abord des allures de fête, d'entorse exceptionnelle à la règle du quotidien, de transgression où «quelque chose de plus fort que notre libre possibilité, de plus fort que notre responsabilité semble faire irruption dans la vie et lui donner un sens sinon inconnu». En juillet 1789, en février 1848, en mai 1871, en février 1917, en juillet 1936 à Barcelone, en janvier 1959 à La Havane, le 10 mai 1968 entre deux barricades, en avril 1974 sous les oeillets de Lisbonne, quelque chose d'improbable arrive, «de l'ordre du démoniaque et de la passion», que l'on attendait pourtant, que l'on a toujours secrètement attendu.” (grifo nosso) (BENSAÏD, Daniel. Le pari mélancolique. Paris, Fayard, 1997. p. 276). ]
 A compreensão do que é uma tirania não exige muitas explicações. Mas a percepção do que seria a injustiça é uma conclusão subjetiva que remete às expectativas que foram dominantes no período histórico anterior e que serão, necessariamente, distintas e variadas em cada nação. Condições de injustiça ou tirania que seriam insuportáveis em uma sociedade podem ser toleradas em outra, por décadas. Injustiça seria quando uma sociedade é incapaz de continuar garantindo as condições de vida que os cidadãos admitiam como conquistas consolidadas. Ou quando os sacrifícios exigidos são, dramaticamente, desproporcionais.
 Já foi demonstrada a relação entre derrotas militares e situações revolucionárias. Essa causalidade foi recorrente nos séculos XIX e XX. A Rússia e a Alemanha, por exemplo, ao final da Primeira Guerra Mundial foram o cenário de uma onda revolucionária. E poderíamos recordar, também, o exemplo de Portugal nos anos setenta, depois de mais de uma década de guerras na África subsaariana.
 Não obstante, encontraremos outras correlações que sugerem regularidades que merecem ser analisadas. A disparidade de condições materiais e culturais da existência humana, ou seja, o agravamento do grau de desigualdade social pode precipitar crises sociais quando uma nação mergulha em decadência histórica. A decadência histórica não é um fenômeno incomum. Não é por outra razão que tantos estudos procuram relacionar a evolução do salário médio, taxas de desemprego, evolução da distribuição pessoal da renda, da distribuição funcional da renda, taxas de mobilidade social relativa e absoluta, entre outros indicadores, para interpretar o que seria uma regressão econômica, e equacionar a ruptura da coesão social, isto é, as tendências mais gerais da dinâmica da luta social e política. Em poucas palavras, o perigo de revoluções. 
 A questão central é que a psicologia social sugere que as massas populares assalariadas urbanas descobrem-se como um sujeito social com disposição de luta quando se generaliza entre elas a percepção de que há o perigo de não poderem sequer continuar vivendo como viviam, e que as coisas vão piorar. Essa disposição de luta rebelde, sublevada, insurrecta é o principal fator na deflagração de uma situação revolucionária. A existência de uma situação revolucionária significa que uma revolução está em marcha, o que é muito diferente de que uma revolução foi vitoriosa. A maioria das situações revolucionárias foi interrompida antes que a questão do poder pudesse se colocar.
 Somente em circunstâncias extraordinárias as crises sociais transbordaram em crises políticas. A maioria das crises políticas foi resolvida dentro dos limites da governabilidade, ou seja, pelo interior das instituições. Quando as crises políticas não encontram uma solução no limite das relações político-sociais dominantes, aumentam as probabilidades de abertura de uma situação revolucionária. E as revoluções tardias foram as mais radicais. A onda revolucionária aberta no Magreb e nos países de língua árabe do Médio Oriente, desde 2011, confirma que mesmo as ditaduras mais ferozes não são invulneráveis à mobilização popular.
 A hipótese desta comunicação é que é possível encontrar uma solução para o desafio teórico de estabelecer relações de causalidade entre crises econômicas, crises sociais, crises políticas e situações revolucionárias. Não é possível um “sismógrafo” de revoluções. Mas uma teoria da história não deve se furtar ao desafio daprevisão. Parece ser possível identificar uma correlação positiva entre ondas de greves nacionais, protesto social e revoluções políticas. Quando os conflitos sociais, em sociedades urbanizadas, adquirem dimensões nacionais contra governos repudiados pela maioria da população, antecipam a iminência de uma situação revolucionária.
 Não existiu na história crise econômica sem saída para o capital. A saída de crises econômicas nunca foi, evidentemente, indolor. Exigiu destruição massiva de capitais, um aumento do patamar de exploração da força de trabalho, uma intensificação da concorrência entre monopólios, e da competição entre Estados, ou seja, imensos perigos. 
 Enquanto o capitalismo vivia sua época histórica de gênese e desenvolvimento, estas crises destrutivas eram, relativamente, mais rápidas e suaves. Estamos diante de um período histórico de decadência do capitalismo? A evolução político-social dos últimos trinta anos nos próprios países centrais parece sugerir que se abriu uma época em que reformas reguladoras são mais difíceis, embora não sejam impossíveis, e a abertura de situações revolucionárias mais prováveis.
Pretender que o mercado imponha o nível dos salários é enganoso, pois o salário também decorre da força política dos trabalhadores e das possibilidades de deslocamento que se apresentem ao patronato A primeira tendência secular de peso que se aproxima de seu limite refere-se à porcentagem do custo da produção representada pelo conjunto mundial de salários reais. Quanto mais baixa for essa porcentagem, maiores serão os lucros. Porém o nível do salário real é determinado pelas relações das forças no interior de diferentes zonas da economia-mundo. Mais precisamente, ele está ligado ao peso político de grupos antagonistas - o que se chama luta de classes. (grifo nosso) [4: WALLERSTEIN, Immanuel, A economia-mundo em crise, Le Monde Diplomatique, 9/9/2000. ]
 Os limites do capitalismo não foram, nem poderiam ser fixos. Eles resultam de uma luta política e social que se manifestou no passado em ondas de greves, em intensificação dos conflitos sociais. O argumento deste texto é que nenhuma sociedade permaneceu, indefinidamente, imune à pressão por mudanças. As forças da inércia histórica são proporcionais à força social reacionária de cada época. 
 Um atraso significativo e, às vezes terrível, é inevitável entre o momento da manifestação de uma crise social, e o tempo que a sociedade precisa para que seja capaz de enfrentar as transformações que são indispensáveis. Revoluções não acontecem quando são necessárias, mas quando a pressão por mudanças se demonstrou inadiável. A história confirmou que as mudanças podem ocorrer por via de reformas, ou seja, por lutas que resultam em negociações e acordos transitórios que mantém, na essência, a ordem econômica, social e política, ou por via de revoluções. Diferentes épocas históricas favoreceram uma ou outra via.[5: Os tempos históricos são lentos, porque a sociedade humana se estrutura em torno ao profundo conservadorismo das massas. Só sob o impacto de terríveis circunstâncias as multidões acordam do estado de apatia e resignação política, e descobrem a força da sua mobilização coletiva. As revoluções são, nesse sentido, uma excepcionalidade histórica se utilizarmos as medidas dos tempos políticos, isto é, das conjunturas, mas são, também, uma das leis do processo de mudança social, se considerarmos a escala das longas durações. Esse é o sentido das observações de Trotsky, no Prefácio à História da Revolução Russa: “La sociedad no cambia nunca sus instituciones a medida que lo necesita,(...) Por el contrario, acepta prácticamente como algo definitivo las instituciones a que se encuentra sometida. Pasan largos años durante los cuales la obra de crítica de la oposición no es más que una válvula de seguridad para dar salida al descontento de las masas y una condición que garantiza la estabilidad del régimen social dominante; (...)Han de sobrevenir condiciones completamente excepcionales, independientes de la voluntad de los hombres o de los partidos, para arrancar al descontento las cadenas del conservadurismo y llevar a las masas a la insurrección. Por tanto, esos cambios rápidos que experimentan las ideas y el estado de espíritu de las masas en las épocas revolucionarias no son producto de la elasticidad y movilidad de la siquis humana, sino al revés, de su profundo conservadurismo(...) Las masas no van a la revolución con un plan preconcebido de sociedad nueva, sino con un sentimiento claro de la imposibilidad de seguir soportando la sociedad vieja. TROTSKY, Leon. Historia de la Revolucion Russa. Bogotá, Pluma, 1982, Volume 1, p.8.]
 Em alguns períodos os limites do capitalismo se contraíram (depois da vitória da revolução russa; depois da crise de 1929; depois da revolução chinesa; depois da revolução cubana), e em outros se expandiram (depois do New Deal de Roosevelt; depois do acordo de Yalta/Potsdam, ao final da II Guerra Mundial; depois de Reagan/Thatcher nos anos 80).
 Revoluções políticas e sociais foram fenômenos decisivos da história contemporânea. Já se disse que as próximas revoluções serão sempre mais difíceis que as últimas. Porque a contra-revolução aprende depressa. A contra-revolução foi um dos fenômenos de dimensão mundial do século XX. As revoluções contemporâneas manifestam-se como revoluções na esfera nacional, mas esta aparência é uma ilusão de ótica que remete à centralidade da luta política imediata contra o Estado Nacional.
 Crises políticas são comuns, mesmo em situações de estabilidade social e solidez política. São crises de governo que podem e são, frequentemente, resolvidas pelas instituições do regime institucional. São processos de rotina, para arbitrar os pequenos conflitos de gestão, e resolver as inevitáveis disputas, choques e pressões. Crises políticas precipitam-se em função de colisões de interesses e desavenças de opinião. A recuperação do equilíbrio que é necessário para manter a ordem, e o fluxos dos negócios não é problemática. Pode haver “barulho nas alturas”, e os partidos rivais podem usar uma retórica muito áspera, mas a maioria da sociedade ignora a “tempestade” nos Palácios e Parlamentos.[6: As situações revolucionárias impõem às próprias classes dominantes irremediáveis divisões políticas e uma mudança de vocabulário. Frações mais lúcidas das classe dominantes não hesitaram, por breves períodos, quando ameaçadas, de vestir-se de “vermelho”. Esses mimetismos históricos são recorrentes. Marx observou, com humor, como: “A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revclucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa línguagem emprestada. Assim, Lutero adotou a máscara do apóstolo Paulo, a Revolução de 1789/1814 vestiu-se alternadamente como a República Romana e como o Império Romano, e a Revolução de 1848 não soube fazer nada melhor do que parodiar ora 1789, ora a tradição revolucionária de 1793/1795.” (grifo nosso) MARX, Karl. “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” in Obras Escolhidas. São Paulo, Alfa-Omega, p. 203.]
 Crises de regime se abrem muito mais raramente. Só são possíveis quando a relação de forças entre as classes passou por mudanças de qualidade: a entrada em cena de mobilizações nacionais das classes populares, a divisão nas classes dominantes, e a radicalização e fragmentação da classe média são o sinal de que se perdeu a estabilidade social, e a crise política deixou de ser uma crise de governo. [7: As palavras de Bensaïd são uma inspiração retomando os comentários de Marx sobre a “estúpida lentidão” dos ritmos históricos: “Il y eut sans doute,dans l'initial enthousiasme de cette aventure, beaucoup de crédulité. Mais en amour comme en politique, la crédulité des premiers instants n'a rien de ridicule. La crédulité de l'incroyant est un joyeux pari sur l'improbable. (...) La «rage du présent», c'est le sentiment même de la décision, le sens aigu de l'irréparable et des occasions àjamais perdues. Loin de conjurer la répétition des défaites, chaque nouvel échec plombe la ligne d'horizon. C'est pourquoi on n'a jamais fini de réapprendre la lente impatience, «le long et lent mouvement d'impatience patient lui-même», «le temps de l'inévitable lenteur révolutionnaire”. (grifo nosso) BENSAÏD, Daniel. La discordance des temps: essais sur les crises, les classes, l’histoire. Paris, Les Éditions de la Passion, 1995. p. 11.]
 Quando deixou de ser possível que um governo destrua as condições de vida da maioria da sociedade, conquistadas no período histórico anterior, sem provocar uma ira, ou uma fúria tão grande que o governo tem que cair, perde-se a governabilidade, porque milhões de pessoas estão dispostas a agir. Uma tal ruptura sinaliza, quando acontece, que já se abriu, ou está iminente a abertura de uma situação revolucionária. O que na história de cada sociedade é um momento raríssimo, que cada geração verá uma vez.
 Para pensarmos a dinâmica da radicalização social devemos considerar os fatores objetivos, mas, também, outros, mais complexos e que são subjetivos, porque remetem às flutuações dos humores e da disposição da sociedade, ou seja, da consciência social. 
 Os primeiros fatores, os mais objetivos, podem ser quantificados. O que não quer dizer que os números falem sozinhos. Há que relacionar os indicadores de maneira adequada. E descobrir interações que não são evidentes, podem estar ocultas. Mas a leitura dos fatores subjetivos é muito mais difícil, depende de interpretação. Na história, eles estão sempre enredados. A força de pressão de uns e outros é variável. É um trabalho de ourivesaria analítica, portanto, muito delicado, destacar os elementos para uma apreciação isolada e, depois, a reconstrução das partes em um todo, para realizar uma síntese. 
 Estudiosos do Banco Mundial, portanto, ideologicamente insuspeitos de qualquer simpatia teórica pelo marxismo, sugerem desde o final dos anos 80 do século passado que, ultrapassados certos limites de degradação das condições econômicas e sociais, em comparação com o passado recente, produz-se uma ruptura da coesão social, se não forem criadas redes de proteção social. Não foi por outra razão que as organizações do sistema ONU passaram a atualizar anualmente os cálculos de índices como o IDH, o índice de Gini, ou mesmo a estabelcer uma metodologia para o cálculo do que seria o nível de pobreza de uma sociedade. [8: Um livro publicado sob inspiração do Banco Mundial, entre dezenas de outros estudos, permite compreender como o tema da inclusão social passou a ser prioritário na elaboração de programas de políticas públicas que têm como prioridade a preservação da coesão social e a estabilidade política: http://siteresources.worldbank.org/EXTLACREGTOPSOCDEV/Resources/847654-1250627336306/EBook9780821378830.pdf]
 Quais são estes limites? Uma inflação anual acima de 50%, se não houver mecanismos financeiros de correção monetária, como a experiência de superinflação latino-americana dos anos oitenta do século passado? Ou o desemprego da população economicamente ativa acima de 20%, se não houver salário-desemprego, como na Argentina em 2001? Ou o confisco indefinido das poupanças, como no Brasil em 1990? Ou a redução do salário médio nacional acima de 30%, seja sob a forma de confisco, ou de aumento nos impostos, sem garantias de recomposição, como recentemente na Grécia? Ou ainda as regressões econômicas abruptas, uma síntese de combinações variadas dos fatores anteriores, com quedas vertiginosas dos PIB’s, fuga de capitais, que resultam em aumento da desigualdade social?
 Foi com base nestas premissas que o Banco Mundial elaborou, de forma pioneira, as propostas das políticas sociais de emergência: renda mínima de sobrevivência, distribuição de bolsas alimentação e outros programas, focados (e não universais) semelhantes. Seu objetivo foi manter sob contenção o mal estar dos setores populares mais vulneráveis. Políticas públicas de assistência social com a finalidade preventiva de garantir a governabilidade. A eficiência política destas políticas sociais compensatórias permanece ainda sob estudo. Mas merece ser avaliada, porque parece ser grande. 
 As ciências sociais contemporâneas, em muitas de suas correntes, e para além das fronteiras da economia, da sociologia, da demografia, da história, da geografia, estão muito atentas, também, à investigação da conflitualidade social. Duas teses, ambas de inspiração liberal, são predominantes: a minimalista e a democrática reativa 
 Para a primeira, a pauperização vertiginosa deve ser considerada como a antesala da ruptura na coesão social e a sinalização de um mergulho na decadência nacional. A idéia central da hipótese minimalista de que só sob condições de miséria biológica os trabalhadores têm disposição revolucionária não parece, todavia, ter suficiente fundamento histórico. Se fosse assim, a África subsaariana estaria no epicentro das situações revolucionárias no século XX. 
 A segunda, a teoria democrática reativa, defende que as massas populares só se levantaram recorrendo ao uso de métodos revolucionários extrademocráticos, quando subjugadas por tiranias intoleráveis. Mas, estando estabelecidos os regimes democráticos, estaria esgotado o período histórico das revoluções políticas. Afirma dois argumentos principais: (a) atingido um estágio de maturidade civilizatório suficiente para garantir que o Estado não interfira na regulação cega feita pelo mercado, garantindo sem ingerências o impulso de permanente renovação tecnológica, o crescimento econômico seria sustentável e as pequenas reformas contínuas; (b) conquistada a maturidade dos regimes democráticos, em que a regulação dos conflitos esteja ordenada pelo império da lei, o caminho para negociações estaria aberto. 
 Revoluções teriam sido necessárias para abrir o caminho para o capitalismo e para a democracia, mas depois se tornado obsoletas. As revoluções, assim como as contrarrevoluções, seriam, portanto, segundo esta teoria reativa, uma herança de um período histórico passado, um período de desenvolvimento da civilização anterior à afirmação das modernas democracias. Todas as revoluções teriam sido provocadas pela perenidade tardia de regimes tirânicos e ditatoriais que mereciam sucumbir, ou como respostas defensivas e reativas às tentativas de impor regimes ditatoriais e, por isso, todas as revoluções seriam, essencialmente, revoluções democráticas. [9: Existem outras formulações da teoria reativa. A mais conhecida é a que defende que a contra-revolução é provocada pelos excessos da revolução. Assim, o nazismo, por exemplo foi, freqüentemente, explicado e, dependendo do autor, justificado, como uma reação defensiva, desesperada, diante do perigo de um triunfo bolchevique na Alemanha. Na mesma linha, a ditadura militar no Brasil, procurou justificar a contra-revolução em 1964, como reação defensiva diante dos excessos populistas das mobilizações populares dos anos 1962/63, e o perigo de uma nova Cuba. Os exemplos são incontáveis, e remetem até às controvérsias em torno da revolução francesa, e os excessos de radicalismo republicano e plebeu dos jacobinos. De qualquer forma, não há como evitar essa discussão, sempre que o tema da revolução precise ser encarado teoricamente. Revolução e contra-revolução são fenômenos inseparáveis e indivisíveis um do outro ,e como ensina a mais elementar dialética, as causas se transformam em conseqüências e vice-versa. Os métodos revolucionários são os que as massas têm à sua disposição para enterrar os regimes obsoletos que se colocam no caminho dos seus interesses.Se o fazem com excesso de radicalismo, se as revoluções cometem erros e exageros, se na corrente violenta das mobilizações de milhões são arrastadas, junto com as formas arcaicas de organização social, mais do que seria, eventualmente, necessário, e se cometem injustiças irreparáveis, não cabe aos historiadores julgar. A função da História é buscar as explicações. Nesse sentido, não podem deixar de nos surpreender, as leituras históricas que insistem em repetir os preconceitos mais banais de uma teoria reativa, que acaba julgando com desprezo os “exageros” das mobilizações independentes de massas, sempre acusadas de provocar com seus anseios igualitaristas a feroz contra-revolução. Um exemplo pode ser encontrado em Furet: “Por isso os bolcheviques aparecem em primeiro lugar na escala de seus ódios(...) É em primeiro lugar contra eles que os homens dos corpos francos e das inúmeras associações nacionalistas tem de martelar que a guerra foi perdida porque a Alemanha foi traída, mas acabará derrotando seus inimigos internos para terminar o que foi interrompido pela traição deles. No momento em que a idéia revolucionaria vem em socorro do conservadorismo alemão para trazer-lhe novas paixões, a lenda da punhalada pelas costas fornece-lhe sua representação do inimigo. No fundo, a guerra radicalizou a idéia da missão particular da Alemanha na História, e a derrota não a extinguiu(...) Nesse contexto, o corpo de idéias e de representações postos em circulação por Hitler se torna inteligível.” FURET, François, O Passado de Uma Ilusão, São Paulo, Siciliano, 1995, p.226. ]
 Nosso argumento é que situações revolucionárias se abrem quando uma sociedade desaba em crise nacional, a classe dominante se divide, e emerge no mundo trabalho a vontade de lutar em defesa de si próprios, sendo os porta-vozes de um outro projeto de nação, arrastando atrás de si uma maioria social, inclusive parcelas das classes médias. Estas situações tendem a ser internacionalizadas, rapidamente, em ondas regionas de extensão. Foi o que aconteceu em janeiro de 2011 na Tunísia, contaminou o Egito e alastrou-se como um vendaval no mundo árabe.
 A experiência política da decadência nacional é um processo desigual. Porque as nações são distintas, com inserções diferentes no mercado mundial, com histórias recentes muito variadas, e em estágios de desenvolvimento díspares. A configuração das classes sociais em cada país é única, particular, específica. Por exemplo, o peso dos assalariados urbanos pode ser maior ou menor, relativamente, aos pequenos proprietários, ou muitas outras variações. 
 E deve entrar nesta equação da análise os fatores subjetivos. O humor social depende da percepção subjetiva. É sempre um processo de acumulação de mal estar. Em algum momento a quantidade dá o salto de qualidade, e o cidadão médio fica furioso, o ódio ao governo se alastra, e contagia uma maioria da sociedade. A vontade de derrubar o governo ganha a força de uma paixão política. Paixões são um estado de espírito intenso, é um momento de máxima exaltação. Não se pode manter por muito tempo. Os nervos e músculos da sociedade não aguentam. Misturam-se na mais alta intensidade, esperança e incerteza, rancor e insegurança. O medo da aproximação da hora de um confronto decisivo, a hora de medir forças, gera uma inquietação frenética. É a oportunidade histórica em que se abre a chance da transformação social. É a hora da situação revolucionária. 
 É possível construir um modelo teórico de previsão da iminência destas situações em que uma revolução política é plausível? Consideremos os fatores mais objetivos. Consideremos somente três fatores. Não são limites rígidos, fixos, inamovíveis. Primeiro, as sociedades urbanizadas têm menor tolerância à perda de direitos do que as sociedades periféricas de economias ainda agro-pecuárias. 
 Urbanização significa industrialização, portanto, peso social do assalariados, em todas as atividades e ramos. Significa maior complexidade produtiva, portanto, uma parcela maior dos setores médios. E significa escolaridade mais elevada. Nesse contexto social, encontraremos menos ilusões de que os sacrifícios de hoje terão recompensas no futuro. As classes trabalhadoras com maior escolaridade têm menos paciência. Isso é assim porque a capacidade de expressar de forma independente os seus interesses é maior. Mas essa capacidade dos assalariados urbanos dependerá sempre de uma experiência subjetiva de auto-organização.[10: Sobre o tema da desumanização e consciência de classe, uma das obras de referência no marxismo clássico foi História e consciência de classe, hoje muito desvalorizada pelo entusiasmo com que defende o protagonismo do proletariado. Ocorre que nesse texto Lukács sistematiza de forma irretocável, algumas conclusões teóricas sobre as contradições entre a existência enquanto classe, e a formação da consciência de classe que permanecem até hoje, para o fundamental insuperáveis. Nele se esclarece que enquanto classe em si o proletariado é matéria humana para a expropriação de mais valia, ou seja, se evita os excessos do obreirismo messiânico e ingênuo, que pretende encontrar nas condições de vida material dos trabalhadores uma inspiração para os valores da luta anticapitalista. Lukács insiste que nas condições de miséria material e cultural em que está mergulhado, o proletariado sofre a mais abjeta brutalização, e que só pela ação coletiva e solidária pode apreender a sua força social e forjar as armas de sua organização independente que lhe poderá permitir uma negação da ordem e sua afirmação como classe para si. A seguir um pequeno trecho de História e consciência de Classe, onde podemos encontrar, em repetidas passagens, conclusões como a que transcrevemos: “o proletariado surge como produto da ordem social capitalista (...) as suas formas de existência estão constituídas de tal forma que a reificação tem, necessariamente, de se exprimir nelas de forma mais flagrante e mais aguda, produzindo a mais profunda desumanização. O proletariado compartilha, pois, a reificação de todas as manifestações de vida com a burguesia.” (grifo nosso) LUKÁCS, Georgy. História e consciência de classe. Porto, Escorpião, 1974. p. 35.]
 É mais difícil para a classe dominante impor uma destruição das conquistas históricas da geração anterior. A ruptura da coesão social, nestas condições, é muito mais perigosa. Sabemos pelo estudo da história como é difícil que se inicie um incêndio social. Mas depois que começou, é muito mais difícil controlá-lo. Porque fica mais ou menos claro, rapidamente, que se trata de uma regressão social. 
 Nenhuma sociedade mergulha em decadência sem que haja resistência, portanto, luta social. A psicologia social não opera da mesma forma, nos mesmos ritmos, que a psicologica dos indivíduos. Na dimensão pessoal, qualquer ser humano pode desistir de lutar em defesa de si mesmo, desistir até antes de lutar. Está desgastado pelo cansaço, ou pelo desânimo, até pela desilusão. As amplas massas não lutam com disposição revolucionária de vencer, a não ser, excepcionalmente. Mas quando surge esta disposição ela é uma das forças políticas mais poderosas da história. A destruição do padrão das relações sociais é mais fácil em sociedades agrárias, ou em situação de transição para a urbanização. 
 Segundo elemento: é mais fácil fazer essa destruição de direitos sociais em sociedades nas quais há uma parcela pequena da população economicamente ativa que é jovem. A emigração deixa sequelas sociais e políticas. A emigração de centenas de milhares de portugueses jovens, por exemplo, deu tempo ao salazarismo. No Brasil, a emigração de 5% da população economicamente ativa nos anos noventa do século passado deu tempo ao ajuste neoliberal recolonizador feito pelo governo do PSDB, presidido por Fernando Henrique Cardoso. 
 Terceiro elemento a ser considerado, e mais importante: a memória político-social da história recente. Naquelas sociedades nas quais, no períodohistórico anterior, os trinta anos do passado recente, a população viveu a experiência de crescimento econômico, e existiu alguma mobilidade social, uma parcela da classe operária e a maioria da classe média conseguiram acesso a casa própria, os ajustes econômicos na forma de ataques sociais impiedosos manifestam-se como uma hecatombe inesperada. Nestas circunstâncias, a fúria popular tende a ser proporcional à desilusão. O potencial de explosividade é mais intenso.
 Quando o trabalhador comum, o cidadão médio se sente encurraldado, tende a abandonar a credulidade política. A credulidade é a forma da inocência política. As velhas lealdades aos partidos tradicionais se rompem. Esta é a janela por onde passa a onda de radicalização social. Na Argentina a centelha foi a decretação do estado de sítio pelo governo De La Rua em dezembro de 2001, reagindo em pânico diante de uma onda de invasão de super-mercados. Na Tunísia, em dezembro de 2010, a faísca foi a imulação de um jovem desesperado, e a reação hipócrita do ditador Ben Ali ao visitá-lo no hospital. 
 Quando ela virá, rigorosamente, não sabemos. Porque essa disputa se decide no campo da luta política. Que é o campo das conjunturas, dos ritmos curtos, das respostas rápidas, das iniciativas inesperadas, das surpresas, dos golpes e contra-golpes, das respostas instantâneas, portanto, daquilo que há de aleatório, circunstancial, acidental.
 Mas podemos prever se, em uma etapa histórico, a revolução estará ou não presente no campo de possibildades de cada sociedade.

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