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Brasília-DF. Fisiopatologia e Farmacologia do sistema Nervoso Elaboração Carolina Biz Rodrigues Silva Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I CONCEITOS INICIAIS ............................................................................................................................. 9 CAPÍTULO 1 SISTEMA NERVOSO: CLASSIFICAÇÃO ANÁTOMO-FUNCIONAL ................................................... 9 CAPÍTULO 2 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO E SISTEMA NERVOSO CENTRAL .............................................. 17 CAPÍTULO 3 DIFERENCIAÇÃO FARMACOLÓGICA ..................................................................................... 23 UNIDADE II FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO ......................................................................... 28 CAPÍTULO 1 DROGAS COLINÉRGICAS/COLINOMIMÉTICAS ........................................................................ 28 CAPÍTULO 2 DROGAS ANTICOLINÉRGICAS ................................................................................................ 35 CAPÍTULO 3 DROGAS SIMPATOMIMÉTICAS/ADRENÉRGICAS ....................................................................... 38 UNIDADE III FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL .............................................................................. 45 CAPÍTULO 1 MECANISMO DE AÇÃO E VIAS NEURONAIS ENVOLVIDAS NAS AÇÕES FARMACOLÓGICAS ...... 45 CAPÍTULO 2 FÁRMACOS USADOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................................ 57 CAPÍTULO 9 FISIOPATOLOGIA E TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA DOS PRINCIPAIS TRANSTORNOS NEUROLÓGICOS.................................................................................................................... 74 PARA (NÃO) FINALIZAR ..................................................................................................................... 99 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 100 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução O aumento da população mundial tem trazido importantes demandas à saúde, especialmente, com relação à crescente população de idosos. Simultaneamente, verifica-se uma maior prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, sendo essa população de idosos suscetível à ocorrência de várias morbidades associadas, como, por exemplo, câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e doenças neurológicas, muitas delas em estágio muito avançado de evolução. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças neurológicas afetam até 1 bilhão de pessoas no mundo todo, e a proporção está crescendo com o envelhecimento da população. Em 2007, segundo a OMS, 24,3 milhões de pessoas sofriam do mal de Alzheimer e de outros tipos debilitantes de demência. Diante disso, os profissionais que trabalham na área devem estar bem preparados para atender a esses pacientes, uma vez que muitas dessas doenças não têm cura e a medicação é uma das formas de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Este caderno busca suprir, de várias maneiras, os conhecimentos de farmacologia do sistema nervoso. Para isso, ele foi construído de forma a facilitar a sua compreensão da doença, do fármaco e de sua utilização. Objetivos » Apresentar conceitos gerais das doenças que afetam o sistema nervoso e seus fármacos. » Compreender a importância do correto uso dos medicamentos. » Favorecer o aprendizado de uso dos fármacos. » Refletir sobre o uso dos fármacos nas doenças neurológicas. 8 9 UNIDADE ICONCEITOS INICIAIS CAPÍTULO 1 Sistema nervoso: classificação anátomo-funcional Sistema nervoso O sistema nervoso origina-se da ectoderme, mais precisamente da placa neural. A placa neural, perto da 3a semana degestação, se fecha, formando o tubo neural que, na sua região anterior, sofre uma dilatação que dará origem ao Sistema Nervoso Central. No fechamento das extremidades da placa neural, forma-se a crista neural que dará origem a componentes que a neuroanatomia chama de elementos periféricos e componentes celulares gliais. O sistema nervoso é dividido em partes de forma didática, pois as várias partes estão intimamente relacionadas do ponto de vista morfológico e funcional. O sistema nervoso pode ser dividido levando-se em conta: critérios anatômicos, embriológicos e funcionais. Existe, ainda, uma divisão quanto à segmentação. A divisão do sistema nervoso por meio de critérios anatômicos, que é das mais conhecidas, vai esquematizada na figura abaixo. Figura 1. Esquema da divisão do sistema nervoso por meio de critérios anatômicos. 10 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS O Sistema Nervoso Central (SNC) é aquele que está contido no interior do chamado “estojo axial” (canal vertebral e crânio), ou seja, o encéfalo e a medula espinhal; o Sistema Nervoso Periférico (SNP) é aquele que é encontrado fora desse estojo ósseo, que se relaciona com o esqueleto apendicular, sendo composto pelos nervos (axônios) e gânglios (formações de corpos neuronais ganglionares dispersas em regiões do corpo ou mesmo dispostas ao longo da coluna vertebral, como os gânglios sensitivos). Essa distinção, embora muito esquemática, não é perfeitamente exata, pois os nervos e as raízes nervosas, para fazer conexão com o Sistema Nervoso Central, penetram no crânio e no canal vertebral. O SNC recebe, analisa e integra informações. É o local onde ocorre a tomada de decisões e o envio de ordens. O SNP carrega informações dos órgãos sensoriais para o Sistema Nervoso Central e do Sistema Nervoso Central para os órgãos efetores (músculos e glândulas). O SNC divide-se em encéfalo e medula. O encéfalo corresponde ao telencéfalo (hemisférios cerebrais), diencéfalo (tálamo e hipotálamo), cerebelo e tronco cefálico (que se divide em: bulbo, situado caudalmente; mesencéfalo, situado cranialmente; e ponte, situada entre ambos). Na divisão do sistema nervoso, com base nos critérios embrionários (Figura 2), as partes do Sistema Nervoso Central do adulto recebem o nome da vesícula primordial que lhes deu origem. Os termos telencéfalo, diencéfalo e mesencéfalo são os mais empregados. Não existe uma designação anatômica que corresponda exatamente ao termo embriológico mesencéfalo. Figura 2. Esquema da divisão do sistema nervoso por meio de critérios embrionários. Podemos, ainda, dividir o sistema nervoso em somático, que é a parte do sistema nervoso que atua em todas as relações que são percebidas por nossa consciência; e em visceral, aquele que interage, de forma inconsciente, no controle e na percepção do meio interno e vísceras. Sistema Nervoso Somático a. Eferente – neurônios e axônios motores b. Aferente – neurônios e axônios sensitivos Sistema Nervoso Visceral 11 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I a. Aferente – sensações das vísceras, como dilatações, aumento da pressão ou relaxamentos b. Eferente – Sistema Nervoso Autônomo (simpático: aumenta os batimentos do coração; e parassimpático: diminui os batimentos do coração) Os neurônios sensitivos, cujos corpos estão nos gânglios sensitivos, conduzem à medula ou ao tronco encefálico impulsos nervosos originados de receptores situados na superfície (por exemplo, na pele) ou no interior (vísceras, músculos e tendões). Os prolongamentos centrais desses neurônios se ligam, diretamente ou por meio de neurônios de associação, aos neurônios motores (somáticos ou viscerais), os quais levam o impulso ao músculo ou às glândulas. São aferentes os neurônios que trazem impulsos a uma determinada área do sistema nervoso, e eferentes os que levam impulsos dessa área. Existe, ainda, no sistema nervoso, um terceiro tipo de neurônio, denominado neurônio de associação, que faz a associação de um segmento com outro. O aparecimento dos neurônios de associação colaborou com um aumento da complexidade do sistema nervoso e permitiu a realização de comportamento cada vez mais elaborado. No SNC, existem as chamadas substâncias cinzenta e branca. A substância cinzenta é formada pelos corpos dos neurônios e a branca por seus prolongamentos. Com exceção do bulbo e da medula, a substância cinzenta ocorre mais externamente e a substância branca mais internamente. Tecido nervoso O tecido nervoso compreende, basicamente, dois tipos celulares: os neurônios e as células gliais ou neuroglia. O neurônio é a sua unidade fundamental, com a função básica de receber, processar e enviar informações. A neuroglia compreende células que ocupam os espaços entre os neurônios, com funções de sustentação, revestimento ou isolamento, modulação da atividade neuronal e defesa. Os neurônios são células excitáveis que se comunicam entre si ou com outras células, usando, basicamente, uma linguagem elétrica que consiste em alterações do potencial de membrana. A membrana celular separa dois ambientes que apresentam composições iônicas diferentes: o citoplasma, onde prevalecem íons com cargas negativas e potássio (K+); e o meio extracelular, onde predomina o sódio (Na+). As cargas elétricas dentro e fora da célula são responsáveis pelo estabelecimento de um potencial elétrico de membrana. Na maioria dos neurônios, o potencial de membrana em repouso está em torno de -60 a -70mV. Mais informações: <http://www.ufrgs.br/mnemoforos/arquivos/potenciais2005. pdf>. A maioria dos neurônios tem três regiões: corpo celular, dendritos e axônio (Figura 3). » Corpo Celular ou Pericário: contém o núcleo e o citoplasma com as organelas citoplasmáticas. Sua função é sintetizar todas as proteínas neuronais e realizar a 12 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS maioria dos processos de degradação e renovação de constituintes celulares. Do corpo celular partem prolongamentos, os dendritos e axônios. » Dendritos: geralmente curtos, possuem as mesmas características do citoplasma. Traduzem os estímulos recebidos em alterações do potencial da membrana, que envolvem entrada e saída de determinados íons. Os potenciais gerados nos dendritos propagam-se em direção ao corpo e, neste, em direção ao cone de implantação do axônio. » Axônio: prolongamento longo e fino, que se origina no corpo celular ou de um dendrito, a partir de uma região denominada cone de implantação. Possui membrana plasmática e citoplasma. O axônio é capaz de gerar alteração de potencial de membrana, denominada potencial de ação ou impulso nervoso, e conduzi-lo até o axônio onde ocorre a comunicação com outros axônios ou células efetuadoras. Figura 3. Neurônio e suas divisões. Sinapses e neurotransmissores As fibras nervosas propagam impulsos elétricos muito rapidamente, em todo o seu comprimento, e transmitem à célula que lhe segue, por meio das sinapses. Podem existir sinapses entre dois neurônios, entre célula sensorial e neurônio ou entre neurônio e órgão. Quando a célula efetora é um músculo, o local da sinapse é chamado de placa motora. O impulso é captado pelos dendritos, passa ao corpo celular e deste para o axônio, que o envia para a célula seguinte. No repouso, o interior do neurônio está carregado mais negativamente que o exterior. Quando um potencial de ação chega à membrana celular, o estímulo altera a permeabilidade aos íons sódio e potássio, permitindo a entrada de íons sódio e a saída de íons potássio. Ocorre, assim, a despolarização (diminuição da negatividade no interior da célula). Em alguns casos, os neurônios estão tão próximo que a onda de despolarização passa espontaneamente do axônio de um neurônio para o dendrito do neurônio seguinte, o que se denomina sinapse elétrica(Figura 4). 13 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I Figura 4. Tipos de sinapses A grande maioria das sinapses são sinapses químicas (Figura 4). O sinal elétrico chega à terminação axônica e provoca a liberação de neurotransmissores, mensageiros químicos presentes no interior de vesículas. Ao atingir o axônio, o potencial de ação faz com que as vesículas se fusionem com a membrana e liberem os neurotransmissores que estavam contidos na vesícula no interior da fenda sináptica (espaço entre o neurônio e a célula efetora). Ao serem liberados, os neurotransmissores ligam-se a receptores específicos presentes na membrana da célula pós-sináptica. A ligação do neurotransmissor com o seu receptor específico gera uma alteração no potencial de membrana da célula, transmitindo o impulso nervoso e gerando uma resposta (contração muscular, por exemplo). Concluímos, então, que a transmissão do impulso implica na transformação de um sinal elétrico em um sinal químico que, posteriormente, é transformado em outro sinal elétrico (Figura 5). Figura 5. Sinapse. Entre os neurotransmissores conhecidos estão a acetileolina, certos aminoácidos, como a glicina, o glutamato, o aspartate, o ácido gama-amino-butírico ou GABA e as monoaminas, dopamina, noradrenalina, adrenalina e histamina. Sabe-se, hoje, que muitos peptídeos também podem funcionar como neurotransmissores, como, por exemplo, a substância P, em neurônios sensitivos, e os opioides. Esses últimos pertencem ao mesmo grupo químico da morfina e, entre eles, estão as endorfinas e as encefalinas. Se o neurotransmissor causar despolarização na membrana pós- sináptica, o neurotransmissor e a sinapse são chamados de excitatórios. Mas, se causarem hiperpolarização, são chamados de inibitórios. Há vários tipos de neurotransmissores excitatórios e inibitórios. 14 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS Para ter mais detalhes sobre sinapses e neurotransmissores, acesse o link: <http:// www.unirio.br/farmacologia/aulas%20fisiologia/2.%20sistema%20nervoso/ INTRODU%C3%87%C3%83O/APOSTILA%20sinapse%20-%20UNESP.pdf>. Os neurotransmissores agem sobre dois tipos de receptores pós-sinápticos. » Receptores ionotrópicos: possuem sítios de recepção para os neurotransmisso- -res localizados em um canal iônico com comporta. Quando o neurotransmissor se liga ao sítio receptor, ocorre uma mudança de conformação espacial, resultando na abertura (ou fechamento) de poro iônico. » Receptores metabotrópicos: são moléculas que possuem sítios para os neurotransmissores, mas que não são canais iônicos. A formação do complexo neurotransmissor-receptor inicia reações bioquímicas que culminam com a abertura indireta dos canais iônicos. Nesse caso, o receptor pós-sináptico ativa uma proteína reguladora, chamada proteína G, que, por sua vez, aciona outra proteína, chamada efetuadora, que, efetivamente, poderá mudar a conformação de um canal iônico ou, então, ativar uma enzima chave que modifica o metabolismo do neurônio pós-sináptico. Esses tipos de receptores ativam uma reação em cascata e usam um segundo mensageiro (o primeiro é neurotransmissor). Assim, nas sinapses em que o neurotransmissor age diretamente sobre receptores ionotrópicos, a neurotransmissão é bastante rápida e, nas sinapses mediadas por receptores metabotrópicos à comunicação, é mais demorada. Para que as sinapses funcionem adequadamente, o neurotransmissor precisa ser rapidamente removido da fenda sináptica. Do contrário, ocorre excitação ou inibição do elemento pós-sináptico por tempo prolongado. A remoção do neurotransmissor pode ser feita por ação enzimática. É o exemplo da acetileolina, que é hidrolisada pela enzima acetileolinesterase em acetato e colina. A colina é imediatamente capturada pela terminação nervosa colinérgica, servindo como substrato para síntese de nova acetilcolina. Possivelmente, proteases são responsáveis pela remoção dos peptídeos que funcionam como neurotransmissores ou neuromoduladores (Figura 6). 15 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I Figura 6. Desenho esquemático das etapas nas quais as drogas podem alterar a transmissão sináptica: (1) potencial de ação na fibra pré-sináptica; (2) síntese de transmissor; (3) armazenamento; (4) metabolismo; (5) liberação; (6) recaptação; (7) degradação; (8) receptor para o transmissor; (9) aumento ou diminuição induzido pelo receptor na condutância iônica. Existem, também, as sinapses químicas neuroefetuadoras ou junções neuroefetuadoras, que envolvem os axônios dos nervos periféricos e uma célula efetuadora não neuronal. Estas são classificadas da seguinte forma. » Junção neuroefetuadora somática: se fazem com células musculares estriadas esqueléticas (células pós-sinápticas), onde o elemento pré-sináptico é uma terminação axônica de um neurônio motor somático, cujo corpo se localiza na medula espinhal ou no tronco encefálico. São sinapses direcionadas, denominadas placa motora. » Junção neuroefetuadora visceral: é o contato de células musculares lisas, cardíacas ou glandulares com terminações nervosas de neurônios do Sistema Nervoso Autônomo Simpático e Parassimpático, cujos corpos se encontram em gânglios. Não são direcionadas, ou seja, a transmissão pode ocorre nas duas direções. Neuróglia (Células Gliais) Tanto no Sistema Nervoso Central quanto no Sistema Nervoso Periférico, os neurônios relacionam- se com células coletivamente denominadas neuroglia, glia ou gliócitos. São as células mais frequentes do tecido nervoso, podendo a proporção entre neurônios e células gliais variar de 1:10 a 1:50. No Sistema Nervoso Central, a neuroglia apresenta quatro tipos celulares. » Astrócitos: têm a forma de estrela, com inúmeros prolongamentos. Em grande quantidade, apresentam-se sob duas formas: astrócitos protoplasmáticos, 16 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS localizados na substância cinzenta e astrócitos fibrosos, localizados na substância branca. Têm como funções sustentação e isolamento de neurônios, controle dos níveis de potássio extraneuronal e armazenamento de glicogênio no SNC. » Oligodendrócitos: em conjunto com os astrócitos, denominam-se macróglia. São células menores que as primeiras, com poucos prolongamentos. Organizam-se em dois tipos: oligodendrócito satélite (junto ao pericário e dendritos) e oligodendrócito fascicular (junto às fibras nervosas), sendo os últimos responsáveis pela formação da bainha de mielina em axônios no SNC. » Microgliócitos: células pequenas com poucos prolongamentos, presentes tanto na substância branca quanto na substância cinzenta, com principal função de fagocitose. » Células ependimárias: com disposição epitelial e, geralmente, ciliadas, revestem as paredes dos ventrículos cerebrais, do aqueducto cerebral e do canal da medula espinhal. Em conjunto com os microgliócitos, formam a micróglia. No SNP, a neuroglia compreende dois tipos celulares: as células satélites, que envolvem os pericários dos neurônios dos gânglios sensitivos e do Sistema Nervoso Autônomo, e as células de Schwann, que circundam os axônios, formando a bainha de mielina e o neurilema, e que têm importante função na regeneração das fibras nervosas. Fibras nervosas Uma fibra nervosa compreende um axônio e, quando presentes, seus envoltórios de origem glial. O principal envoltório das fibras nervosas é a bainha de mielina, que funciona como isolante elétrico. Quando envolvidos por bainha de mielina, os axônios são denominados fibras nervosas mielínicas. Na ausência de mielina, denominam-se fibras nervosas amielínicas. Ambos os tipos ocorrem tanto no Sistema Nervoso Periférico quanto no Sistema Nervoso Central, sendo a bainha de mielina formada por células de Schwann, no periférico, e por oligodendrócitos, no central. No Sistema Nervoso Periférico,logo após seus segmentos iniciais, cada axônio é circundado por células de Schwann, que se colocam em intervalos ao longo de seu comprimento. Essas bainhas se interrompem a intervalos mais ou menos regulares para cada tipo de fibra. Essas interrupções são chamadas de nódulos de Ranvier. Por ser isolante, a bainha de mielina permite condução mais rápida do impulso nervoso. Ao longo dos axônios mielínicos, os canais de sódio e potássio sensíveis à voltagem encontram-se apenas ao nível dos nódulos de Ranvier. A condução do impulso nervoso é, portanto, saltatória, ou seja, potenciais de ação só ocorrem nos nódulos de Ranvier. Isso é possível dado o caráter isolante da bainha de mielina, que permite à corrente provocada por cada potencial de ação percorrer todo o internódulo sem extinguir-se. 17 CAPÍTULO 2 Sistema nervoso autônomo e sistema nervoso central Sistema nervoso autônomo A manutenção do frágil equilíbrio existente no nosso organismo, homeostasia, é coordenada por regiões do sistema nervoso especialmente dedicadas a isso, o Sistema Nervoso Autônomo (SNA). Esse sistema ajuda a controlar a pressão arterial, a motilidade e a secreção gastrintestinal, a emissão urinária, a sudorese, a temperatura corporal e outras atividades. O SNA, também conhecido como Sistema Nervoso Visceral, Vegetativo ou Automático, tem a função de manter estável o organismo frente às necessidades de adaptação aos meios internos e externos. O SNA é composto por um conjunto de neurônios situados no tronco encefálico e na medula espinhal e apresenta duas divisões anatômicas clássicas e uma, ainda, controvertida. A controvertida é a divisão gastroentérica, constituída pelos plexos intramurais, uma intrincada rede de neurônios situados nas paredes das vísceras que participam do controle das funções digestivas, sendo considerada, por muitos autores, como Sistema Nervoso Autônomo Entérico. As clássicas são as divisões: 1) simpática (Sistema Nervoso Simpático – SNS), que parte da região tóracolombar da coluna vertebral; e a 2) parassimpática (Sistema Nervoso Parassimpático – SNP), que parte da região crâniossacral. Os termos simpático e parassimpático derivam da palavra grega que significa “harmonia”, são anatômicos, e não necessariamente apresentam ações antagonistas. A atividade simpática tende a predominar no estresse (resposta de luta ou fuga), apresentando um gasto energético altamente catabólico. Já a atividade parassimpática predomina durante a saciedade e o repouso, sendo que o seu gasto energético é altamente anabólico. Entretanto, ambos os sistemas funcionam continuamente, quando o corpo não está em nenhum extremo (Figura 7). 18 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS Figura 7. Órgãos inervados pelo Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático e suas respectivas funções. Diferenças anatômicas entre o Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático Os dois neurônios da via autônoma são conhecidos, respectivamente, como pré-ganglionar e pós- ganglionar. No Sistema Nervoso Simpático, os neurônios pré-ganglionares estão localizados nos segmentos torácicos e lombares altos da medula espinhal. Com relação à localização dos neurônios pós-ganglionares, no sistema simpático, eles estão localizados nos gânglios (o aglomerado de corpos neuronais dentro do Sistema Nervoso Central é chamado de núcleo; fora dele, ele é chamado de gânglio) paravertebrais ou no pré-vertebrais, que se encontram a alguma distância dos órgãos-alvo. Em contrapartida, os neurônios pré-ganglionares do Sistema Nervoso Parassimpático são encontrados no tronco encefálico e na medula espinhal sacral. No caso do sistema parassimpático, os neurônios pós-ganglionares são encontrados nos gânglios parassimpáticos que estão próximos ou mesmo localizados nas paredes dos órgãos-alvo. Uma importante característica anatômica do sistema simpático é ter as fibras pré-ganglionares bastante curtas em comparação com as fibras pós-ganglionares. O Sistema Nervoso Parassimpático possui fibras pré-ganglionares muito longas que surgem do encéfalo ou dos segmentos sacrais. Essas fibras vão até o órgão-alvo e, lá, encontram gânglios bastante próximos da parede do órgão onde fazem sinapse com as fibras pós-ganglionares. As fibras pós-ganglionares inervam o órgão. Um exemplo é o que ocorre no tubo gastrintestinal, entre as lâminas de músculo liso, onde é formado um plexo denominado mioentérico. Esse plexo é composto por uma enorme rede de gânglios e fibras, que são encontradas entre as camadas musculares. 19 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I Diferenças entre o sistema nervoso simpático e parassimpático O controle exercido pelo Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático sobre muitos órgãos tem um caráter oposto, porém esta não é uma generalização que possa ser considerada uma regra. Dessa forma, é mais correto afirmar que essas duas divisões do sistema autônomo trabalham de forma coordenada, ou seja, em algumas situações, eles agem de forma sinérgica e, em outras, atuam reciprocamente, no que se refere ao controle da atividade visceral. Outro contraponto à ideia generalizada de que esses sistemas agem de forma antagônica, é o fato de que nem todos os órgãos recebem inervação dos dois sistemas (exemplos: as glândulas da pele e os vasos do corpo). Uma das diferenças fisiológicas entre o simpático e o parassimpático é que este tem ações sempre localizadas a um órgão ou setor do organismo, enquanto as ações do simpático, embora possam ser também localizadas, tendem a ser difusas, atingindo vários órgãos. A base anatômica dessa diferença está no fato de que os gânglios parassimpáticos, estando próximos das vísceras, fazem com que o território de distribuição das fibras pós-ganglionares seja necessariamente restrito. Além disso, no sistema parassimpático, uma fibra pré-ganglionar faz sinapse com um número relativamente pequeno de fibras pós-ganglionares, já no sistema simpático, os gânglios estão longe das vísceras e uma fibra pré-ganglionar faz sinapse com várias fibras pós-ganglionares. Diferenças farmacológicas entre o sistema nervoso simpático e parassimpático As fibras pré-ganglionares do Sistema Nervoso Autônomo (simpáticas e parassimpáticas) liberam o neurotransmissor acetilcolina e são chamadas de fibras colinérgicas. As fibras pós-ganglionares parassimpáticas são também colinérgicas, mas as fibras pós-ganglionares simpáticas podem ser tanto colinérgicas quanto adrenérgicas – liberam noradrenalina ou adrenalina (Figura 8). Figura 8. Representação da liberação de neurotransmissores e seus principais efeitos nos órgãos inervados. As diferenças farmacológicas dizem respeito à ação de drogas. Quando injetamos, em um animal, certas drogas, como adrenalina e noradrenalina, obtemos efeitos (aumento da pressão arterial, do 20 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS ritmo cardíaco etc.) que se assemelham aos obtidos por ação do Sistema Nervoso Simpático. Essas drogas que imitam a ação do Sistema Nervoso Simpático são denominadas simpaticomiméticas. Existem, também, drogas, como acetilcolina, que imitam as ações do parassimpático e são chamadas parassimpaticomiméticas. A descoberta dos neurotransmissores veio explicar o modo de ação e as diferenças existentes entre esses dois tipos de drogas. As fibras nervosas que liberam a acetilcolina são chamadas colinérgicas e as que liberam noradrenalina, adrenérgicas. A rigor, essas últimas deveriam ser chamadas noradrenérgicas, mas, inicialmente, pensou-se que o principal neurotransmissor seria a adrenalina e o termo “adrenérgico” tornou-se clássico. Hoje, sabemos que, nos mamíferos, é a noradrenalina e não a adrenalina o principal neurotransmissor nas fibras adrenérgicas. Sistema nervoso central Figura 9. Representação do Sistema NervosoCentral. O Sistema Nervoso Central é formado pelo encéfalo e pela medula espinal, protegidos, respectivamente, pelo crânio e pela coluna vertebral (Figura 9). Essa proteção é reforçada pela presença de lâminas de tecido conjuntivo, as meninges. Elas são de fora para dentro: dura-máter, aracnoide-máter e pia-máter. A dura-máter é a mais espessa delas, sendo que, no crânio, está associada ao periósteo da face interna dos ossos. A pia-máter é a mais fina e está intimamente aplicada ao encéfalo e a medula espinal. Entre a dura e a pia-máter está a aracnoide-máter, da qual partem fibras delicadas que vão à pia-máter, formando uma rede semelhante a uma teia de aranha. A aracnoide-máter é separada da pia-máter pelo espaço subaracnoideo, onde circula o líquido cerebrospinal (líquor), o qual funciona como absorvente de choques. O encéfalo é dividido em cérebro, cerebelo, mesencéfalo, ponte e bulbo, sendo esses três últimos conhecidos, em conjunto, como tronco encefálico. A maior parte do encéfalo corresponde ao cérebro, constituído por duas massas, os hemisférios cerebrais, unidos por uma ponte de fibras nervosas, o corpo caloso, e separados por uma lâmina, a foice do cérebro. Os hemisférios podem ser divididos em lobos, correspondendo cada um aos ossos do crânio com que guardam relações, 21 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I existindo, portanto, os lobos frontal, occipital, temporal e parietal. Há, também, o lobo insular que é mais profundo em relação aos outros. O cérebro responde pelas funções nervosas mais elevadas, contendo centros para interpretação de estímulos, bem como centros que iniciam movimentos musculares. Ele armazena informações e é responsável, também, por processos psíquicos altamente elaborados, determinando a inteligência e a personalidade. O cerebelo atua, basicamente, como coordenador dos movimentos da musculatura esquelética e na manutenção do equilíbrio. O tronco encefálico, além de ser a origem de dez dos doze nervos cranianos, é sede de várias funções ligadas ao controle das atividades involuntárias e das emoções. A medula espinal é formada por trinta e um segmentos, cada um dos quais dá origem a um par de nervos espinais. Ela atua como um caminho pelo qual passam impulsos que vão ou vem do encéfalo para várias partes do corpo. A observação atenta de um corte de qualquer área do SNC permite reconhecer áreas claras e escuras que representam, respectivamente, o que se chama de substância branca e substância cinzenta. A primeira está constituída, predominantemente, por fibras nervosas mielínicas e a segunda por corpos de neurônios. No cérebro e no cerebelo, a estrutura geral é a mesma: uma massa de substância branca, revestida, externamente, por uma fina camada de substância cinzenta e tendo, no centro, massas de substância cinzenta, constituindo os núcleos (acúmulos de corpos neuronais dentro do SNC). Na medula, a substância cinzenta forma um eixo central contínuo envolvido por substância branca, enquanto, no tronco encefálico, a substância cinzenta central não é contínua, apresentando- se fragmentada, formando núcleos. O SNC começa na medula espinhal e se conecta a neurônios eferentes (que partem da medula espinhal para os tecidos periféricos) e aos aferentes (que passam dos tecidos periféricos para a medula espinhal) com o cérebro. Sua função principal é receber os sinais com informações, processá-las e emitir as respostas determinadas, controlando, assim, as atividades do corpo. Os neurotransmissores mais conhecidos que atuam no SNC são: acetilcolina, noradrenalina, histamina, GABA (ácido gama-aminobutírico) e glutamato. Organização celular do cérebro Os sistemas neuronais no SNC podem ser divididos, em sua maioria, em duas grandes categorias: sistemas hierárquicos e sistemas neuronais difusos ou inespecíficos. Os sistemas hierárquicos incluem todas as vias diretamente envolvidas na percepção sensorial e no controle motor. Em geral, as vias são claramente delineadas, constituindo-se de grandes fibras mielinizadas. A informação é tipicamente fásica e, nos sistemas sensoriais, a informação é processada sequencialmente por integrações sucessivas em cada núcleo transmissor em seu tiajeto até o córtex. No interior de cada núcleo e no córtex, existem dois tipos de células: neurônios retransmissores ou de projeção e neurônios de circuitos locais. Os neurônios de projeção que formam as vias de interligação transmitem sinais por longas distâncias. Seus corpos celulares são relativamente grandes, e seus axônios emitem ramos colaterais que se arborizam extensamente nas proximidades do neurônio. Esses neurônios são excitatórios, e suas influências sinápticas, que envolvem receptores ionotrópicos, são de duração muito curta. O 22 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS transmissor excitatório liberado por essas células é, na maioria dos casos, o glutamato. Os neurônios de circuitos locais são tipicamente menores do que os neurônios de projeção, e seus axônios se arborizam nas proximidades imediatas do corpo celular. Esses neurônios são, em sua grande maioria, inibitórios, liberando GABA ou glicina. Fazem sinapse, principalmente, no corpo celular dos neurônios de projeção, mas também podem fazê-la nos dendritos de neurônios de projeção, bem como entre si. Uma classe especial de neurônios de circuitos locais na medula espinhal forma sinapses axoaxônicas nas terminações de axônios sensoriais. Os dois tipos comuns de vias para esses neurônios incluem vias de retroalimentação recorrentes e vias de alimentação anterógrada (feedforward). Em algumas vias sensoriais, como a retina e o bulbo olfativo, os neurônios de circuitos locais podem carecer efetivamente de um axônio e liberar o neurotransmissor a partir de sinapses dendríticas, de modo gradual, na ausência de potenciais de ação. A despeito da existência de uma grande variedade de conexões sinápticas nesses sistemas hierárquicos, o fato de que um número limitado de transmissores é utilizado por esses neurônios indica que qualquer manipulação farmacológica importante desse sistema irá exercer um efeito profundo sobre a excitabilidade global do SNC. Por exemplo, o bloqueio seletivo dos receptores de GABA por uma droga, como a picrotoxina, resulta em convulsões generalizadas. Os sistemas neuronais que contêm uma das monoaminas – noradrenalina, dopamina ou 5-hidroxitriptamina (serotonina) – fornecem exemplos de Sistemas Neuronais Inespecíficos ou Difusos. Outras vias que provêm da formação reticular e, possivelmente, algumas vias contendo peptídios também pertencem a essa categoria. Esses sistemas diferem dos sistemas hierárquicos em aspectos fundamentais, e os sistemas noradrenérgicos servirão para ilustrar essas diferenças. Os corpos celulares noradrenérgicos são encontrados, principalmente, num grupo celular compacto, denominado locus ceruleus, localizado na substância cinzenta central da ponte. Os axônios desses neurônios são muito finos e não são mielinizados. Por conta disso, eles conduzem muito lentamente, numa velocidade de cerca de 0,5m/s. Os axônios ramificam-se repetidamente e divergem de modo que os ramos do mesmo neurônio podem inervar várias partes funcionalmente distintas do SNC. Por fim, os neurotransmissores utilizados por sistemas neuronais difusos, incluindo a noradrenalina, atuam, em sua maioria, sobre os receptores metabotrópicos e, portanto, desencadeiam efeitos sinápticos de longa duração. Com base em todas essas observações, fica claro que os sistemas monoamínicos não podem estar transmitindo tipos topográficos específicos de informação – em vez disso, grandes áreas do SNC devem ser afetadas simultaneamente e de maneira bastante uniforme. Por conseguinte, não é surpreendente que esses sistemas tenham sido implicados em funções globais,como o sono e a vigília, a atenção, o apetite e os estados emocionais. 23 CAPÍTULO 3 Diferenciação farmacológica Princípios de neurofarmacologia Nosso organismo está exposto a várias substâncias tóxicas: venenos de origem animal ou vegetal metais pesados (mercúrio, chumbo e cromo) e a um monte de drogas sintéticas (fármacos). Várias substâncias são neurotóxicas e afetam, especificamente, a neurotransmissão. O conhecimento básico de alguns princípios de Neurofarmacologia nos serão muito úteis. As substâncias exógenas que se ligam especificamente a um determinado receptor, mimetizando fielmente os efeitos do neurotransmissor natural, são conhecidas como agonistas. Quando o contrário acontece, isto é, quando o efeito natural é bloqueado, chamamos essas drogas de antagonistas. Um mesmo neurotransmissor pode ter muitos subtipos de receptores pós-sinápticos. Por exemplo, a acetilcolina possui dois subtipos: os receptores nicotínicos e os muscarínicos. Os receptores nicotínicos são ionotrópicos, são estimulados somente pela nicotina e estão presentes somente nas placas motoras das fibras musculares esqueléticas; já os receptores muscarínicos são metabotrópicos, são estimulados exclusivamente pela muscarina e estão restritos às fibras musculares lisas e cardíacas. Além da ação das drogas agonistas, esses receptores possuem, também, antagonistas específicos: o curare bloqueia apenas os receptores nicotínicos e a atropina bloqueia os receptores muscarínicos. Essas propriedades não deixam dúvidas de que os receptores colinérgicos são farmacológica e molecularmente diferentes. Isso pode tornar a compreensão da neurotransmissão um pouco mais complicada, mas, por outro lado, quer dizer que se torna possível fabricar medicamentos bastante específicos que agem no coração ou nas fibras musculares esqueléticas. Famílias estruturais e funcionais de receptores De acordo com suas estruturas moleculares e mecanismos de transdução de sinais, os receptores foram divididos em quatro tipos ou superfamílias. » Tipo1 – Canais iônicos regulados por ligantes: são, também, denominados receptores ionotrópicos. Ex.: receptores nicotínicos da acetilcolina (ACh) e receptores para o GABA. » Tipo 2 – Receptores acoplados à proteína G: são, também, chamados de receptores metabotrópicos. Ex.: receptores muscarínicos da acetilcolina e adrenoceptores. » Tipo 3 – Receptores enzimáticos (ligados a quinases). Ex.: receptor para insulina e receptores para citocinas. » Tipo 4 – Receptores nucleares. Ex.: receptores para os hormônios esteroides e da tireoide. 24 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS Nesta apostila, vamos estudar os receptores ionotrópicos e os metabotrópicos, pois são os mais relevantes para o estudo da farmacologia do sistema nervoso. Receptores ionotrópicos são proteínas transmembranas constituídas de múltiplas subunidades que, ao se associarem, formam um canal (ou poro), com permeabilidade seletiva a íons e cuja abertura se dá em resposta à ligação do ligante. Uma vez aberto esse canal, a membrana sofre uma alteração transitória da sua permeabilidade a determinado íon. Assim, esses receptores propagam seus sinais, alterando o potencial ou a composição iônica da membrana celular. Tais receptores estão presentes nas membranas pós-sinápticas de nervos ou células musculares e estão envolvidos na transmissão sináptica rápida do sistema nervoso. O modelo da classe é o receptor nicotínico da ACh presente nos gânglios autonômicos simpáticos e parassimpáticos e nas junções neuromusculares. Trata-se de um canal de sódio formado por cinco subunidades, sendo 2 a, 1 b, 1δ e 1g. O pentâmero possui dois sítios de ligação para ACh, nas interfaces entre as subunidades αb e αg. A ligação simultânea de duas moléculas de ACh promove a ativação do receptor e abertura do canal, com rápido influxo de Na+ para a célula, levando à despolarização da membrana plasmática e geração de potencial de ação. Já os receptores metabotrópicos acoplados à proteína G (GPCR) consistem de uma única cadeia polipeptídica que se estende ao longo de toda a membrana plasmática, formando sete a-hélices transmembrana. Possuem um domínio N-terminal, extracelular, que constitui o sítio de ligação para o ligante, e outro domínio C-terminal, intracelular, que liga a proteína G. As proteínas G estão presas à superfície interna da membrana plasmática e funcionam como transdutores de sinais, propagando a informação do receptor ativado, pela ligação ao ligante, para as proteínas efetoras (ex.: adenilil-ciclase). Elas são formadas por três subunidades: a, b e g, sendo a subunidade a (Ga) o sítio de ligação para o GTP. Existem variações moleculares dentro da subunidade a, o que gera mais de 20 subtipos de proteínas G. Diferentes tipos de receptores podem ativar uma mesma proteína G e, de modo inverso, um único receptor pode gerar múltiplos sinais, por meio da ativação de diferentes proteínas G. Isto ocorre porque os subtipos de proteínas G são capazes de reconhecer seletivamente sítios de ligação específicos nos receptores e efetores. As proteínas G de importância farmacológica são: Gs, Gi, GO e Gq. Alvos moleculares para as proteínas G: » Sistema adenilil-ciclase/AMPc › Proteína efetora: adenilil-ciclase › Segundo mensageiro: AMPc O AMPc é um nucleotídeo produzido no citosol celular, a partir do ATP, por ação da enzima adenilil- ciclase. Dessa forma, a estimulação dessa enzima leva ao aumento da concentração intracelular de AMPc, enquanto que a sua inibição leva à redução dos níveis intracelulares de AMPc. As proteínas Gs e Gi estimulam e inibem, respectivamente, a enzima adenilil-ciclase. Uma vez produzido, o AMPc 25 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I ativa proteínas quinases, que fosforilam resíduos de aminoácidos em enzimas ou canais iônicos, regulando, assim, suas funções. Por exemplo: a ativação de adrenoceptores b (GPCR) no fígado e no músculo leva à ativação de uma Gs, que, por sua vez, ativa a adenilil-cilase, levando ao aumento intracelular de AMPc. O AMPc, então, ativa proteínas quinases, que vão fosforilar as proteínas glicogênio sintase, que se torna inativa, e a glicogênio fosforilase, tornando-a ativada. O resultado é a diminuição da síntese do glicogênio e o aumento da glicogenólise, numa ação coordenada para que a glicose se torne disponível para fornecer energia para a contração muscular. Outro exemplo da ação das proteínas quinases ativadas pelo AMPc é a fosforilação de canais de Ca2+ voltagem-dependentes quando da interação da adrenalina com adrenoceptores β1 no coração. Os canais de Ca 2+ fosforilados permitem maior influxo de Ca2+ durante o potencial de ação, aumentando a força de contração do músculo cardíaco. » Sistema Fosfolipase C/ fosfato de inositol: › Proteína efetora: fosfolipase C (PLC) › Segundos mensageiros: trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG) O principal efeito da estimulação desse sistema é a liberação de Ca2+ do retículo endoplasmático (RE), organela que funciona como um importante estoque intracelular desse íon. A PLC é uma enzima ancorada à membrana plasmática que, quando ativada pela proteína Gq, hidrolisa o fosfolipídeo de membrana, fofatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2), produzindo IP3 e DAG. O IP3 liga-se aos receptores de IP3 no retículo endoplasmático (IP3R), promovendo a liberação de Ca2+ dessa organela, o que eleva, rapidamente, a concentração citosólica desse íon. Esse aumento transitório da concentração de Ca2+ intracelular é fundamental para a ação de diversos mediadores endógenos, incluindo contração, secreção e ativação de enzimas, bem como para a ação de muitos fármacos. O DAG também participa da resposta de ativação da PLC pela Gq, por meio da ativação da proteínaquinase C (PKC), que, por sua vez, catalisaa fosforilação de várias proteínas envolvidas em diversos eventos celulares. » Canais iônicos A fração Ga-GTP ou o complexo βg podem controlar diretamente a função de um canal iônico, sem que haja participação de segundos-mensageiros como o AMPc ou o IP3. Por exemplo: a ação da ACh em receptores M2 no nodo sinoatrial leva à ativação de uma Gi, cujo complexo βg ativa, diretamente, canais de K+, promovendo maior efluxo desse íon, gerando hiperpolarização das fibras sinusais, com consequente redução da frequência cardíaca. 26 UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS Neurotransmissores A acetilcolina é um neurotransmissor clássico e o primeiro a ser descoberto. Atua como mediador de várias sinapses nervosas centrais e periféricas. Os neurônios colinérgicos possuem a enzima-chave, a acetilcolina transferase, que transfere um grupo acetil do acetil-CoA à colina. O neurônio também sintetiza a enzima acetilcolinesterase (AChE) que é secretada para a fenda sináptica e degrada o neurotransmissor em colina e ácido acético. A colina é recaptada e reutilizada para síntese de novos neurotransmissores. O aminoácido tirosina é o precursor de três neurotransmissores que possuem o grupo catecol: noradrenalina, adrenalina e dopamina, conhecidas como catecolaminas. Sofrem recaptação na membrana pré-sináptica e são enzimaticamente degradadas pela MAO (monoaminooxidades) no terminal pré-sináptico. Muitas drogas, como a anfetamina e a cocaína, interferem com a sua receptação, prolongando a presença do NT na fenda. A serotonina não é uma catecolamina, pois é uma amina sem o grupo catecol. É sintetizada a partir do aminoácido essencial triptofano. Os neurônios serotonérgicos centrais parecem estar envolvidos na regulação da temperatura, percepção sensorial, na indução do sono e na regulação dos níveis de humor. Como as catecolaminas são recaptadas pela membrana pré-sináptica e degradadas pela MAO, drogas que atuam bloqueando a sua receptação, como fluoxetina (Prozac), são utilizados nos tratamentos antidepressivos. Mais da metade dos neurônios do SNC utiliza o glutamato (Glu) e aspartato (Asp), principais neurotransmissores excitatórios do SNC, sendo que o Glu responde por 75% da atividade despolarizante. O Glu possui quatro tipos de receptores, sendo três deles ionotrópicos. » AMPA: canal iônico para cátions (Na), produzindo despolarização rápida. » Kainato: parecido com o AMPA. » NMDA: canais para dois cátions (Na e Ca), produzindo despolarização lenta e persistente. Os receptores do tipo NMDA são bastante complexos. O Glu liga-se a receptores NMDA, mas precisa de outro neurotransmissor, chamado glicina, para abrir o canal. Mesmo aberto, o interior do canal está obstruído por íons Mg++, o que impede a entrada de Ca++. Como o canal AMPA é mais rápido, a entrada de cátions por essa via despolariza a membrana, repelindo os íons Mg++ dos canais NMDA. Finalmente, torna-se possível a entrada de Na+ e de Ca++. Em outras palavras, a ação despolarizante do glutamato depende de uma despolarização prévia de dois neurotransmissores. O Ca++ desempenha importante papel como 2o mensageiro. O ácido γ-aminobutírico (GABA) é um aminoácido que não entra na síntese de proteínas e só está presente nos neurônios gabaégicos. É o principal neurotransmissor inibitório do SNC. Os receptores são de dois subtipos. » GABAA: ionotópicos que abrem canais de Cl- e hiperpolarizam a membrana. » GABAB: metabotópicos que estão acoplados à proteína G e aumentam a condutância para os íons K+, hiperpolarizando a membrana. 27 CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I As drogas conhecidas como tranquilizantes benzodiazepínicos (ansiolíticos) estimulam esses receptores, aumentando o nível de inibição do SNC. São utilizadas nos tratamentos da ansiedade e da convulsão. Já os barbitúricos têm o mesmo efeito, agindo em outro sítio de ligação; são tão potentes que são utilizados como anestésicos gerais. A glicina é um neurotransmissor inibitório que aumenta a condutância para o Cl- na membrana pós-sináptica dos neurônios espinhais. A sua presença é essencial para que os receptores NMDA funcionem. A bactéria Clostridium entra no organismo por lesões de pele, tais como cortes, arranhaduras, mordidas de animais e provoca o tétano. A bactéria possui toxinas que agem competitivamente sobre os receptores de glicina, removendo a sua ação inibidora sobre os neurônios motores do tronco encefálico e da medula espinhal. São os sintomas: rigidez muscular em todo o corpo, principalmente, no pescoço; dificuldade para abrir a boca (trismo) e engolir; e riso sardônico produzido por espasmos dos músculos da face. A contratura muscular pode atingir os músculos respiratórios. A estricnina é um veneno alcaloide de sementes de Strichnos nux vomica que antagonizam os efeitos da Gli, causando convulsão e morte. Animações com mecanismos de ação de várias drogas que agem no sistema nervoso realizado pela Unifesp. <http://www.uniad.org.br/index.php?option=com_content &view=article&id=577&Itemid=155>. Outros mediadores da neurotransmissão Em adição às aminas e aos aminoácidos, outras moléculas menores podem servir com mensageiros. Entre eles está o ATP, molécula chave do metabolismo. Ele está concentrado em muitas sinapses do SNC e do SNP e é liberado na fenda dependente de cálcio. Parece abrir canais catiônicos na membrana pós-sináptica. Os peptídeos neuroativos ou neuropeptídeos são sintetizados e liberados em baixa quantidade. Foram identificados ao menos 25 que atuam modulando atividades nervosas. A ação neuromoduladora consiste em influenciar uma neurotransmissão clássica, alterando pré-sinapticamente a quantidade de neurotransmissor liberada, em resposta a um potencial de ação, ou pós-sinapticamente, alterando a sua resposta a um neurotransmissor. Geralmente, os neuropeptídeos são coliberados juntamente com os neurotransmissores clássicos, mas em vesículas separadas (vesículas secretoras). O óxido nítrico (NO) e monóxido de carbono (CO) são moléculas gasosas pequenas e que são sintetizadas em enzimas específicas presentes em alguns neurônios. A síntese desses gases ocorre, geralmente, nas sinapses excitatórias especialmente mediadas pelo glutamato, por meio de receptores do tipo NMDA. Como são voláteis, não são armazenados em vesículas e se difundem facilmente. Essas moléculas agem pós e pré-sinapticamente; nesse ultimo caso, age facilitando a neurotransmissão por retroalimentação positiva. Faça, agora, um resumo dos principais neurotransmissores do sistema nervoso e seus receptores. 28 UNIDADE II FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO CAPÍTULO 1 Drogas colinérgicas/colinomiméticas Acetilcolina e receptores colinérgicos A síntese da acetilcolina, que é o neurotransmissor do Sistema Nervoso Parassimpático, acontece nos terminais pré-sinápticos, quando a colina e a acetil-CoA se combinam, formando a acetilcolina, reação catalisada pela colina acetiltransferase. A despolarização do neurônio colinérgico pré- sináptico permite a abertura dos seus canais de Ca+. O aumento da concentração intracelular de cálcio causa a exocitose da acetilcolina (ACh) na fenda sináptica (Figura 10). A acetilcolina difunde-se pela fenda sináptica e combina-se com os receptores especializados, levando a um aumento localizado da permeabilidade iônica (receptores nicotínicos) ou à ativação de segundos mensageiros intracelulares (receptores muscarínicos). Por outro lado, a acetilcolinesterase (AChE), presente na membrana pós-sináptica, é a responsável pela degradação da acetilcolina em colina e acetato. Existem dois tipos principais de receptores colinérgicos: os receptores nicotínicos e os receptores muscarínicos. Figura 10. Desenho esquemático das etapas de síntese, liberação e degradação da acetilcolina. 29 FARMACOLOGIA DO SISTEMANERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II Os receptores nicotínicos estão diretamente acoplados aos canais iônicos e medeiam a transmissão sináptica excitatória rápida na junção neuromuscular, nos gânglios autônomos e em vários locais no SNC. O mecanismo de ação, tanto na placa motora quanto nos gânglios, é baseado no fato de que esse receptor, para a cetilcolina, é, também, um canal iônico para Na+ e K+. Quando o receptor nicotínico é ativado pela acetilcolina, o canal se abre e ambos, Na+ e K+, fluem por ele, reduzindo os respectivos gradientes eletroquímicos (o Na+ entra na célula e o K+ saí dela). Isso causa a despolarização da membrana celular e, consequentemente, ocorrem o disparo neuronal (nos gânglios) e a contração do músculo esquelético (placa motora). A baixa afinidade do receptor nicotínico para acetilcolina permite a rápida dissociação da ACh do receptor e a volta da configuração do receptor ao estado de repouso. A ocupação prolongada dos receptores nicotínicos por um agonista anula a resposta efetora, isto é, o disparo do neurônio pós-ganglionar cessa (efeito ganglionar), e a célula do músculo esquelético relaxa (efeito da placa terminal neuromuscular). Dessa maneira, verifica-se a indução de um estado de “bloqueio despolarizante”, que é refratário à reversão por outros agonistas. Esse efeito pode ser explorado para a produção de paralisia muscular. Quando os níveis de acetilcolina permanecem elevados, os receptores nicotínicos colinérgicos podem sofrer rápida dessensibilização. Os receptores muscarínicos são receptores acoplados à proteína G. Os subtipos M1, M3 e M5 estão acoplados a proteínas G responsáveis pela estimulação da fosfolipase C, com consequente formação de IP3 e DAG – aumento da concentração de Ca+ e ativação da proteína cinase C, que fosforiza proteínas intracelulares, ativando-as. Por outro lado, os subtipos M2 e M4 estão acoplados a proteínas G responsáveis pela inibição da adenilil cliclase e ativação dos canais de K+ (hiperpolarização da célula). Com isso, os subtipos M2 e M4 pré-sinápticos inibem a entrada de Ca+ no neurônio pré- sináptico, diminuindo a fusão das vesículas e a liberação de acetilcolina. Os receptores M1 (neuronais) produzem excitação lenta dos glânglios; os receptores M2 (cardíacos) produzem redução da frequência e da força de contração cardíacas; os receptores M3 (glandulares) causam secreção, contração da musculatura lisa visceral e relaxamento vascular. Os receptores muscarínicos são encontrados, principalmente, nos órgãos efetores (coração, pulmão, bexiga, sistema gastrintestinal, olhos, glândulas lacrimais, glândulas sudoríparas) e nas células endoteliais da vasculatura. Embora os receptores muscarínicos, como classe, possam ser ativados seletivamente e apresentem acentuada estereosseletividade entre agonistas e antagonistas, o uso terapêutico dos agentes colinomiméticos é limitado pela escassez de drogas seletivas para subtipos específicos de receptores muscarínicos. Essa falta de especificidade, combinada aos efeitos de amplo espectro da estimulação muscarínica sobre diferentes sistemas orgânicos, torna o uso terapêutico das drogas colinomiméticas um verdadeiro desafio, de modo que a cuidadosa análise das propriedades farmacocinéticas das drogas desempenha papel importante na tomada de decisões terapêuticas. Na junção neuromuscular, os neurônios motores inervam um grupo de fibras musculares. A área das fibras musculares inervadas por um neurônio motor individual é conhecida com região de placa terminal. Múltiplas terminações pré-sinápticas estendem-se a partir do axônio do neurônio motor. Quando um neurônio motor é despolarizado, suas vesículas se fundem com a membrana 30 UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO pré-sináptica, liberando acetilcolina na fenda sináptica. Os receptores de acetilcolina na junção neuromuscular são exclusivamente nicotínicos, e a estimulação desses receptores resulta em despolarização da membrana da célula muscular e em geração de um potencial de placa terminal. O potencial de placa terminal gerado despolariza os túbulos T, causando a abertura dos canais de Ca+ no retículo sarcoplasmático. Isso proporciona o aumento da concentração intracelular do íon, que, por sua vez, liga-se à troponina C, causando sua mudança conformacional. A mudança conformacional da troponina C faz a tropomiosina (que estava bloqueando a interação entre a actina e miosina) mover-se, fazendo com que a ligação miosina-actina ocorra, e formando, assim, as chamadas pontes cruzadas. A formação dessas pontes está associada à hidrólise de ATP e à geração de força. O relaxamento ocorre quando o Ca+ é reacumulado no retículo sarcoplasmático pela Ca+ATPase de sua membrana. Assim, a concentração de Ca+ diminui, não sendo possível mais a sua ligação à troponina C. Quando o cálcio é liberado da troponina C, a tropomiosina retorna à sua posição de repouso, bloqueando o local de ligação para a miosina na actina. Os neurônios pré-ganglionares parassimpáticos originam-se em núcleos do tronco encefálico (nervos facial, glossofaríngeo, oculomotor e vago) e em segmentos sacrais da medula espinhal (origem crânio-sacral). Por outro lado, os neurônios pré-ganglionares simpáticos possuem origem toracolombar. De maneira simplificada, a neurotransmissão ganglionar se dá da seguinte forma. 1. Há a despolarização da membrana neuronal pré-sináptica ganglionar, com liberação de acetilcolina por exocitose. 2. Posteriormente, ocorre a ativação dos receptores nicotínicos pós-sinápticos ganglionares pela acetilcolina, com consequente abertura dos canais de Na+. 3. Com a abertura dos canais de Na+, ocorre a despolarização da membrana do neurônio ganglionar pós-sináptico, dando origem ao potencial excitatório pós- sináptico (PEPS). 4. Quando o PEPS atinge uma amplitude crítica, dá-se origem ao potencial de ação no nervo pós-sináptico. 5. O potencial de ação é transmitido pelo neurônio até sua terminação (sinapse) simpática ou parassimpática. 6. A ativação neuronal pós-ganglionar parassimpática ativa os receptores muscarínicos nos órgãos-alvos, causando os efeitos que estão relacionados no Quadro 1. 7. A ativação neuronal pós-ganglionar simpática ativa os receptores adrenérgicos (alfa e beta) e produz, entre outros efeitos, taquicardia, midríase, constipação, diminuição do tônus e da motilidade gastrintestinal, retenção urinária, xerostomia e acomodação para visão para longe. 31 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II No Sistema Nervoso Somático, as fibras inervam diretamente seus alvos, os músculos esqueléticos, causando contração muscular por meio da ativação dos receptores nicotínicos. A glândula suprarrenal faz parte do Sistema Nervoso Simpático, apesar de ser ativada pelos receptores nicotínicos. Faça uma tabela que contenha o local (exemplos: vasos, brônquios, bexiga etc.), o efeito (exemplos: vasodilatação, constrição e aumento das secreções) e o receptor (nicotínicos e/ou muscarínicos) da ação da Acetilcolina. A transmissão ganglionar é muito complexa. Os agonistas ganglionares (nicotina; tetrametilamônio – TMA; e dimetilfenilpiperazino – DMPP) podem produzir efeitos simpáticos ou parassimpáticos, além de poder estimular ou inibir a transmissão ganglionar, dependendo da dose (bloqueio despolarizante em altas doses). O bloqueio dos receptores nicotínicos ganglionares resulta em resposta dos órgãos efetores opostas àquelas produzidas pelo tônus autônomo normal (se predominante o simpático ou o parassimpático). A estimulação neuronal pós-ganglionar parassimpática ativa os receptores muscarínicos nos órgãos- alvos, causando os efeitos que estão relacionados no Quadro 1. Quadro 1. Efeitos da estimulação neuronal pós-ganglionar parassimpática nos receptores muscarínicos. Tecidoou sistema Efeitos Pele Inibição da sudorese; rubor. Visual Ciclopegia; midríase; aumento da PI. Gastrintestinal Diminuição da salivação e secreções; redução do tônus e motilidade do TGI. Urinário Retenção urinária; relaxamento do ureter. Respiratório Dilatação brônquica e diminuição das secreções. Cardiovascular Bradicardia em baixas doses; taquicardia em altas doses. Sistema Nervoso Central Diminuição concentração, memória; sonolência; sedação. Os parassimpatomiméticos podem ser diretos e indiretos. Os primeiros estimulam diretamente os receptores muscarínicos e nicotínicos (agonistas colinérgicos). Os indiretos atuam por meio da inibição de acetilcolinesterase (anticolinesterásicos), preservando a ação da acetilcolina endógena. Agonistas colinérgicos Ao se ligarem aos receptores muscarínicos, esses fármacos geram potencial pós-sináptico excitatório nos órgãos inervados pelo parassimpático. Os agonistas colinérgicos raramente são administrados por injeção IM ou IV, visto que são quase imediatamente degradados por colinesterases presentes nos espaços intersticiais, bem como no interior dos vasos sanguíneos. Além disso, os agonistas colinérgicos atuam rapidamente e podem provocar uma crise colinérgica (superdose do fármaco, resultando em fraqueza muscular extrema e possível paralisia dos músculos utilizados na respiração). A utilidade terapêutica da acetilcolina é limitada em virtude de sua falta de seletividade como agonista para diferentes tipos de receptores colinérgicos e de sua rápida degradação por colinesterases. Essa dificuldade foi superada, em parte, pelo desenvolvimento de três derivados de ésteres de colina: 32 UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO metacolina, carbacol e betanecol. A metacolina possui seletividade pelos receptores muscarínicos, é resistente à pseudo-colinesterase e pouco suscetível à ação da colinesterase. O carbacol é menos seletivo para receptores muscarínicos, porém é resistente a colinesterases. Já o betanecol é um agonista seletivo dos receptores muscarínicos e resistente à degradação pelas colinesterases. Todas as drogas são muito hidrofílicas e não atravessam as membranas, uma vez que retêm o grupamento amônio quaternário do componente colina da acetilcolina. A pilocarpina é um alcaloide colinomimético de ocorrência natural. Trata-se de uma amina terciária que atravessa as membranas com relativa facilidade. Por conseguinte, é rapidamente absorvida pela córnea do olho e tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica. Ela é um agonista puro dos receptores muscarínicos e não é afetada pela colinesterase. A metacolina, o betanecol e a pilocarpina são agonistas seletivos dos receptores muscarínicos, enquanto o carbacol e a acetilcolina podem ativar os receptores muscarínicos e nicotínicos. Solução de acetilcolina (solução a 1%) e carbacol (solução de 0,01% a 3%) tem uso intraocular, em cirurgia, para produzir miose. Carbacol e pilocarpina (solução de 0,25% a 1%) são eficazes no tratamento do glaucoma (miótico), visto que a contração do músculo ciliar traciona a rede trabecular, aumentando a sua porosidade e permeabilidade ao efluxo do humor aquoso. A contração do esfíncter da íris pela pilocarpina afasta a íris periférica da rede trabecular, abrindo, assim, a via para o efluxo de saída do humor aquoso. O carbacol é menos seletivo para receptores muscarínicos, porém é resistente a colinesterases. Betanecol é empregado para estimular a motilidade gastrintestinal, em quadro de íleo paralítico, e a micção, em casos de bexiga neurogênica ou retenção urinária não obstrutiva. Também serve, junto com metacolina, como alternativa à pilorcapina para promover salivação em casos de xerostomia. A metacolina é utilizada para identificar a presença de hiper-reatividade brônquica em pacientes sem asma clinicamente aparente. Para essa indicação, o fármaco é administrado por inalação, e os pacientes que podem desenvolver asma, geralmente, apresentam contração exagerada das vias aéreas. Ao terminar o teste, pode-se administrar um broncodilatador (agonista beta-adrenérgico), para anular o efeito broncoconstritor. A hipotensão potencialmente perigosa produzida pela ativação dos receptores muscarínicos representa uma importante limitação para administração sistêmica de agonistas muscarínicos. Com administração de baixas doses de agonistas muscarínicos, essa hipotensão desencadeia a ativação de uma estimulação reflexa simpática compensatória do coração. Devido à sua ligação a receptores presentes no Sistema Nervoso Parassimpático, os agonistas colinérgicos podem produzir efeitos adversos em qualquer órgão inervado pelos nervos parassimpáticos, tais como: náuseas, vômitos, cólicas e diarreias, visão turva, bradicardia, hipotensão arterial, dispneia, frequência urinária aumentada, aumento da salivação e sudorese. 33 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II Principais fármacos colinérgicos e suas aplicações clínicas » Toxina botulínica: degrada a sinaptobrevina, impedindo a fusão da vesícula sináptica com a membrana do neurônio pré-sináptico. É indicada para casos de estrabismo, torcicolo, acalasia, rugas e blefaroespasmo. » Anticolinesterásicos › Neostigmina, edrofônio, fisostigmina, piridostigmina e ambemônio. Indicados para o tratamento da miastenia. › Fisostigmina: penetra no cérebro e na medula, por ser uma amina terciária. Indicada para reverter envenenamento de agente anticolinérgico. › Tacrina, donepezina, rivastigmina e galantamina. Indicados pra o tratamento da doença de Alzheimer. » Agonistas muscarínicos › Metacolina: utilizada apenas para o diagnóstico da asma. › Carbacol: produz miose – facilita esvaziamento. Uso tópico para tratamento glaucoma. › Betanecol: promove a motilidade do TGI e do trato urinário. › Pilocarpina: agente miótico e tratamento da xerostomia. » Agonistas nicotínicos › Succinilcolina: utilizada para produzir paralisia em cirurgia devido ao efeito de bloqueio despolarizante. » Antagonistas muscarínicos › Atropina: utilizada para induzir midríase (exames oftalmológicos); reverter bradicardia sinusal; inibir excesso salivação e de secreção de muco; impedir reflexos vagais induzidos por traumatismo cirúrgicos em órgãos viscerais; e anular envenenamento muscarínico. Possui pouca afinidade pelos receptores nicotínicos. › Escopolamina (hioscina): prevenção e tratamento da cinetose; náusea associada à quimioterapia. 34 UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO › Metescopolamina e glicopirrolato: diminuição das secreções orais; tratamento de úlceras pépticas; redução do espasmo do TGI. › Brometo de ipatrópio: tratamento da DPOC. Tratamento e profilaxia da asma e bronquite. › Oxibutinina, propentalina, terodilina, tolterodilina: tratamento da bexiga hiperativa. Obs.: os antimuscarínicos são contraindicados aos pacientes com glaucoma, hipertrofia prostática e em individuais idosos. » Antagonistas nicotínicos: são utilizados para causar bloqueio neuromuscular não despolarizante (bloqueio competitivo com a acetilcolina) durante procedimento cirúrgicos – produzem paralisia flácida semelhante à miastenia. Seus efeitos podem ser revertidos pelos inibidores da acetilcolinesterase. › D-tubocurarina. › Pancurônio. › Vecurônio. › Mivacúrio. › Trimetafan: utilizado para produzir bloqueio ganglionar no tratamento da hipertensão em pacientes com dissecação da aorta, pois atenua os reflexos simpáticos. 35 CAPÍTULO 2 Drogas anticolinérgicas Anticolinesterásicos Os agentes anticolinesterásicos bloqueiam a ação da enzima acetilcolinesterase, impedindo a degradação da acetilcolina. O acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica resulta numa maior ativação dos receptores nicotínicose muscarínicos. Há duas formas principais de colinesterase (ChE): acetilcolinesterase (AChE), que se liga à membrana, relativamente específica para a acetilcolina e responsável pela rápida hidrólise da acetilcolina nas sinapses colinérgicas; butilcolinesterase (BChE) ou pseudocolinesterase, que é relativamente não seletiva e está presente no plasma e em vários tecidos. Ambas as enzimas pertencem à família das hidrolases séricas. As drogas anticolinesterásicas são de três tipos principais: reversível ação curta (edrofônio); reversível ação média (neostigmina, fisostigmina); irreversível (organofosforados, diflos, ecotiopato). Diferem na natureza de sua interação química com o local ativo da ChE. Os agentes anticolinesterásicos reversíveis bloqueiam a degradação da acetilcolina durante minutos ou horas, ao passo que o efeito bloqueador dos agentes irreversíveis perdura por vários dias ou semanas. Isto se dá devido ao tipo de ligação química que ocorre entre os medicamentos e a acetilcolinesterase. Os agentes anticolinesterásicos irreversíveis exercem efeitos de longa duração e são utilizados, basicamente, como inseticidas tóxicos e pesticidas (carbamatos e organofosforados) ou como gás dos nervos na guerra química. Apenas um deles possui utilidade terapêutica: o ecotiopato. Esses anticolinesterásicos podem provocar intoxicações acidentais. Também pode ocorrer superdosagem no seu uso terapêutico. Os efeitos das drogas anti-ChE decorrem, principalmente, do estímulo da transmissão colinérgica em sinapses autônomas colinérgicas e na junção neuromuscular. Os anti-ChE que atravessam a barreira hematoencefálica (ex.: fisostigmina e organofosforados) também possuem acentuados efeitos no SNC. Os agentes anticolinesterásicos possuem utilidade terapêutica no tratamento do glaucoma e de outras condições oftalmológicas, bem como na facilitação da motilidade gastrintestinal e vesical. Além disso, influenciam a atividade na junção neuromuscular do músculo esquelético, aumentando a força muscular na miastenia gravis. Os agentes anticolinesterásicos que atravessam a barreira hematoencefálica demonstraram ter eficácia limitada no tratamento da doença de Alzheimer. Portanto, os locais de ação dos anti–ChE de importância terapêutica incluem o SNC (doença de Alzheimer – tacrina, donepezil, rivastigmina e galantamina), o olho (glaucoma – ecotiopato), o intestino (íleo paralítico e atonia da bexiga – neostigmina) e a junção neuromuscular da musculatura esquelética (miastenia gravis – piridostigmina, neostigmina e ambemônio). 36 UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO O edrofônio, um agente quaternário cuja atividade se limita às sinapses do Sistema Nervoso Periférico, tem afinidade moderada pela acetilcolinesterase e possui eliminação renal rápida, o que explica sua curta duração de ação. Já a tacrina e o donepezil têm maior afinidade pela acetilcolinesterase, são mais hidrofóbicos (mais lipofílicos) e atravessam a barreira hematoencefálica, inibindo a acetilcolinesterase no Sistema Nervoso Central. Os efeitos muscarínicos de utilização clínica dos anticolinesterásicos são os mesmos dos agonistas colinérgicos. A neostigmina pode ser empregada em quadros de íleo paralítico e atonia de bexiga. A fisostigmina tópica (colírio) é usada em associação com agonistas colinérgicos no tratamento do glaucoma. Os anticolinesterásicos também são utilizados no tratamento das intoxicações por fármacos antagonistas colinérgicos (como a atropina), antidepressivos tricíclicos, pelos alcaloides da beladona e pelos narcóticos. Nesses casos, se houver manifestações centrais, deve-se usar fisostigmina que ultrapassa a barreira hematoencefálica. Já os efeitos nicotínicos dos anticolinesterásicos são empregados para reverter bloqueio neuromuscular produzido por relaxantes musculares periféricos competitivos (não despolarizantes) e no tratamento da miastenia gravis. As reações adversas associadas aos anticolinesterásicos são: náusea, vômitos, diarreia, dispneia, respiração sibilante e convulsões. É importante saber que, em concentrações terapêuticas, os inibidores da AChE não ativam os receptores colinérgicos em locais que não recebem estimulação sináptica colinérgica, como os receptores muscarínicos endoteliais, de modo que o seu uso não está associado ao mesmo risco de produzir respostas vasodilatadora acentuada. Bloqueadores colinérgicos Os medicamentos bloqueadores colinérgicos (anticolinérgicos) interrompem os impulsos nervosos parassimpáticos no Sistema Nervoso Central e, no Sistema Nervoso Autônomo, são antagonistas competitivos da acetilcolina em receptores muscarínicos. Os principais anticolinérgicos são os alcaloides da beladona: atropina, beladona, homatropina, sulfato de hiosciamina, bromidrato de escopolamina, glicopirrolato, propantelina, benztropina, trexifenidil, etopropazina e oxibutinina. Os medicamentos anticolinérgicos são administrados por injeção antes dos exames de endoscopia ou sigmoidoscopia, para relaxar a musculatura lisa do trato GI. Eles ainda são administrados antes de uma cirurgia, para reduzir as secreções orais e gástricas, reduzir as secreções no sistema respiratório e impedir queda na frequência cardíaca causada por estimulação nervosa vagal durante a anestesia. Embora os agonistas muscarínicos tipicamente não apresentem seletividade para os receptores muscarínicos, alguns antagonistas muscarínicos são seletivos na sua capacidade de bloquear determinados subtipos de receptores muscarínicos. A atropina e outros antagonistas dos receptores muscarínicos produzem efeitos mínimos sobre a circulação na ausência de agonistas muscarínicos circulantes. Isso porque o endotélio vascular não é inervado pelo parassimpático, mas possui 37 FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II receptores muscarínicos. Não existindo agonistas circulantes, não haverá alteração no estado de relaxamento endotelial. Por sua vez, os fármacos antagonistas por si só carecem de atividade intrínseca. A acetilcolina liberada das fibras nervosas parassimpáticas ativa os receptores muscarínicos (M2) no nodo sinoatrial e atrioventricular. A ativação desses receptores inibe a adenilato ciclase, além de aumentar a condutância do canal de K+. Como resultado, o nodo sinoatrial é despolarizado com menos frequência e dispara menos potenciais de ação por unidade de tempo (diminuição da frequência cardíaca). Quando se administra atropina, o medicamento compete com a acetilcolina pela sua ligação aos receptores colinérgicos presentes nos nodos sinoatrial e atrioventricular. Bloqueando a ação da acetilcolina, a atropina acelera a frequência cardíaca. Além disso, esse fármaco é usado em quadro de infarto do miocárdio, acompanhado de hiperatividade vagal, com bradicardia e hipotensão. Os antagonistas dos receptores muscarínicos (triexifenidil, benzotropina e difenidramina) são utilizados, também, no tratamento da doença de Parkinson e no tratamento dos sintomas extrapiramidais causados por medicamentos. Isso pode ser explicado pelo fato de que os receptores muscarínicos da acetilcolina exercem um efeito excitatório, oposto ao da dopamina, sobre os neurônios estriatais, bem como um efeito inibitório pré-sináptico sobre as terminações nervosas dopaminérgicas. Por conseguinte, a supressão desses efeitos compensa, em parte, a falta de dopamina. Esses fármacos diminuem mais o tremor do que a rigidez ou a hipocinesia. Seus efeitos colaterais são boca seca, constipação, retenção urinária e visão turva. Os efeitos indesejáveis são sonolência e confusão. Os fármacos antagonistas nicotínicos (D-tubocurarina, pancurônio, vecurônio e mivacúrio) são utilizados para causar bloqueio neuromuscular não despolarizante (bloqueio competitivo com a acetilcolina)
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