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CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS Nossa Equipe Título da obra: ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio • Matriz de Referência de Ciências Humanas e suas Tecnologias Autora Jaqueline Lima Co-Autores Ananda veduvoto Silvia Helena Gestão de Conteúdos Emanuela Amaral de Souza Diagramação/Editoração Eletrônica Elaine Cristina Igor de Oliveira Camila Lopes Thais Regis Produção Editoral Suelen Domenica Pereira Capa Joel Ferreira dos Santos Apresentação Curso Online PARABÉNS! ESTE É O PASSAPORTE PARA SUA APROVAÇÃO. A Nova Concursos tem um único propósito: mudar a vida das pessoas. Vamos ajudar você a alcançar o tão desejado cargo público. Nossos livros são elaborados por professores que atuam na área de Concursos Públicos. Assim a matéria é organizada de forma que otimize o tempo do candidato. Afinal corremos contra o tempo, por isso a preparação é muito importante. 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ENEM2018NOVA USE O CÓDIGO Sumário MATRIZ DE REFERÊNCIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS Competência de área 1 –Compreender os elementos culturais que constituem as identidades. ...........01 H1 –Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura .......................................................................................................................................................................01 H2 –Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas ...............................................................03 H3 –Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos ....................................05 H4 –Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura ..............................................................................................................................................................08 H5 –Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades .............................................................................................................................................11 Competência de área 2 –Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de poder. ............................................................................................17 H6 –Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos .................17 H7 –Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações ...................24 H8 –Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-social ...........................................................................27 H9 –Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial ........................................................................................................................32 H10 –Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade histórico-geográfica .........................................................34 Competência de área 3 –Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais. ............................40 H11 –Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço ..........................................40 H12 –Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades ..................................45 H13 –Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder .........................................................................................................................50 H14 –Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas ........57 H15 –Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história .......................................................................................................................................................................63 Competência de área 4 –Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social. ..................................69 H16 –Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social .................................................................................................................................................................69 H17 –Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção ..................................................................................................................................................................71 H18 –Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais ..........................................................................................................................................................80 H19 –Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano ........................................................................................................89 H20 –Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho ................................................................................................................90 Sumário Competência de área 5 –Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade. ............................................................................................................................................................ 96 H21 –Identificar o papel dos meios de comunicaçãona construção da vida social ................................ 96 H22 –Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas .................................................................................................................................................. 104 H23 –Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades ...................... 108 H24 –Relacionarcidadania e democracia na organização das sociedades ............................................ 115 H25 –Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social ...................................................... 119 Competência de área 6 –Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. ......................................................................... 124 H26 –Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem .................................................................................................................................. 124 H27 –Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e/ou geográficos ............................................................................................................... 129 H28 –Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos ............................................................................................................................................ 135 H29 –Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas ................................................................................ 140 H30 –Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas. ...................................................................................................................................................... 150 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 1 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 1 Fonte histórica, documento, registro, vestígio são termos utilizados para definir tudo aquilo produzido pela humanidade no tempo e no espaço; a herança material e imaterial deixada pe- los antepassados que serve de base para a constru- ção do conhecimento histórico. O termo mais clás- sico para conceituar a fonte histórica é documento. Palavra, no entanto, que está atrelada a uma gama de ideias preconcebidas, significando não apenas o registro escrito, mas principalmente o registro ofi- cial. Vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: que os mitos, a fala, o cinema, a literatura são produtos humanos e tornam-se fontes para o conhecimento da história. Em linhas gerais, hoje a ideia que temos acerca de fonte histórica está dividida em três categorias: fontes escritas, fontes materiais não-escritas e fontes não-materiais (ou imateriais). Para entender melhor essas três categorias, aprofundaremos essa noção de fonte histórica a partir de alguns exemplos da- dos aqui. Não obstante, é importante ressalvar que essas três categorias são uma escolha abrangente para tornar mais fácil a explicação, pois existem ou- tras formas de se classificar as fontes, por exemplo: fontes visuais, fontes audiovisuais, fontes sonoras, fontes escritas, fontes impressas, fontes digitais, etc. a) Fontes escritas: As fontes escritas ainda são as mais comuns no estudo da História, e de certa forma as com mais clareza de entendimento, pois as fontes materiais não-escritas e as fontes imateriais cobram do histo- riador ou do pesquisador, um nível mais apurado de atenção e abstração, elas são mais subjetivas, pois em alguns casos é preciso ter uma capacidade de raciocínio de se enxergar além do visível, ou seja, ver para além do que esta palpável ou impalpável diante de si. Diferente da ideia de que os documen- tos “contam a História” ou são os “pedaços da Histó- ria”, não é o documento que se faz por si só ser uma fonte histórica, mas a validade e importância que o historiador concede a ele. b) Fontes materiais não-escritas: As fontes materiais não-escritas referem-se a uma vasta gama de objetos, utensílios, ferramen- tas, armas, roupas, máquinas, veículos, instrumentos, construções, pinturas, esculturas, espaços artificiais e naturais, fenômenos naturais, o corpo humano, ani- mais, plantas, alimentos, etc. Essas já vinham sendo pesquisadas desde pelo menos o período Renascen- tista, principalmente em referência ao trabalho dos antiquários em se estudar suas coleções de objetos em seus gabinetes de curiosidade, a fim de descobrir a história por trás deles. Embora os materiais não-escritas tenham levado alguns estudiosos a desenvolverem novas formas de pesquisar a História e a se repensar a ideia de fonte histórica, até meados do século XX, a ideia tradicio- nal de “documento histórico”, no sentido de docu- mento como o texto escrito, ainda era predominante na historiografia. Com o passar dos anos os historia- dores passaram a usar fontes materiais não-escritas para realizar seus trabalhos. c) Fontes imateriais: Basicamente define-se fonte não-material aquilo que não é tangível, aquilo que não está registrado num suporte físico (papel, pergaminho, madeira, pe- dra, argila, meio digital, etc.), mas que se transmite através da cultura de forma oral, corporal e simbóli- ca. Festas, ritos, cultos, celebrações, música (aqui no sentido de melodia), dança, teatro, ofícios, história oral, costumes, hábitos, lendas, saberes, folclore, mi- tologia, etc., tudo que esteja relacionado à vida coti- diana de uma comunidade, de uma sociedade, que represente aspectos sociais e culturais de um povo. Identificação, valorização e preservação do pa- trimônio histórico e cultural O Patrimônio Histórico e Cultural constituído por bens materiais e imateriais impregnados de um valor simbólico para a comunidade representa a memó- ria que foi valorizada e materializada pelos poderes constituídos ao longo do tempo. A vivência de um período histórico marcado por uma legislação de- mocrática garante que novas perspectivas possam ser construídas em vista da rememorização de uma história mais significativa especialmente de quem e para quem historicamente foi deixado de lado. Além COMPETÊNCIA DE ÁREA 1 – COMPREENDER OS ELEMENTOS CULTURAIS QUE CONSTITUEM AS IDENTIDADES. H1 – INTERPRETAR HISTORICAMENTE E/OU GEOGRAFICAMENTE FONTES DOCUMENTAIS ACERCA DE ASPECTOS DA CULTURA. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 3 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 2 disso, permite que a sociedade civil e os órgãos pú- blicos na contemporaneidade possam desenvolver ações adequadas que fortaleçam a identificação, a valorização e a preservação da memória dos lugares e os lugares de memória, dentro desta nova perspec- tiva histórica. As comunidades sempre deixam marcas no lugar onde vivem que identificam a sua história individual e coletiva materializando assim, nestes espaços, sua identidade, suas tradições e seus costumes. Nos lu- gares estão “as marcas do local construídas no tem- po”. Neste sentido, entende-se que todos os lugares trazem sinais peculiares do modo de ver e viver da população que habita ou habitou o local. Além dos lugares serem depositários da memó- ria coletiva de um povo a memória coletiva de uma comunidade pode seridentificada também em ob- jetos, festas, músicas, danças, práticas alternativas de medicina, técnicas, culinária e tantas outras re- presentações que estão repletas de significação das mais variadas formas de vida que constituem as cul- turas dos povos. Esse patrimônio, mesmo não sendo feitos de “pe- dra e cal” também são memórias que podem servir como ponte entre as gerações. Um objeto, por exem- plo, “guarda consigo uma história que é retomada com ele” e é um testemunho que funciona “como um transmissor de história” que é reativado com as lembranças que ele traz ao indivíduo ou sociedade. Portanto, o objeto “fala sempre de um lugar, seja ele qual for, porque está ligado à experiência dos sujei- tos com e no mundo, posto que ele representa uma porção significativa da paisagem vivida. O termo patrimônio “pode ser entendido como um conjunto de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pes- soa e seja suscetível de apreciação econômica”. As- sim, a palavra patrimônio cultural está relacionada a um bem que pertence ao paterno, mas tão valioso que justifica sua herança. Por que alguns bens seriam considerados tão valiosos assim? Certamente por- que neles está incutida a memória e a identidade de quem o deixa e de quem o herda. Desta forma ao passarem seus bens memoriais e identitários como le- gado a outra geração, as pessoas podem manter-se como uma representação do que as caracterizam, mantendo aberto um canal de comunicação entre elas. Neste sentido se justificaria a necessidade de sua preservação. A trajetória histórica da construção do conceito Patrimônio Cultural, no Brasil está vincu- lada a visão do patrimônio como um bem. O decreto-lei que Getúlio Vargas assinou em 1937 sobre o assunto vai utilizar este vocábulo. O decre- to-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, além de criar o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Na- cional (SPHAN), definiu que patrimônio é o “conjunto de bens móveis e imóveis de interesse público” que possuam “excepcional valor arqueológico ou etno- gráfico, bibliográfico ou artístico”. No Brasil “A atribui- ção de valores aos bens segue a tradição européia, em que os patrimônios nacionais são constituídos a partir das categorias de história da arte”. Por conse- quência, os tombamentos realizados pelo IPHAN nas primeiras décadas do século XX privilegiaram os mo- numentos representativos da arte e da arquitetura colonial das camadas mais ricas da sociedade como fortificações militares, igrejas e conjuntos arquitetôni- cos. Em geral guardamos os objetos e as construções ricas da sociedade. Guardaram-se os artefatos de exceção e perderam-se os bens culturais usuais e corriqueiros do povo. Esses bens diferenciados pre- servados sempre podem levar a uma visão distorcida da memória coletiva, pois justamente por serem ex- cepcionais não têm representatividade. Esta política de proteção dos monumentos, por meio de tombamento do bem isolado, chamado de “pedra e cal”, de excepcional valor, perdurou até os anos de 1970 sendo esta visão ampliada considera- velmente, somente a partir da Constituição Federal de 1988. Consta no artigo 216 que “Constituem patri- mônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjun- to, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da socie- dade brasileira, nos quais se incluem: as formas de ex- pressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destina- dos às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artísti- co, arqueológico, paleontológico, ecológico e cien- tífico.” Percebe-se que o conceito de Patrimônio His- tórico Cultural definido na nova Carta Constitucional foi ampliado consideravelmente. O texto carece de regulamentação para que possa permitir “uma políti- ca pública de patrimônio que possibilite a gestão de- mocrática”. A Educação Patrimonial poderia contri- buir no sentido de provocar e ampliar a participação da comunidade na identificação, reconhecimento e preservação de seu patrimônio cultural. O patrimônio cultural constitui uma herança his- tórica, deixada pelas gerações anteriores, que cabe a todos preservar para que seja transmitida às ge- rações vindouras. Por estabelecer uma relação de aproximação do indivíduo com o patrimônio, a Edu- cação Patrimonial contribui para a formação de um cidadão consciente dos seus direitos e deveres, que compreenderá a importância da preservação dos bens culturais para a preservação da memória e da identidade de um povo ou nação e da necessidade da ação de proteger e escolher seus bens patrimo- niais. Além de estabelecer uma relação de aproxi- mação do indivíduo com o seu patrimônio, instigan- do nele, quatro atitudes: a observação e a reflexão sobre o bem cultural; a manifestação das impressões sobre o mesmo; a capacidade de pesquisa e discus- são sobre os resultados e a apropriação de um novo significado do bem para cada um que participa da proposta. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 3 A memória é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um con- junto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou re- interpretadas como passadas. O estudo da memória passa da Psicologia à Neurofisiologia, com cada as- pecto seu interessando a uma ciência diferente, sen- do a memória social um dos meios fundamentais para se abordar os problemas do tempo e da História. A memória está nos próprios alicerces da Histó- ria, confundindo-se com o documento, com o mo- numento e com a oralidade. Mas só muito recente- mente se tornou objeto de reflexão da historiografia. Só no fim da década de 1970 que os historiadores da Nova História começaram a trabalhar com a memória. Na Filosofia, na Sociologia, antropologia e principalmente na Psicanálise, no entanto, os estu- dos sobre a memória individual e coletiva já estavam avançados. Foi o fundador da Psicanálise, e um dos ícones da modernidade, Sigmund Freud, quem no século XIX iniciou amplos debates em torno da me- mória humana, trazendo à tona seu caráter seletivo: ou seja, o fato de que nos lembramos das coisas de forma parcial, a partir de estímulos externos, e esco- lhemos lembranças. Freud distinguiu a memória de um simples repositório de lembranças: para ele, nos- sa mente não é um museu. Nesse aspecto, ele remete a Platão, que já na Antiguidade apresentava a memória como um blo- co de cera, onde nossas lembranças são impressas. Quando os historiadores começaram a se apossar da memória como objeto da História, o principal campo a trabalhá-la foi a História Oral. Nessa área, muitos estudiosos têm-se preocupado em perceber as formas da memória e como esta age sobre nossa compreensão do passado e do presente. há inclusive uma nítida distinção entre memória coletiva e me- mória histórica: pois enquanto existe, segundo ele, uma História, existem muitas memórias. Existe uma memória individual que é aquela guar- dada por um indivíduo e se refere as suas próprias vivências e experiências, mas que contém também aspectos da memória do grupo social onde ele se formou, isto é, onde esse indivíduo foi socializado.Há também aquilo que denominamos de memória cole- tiva que é aquela formada pelos fatos e aspectos jul- gados relevantes e que são guardados como memó- ria oficial da sociedade mais ampla. Ela geralmente se expressa naquilo que chamamos de lugares da memória que são os monumentos, hinos oficiais, qua- dros e obras literárias e artísticas que expressam a versão consolidada de um passadocoletivo de uma dada sociedade. Como contrapartida, ou outro lado da moeda, existem as memórias subterrâneas ou marginais que correspondem a versões sobre o passado dos grupos dominados de uma dada sociedade. Estas memó- rias geralmente não estão monumentalizadas e nem gravadas em suportes concretos como textos, obras de arte e só se expressam quando conflitos sociais as evocam ou quando os pesquisadores que se utilizam do método biográfico ou da história oral criam as condições para que elas emerjam e possam então ser registradas, analisadas e passem então a fazer parte da memória coletiva de uma dada sociedade. Elas geralmente se encontram muito bem guardadas no âmago de famílias ou grupos sociais dominados nos quais são cuidadosamente passados de gera- ção a geração. A forma de maior interesse para o historiador é a memória coletiva, composta pelas lembranças vivi- das pelo indivíduo ou que Ihe foram repassadas, mas que não Ihe pertencem somente, e são entendidas como propriedade de uma comunidade, um grupo. O estudo histórico da memória coletiva começou a se desenvolver com a investigação oral. Esse tipo de memória tem algumas características bem es- pecíficas: primeiro gira em torno quase sempre de lembranças do cotidiano do grupo, como enchen- tes, boas safras ou safras ruins, quase nunca fazendo referências a acontecimentos históricos valorizados pela historiografia, e tende a idealizar o passado. Em segundo lugar, a memória coletiva fundamen- ta a própria identidade do grupo ou comunidade, mas normalmente tende a se apegar a um aconte- cimento considerado fundador, simplificando todo o restante do passado. Por outro lado, ela também sim- plifica a noção de tempo, fazendo apenas grandes diferenciações entre o presente (“nossos dias”) e o passado (“antigamente’: por exemplo). Além disso, mais do que em datas, a memória coletiva se baseia em imagens e paisagens. O próprio esquecimento é também um aspecto relevante para a compreensão da memória de grupos e comunidades, pois muitas vezes é voluntário, indicando a vontade do grupo de ocultar determinados fatos. Assim, a memória coleti- va reelabora constantemente os fatos. Nas sociedades sem escrita a atitude de lembrar é constante, e a memória coletiva confunde Histó- ria e mito. Tais sociedades possuem especialistas em memória que têm o Importante papel de manter a coesão do grupo. Um exemplo pode ser visto nos griots da África Ocidental, cidadãos de países como Gâmbia, por exemplo. Os griots são especialistas res- ponsáveis pela memória coletiva de suas tribos e co- H2 –ANALISAR A PRODUÇÃO DA MEMÓRIA PELAS SOCIEDADES HUMANAS. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 5 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 4 munidades. Eles conhecem as crônicas de seu passado, sendo capazes de narrar fatos por até três dias sem se repetir. Quando os griots recitam a história ancestral de seu clã, a comunidade escuta com formalidade. Para datar os casamentos, o nascimento de filhos etc., os griots interligam esses fatos a acontecimentos como uma enchente. Tais mestres da narrativa são exemplos de como a tradição oral e a memória podem ser enriquecedoras para a História: ambas são vivas, emotivas e, segundo o africanista Ki- Zerbo, um museu vivo. Esses especialistas em memória das sociedades sem escrita, todavia, não decoram palavra por pa- lavra. Pelo contrário, nessas sociedades a memória tem liberdade e possibilidades criativas, e é sempre reconstruída. A escrita por sua vez, transforma fundamentalmente a memória coletiva. No Ocidente, seu surgimento possibilitou o registro da História por meio de documentos. Para Leroi-Gouham, a memória es- crita ganhou tal volume no século XIX que era impossível pedir que a memória individual recebesse esse conteúdo das bibliotecas. O que levou, no século XX, a uma revolução da memória, da qual fez parte a criação da memória eletrônica. Na sociedade ocidental atual, o ritmo acelerado do trabalho urbano somado a facilidade e rapidez dos meios de comunicação (criadas pelos constantes avanços tecnológicos) colocam o homem comum frente a uma quantidade avassaladora de informações. Tais fatos criam para o homem contemporâneo quase a obrigação de consumir a informação de forma acrítica, sem maior cuidado seletivo, perdendo-se portanto uma das mais importantes funções da memória humana – a capacidade seletiva – que é o PO- DER de escolher aquilo que deve ser preservado, como lembrança importante e aqueles fatos e vivências que podem e devem ser descartados. A perda do exercício desse poder de seleção nas sociedades atuais constitui o fator fundamental para a formação do que os profissionais da informação chamam de socie- dades do esquecimento. É verdade, nós não nos lembramos de tudo o que aconteceu ou que nos foi ensinado ao longo de nossa vida. Descartamos a maioria das experiências vivenciadas e só retemos aquelas que possuem signi- ficado, isto é, são funcionais para nossa existência futura. Hoje, nessa virada de século que vivenciamos, acompanhando um movimento geral da sociedade ocidental, tem se explicitado uma forte necessidade de lembrar. Quando a outra face da moeda dos processos de mundialização. Quando se vive de maneira tão acelerada a ponto de sermos impedidos até de “sentir o tempo passar”, como se diz popularmente, projetos envolvendo a memória possibilita aos participantes dos mesmos, habitar esse tempo e vivê-lo ple- namente, numa relação que pode ser criativa e transformadora. Assim, como vimos, a memória pode ser, ao mesmo tempo, subjetiva ou individual, porque se refere a experiências únicas vivenciadas ao nível do indivíduo, mas também social porque é coletiva, pois se baseia na cultura de um agrupamento social e em códigos que são aprendidos nos processos de socialização que se dão no âmago da sociedade. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 5 Ao conceito de cultura, podemos dizer que este é polissêmico e dinâmico e é um conceito social e histórico. Reflete o pensamento de grupos que se articulam com a sociedade num processo de com- preensão e organização da mesma. O próprio con- ceito de cultura é uma construção cultural de signifi- cação e resignificação constante. As pesquisas realizadas em ciências humanas e sociais têm a cultura como uma de suas referências. O conceito de cultura constitui base na forma como o pesquisador irá ver e compreender o grupo ou a sociedade que pretende investigar. Para se estudar o homem e sua organização social, para compreen- der as formas de ser e agir deste homem em socie- dade é necessário definir o tipo de lente com a qual o observaremos que conceito de cultura constitui ou constituirá nosso entendimento e consequentemente a nossa forma de fazer pesquisa. Estes entendimentos configuram também à forma como as pessoas, em nosso caso o professor e os alunos darão sentido às ações desenvolvidas em ambiente escolar. A vida social não é, simplesmente, uma questão de objetos e fatos que ocorrem como fenômenos de um mundo natural: ela é, também, uma questão de ações e expressões significativas, de manifestações verbais, símbolos, textos e artefatos de vários tipos, e de sujeitos que se expressam através desses artefatos e que procuram entender a si mesmos e aos outros pela interpretação das expressões que produzem e recebem. A concepção de cultura, como um campo de significados no qual determinado grupo social com- preende o mundo, se organiza e se comunica é uma entre as várias concepções que co-existem atual- mente. O determinismo biológico e geográfico até iní- cio do século XX eram as duas correntes teóricas que acreditavam que tanto as diferenças genéticas quanto asdiferenças do meio ambiente eram de- terminantes das diferenças culturais. A diversidade cultural era explicada baseada principalmente nas ciências naturais, onde as formas de ser e agir de cada indivíduo estariam condicionadas ao seu apa- rato biológico, portanto inatas, e as influências pre- ponderantes do clima, altitude, latitude, do ambien- te físico sobre o indivíduo. Através de estudos estas concepções foram mais tarde refutadas por alguns antropólogos, pois, os comportamentos são aprendi- dos, transmitidos de alguém para alguém pela edu- cação; e o homem não interage passivamente com a natureza, submetendo-se a todo instante. As diferenças existentes entre os homens, portan- to, não podem ser explicadas em termos das limita- ções que lhes são impostas pelo seu aparato bioló- gico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualida- de da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações: um animal frágil, provido de in- significante força física, dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Isto porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura. Cultura agregado ao de civilização, rompendo até então com as concepções deterministas. Para este etnólogo cultura e civilização são o todo com- plexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, mo- ral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Este conceito, que há muitos anos já vinha sendo gestado, caracterizou um marco na compreensão de cultura e nos estudos derivados dela. Cunhado como neutro possibilitaria se pensar toda a humani- dade e que as diferenças culturais seriam os níveis a qual se encontrariam as sociedades e o homem no processo de evolução. Nesta perspectiva a cul- tura se opunha a natureza, onde num processo de evolução as sociedades eram caracterizadas como selvagens, bárbaras e civilizadas. Por um lado, a uniformidade que tão largamen- te permeia entre as civilizações pode ser atribuída, em grande parte, a uma uniformidade de ação de causas uniformes, enquanto, por outro lado, seus vá- rios graus podem ser considerados como estágios de desenvolvimento ou evolução. Esta perspectiva preocupada com a igualdade existente na humanidade, entendendo-a como ten- do a mesma origem e, portanto o mesmo destino traçou uma linha de evolução linear única das socie- dades. Dos povos menos desenvolvidos, selvagens, aos mais desenvolvidos, os civilizados que naquele momento eram os europeus. Nesta perspectiva os estudos realizados preocu- pavam-se em descobrir ou calcular em qual estágio de evolução determinada sociedade se encontra- ria. Através da avaliação de alguns itens culturais, tais como religião, família, trabalho, governo, arqui- tetura e outros, os pesquisadores classificavam as sociedades. Destaca-se que os pesquisadores neste período dispensavam a sua ida a campo, realiza- vam suas análises sem ter contato direto com tais sociedades, sendo chamados posteriormente de et- nógrafos de escritório. H3 –ASSOCIAR AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS DO PRESENTE AOS SEUS PROCESSOS HISTÓRICOS. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 7 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 6 Cultura está associada ao modo de vida, sendo ela o sistema simbólico que regula a forma de viver de determinado grupo de indivíduos. A cultura é condição essencial para a existência humana, pois organiza e controla os nossos comportamentos. Nesta concepção, os estudos sobre a cultura não estariam preocupados em descobrir leis, em atribuir causas aos acontecimentos sociais, aos comporta- mentos ou aos processos, mas sim em “ler” o texto, em interpretar a cultura e descrevê-la, à procura dos significados. A cultura consiste em estruturas de significado socialmente estabelecida” e estes significados se fazem através do comportamento humano que é visto como ação simbólica, uma ação que significa. O trabalho, tanto de pesquisa quanto de interven- ção, nesta perspectiva deve considerar a estrutura de significados que estão presentes em relação ao seu contexto. “O que devemos indagar [nas ações e comportamentos] é qual a sua importância: o que está sendo transmitido com sua ocorrência e através de sua agência, seja ela um ridículo ou um desafio, uma ironia ou uma zanga, um deboche ou um or- gulho” Desta forma, a cultura pode ser vista como um texto possível de ser lido, interpretado. Com- preendida como um código, como um sistema de comunicação, seu caráter dinâmico é percebido pelas interpretações, significados, símbolos diante uma realidade permanentemente em mudanças ao mesmo tempo em que extremamente rica em sua diversidade. O trabalho de interpretação da cultura consiste em uma descrição densa, pois perante uma multipli- cidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplí- citas, e que ele o pesquisador tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. É como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comen- tários tendenciosos, escrito não com sinais conven- cionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado. As análises da cultura são registros de segunda ordem que revelam a interpretação que o pesquisa- dor faz de determinado grupo social que se expressa e se interpreta dentro deste grupo - contexto. Nestas interpretações entramos em emaranha- das camadas de significados, descrevendo e redes- crevendo ações e expressões que são já significati- vas para os próprios indivíduos que estão produzin- do, percebendo e interpretando essas ações e ex- pressões no curso de sua vida diária. Algumas concepções podem ser identificadas nas falas e nas ações educativas, pois sendo simbó- licas carregam e transmitem determinados significa- dos. As manifestações culturais em suas múltiplas di- mensões são transmitidas, na maioria das vezes, via oralidade, recriadas coletivamente e modificadas ao longo do tempo. Transmitidas de geração em ge- ração e, constantemente, reelaboradas pelas comu- nidades e/ou grupos sociais em função das teias de sentidos e significados a ela atribuídas, de sua inte- ração com a história dos atores sociais, gerando um sentimento de pertencimento contribuindo, assim, para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Cultura é um conjunto diverso, múltiplo de manei- ra de produzir sentido, uma infinidade de formas de ser, de viver, de pensar, de sentir, de falar, de produzir e expressar saberes, não existindo, por conta disto, uma só cultura ou culturas mais ricas ou evoluídas que outras tampouco, gente ou povos sem cultura. Recusar portanto o etnocentrismo, está tendência de valorizarmos unicamente nossa maneira de ser e viver, enfim nossa cultura, é reorientar nosso olhar pri- meiramente em direção a uma vocação mais multi- cultural, no interior do qual possamos jamais perder de vista que as culturas humanas são diferentes, mais nunca desiguais.São qualidades diversas de uma mesma experiência humana, mas qualquer hierar- quia que as qualifique é indevida. Dessa maneira precisamos compreender as re- presentações sociais, inseridas no universo do ima- ginário social. Para tanto, As identidades nacionais não são nem genéticas nem hereditárias, ao con- trário, são formadas e transformadas no interior de uma representação. Uma nação é, nesse processo formador de uma identidade, uma comunidade sim- bólica em um sistema de representação cultural. E a cultura nacional é um discurso, ou modo de construir sentidos queinfluenciam e organizam tanto as ações quanto às concepções que temos de nós mesmos. Não é ocioso lembrar que tais identidades, estão embutidas em nossa língua e em nossos sistemas cul- turais, mas estão longe de uma homogeneidade que já não perseguimos; ao contrário, estão influencia- das (as identidades) pelas nossas diferenças étnicas, pelas desigualdades sociais e regionais, pelos de- senvolvimentos históricos diferenciados, naquilo que denominamos ‘unidade na diversidade. Como todas as nações, mas bem mais do que a maioria delas, somos híbridos culturais e vemos esse processo como um fator de potencialização de nossas faculdades criativas. A riqueza das significações presentes nas práticas de nossa Cultura Popular nos permite olhar para o passado dentro de sua dinamicidade, a fim de ten- tar compreender a função que estas manifestações exercem não só no imaginário popular como tam- bém no próprio cotidiano de um dado grupo social que estão mais diretamente vinculadas a constru- ção/reconstrução da identidade cultural dos sujeitos sociais impactando em suas relações sociais, na fa- mília, na escola e nos mais diversos espaços de vivên- cia dos atores sociais. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 7 As manifestações culturais são as práticas que cimentam o formato dado ao nosso patrimônio cultural representando e expressando o redirecionamento de conhecimentos e técnicas que dão sentido a vida dos sujeitos sociais e lhes permitem ver e ler o mundo de acordo com as experiências compartilhadas indivi- dualmente e coletivamente. Sabemos que a Cultura está muito associada à identidade dos grupos sociais. A conexão Cultura e identidade podem funcionar positivamente como disparador de construções de co- nhecimentos que balizem a efetivação de práticas educativas revigoradoras do currículo escolar nas suas mais diversas perspectivas. Através da cultura popular é possível um novo reinventar social e educacional por serem cercadas de conhecimentos, práticas, saberes, tecnologias, maneiras de pensar e de fazer, de viver e humanizar. Durante a nossa infância aprendemos a vivenciar o calendário cultural das festas cíclicas, logo após, perdemos esse contexto onde passamos a ser guiados pelo calendário televisivo. Assim os fatores que inter- ferem na importância da valorização da cultura popular para o desenvolvimento local são: Interferência da mídia; Tecnologia da informação (celular, internet, jogos eletrônicos); Valorização dos produtos estrangei- ros; Papel da escola no ensino médio em relação à cultura popular, ou seja, falta de uma disciplina sobre cultura popular; Falta de projetos de políticas culturais. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 9 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 8 Sabemos que a palavra cultura é de origem lati- na. Deriva do verbo colere (cultivar ou instruir) e do substantivo cultus (cultivo, instrução). Etimologica- mente tem muito a ver com o ambiente agrário, com o costume de trabalhar a terra para que ela possa produzir e dar frutos. Ainda hoje se costuma usar a palavra cultura para designar o desenvolvimento da pessoa humana por meio da educação e da instru- ção. Disso vêm os termos culto e inculto, usados no jargão popular com uma carga de preconceito e de discriminação, considerando uma cultura (especial- mente a letrada) superior às outras. Porém, não exis- tem grupos humanos sem cultura e não existe um só indivíduo que não seja portador de cultura. A cultura não é uma herança genética, mas o resultado da inserção do ser humano em determina- dos contextos sociais. É a adaptação da pessoa aos diferentes ambientes pelos quais passa e vive. Atra- vés da cultura o ser humano é capaz de vencer obs- táculos, superar situações complicadas e modificar o seu habitat, embora tal modificação nem sempre seja a mais favorável para a humanidade, como po- demos perceber atualmente. Desse modo a cultura pode ser definida como algo adquirido, aprendido e também acumulativo, resultante da experiência de várias gerações. Porém, enquanto aprendiz o ser humano pode sempre criar, inventar, mudar. Ele não é um simples receptor, mas também um criador de cultura. Por isso a cultura está sempre em processo de mudança. Em muitos casos pode até ser modifi- cada com muita rapidez e violência, dependendo dos processos a que for submetida. Desta forma o ser humano não é somente o produto da cultura, mas, igualmente, produtor de cultura. Elementos da cultura Percebe-se então que existem vários elementos de cultura. As ideias que são os conhecimentos, os saberes e as filosofias de vida. A crença que consis- te em tudo aquilo que se crê ou se acredita em co- mum. Os valores, ou seja, a ideologia e a moral que determinam o que é bom e o que é ruim. As normas que englobam tanto as leis, os códigos, como os cos- tumes, aquilo que se faz por tradição. As atitudes ou comporta- mentos, isto é, maneiras de cultivar os re- lacionamentos com as pessoas do mesmo grupo e com aquelas que pertencem a grupos diferentes. A abstração do comportamento, a qual consiste nos símbolos e nos compromissos coletivos. As instituições que funcionam como uma espécie de controle dos comportamentos, indicando valores, normas e cren- ças. As técnicas ou artes e habilidades desenvolvidas coletivamente. Os artefatos que são os instrumentos e utensílios usados para aperfeiçoar as técnicas e os modos de vida. Podemos então afirmar que a essência da cultu- ra está basicamente em três elementos: as ideias, as abstrações e os comportamentos. As ideias são con- cepções mentais das coisas concretas ou abstratas. As abstrações são a capacidade de contemplar as ideias e traduzi-las em sinais e símbolos. Os comporta- mentos são os modos de agir dos grupos humanos, a partir das ideias e das abstrações. Portanto, é possível concluir que a cultura consiste em uma série de coi- sas reais que podem ser observáveis, ser examinadas num contexto extra-somático. Enquanto coisas reais e observáveis, a cultura pode ser classificada em três tipos: 1) material, quando ela é formada por coisas ou objetos materiais, desde os machados de pedra das antigas civilizações até os moderníssimos com- putadores; 2) imaterial também chamada de não material ou espiritual, quando não tem substância material, mas, assim mesmo, é algo real, como no caso das crenças, dos hábitos e dos valores; 3) cul- tura ideal, aquela que é apresentada verbalmente como sendo a perfeita para um determinado grupo, mas que nem sempre é praticada. Pode-se tomar como exemplo disso a cultura religiosa, a qual nem sempre é assumida integralmente pelos que se dizem adeptos dela. Normalmente numa cultura os conhecimentos são mais de ordem prática, ligados à questão da so- brevivência. Todavia o conhecimento engloba tam- bém a organização social, as estruturas sociais, os costumes, as crenças, bem como as técnicas de tra- balho e os conhecimentos acadêmicos. Por crença entende-se a aceitação como verdadeira de uma proposição comprovada ou não cientificamente. Consiste em uma atitude mental do indivíduo, que serve de base à ação voluntária. Embora intelectual, possui conotação emocional. As crenças são repre- sentações coletivas que definem a natureza das coi- sas sagradas e profanas. Os antropólogos costumam classificar as crenças em três categorias: a) pessoais, isto é, aquelas que são aceitas por cada indivíduo, independentemente das crenças do seu grupo; é o caso da crença no caapora; b) declaradas, ou seja, aquelas que são aceitas, pelo menos em público, com a finalidade H4 –COMPARAR PONTOS DE VISTA EXPRESSOS EM DIFERENTES FONTES SOBRE DETERMINADO ASPECTO DA CULTURA. CiênciasHumanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 9 apenas de evitar constrangimentos; no Brasil pode- ria ser exemplo disso a crença na igualdade entre as pessoas, especialmente entre homem e mulher; c) públicas são aquelas crenças aceitas e declaradas como crenças comuns. Exemplo disso é a crença na ressurreição por parte dos cristãos e na reencarna- ção por parte dos espíritas. Existem antropólogos que falam de crenças científicas (que podem ser com- provadas), supersticiosas (fruto do medo) e extrava- gantes (quando fogem do comum e do que é con- siderando normal, como é o caso da crença de que pode acontecer alguma coisa numa sexta-feira, dia 13 do mês). Há ainda os que classificam as crenças em benéficas e maléficas. Dentro da cultura os valores são muito importan- tes. Eles são definidos pelos antropólogos como sen- do objetos e situações consideradas boas, desejá- veis, apropriadas, importantes, ou seja, para indicar riqueza, prestígio, poder, crenças, instituições, obje- tos materiais etc. Além de expressar sentimentos, o valor incentiva e orienta o comportamento humano. Já as normas são definidas como regras que indicam os modos de agir dos indivíduos em determinadas si- tuações. De um modo geral consistem num conjun- to de ideias, de convenções referentes àquilo que é próprio do pensar, sentir e agir em dadas situações. As normas podem ser ideais (aquelas que os mem- bros do grupo devem praticar) e comportamentais que são aquelas reais, pelas quais, em determinadas situações, os indivíduos fogem das ideais. Exemplos disso são as normas de trânsito. Outro elemento im- portante para a cultura é o símbolo. Símbolos são realidades físicas ou sensoriais às quais os indivíduos que os utilizam lhes atribuem valores ou significados específicos. Normalmente os símbolos costumam re- presentar coisas concretas ou também abstratas. Estrutura da cultura e níveis de participação Toda cultura possui uma estrutura. Normalmente ela se estrutura a partir de seis aspectos. O primeiro deles é o traço cultural, considerado o menor ele- mento da cultura (a feijoada, o sotaque etc.), mas que já permite a sua descrição. Os traços podem ser materiais ou não. Um segundo aspecto é forma- do pelos complexos culturais que são o conjunto de diversos traços ou características de uma cultura, formando o seu todo funcional (as diversas carac- terísticas de uma região brasileira). Em terceiro lugar podemos mencionar os padrões culturais que são as coincidências individuais de conduta manifestas por um grupo social. Em quarto lugar aparecem as con- figurações culturais, ou seja, a integração dos outros três elementos, a ponto de dar unidade à cultura, de modo que essa possa ser identificada a partir disso. Pense-se, por exemplo, na configuração cultural do povo mineiro. Em quinto lugar estão as áreas cultu- rais, que são os territórios geográficos onde estão localizadas as culturas. As áreas culturais podem ser diferentes das áreas geográficas. Pense-se na área cultural do Nordeste que pode inclusive estar locali- zada também em São Paulo e no Rio de Janeiro. Por fim temos a subcultura que pode ser definida como algo que gera uma variação da cultura (um grupo cultural menor dentro da cultura maior). É o caso, por exemplo, da cultura japonesa dentro da cultura pau- listana. Por essa razão o termo subcultura não pode e nem deve ter conotação pejorativa ou negativa. Isso já nos revela que o nível de participação dos indivíduos numa determinada cultura é bastante va- riável. Existem quatro níveis: 1) universal, quando os padrões culturais são seguidos pela maioria absoluta da cultura (respeito pelos idosos); 2) especial, quan- do certas normas são praticadas apenas por algum grupo ou alguns grupos de pessoas da cultura maior (cultura católica dentro da cultura brasileira); 3) al- ternativo, quando certos padrões são quebrados e seguidos apenas por um número limitado de pessoas numa determinada cultura (cultura dos grafiteiros); 4) da peculiaridade individual, que consiste nas ca- racterísticas pessoais dos indivíduos que compõem o grupo cultural. Qualidades da cultura e processos culturais Disso resultam as qualidades da cultura e os pro- cessos culturais. As qualidades da cultura podem ser entendidas como aqueles modos de vida, ou seja, as formas pelas quais as culturas se manifestam. Uma primeira qualidade é a social, isto é, a cultura apren- dida, acumulada e transmitida pelo grupo social. A segunda é a seletiva, ou seja, aquela que se refere ao que cada cultura escolhe ou postula como básico para a sua sobrevivência (exemplo: o forró e a festa do São João no Nordeste). Uma terceira qualidade é chamada de explícita ou manifesta e se dá quan- do uma cultura é exteriorizada através de ações ou movimentos (o caso do carnaval brasileiro). Por fim a qualidade implícita ou não manifesta, que é aquela que se encontra na mente, no íntimo, das pessoas do grupo cultural (crenças, valores etc.). Disso tudo resultam os processos culturais, os quais são maneiras, conscientes ou inconscientes, através das quais os grupos sociais se organizam e se com portam. Por meio dos processos culturais as culturas realizam mudanças significativas seja assimilando novos traços, seja abandonando outros. Um primei- ro tipo de processo cultural é a mudança cultural, a qual consiste na realização de alterações na cultu- ra, a partir de descobertas, invenções, empréstimos, abandonos, substituições, perda etc. Um segundo elemento do processo é a difusão cultural, ou seja, a propagação de elementos culturais por imitação, es- tímulo ou imposição. O terceiro tipo de processo cul- tural é a aculturação, isto é, a fusão de duas ou mais culturas diferentes, desde o contato entre elas até o surgimento de uma nova cultura. Foi o que acon- teceu no Brasil com as diferentes culturas. O quarto processo cultural é a endoculturação que é a forma de estruturação que condiciona o comportamento da conduta e dá estabilidade à cultura. Por meio da endoculturação se dá a transmissão da cultura. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 11 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 10 A relação entre indivíduo e cultura A pessoa “adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence”. Porém nenhum indivíduo aprende toda a cultura, mas está condicionado a certos aspectos particulares da transmissão de seu grupo. Embora haja por parte do grupo cultural certo controle sobre os comportamentos das pessoas, nenhum ser humano se deixa condicionar totalmente pelas imposições de sua cultura. Isso nos permite falar da relação entre cultura e personalidade. Sabemos que a pessoa só se humaniza se interagir com os demais seres humanos. É a sociedade que, normalmente, estimula a pessoa a desenvolver suas potencialidades. Além disso, a elaboração da cultura su- põe uma interação entre o indiví- duo, a sociedade e o ambiente onde ele vive. Normalmente o ser humano tem o seu comportamento modelado pela sua cultura, a qual é geradora de personalidades. O processo de enculturação, de educação e de socialização é o responsável pela produção das personalidades. Por meio dele o sujeito interioriza a sua cultura e molda a sua personalidade. Acontece, porém, que a enculturação não é a aceitação compulsória e passiva do comportamento ditado pela sociedade. Os indivíduos se ajustam à cultura de modos variados e diferentes, segundo seus inte- resses. Mesmo porque a configuração aos padrões culturais depende da personalidade de cada indivíduo, dada a diferença de temperamentos e aos aspectos psicológicos de cada um. É certo que tanto a socieda- de como os seus indivíduos não podem viver sem cultura,uma vez que essa é a sua identidade, a maneira própria de ser das pessoas e dos grupos sociais. Todavia a assimilação da cultura depende de vários fatores, desde aqueles genéticos até aqueles ambientais Hoje temos condições de saber que a formação da personalidade humana depende de vários fatores. Antes de tudo o fator da homeostase, isto é, do equilíbrio entre corpo e mente, o qual, por sua vez, depende de tantos outros fatores. Depois o fator sociocultural, o qual consiste naquela ação da cultura que tenta pa- dronizar as personalidades, regulando os seus comportamentos, tentando criar uma personalidade coletiva. Por fim o fator ambiental, o qual consiste na influência de elementos externos, como, por exemplo, o clima, a alimentação, a localização geográfica etc. Podemos então concluir que há uma influência decisiva da cultura, do ambiente e do elemento bioló- gico na formação da personalidade humana. Mas não se pode falar de um biologismo, de um culturalismo exclusivo e de um determinismo ambiental. Não podemos ter posições deterministas e querer construir este- reótipos a partir disso. O ser humano é sempre capaz de surpreender e inventar. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 11 O termo patrimônio, tradicionalmente, pos-sui conotação de herança paterna, ca-racterística da transmissão da carga he- reditária de um grupo social a suas gerações futuras. Os bens, a terra, os animais, os objetos de uso co- mum são passados de pai para filho, de grupo para grupo ao longo dos anos, de forma que não possam ser perdidos, extintos ou destruídos. Logo, para a tra- dição, patrimônio decorre da apropriação privada dos bens. Isto por si só não esgota, porém, todas as dimen- sões que o conceito de patrimônio evoca. Ao longo da história, a concepção de patrimônio adquiriu no- vos elementos e vinculou-se de forma interessante à ideia de nação e cultura. Tal conexão ocorreu a par- tir do momento em que se passou a trabalhar com a noção de herança nacional, com a formação de grupos mais organizados social e politicamente e, efetivamente, com o surgimento dos Estados-na- ções. A transmissão dos produtos nacionais às gera- ções futuras era e é essencial à ideia de uma nação, vez que a continuidade de todo grupo social exigia (e exige) a passagem de bens e práticas (culturais) consideradas herança daquele grupo. Buscava-se, pois, a partir de uma identificação tradicional, pro- veniente da atribuição de valores a determinados aspectos culturais, o nascimento de um sentimento de nacionalismo capaz de legitimar a formação dos Estados, de modo que as pessoas se sentissem uni- das em face de um ideal comum: pertencer a uma nação. E isso deu ao Estado a legitimidade neces- sária à sua estruturação e organização como poder superior, gestor dos interesses e bens da nação. Ademais, houve outro fator fundamental: a des- truição de monumentos e objetos de arte antigos fez com que o Estado se preocupasse com a preserva- ção de bens tidos como históricos e artísticos que contavam a história nacional. A noção de patrimônio cultural cumpriu, à épo- ca, algumas funções simbólicas: reforçar a ideia de cidadania, visto que os bens tradicionais são trata- dos como nacionais, de interesse da população e sujeitos à gestão estatal; objetivar e tornar visível a nova nação a partir da identificação de bens repre- sentativos; gerar provas materiais das versões oficiais da história nacional, por meio dos bens patrimoniais documentados; e educar novos cidadãos através da conservação desses bens. A ideia de patrimônio cultural pressupõe a exis- tência de um valor, a ele atribuído como justificativa da sua importância. Cria-se um universo simbólico característico aos patrimônios culturais, onde o valor nacional é o seu cerne. Esses bens viriam objetivar, conferir realidade e também legitimar essa comu- nidade imaginada. A comunidade imaginada é a ideia de nação pregada pela sociedade ocidental do século XVIII, na qual as pessoas se identificam através dos bens culturais. Apesar de os estudos reportarem ao século XVIII, essa noção possui caráter milenar e já existia em so- ciedades tribais como elemento fundamental à vida social. Na Idade Média, por exemplo, a aristocracia preocupava-se com a transmissão hereditária de bens e construções; a Igreja tratava de resguardar os objetos que apresentavam caráter religioso, que fossem eivados de valores cristãos. No Renascimento, surgiu à devoção ao belo, antigo, rico e os monumen- tos eram tratados como relíquias sagradas Contudo, a modernidade ocidental, valendo-se dessa catego- ria preexistente, estabeleceu contornos semânticos específicos que formaram a ideia abordada. Destarte, as bases valorativas nas quais se funda- menta a noção de patrimônio cultural provêm da concepção material de valorização da cultura do mundo ocidental. Por outro lado, no mundo oriental, os objetos concretos não eram (e não são) enxerga- dos como únicos e essenciais à construção cultural, não se configurando como principais depositários da tradição cultural. Procurava-se (e procura-se) en- tender o patrimônio cultural essencialmente como o processo de conhecimento e interação sociais, comuns às pessoas do grupo social, enxergando os aspectos materiais como consequências dessa cons- trução cultural objeto de valorização e preservação. Sob o olhar do mundo ocidental, inclusive, a tradição é marca de reconhecimento dos grupos orientais. Importante ressaltar que a terminologia utilizada pelos ocidentais sempre foi a de “patrimônio históri- co e artístico”, reflexo dos principais valores em que se fundava esse conceito, visto que tais dimensões são tidas como eixo para a legitimação da ideia de nação. Além desses aspectos, nitidamente materia- listas, a construção da noção de patrimônio cultural fundou-se em bases culturais eurocêntricas, típicas de manifestações eruditas e consideradas civilizadas. As culturas não ocidentais, não europeias e não civili- zadas foram “esquecidas” pelo conceito de patrimô- nio cultural, vez que não eram consideradas merece- doras de tutela. H5 –IDENTIFICAR AS MANIFESTAÇÕES OU REPRESENTAÇÕES DA DIVERSIDADE DO PATRIMÔNIO CULTURAL E ARTÍSTICO EM DIFERENTES SOCIEDADES. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 13 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 12 A ampliação do conceito de patrimônio cultural A noção tradicional de patrimônio cultural, entre- tanto, não figurou estanque até os dias de hoje. Ao longo da história, ela adquiriu novas acepções, viven- ciou a transformação de valores simbólicos essenciais à categoria de pensamento, e a incorporação de ou- tras dimensões, além da histórica e artística. Fruto de processos culturais, patrimônio cultural não é imutável, já que a produção humana é refle- xo das relações das pessoas com o meio ambiente particular que as envolve, assim como da interação entre elas próprias. Relações e interações são pro- cessos dinâmicos, transformáveis e fundados na di- versidade. Nesse sentido, não há patrimônio único, ou patrimônio eterno, ou mesmo formado de requi- sitos pré-definidos, e que possui características deter- minadas. Falar em processo é falar em construção, em criação, interação, relação, conceitos esses ex- tremamente conflituosos. A modernidade demorou, mas acabou por ad- mitir que o patrimônio cultural de um grupo social é bastante diverso e sofre mudanças constantemente. Sua amplitude evidencia-se quando se entende que ele compreende os processos da vida humana. São as manifestações do ser humano em suas projeções de vida cotidiana: criações musicais coletivas, obje- tos de uma época que se tornaram típicos, edifica- ções arquitetônicas componentes deuma cidade, pinturas e poesias, crenças e festas, costumes, inven- tos tecnológicos, etc. Uma nova concepção de cultura A expressão cultura foi e é muito usada como significado de sofisticação, educação (em seu sen- tido restrito), sabedoria. Ainda nos dias de hoje é muito comum ouvir que Fulano é uma pessoa culta, enquanto Sicrano não tem cultura, é um ignorante. Parece que a cultura pode ser medida a partir do grau de sofisticação e polimento. E ter cultura é bom. Não ter cultura é ruim. Assim, a cultura pode ser usa- da como instrumento de discriminação de um grupo em detrimento do outro, fato este comum quando se tratam de etnias, idades e sexo diferentes. A socieda- de europeia é muito culta, enquanto os indígenas sul -americanos são primitivos; os homens sempre leram muito – têm cultura -, as mulheres nunca o fizeram – são incultas; os brancos têm muito conhecimento e sabedoria, os negros são um grupo social cultural- mente atrasado. Quantas vezes tais ideias foram re- produzidas? Qual o grau de influência e dominação contido em tais afirmativas? Analisando como ocorrem as relações de traba- lho, por exemplo, em que empregador atua com seu poder diretivo sobre o empregado, o qual labora sob dependência financeira, constata-se que além dos aspectos econômicos existem outros fatores de su- bordinação. Tais fatores baseiam-se em situações de dominação de classe – detentores do capital explo- ram a força produtiva dos vendedores da sua força laboral -, de raça - negros, orientais, latino-america- nos e estrangeiros, em geral, são explorados, tratados sem os mesmos direitos dos brancos, ocidentais, esta- dunidenses, europeus -, e de gênero, sob a desculpa de que o homem culto é mais evoluído. Nada mais segregador do que uma concepção baseada nes- ses moldes. Pode-se, e deve-se, afirmar que não há pessoa sem cultura, da mesma maneira que não existem subculturas (em seu sentido pejorativo), nem cultura mais importante que outra, ou meios mais propícios à cultura, ou mesmo ser humano mais produtor de cul- tura. Não há que se admitir classificação e hierarqui- zação dos diferentes modos de vida. Prevalece a iso- nomia entre processos culturais, independentemente do seu conteúdo, da forma e da origem. Nesse sentido, a partir de estudos antropológi- cos, debruçados sobre a diversidade humana e so- bre suas manifestações desde as mais conhecidas às mais particulares, buscou-se a elaboração do conceito de cultura. Cultura é, pois, para muitos an- tropólogos, toda e qualquer manifestação humana, independentemente da sua origem – branca, negra, indígena, asiática, ocidental ou oriental - e do seu conteúdo – erudito ou popular. O aprimoramento dessa concepção a partir da observação dos pro- cessos sociais cotidianos, reflexos da interação entre passado e presente, permitiu entender-se os diferen- tes modos de expressão cultural. As dimensões do patrimônio cultural e suas co- nexões O ser humano interage com o meio e com outros seres humanos, produzindo um vasto processo cultu- ral, seja por meio de conhecimentos tradicionais de modo de vida (como modos de fazer instrumentos musicais, receitas gastronômicas, medicamentos na- turais, etc.), seja através de conhecimentos técnicos específicos – genéticos, tecnológicos, arquitetônicos, etc. – ou de expressões orais, danças, músicas, técni- cas de criação, costumes. Nesse sentido, o patrimô- nio cultural apresenta-se nas mais diversas formas e o que se vê é uma gama de dimensões antes não entendidas nem abarcadas pela noção tradicional. O redirecionamento das preocupações mundiais foi fator importante para que o mundo enxergasse novos patrimônios e se desprendesse do reducionis- mo artístico e histórico. As convenções e os tratados internacionais refletem o despertar para o dinamis- mo inerente às manifestações culturais: Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, ambas aprovadas pela UNESCO respectivamente em 1972 e 1989, Conven- ção de Diversidade Biológica, assinada durante a ECO 92, Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2001, e Convenção para a Salvaguar- da do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003, todas elas são importantes na contextualização acerca da nova concepção de patrimônio cultural. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 13 Ademais, a revolução tecnológica em muito influenciou no desenvolvimento do patrimônio ge- nético, do patrimônio científico, da mesma forma, a nova concepção antropológica de cultura foi responsável pelas discussões acerca do patrimônio imaterial. Tem-se, portanto, outras dimensões do pa- trimônio cultural, além da material, a saber: ambien- tal, urbana, genética, histórica, artística, imaterial, arqueológica, etnográfica, etc. Vale ressaltar que a perspectiva das várias di- mensões do patrimônio cultural não deve ser vista como uma segregação do que seria a amplitude do patrimônio cultural. O que se prega é a sua cone- xão, o entendimento conjunto das suas dimensões e não a abordagem em separado, de cada uma. O tratamento a ser dado deve ser amplo, de maneira que haja uma interação entre as vertentes. A cultu- ra é una, mesmo apresentando variadas manifesta- ções, assim como o patrimônio cultural também o é. Não há patrimônio apenas genético, por exemplo, sem que haja conexão com o modo de vida, com as criações tecnológicas e perspectivas de constru- ção cultural. Os costumes relativos a medicamentos extraídos de vegetais estão intimamente ligados às crenças religiosas, assim como estas estão conecta- das aos monumentos erigidos, às festas tradicionais de celebração da vida e às danças e músicas. Como exemplo, tem-se as tribos indígenas da Amazônia, as quais possuem conhecimentos tradi- cionais acerca das plantas e seres vivos da região, usando-os como meio para cura de doenças. Ade- mais, possuem crenças e ritos particulares, nos quais celebram sua ideologia e festejam datas comemora- tivas, com danças e músicas típicas. O patrimônio cultural imaterial Falar em imaterialidade do patrimônio cultural significa, inicialmente, reforçar a ideia de que ele é composto por outras dimensões e deve ser enten- dido em sua complexidade, mais especificamente pelos processos sociais e culturais que transformam diariamente o convívio humano. Pensar em patrimônio agora é pensar com trans- cendência, além das paredes, além dos quintais, além das fronteiras. É incluir as gentes, os costumes, os sabores, os saberes. Não mais somente as edifica- ções históricas, os sítios de pedra e cal. Patrimônio também é o suor, o sonho, a dança, o jeito, a ginga, a energia, vital, e todas as formas de espiritualidade da nossa gente. A concepção de patrimônio cultural imaterial sur- ge como resposta à tradição. A partir da contextuali- zação histórica vivida em tempos de ampliação des- sa noção, ocorreu finalmente em 17 de outubro de 2003, a positivação internacional das expressões cul- turais intangíveis, quando a UNESCO, em conferência geral ocorrida em Paris, aprovou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Esta tem como finalidades a proteção da dimensão intan- gível do patrimônio cultural, a necessidade de sensi- bilização local, regional, nacional e internacional so- bre a sua importância, o respeito à produção cultural imaterial de comunidades, grupos e indivíduos, além da assistência e cooperação internacionais, e expli- ca patrimônio cultural imaterial como sendo: As práticas, representações, expressões, conheci- mentos e técnicas - junto com os instrumentos, obje- to, artefatos e lugares que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os in- divíduos reconhecemcomo parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é cons- tantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimen- to de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (UNESCO, 2005). No Brasil, a Constituição de 88 já havia menciona- do em seu artigo 216 a proteção dos bens imateriais ligados ao patrimônio cultural. A norma do art. 216 se estrutura, portanto, como autêntica cláusula geral que vocaliza o reconheci- mento e a garantia do patrimônio cultural brasileiro, incidindo indistintamente sobre todas as formas de manifestação que atendam ao requisito valorativo previsto naquele dispositivo, em harmonia com a no- ção de patrimônio cultural imaterial concebida na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cul- tural Imaterial, da UNESCO, firmada em 17 de outu- bro de 2003, em Paris. Com essa nova concepção, tem-se um patrimô- nio cultural mais plural, condizente com o seu caráter processual e fluido, proveniente das construções hu- manas. As manifestações vitais de um grupo social refletidas em suas mais variadas formas – festas, dan- ças, comidas, artefatos, músicas, idiomas, expressões orais, técnicas de criação, costumes, conhecimentos relativos ao ambiente, ao universo, etc. – são constru- ções intangíveis. Como expressão dos valores prove- nientes das relações humanas, os significados cultu- rais estão presentes em toda manifestação humana, não apenas nos objetos, e são constituintes das esfe- ras da vida social e consequentemente do patrimô- nio cultural imaterial. Destarte, deve ser entendido a partir do contex- to em que está inserto, com suas significações pró- prias, do contrário, estará sendo apropriado a partir de um universo simbólico equivocado, criado para outros fins e não condizentes com a realidade social. A constante recriação a que estão sujeitos os modos de vida, de pensar, de fazer, de interpretar de um grupo social é prova da necessidade de interpreta- ção contextualizada. Ademais, “quando se fala em Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 15 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 14 patrimônio imaterial ou intangível, não se está referin- do propriamente a meras abstrações, em contraposi- ção a bens materiais, mesmo porque, para que haja qualquer tipo de comunicação, é imprescindível um suporte físico”. Nesse sentido, é importante salientar o cará- ter difuso que está presente na noção de patrimô- nio cultural imaterial. Juridicamente, entende-se o tema como um interesse difuso, caracterizado pela sua amplitude em relação à coletividade humana. O direito à proteção desse patrimônio é também configurado como difuso, marcado pela variação espaço-temporal, pela possível indeterminação de sujeitos, alta conflituosidade existente em seu cerne e indivisibilidade do objeto. Com relação à indeterminação dos sujeitos, que o caráter difuso provém “do fato de que não há um vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados por es- ses interesses”, já que eles se agregam em virtude de certas ocasiões fáticas. No caso em questão, os su- jeitos desses interesses seriam todas as pessoas inseri- das na vida social de determinado grupo, país ou até mesmo toda a humanidade, dependendo da sua identificação e participação no processo cultural. Assim como os sujeitos do patrimônio cultural ima- terial não são indivíduos facilmente determinados, o seu objeto é indivisível. O interesse difuso, em face da sua estrutura peculiar, possui uma continuidade inde- pendente da satisfação individual, sendo seu obje- to fluido e não se esgotando nem se extinguindo se exercido por alguns de seus sujeitos. A base do patrimônio cultural imaterial está na sua vitalidade, dinamicidade e fluidez. Logo, os in- teresses a ele relativos são “soltos”, desagregados e disseminados entre segmentos sociais, não apresen- tando um vínculo jurídico básico e forte. Acontece que os conflitos resultantes de interesses difusos não se identificam com os conflitos tradicionalmente con- cebidos na fórmula “Tício versus Caio”, o que faz com que se observe a intensa conflituosidade vivida pelos diversos grupos sociais. No caso do processo cultural, a dinamicidade é característica marcante, observável facilmente com a análise acerca da mutabilidade espaço-temporal vivida pelas manifestações culturais. Na medida em que as construções humanas apresentam-se como processos variáveis, sujeitos ao contexto em que ocorrem, elas configuram-se como transformáveis independentemente de previsões, podendo surgir, declinar-se, extinguir-se ou reaparecer, a depender do tempo e do espaço. Vê-se, portanto, que o patrimônio cultural imate- rial constitui-se enquanto interesse difuso, não apenas sob a ideia da coletividade, vez que a sua amplitude vai além de um conjunto de pessoas determináveis, abrangendo grupos sociais variáveis, fluidos e plurais. Tal entendimento legitima a busca pela tutela jurídi- ca do patrimônio cultural. Repercussões da nova concepção de patrimônio cultural Como não podia deixar de ser, a ampliação da ideia de patrimônio cultural gerou reflexos. Com a ampliação da ideia de patrimônio cultural observou- se, inicialmente, a quebra, ou melhor, o início do pro- cesso de desconstrução de algumas dicotomias pa- radigmáticas, como a de material x imaterial, cultura erudita x cultura popular, presente x passado e pro- cesso x produto, as quais passaram a ser questiona- das e discutidas. Constatou-se também a discussão sobre da imaterialidade do patrimônio cultural, suas particularidades e conteúdo. Sob esse aspecto, passou-se a entender que a imaterialidade cultural não se restringe ao folclore ou às manifestações populares, de modo que todo pro- cesso cultural humano apresenta dimensões mate- riais e imateriais, inclusive a cultura conhecida como erudita. A necessidade de conexão entre o material e o imaterial foi sendo vista como elemento importante para um tratamento mais plural da problemática re- lativa ao patrimônio cultural. Reconheceu-se o patrimônio cultural oriental, re- presentado por suas peculiaridades e manifestações típicas, como merecedor da proteção oficial patroci- nada pela Unesco. O foco cultural foi deixando de ser as construções europeias e dissipando-se por todos os grupos sociais, independentemente de origem e et- nia, de modo que a diversidade e a pluralidade cul- turais começaram a serem vistas como fundamentais à tutela internacional. Não foram mudanças imediatas. Algumas conse- quências seguem ocorrendo gradativamente. Outras não. Continuam na espera por condições materiais, ideológicas e históricas que permitam a sua concretu- de, ou, pelo menos, apontem lutas a serem travadas. Além disso, alguns estudiosos entendem que ocor- reu uma tímida mudança de visão com relação ao tratamento preservacionista de proteção do patrimô- nio cultural, vez que as instituições responsáveis pelo assunto passaram a ter ações um pouco mais amplas ou direcionadas especificamente para a preserva- ção dos “novos patrimônios”. Como dito, a atuação essencialmente voltada às construções de “pedra e cal”, predominante duran- te os séculos XIX e XX, até o marco constitucional de 88, evidenciava o privilégio dado aos bens materiais e àquilo que tradicionalmente se entendia como pa- trimônio histórico e artístico. O entendimento limitado acerca do significado de preservação e as reducio- nistas ações levadas a cabo pelo estado brasileiro fo- ram aos poucos sendo vistos com ressalvas, gerando discussão sobre a inserção da imaterialidadenos pro- jetos de preservação adotados. Apesar disso, pode- se dizer quer a ideologia euro centrista e materialista continua como cerne das políticas de preservação voltadas ao patrimônio cultural, e estas, mesmo com novas ações e com uma nova maquiagem, conti- nuam com dificuldades para absorver o significado da amplitude do patrimônio cultural. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 15 Novos instrumentos jurídicos de preservação fo- ram criados, como o inventário e o registro, direciona- dos às manifestações intangíveis, dando à temática um grande impulso na busca por uma tutela capaz de abarcar as diversas dimensões do patrimônio cul- tural. Diante das opções de preservação elencadas pela Carta Constitucional de 1988 inventário, registro, vigilância, tombamento e desapropriação adotou- se o Inventário Nacional de Referências Culturais e o Registro dos Bens de Natureza Imaterial como me- canismos do processo preservacionista, por mais se adequarem à imaterialidade característica das ma- nifestações culturais. O Inventário Nacional de Referências Culturais é instrumento de identificação muito importante para as ações preservacionistas, visto que “tem como ob- jetivo produzir conhecimento sobre os domínios da vida social aos quais são atribuídos sentidos e valores e que, portanto, constituem marcos e referências de identidade para determinado grupo social”. Ele con- siste na realização de pesquisas, levantamentos e in- terpretações de dados acerca de um determinado grupo social, na sua dinamicidade cultural. Juridicamente é um dos instrumentos que permi- te a identificação desses saberes, fazeres, práticas, significações e valores expressos em práticas sociais, e que, juntamente com o pedido de instrução, com- põem o encaminhamento ao Ministério da Cultura do pedido registro patrimonial nos livros do IPHAN. A característica mais importante desse instrumen- to é a sua capacidade de levar em conta numa mesma pesquisa os aspectos materiais e imateriais do bem cultural inventariado. Ele é capaz de contem- plar, “além das categorias estabelecidas no registro [marcadamente imateriais], edificações associadas a certos usos, a significações históricas e a imagens urbanas, independentemente de sua qualidade ar- quitetônica ou artística”. Esboça-se, portanto, a tão esperada conexão entre as dimensões material e imaterial do patrimônio cultural, o que configura um grande avanço em termos de preservação. É o que ocorre atualmente na Cidade de Rio de Contas-BA, onde técnicos da 7ª Superintendência Regional do IPHAN trabalham no inventário do patrimônio cultural típico da cidade, que pode vir a gerar conhecimen- tos acerca das manifestações culturais e da sua ma- terialização em obras tangíveis. Esboça-se também uma aproximação com a co- munidade, de modo que a população possa enten- der-se como atriz social responsável pelas manifesta- ções culturais em questão. O inventário passa a ter um papel de tradutor da realidade sócio cultural e, com isso, coloca os habitantes das localidades como seus mais legítimos intérpretes. O Registro de Bens de Natureza Imaterial é instru- mento constitucional regulamentado pelo Decreto n° 3551/00, que visa à documentação dos bens cul- turais considerados imateriais, através do registro em um dos seguintes livros: I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscri- tos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coleti- va do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão ins- critos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. O registro é um instrumento de preservação que se adapta à dinâmica das manifestações intangíveis e, através dos dossiês se volta principalmente para a produção de conhecimento. Analisando-os de for- ma bastante ideal, tem-se que os dossiês de registro devem apresentar toda a vida do bem cultural ima- terial a ser registrado, de forma que seus elementos, características, seu surgimento, história e trajetória de- vem ser abarcados. Faz-se necessário a juntada de documentos fotográficos, fonográficos, audiovisual e bibliográficos a respeito do bem, para que haja todas as informações sobre o contexto em que se insere o bem, as transformações sofridas com o tempo e com a interferência de outros processos culturais, sociais ou econômicos. É um trabalho complexo e importante para a catalogação do bem cultural a ser registrado. Entretanto, apesar de ter sido inserido no mundo jurídico como um instrumento que visa à democrati- zação da política de preservação, o registro apresen- ta, como os demais instrumentos preservacionistas, di- ficuldades para a realização da concretude da par- ticipação popular nas ações de salvaguarda, com a apropriação do universo simbólico inerente aos bens culturais. Trata-se de um instrumento de catalogação e documentação que armazena informações e da- dos importantes sobre a cultura de determinado gru- po social. É difícil enxergar o registro para além dessa noção, como, por exemplo, um instrumento transfor- mador, condizente com um novo pensamento pre- servacionista. É importante ponderar no sentido de que a mera criação de novos instrumentos de preservação não levará necessariamente a uma melhoria na política de preservação. Mesmo que outros instrumentos ju- rídicos venham a ser instituídos (como de fato ocor- reu com o Decreto nº. 3551/00), caso não haja uma mudança no pensamento segregacionista e limitado, continuar-se-á com dificuldade de visualizar uma po- lítica de preservação participativa, democrática e condizente com a dinamicidade dos processos cul- turais e com a sua completude. Logo, os instrumentos aqui abordados são bastante relevantes e podem atuar de forma interessante junto ao patrimônio ima- terial, mas não exaurem a política de preservação do patrimônio cultural, que deve valer-se de ações mais amplas e essencialmente públicas de salvaguarda dos bens culturais imateriais. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 17 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 16 Com efeito, também as políticas públicas cultu- rais sofreram influências da nova concepção de pa- trimônio cultural, mas ainda deixam a desejar com relação à ideologia que as rege e a seus mecanis- mos de atuação. Aconteceu ainda, e segue acontecendo, uma diversificação dos saberes envolvidos na questão do patrimônio cultural. Novas entidades desenvolveram- se, quebrando a exclusividade estatal no tratamen- to do patrimônio cultural, e diferentes profissionais passaram a trabalhar na proteção e promoção dos novos segmentos do patrimônio. Arquitetos, arqueó- logos, antropólogos, urbanistas, etnógrafos, ambien- talistas, etc., substituíram os intelectuais detentores dos saberes cultos e sagrados. A diversidade atingiu não somente a noção de cultura, estendendo-se aos atores do patrimônio, e admitindo-se a participação da população na proteção e promoção do patrimô- nio cultural. É evidente que para se efetivar a quebra das di- cotomias, ampliar o tratamento jurídico e protecio- nista conferido ao patrimônio cultural, dar eficácia e conteúdo às ações preservacionistas e gerar uma apropriação mais efetiva por parte da população, faz-se necessário repensar o real sentido da preserva- ção e entender a importância das discussões acerca davastidão do patrimônio cultural. A necessidade de conexão entre as dimensões material e imaterial do patrimônio cultural para uma efetiva preservação Apesar da ampliação do conceito de patrimônio cultural, as ações da política de preservação do pa- trimônio cultural brasileiro ainda não atentaram para a necessidade de quebra da dicotomia material x imaterial e conexão entre essas dimensões do patri- mônio cultural. A subjetividade humana é o porquê da construção material humana. Logo, não existe pa- trimônio cultural material sem fundamento subjetivo, que lhe dá substrato e conteúdo. O homem se vale de sua subjetividade intrínseca para interagir com o mundo a sua volta e construí-lo, dando-lhe sentido. O patrimônio cultural configura-se no processo cultural, composto pela interação entre sentimentos, pensamentos, anseios provenientes da figura huma- na. É através das suas manifestações que tal intera- ção é externada. O resultado desse processo cultural ocorre na apresentação material e imaterial: casas, ruas, objetos, cidades, modo de viver, de se relacio- nar, manifestações musicais, literárias, etc. Essa visão que separa o que é material e o que é imaterial contamina, por exemplo, as políticas públi- cas de “revitalização” de centros históricos, que valo- rizam apenas a melhoria estética dos lugares. São in- tervenções governamentais propondo modificações no uso do espaço público, alterando não somente o aspecto material, mas também a sua vida e dinâmi- ca. Tais medidas de revitalização continuam sendo medidas segregadoras, de limpeza social e embele- zamento. Com efeito, em detrimento de uma visão com- partimentalizada que define o todo em partes, acre- dita-se no todo compreendido pelo processo cultural inerente ao homem social. No patrimônio cultural o que se pretende preservar não é a representação do real, até porque esta não existe, mas sim o valor sim- bólico de determinado bem cultural, ou seja, a con- figuração do real. Assim como os centros históricos podem ser enxergados por seus valores, as celebra- ções de uma tribo indígena também tiveram valo- res agregados. Objeto da preservação é o proces- so cultural em sua totalidade. O que se busca com as ações preservacionistas é a atuação do homem transitório no presente, com os valores apreendidos culturalmente, na concepção de uma ação projeti- va de futuro. O cerne da questão é, portanto, o valor simbólico do bem cultural, a essência apropriada pe- los atores e atrizes sociais e não as construções mate- riais fruto desse processo. Logo, uma política de preservação não pode vi- sar à restauração física de determinado bem ou lo- cal sem que haja interação com aquilo que lhe dá vida e dinamicidade, com a subjetividade humana. É um equívoco acreditar que a mera conservação física de praças, igrejas, terreiros de candomblé e centros históricos é capaz de preservar os valores cul- turais inerentes às construções materiais fruto de pro- cessos também culturais. Assim como é um equívoco entender que a catalogação dos usos e costumes é capaz resgatar a essência valorativa do bem cultu- ral. Esse tipo de preservação/conservação serve efi- cazmente como documentação estanque do que é resultado da construção humana no passado, como uma fotografia atual do que aconteceu e merece ser revisto. Mas não contempla o objetivo de dar ao homem de hoje entendimento acerca dos processos culturais característicos de outras épocas. Preserva- se apenas o que se vê. Esquece-se do que se ouve e do que se sente. Texto adaptado de SOUZA, C. G. G. D Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 17 Coordenadas Geográficas Paralelos e Meridianos Paralelos são os eixos que circulam o planeta no sentido horizontal. O Equador é a zona da Terra que mais recebe os raios solares no sentido perpendicu- lar, quando eles são mais fortes. Meridianos são os eixos que circulam o planeta no sentido vertical. O Meridiano de Greenwich divide a Terra no sentido vertical, originando, dessa forma, o hemisfério leste ou oriental e o hemisfério oeste ou ocidental. Coordenadas geográficas são a combinação de latitudes e longitudes. A combinação dos elementos indica a referência exata de qualquer ponto da su- perfície do planeta. A latitude é a distância, em graus, de qualquer ponto da superfície terrestre em relação à Linha do Equador, o principal dos paralelos terrestres. Linha do Equador: 0º. A longitude é a distância em graus de qualquer ponto da superfície terrestre em relação ao Meridia- no de Greenwich. O Meridiano de Greenwich possui longitude de 0º, aumentando até 180º para o leste e diminuindo até –180º a oeste. COMPETÊNCIA DE ÁREA 2 –COMPREENDER AS TRANSFORMAÇÕES DOS ESPAÇOS GEOGRÁFICOS COMO PRODUTO DAS RELAÇÕES SOCIOECONÔMICAS E CULTURAIS DE PODER. H6 - INTERPRETAR DIFERENTES REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS E CARTOGRÁFICAS DOS ESPAÇOS GEOGRÁFICOS. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 19 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 18 O que é cartografia? (conteúdo adicionado por Ananda Veduvoto) A cartografia expressa o conhecimento da superfície da terra por meio de mapas, cartas e plantas. É a ciência e a arte de representar as características de um lugar (cidade, estado, país, região) em uma su- perfície plana (ROSA, 2004). Os mapas são de grande importância para a civilização moderna. O objetivo dos mapas é localizar, representar e comunicar características de um espaço (por exemplo, características naturais, socioeconômicas ou educacionais). A história dos mapas é bastante antiga. O ato de elaborar mapas precede até mesmo a escrita. Traçar mapas era uma necessidade dos povos primitivos. Aos gregos é atribuída a elaboração do atual sistema cartográfico: demarcaram os polos da terra, a linha do equador e os trópicos. Elaboraram o sistema de coor- denadas geográficas, pensaram as primeiras projeções e fizeram o cálculo do tamanho do planeta (ROSA, 2004). O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), considera que: • Um mapa possui escala pequena. Tem o intuito de representar os aspectos naturais (bacias, planal- tos, vegetação) e características político-administrativas. Os mapas também podem ter fins temáticos, cultu- rais ou ilustrativos. O nível de detalhamento da área não é muito grande. De modo geral, são representados grandes espaços. • As cartas possuem maior nível de detalhamento da representação do território. A escala é média ou grande. O objetivo é avaliar particularidades da área, com maior nível de precisão. As folhas são subdivididas em paralelos e meridianos. • As plantas são tipos específicos de cartas. Representam áreas bastante limitadas. A escala é grande. A quantidade de detalhes que podem ser observados é bem maior. Escala Cartográfica (conteúdo adicionado por Ananda Veduvoto) A construção de mapas é feita a partir de uma visão reduzida de um território. A escala indica a propor- ção entre a superfície real e a sua representação em um mapa, carta ou planta. O tipo de escala é definido a partir da temática do mapa. Se for necessário um maior nível de detalhamento, a escala deverá ser maior. Em mapas com menor nível de detalhamento, a escala é menor e a área observada é maior. A escala pode ser gráfica ou numérica. A escala numérica, por meio de uma proporção numérica, representa as dimensões do espaço real (ter- reno) e do espaço representado no papel. O numerador é sempre uma unidade, indica a distância medida no mapa. O denominador representa a distância correspondente no terreno. Em uma escala de 1: 100.000, por exemplo, 1 centímetro no mapa representa 100.000 centímetros ou 1 quilômetro na superfície terrestre. A escala gráfica é elaborada a partirde uma linha ou régua graduada. As subdivisões são denominadas talões. O comprimento de cada talão corresponde ao valor medido no terreno. O valor é sempre indicado de forma numérica na parte inferior da régua. Veja o exemplo: Fonte: http://alunosonline.uol.com.br/geografia/escala-cartografica.html Projeções cartográficas (conteúdo sugerido pela Matriz de Referência do ENEM) As projeções cartográficas foram desenvolvidas em formatos diferentes com o objetivo de representar a esfericidade da Terra de forma plana, em mapas e cartas. Cada projeção prioriza um aspecto diferente de dimensão e forma da Terra. Todas as representações possuem deformações. Não é possível representar uma superfície esférica em uma superfície plana sem que ocorram problemas de distorção. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 19 No que diz respeito a superfície das projeções, podem ser planas, cônicas ou cilíndricas. Observe o es- quema abaixo: Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv44152_cap2.pdf É possível minimizar as imperfeições ocorridas em representações planas da superfície terrestre no que se refere às áreas, aos ângulos ou às distâncias, porém, nunca será possível conseguir eliminar todas as distor- ções ao mesmo tempo. De acordo com Fitz (2012): • Projeções Conformes: a forma verdadeira da área a ser representada é mantida, os ângulos existen- tes no mapa não são deformados. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 21 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 20 • Projeções Equidistantes: as distâncias pos- suem conformidade, não ocorrem deformidades li- neares. • Projeções Equivalentes: as dimensões das áreas representadas são mantidas, não ocorrem de- formações. Fonte das figuras (página 22): https://biblioteca. ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64669_cap2.pdf As projeções de Mercator, Miller, Berhmann e Robinson são as mais utilizadas na representação do mundo. De acordo com o IBGE (2012), a projeção cilíndrica equatorial de Mercator e a policônica são as utilizadas para representar o Brasil. O mapeamento oficial do Brasil é elaborado na projeção policônica. A principal característica desta projeção é a redução da deformação na conver- gência dos meridianos. Em função disso, a região Sul é melhor representada. A projeção cônica é utilizada no mapeamento com escala de 1: 1000 000. Segun- do o IBGE (2012) este é o padrão do mapeamento mundial, definido pela Organização das Nações Uni- das (ONU). Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 21 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 23 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 22 Leitura de mapas temáticos, físicos e políticos (conteúdo sugerido pela Matriz de Referência do ENEM) O principal objetivo dos mapas temáticos é gerar e comunicar uma informação referente a um ou vários aspectos. O mapa poderá representar características físicas, como os tipos de vegetação, clima e hidrogra- fia, entre outros, ou poderá mapear fenômenos sociais, políticos ou estatísticos. Fitz (2009) nos explica que o intuito da construção deste tipo de mapa é fornecer a representação de fe- nômenos que existem no espaço geográfico (espaço físico e espaço construído). A simbologia cartográfica é utilizada para facilitar a compreensão do usuário sobre o mapa. Na Geografia, os mapas são utilizados na análise do espaço geográfico (GIRARDI, 2008). Para obter êxito na interpretação de mapas observe: • O título do mapa: analise o tema que está sendo representado no mapa. • As referências (autores, data de elaboração, fontes): perceba o período em que o mapa foi cons- truído, isto ajudará na compreensão sobre a temporalidade de determinado assunto (problemas ambientais, guerras, intensificação do processo de urbanização, entre outros). • A direção do Norte, a escala, o sistema de projeção e as coordenadas geográficas: observe as ca- racterísticas de localização do espaço geográfico representado e o posicionamento do mapa. O tamanho da escala indicará se o local representado possui maior ou menor detalhamento na imagem. • Legenda e cores: a legenda esclarecerá os símbolos que aparecem no mapa. Cada símbolo possui um significado, descrito pela legenda. As cores indicam alternância de fenômenos ou territórios. As cores também possuem significação e geralmente estão detalhadas na legenda. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 23 Observe o exemplo abaixo: FONTE: https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/mapas_mundo/mundo_IDH.pdf. Tecnologias modernas aplicadas à cartografia. (conteúdo sugerido pela Matriz de Referência do ENEM) O avanço da tecnologia permitiu aperfeiçoamentos nas técnicas de conhecimento e mapeamento do espaço geográfico. Na cartografia, as novas tecnologias de informação e comunicação como os satélites, programas de computação e telecomunicação possibilitaram grandes revoluções nas técnicas de coleta e processamento de dados e informações do espaço geográfico. Os satélites artificiais, que orbitam em torno do planeta Terra, captam imagens que são codificadas e transmitidas por estações rastreadoras. Isto permitiu grande precisão de detalhamento de imagens. O sensoriamento remoto utiliza diferentes sensores (equipamentos de fotografia, scanners de satélites e radares) para captar e registrar imagens à longas distâncias. A Aerofotogrametria consiste na técnica de obter fotografias por meio de sensores acoplados em aviões. A altura da aeronave determinará a escala da imagem. São instrumentos amplamente utilizados para planejar espaços rurais e urbanos. O GPS (Sistema de Posicionamento Global) utiliza os sinais obtidos por satélite para fornecer informações de localização com precisão (objetos, veículos, pessoas) a partir de coordenadas geográficas: latitude, longitude e altitude. Nos SIGs (Sistemas de Informações Geográficas) são utilizadas todas as outras técnicas de captação de imagens e dados. Trata-se de um conjunto de tecnologias que permitem gerar informações e monitorar o espaço terrestre. As imagens digitais geradas através de satélites ou a técnica de aerofotogrametria e as informações de GPS formam um grande banco de dados. A partir disso, com os SIGs é possível coletar, processar e analisar uma gama significativa de dados e informações, gerando mapas e gráficos de ampla utilização. Referências Bibliográficas FITZ, Paulo Roberto. Cartografia básica. São Paulo: Oficina dos Textos, 2008. ROSA, Roberto. Cartografia Básica. Universidade Federal de Uberlândia. Instituto de Geografia: Laborató- rio de Geoprocessamento, 2004. Disponível em: http://www.uff.br/cartografiabasica/cartografia%20texto%20 bom.pdf. Acesso em 7 jan. 2018. ATLAS Geográfico Escolar. 6. Ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/ index.php/biblioteca-catalogo?id=264669&view=detalhes. Acesso em: 8 jan. 2018. GIRARDI, Eduardo Paulon. Proposição teórico-metodológica de uma cartografia geográfica crítica e sua aplicação no desenvolvimento do atlas da questão agrária brasileira. Tese (doutorado) - Universidade Esta- dual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente, 2008. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 25 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 24 As relações de poder em si, tomando como base a subjetividade humana, fazem parte da consciência individual, exteriorizando- se na tentativa de imposição da sua vontade sobre os outros na relação intersubjetiva - por ora prescin-dida. Dessa forma, a democracia representativa - re- presentatividade da sociedade por cidadãos eleitos - compreende característica uníssona, à intrínseca relação de poder, a necessidade de um comandan- te, visto que a mobilização das pessoas depende do start, da iniciativa e organização de alguma(s) pes- soa(s). E dessa forma, os atores principais detêm o po- der de influenciar, direta ou indiretamente em certas decisões, a consciência individual e assim, por meio da dominação, arraigarem os atores coadjuvantes da sociedade, caracterizados por serem receptores do poder/ dominação, partindo, pois, da aceitabili- dade (construção humana), no Estado democrático de direito - este trabalho, restringe-se a esta forma de governo. Existem sutis relações na sociedade as quais de- vem ser ressaltadas, porque são elas que afetam ca- balmente as relações sociais. As crianças podem ser expositoras dessa relação de poder em si, intrínseca ao ser humano, quando se percebe na construção das relações sociais a tentativa de sobrepujar-se por meio de injúrias ao receptor da ação, como se obser- va na prática de bullying. E assim, as tentativas recí- procas de dominação esbarram em fatores alheios, os quais definem psicologicamente a aceitabilidade à fonte do poder na situação concreta. Essa externa- lidade pode ser definidora de conflitos entre poder, delineando melhor a aceitabilidade do receptor des- se poder/ dominação. O cidadão, ao longo do de- senvolvimento, mergulhado na vontade de dominar, atua sobre a ação de sobrepujar-se de acordo com seus interesses, que passam por canais mais sutis no âmbito da competição social, se manifestando em preconceitos, em interações interpessoais e em rela- ções de trabalho. Além disso, a psicologia moderna constata a existência de uma inerente predileção a certos comportamentos e sentimentos os quais po- dem ser estimulados ou tolhidos pela família, reper- cutindo na formação do indivíduo e na sua relação com o outro. História e construção social Tem-se, nessa relação com o outro, uma conexão histórica, visto que o homem está localizado tempo- ralmente. A historicidade, dessa forma, guarda cisões de entendimento, de classes, de desenvolvimento, dentre várias repercussões promovedoras de mudan- ças de pensamento e também de convívio social como as provocadas pela Revolução Industrial. E no afã de compreender o presente, acreditando residir nele às raízes do futuro, muitas vezes, esquece-se na historicidade o escopo da análise de um fato. Disso- ciar a historicidade das relações de poder na socie- dade é, simplesmente, fazer uma análise superficial dessas relações e dos jogos de convivência, de sorte que acontecimentos históricos de delimitado tempo/ espaço refletirão no presente e provavelmente no fu- turo. Dessa forma, será tratado ao longo do artigo, algumas marcas históricas relevantes e associadas às relações sociais, voltadas às dominações na so- ciedade. As relações de poder construídas têm início quando o sujeito parte do isolamento e estabelece relações com os indivíduos socialmente. As relações intersubjetivas exprimem maior com- plexidade comparativamente às relações individuais, visto que estabelecem multifacetadas conexões in- ter-individuais que se opõem numa relação simples entre dois indivíduos, um o dominado e outro o do- minador. Contudo, a sociedade identifica diversas fontes de poder, muito além da oposição entre do- minador e dominado. A fonte do poder, dificilmen- te, será vista na sociedade, em vista da difusão do poder, ou seja, é circular advindo de vários pontos, logo, não apresenta colocação exata, parte de uma construção humana intersubjetiva e visível, talvez, em determinados caso concretos. O poder, dessa forma, atravessa a história, junto à construção da sociedade e de seus valores. Liberdade indissociável A liberdade encontra-se imersa num processo envolto pela consciência coletiva e jurídica. À cons- trução coletiva, entende-se a autonomia oriunda da consciência moral individual e intersubjetiva. Portan- to, obtém-se dessa bilateralidade axiológica atribui- ções aos sujeitos de direito, permitidas somente pela existência do Estado Democrático de Direito o qual garantidor de liberdades/autonomias. A consciên- cia moral individual do sujeito imerso, geralmente, num núcleo familiar, desenvolve-se permeada por garantias constitucionais (consciência jurídica) e por relações autônomas entre os sujeitos de direito (cons- ciência moral intersubjetiva). E, dessa forma, o indivi- duo particularizado reconhece- se livre e autônomo para realizar interações sociais, sendo-lhe atribuído identidade, ou seja, reconhece-se como igual num H7 –IDENTIFICAR OS SIGNIFICADOS HISTÓRICO-GEOGRÁFICOS DAS RELAÇÕES DE PODER ENTRE AS NAÇÕES. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 25 processo dialógico-interacional. A passagem, pois, da consciência moral individual para a relação com a consciência moral intersubjetiva, nega aos sujeitos - não mais isoladamente - perda da liberdade total em certos aspectos, visto que a liberdade individual estende-se à fronteira da liberdade de outrem para ser legítima, no Estado democrático; então, ultrapas- sando esse limite, o ponto de interseção entre a liber- dade de dois indivíduos representa a perda da igual- dade e perder-se-á, pois, parte da liberdade e da legitimidade de uma ação. Dessa forma, a relação entre os sujeitos, socialmente, demanda perda de li- berdades para a garantia de liberdades prioritárias. O sujeito, portanto, aderido à sociedade, desenvol- ve sua consciência moral coletiva integrada inicial- mente aos padrões daquela cultura, logo, externa ao indivíduo isolado e, posteriormente, é capaz de tecer críticas a padrões que lhe são impostos (cons- ciência individual). A consciência jurídica, dotada de juridicidade, observa a bilateralidade axiológica, reconhecendo nesta o ethos social que atua como substrato axiológico máximo da sociedade devendo, portanto, ser positivado constitucionalmente, pois re- presenta os anseios e os interesses, racionalmente construídos e dispostos. Dessa forma, o processo de construção da liberdade é permeado pela bilatera- lidade axiológica e pela consciência jurídica, ocor- rendo, entre esses momentos, intrínseca interação entre os fatores e, portanto, não sendo possível sua separação no caso concreto da construção da liber- dade do sujeito. Dessa forma, a liberdade do individuo em si (consciência moral individual) é inerente ao ser hu- mano. Imerso na relação “eu”, tem-se a liberdade em si um expoente na liberdade do pensamento, a qual alheia à dominação direta das relações inter- subjetivas, visto a inviabilidade de controle direto so- bre o pensamento. A dominação indireta atua sobre a forma de pensar e agir da sociedade, impondo padrões sobre a conduta social. São elas subdividi- das em quatro tipos: normas imperativas, convencio- nalismos sociais demandantes de comportamentos socialmente aceitos, padronizados; normas morais constroem os valores socialmente assumidos como promotores do bem comum; normas religiosas, fun- dadas na vontade divina; e, por fim, as normas jurí- dicas, dotadas de coercibilidade, impõem condutas em acordo ao ordenamento jurídico posto. A liberdade, quando confrontada aos interesses da sociedade, determina dos atores principais, fon- tes do poder, instrumentos os quais delimitam essa liberdade em si, objetivando interesses de classe, de instituições privadas ou de governo, de pessoas, den- tre outros possíveis expoentes do poder. Diante disso, a liberdade em si basicamente delinear-se-ia sobre o campo da vontade individual, enquanto a liberdade intersubjetiva, construída, basicamente delinear-se -ia sobre a condição. Portanto, inexiste serhumano somente possuidor de vontade individual, dentro de um processo intersubjetivo da sociedade, visto que o tempo todo se estabelece relações, interindividuais demandantes de, no mínimo, condição de igualda- de dialógica. Desse modo, a liberdade é única, não podendo dissociar suas fases no ser humano; além disso - como visto - não se ausentam as relações de poder nessa relação, sendo a construção da liber- dade, interferida pela capilaridade do poder o qual influencia a consciência moral individual e intersubje- tiva, e também a consciência jurídica. Sociedade disciplinar Um ponto a ser abordado sobre relações de po- der advém, como vários outros, diretamente do Esta- do. A concepção penal variou durante o crescimen- to da sociedade e assim foram construídas formas distintas de punição a fim de moldar e evitar a rein- cidência de atos nocivos socialmente. Consequen- temente também formulou-se, aliadas às ideias de superioridade etnocêntrica, uma série de caricaturas “anômalas” e, portanto, receptoras de preconceitos. Na democracia grega antiga, houve a instauração da figura da testemunha, através da qual o povo se apoderou do direito de dizer a verdade, de opor a verdade a seus próprios senhores, buscando no pro- cesso a verdade dos fatos, a realidade do ocorrido. Diferentemente, o direito dos povos germânicos anti- gos instituía- se próximo da regulação do fazer guer- ra, por meio de jogos de provas fundados em duelos entre famílias, parentes ou algum autor de danos, sendo inclusive instaurada a vingança na qual um familiar poderia vingar um ente da família, ou outras situações previstas, alimentando assim as rivalidades entre as famílias. O antigo Império Romano expande seus domí- nios, agregando o território pertencente a esses po- vos germânicos e, pela influência grega, também incorporada à Roma antiga, as noções de julga- mento, de testemunha e da busca pela verdade no processo. Enquanto o direito feudal - diante do clima de guerras constantes, da desarticulação do Estado e das disputas familiares- externava concepção se- melhante ao direito germânico, através dos sistemas de provas de estrutura binária no qual o indivíduo deveria aceitar ou não a realização de uma prova, esse mecanismo de provas, díspar do sistema grego e romano, não serve para julgar quem tem razão, apenas para afirmar quem é o mais forte, o mais in- fluente. Assim as punições variavam basicamente de indenização até penas de mortes, com mínima inter- venção de terceiros nesses processos. O inquérito aparece, durante a Idade Média, como pesquisa da verdade entre as práticas jurídi- cas. A sucessiva substituição dos sistemas de provas pela busca da verdade promoveu grandes avanços, muito além dos processos judiciários, mas influencia- ram, portanto, toda a sociedade e instituições delas derivadas. Busca-se a partir de então a verdade nas ciências, nas pujantes universidades, na filosofia, ou seja, marca-se doravante, a volta do racionalismo. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 27 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 26 A noção de crime altera-se, surgindo à ideia de infração que seria um dano cometido conta o Estado e a ordem; fazendo, portanto, com que através desse mecanismo, o Estado confiscasse o poder judiciário e retornasse a concepção da busca da verdade, do fato ocorrido, no processo. O direito penal sofre diversas reelaborações ao longo da história, desenvolvendo, um princípio teórico de separação do crime – infração- ligado ao código penal em si, da falta fundamentada no caráter religioso e moral. A lei, portanto, não deve retranscrever as leis morais e religiosas, mas deve adaptar-se ao que é nocivo a sociedade. Assim, a lei deve reparar o mal e impedir que males semelhantes possam ser cometidos contra o corpo social, ou seja, o criminoso social seria envolvido pela constituição por meio da qual seria punido. A partir disso surgem cinco tipos de punição, formulados por Beccaria e outros teóricos, como citado por Fou- cault como a “bateria de penalidade”. São: “deportação, trabalho forçado, vergonha, escândalo público e pena de talião”. A primeira, assentada na transposição pelo individuo do pacto social, o não pertencer à sociedade; o segundo, restituição dos danos causados; a terceira, a exclusão dentro do corpo social, a puni- ção viria da vergonha, espaço de exclusão social do indivíduo; o quarto consistiria em tornar o caso público, afetando socialmente o condenado; e por fim, a quinta, a pena de talião, fundamentação consistente na reciprocidade de ação por meio da qual o individuo deveria sofrer o ato cometido. Esses projetos penais desenvolvidos por teóricos com Beccaria duraram pouco tempo e foram substituí- dos no início do século XIX, pela prisão. Essa nova forma de punição rapidamente se espalha, revelando-se distante da utilidade social, uma vez que buscava menos a defesa coletiva da sociedade e, mais o controle, a reforma moral das atitudes e dos comportamentos do indivíduo. Dessa forma, a noção da teoria penal, fundamenta-se na periculosidade, em prever e impedir certas atitudes humanas, ao invés de se ater ao que o indivíduo realmente fez. Nos moldes de Foucault, o controle dos indivíduos passa a ser exercido por uma série de poderes estatais como a polícia e toda uma rede de instituições de vigilância e correção, como por exemplo, as escolas as quais moldam os pensamentos e as atitudes, originando uma sociedade disciplinar. E atualmente, como instrumento de dominação utilizado denota-se a interpretação da constituição, muitas vezes, avessa à intenção do legislador, mas encontra-se condescendente na sociedade. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 27 Políticas de colonização, migração, imigração e emigração no Brasil nos séculos XIX e XX. As migrações no Brasil As correntes migratórias no Brasil Pode-se identificar as principais correntes migra- tórias na formação do Brasil: - Migrações formadoras dos povos pré-colom- bianos. Em torno de 50 mil anos atrás, povos oriundos da Ásia, via estreito de Bering, chegaram à América e Brasil. - Migrações dos “conquistadores”. Portugueses, holandeses, franceses e espanhóis passaram a orga- nizar o espaço territorial e intervieram nas sociedades indígenas, escravizando-as. O fluxo migratório, espe- cialmente do conquistador português, estava vincu- lado: a) à apropriação militar e econômica da terra; b) a indivíduos atraídos pelo comércio do açúcar, pela mineração e algumas atividades agrícolas ou pelas obras de infra-estrutura. - Migrações das populações indígenas. Presentes mais de 970 povos /nações com aproximadamente 5 milhões de pessoas, migravam constantemente em busca da “terra sem males”. Com a chegada dos “conquistadores” as razões das migrações mudaram: os deslocamentos passaram a ser fugas da escravi- dão, do genocídio, das doenças transmitidas pelo branco. - Migrações “forçadas” de escravos africanos. Estes africanos trazidos a ferro e fogo para o Brasil como “mercadorias”, tratados piores que os animais, tinham uma vida útil de aproximadamente 20 anos. Trabalhavam em torno de 14 horas ao dia e depois confinados em senzalas. A história registra que essa migração forçada trouxe cerca de 3,6 milhões de africanos, além dos mais de 30% mortos na travessia do Atlântico. - Migrações de colonização. Agricultores e tra- balhadores europeus , no século XIX, excluídos da reorganização político-econômico pela implanta- ção da lógica do capitalismo e, mais tarde, povos do Oriente vieram para consolidar a dominação do território, ocupar as terras de mataria e os espaços de fronteira. Tinham como função principal a produção de alimentos básicos.- Migrações de trabalhadores especializados. Tra- balhadores europeus e asiáticos, com relativa qualifi- cação, imigraram no pós 2ª Grande Guerra Mundial para o setor de serviços e em postos de trabalho no processo de industrialização do país. - Migrações de trabalhadores clandestinos e de escala temporária (últimas décadas). São trabalha- dores excluídos na origem pela concentração de riqueza e renda, pobreza, por ditaduras, ou desafia- dos a buscar melhores condições de vida, mas que encontraram apenas a intolerância da legislação, da autoridade e da sociedade brasileira. Apesar do re- torno de governos democráticos este fluxo continua. - Migrações internas. No início do século XX co- meçou o processo de “enxamagem”. Esgotado o es- paço territorial dos imigrantes europeus nas ‘colônias velhas’, seus descendentes são estimulados a buscar novas fronteiras agrícolas iniciando o ciclo da migra- ção para as ‘colônias novas’. A partir da década de 1930 o estímulo de políticas públicas, iniciou a colo- nização em áreas de terras devolutas. Nas décadas de 60 em diante, da Revolução Verde na agricultura introduz a “modernização mecânico-químico-biológi- co”, levando o setor agrícola à monocultura gerando um tremendo êxodo rural-rural e rural-urbano. Hoje surge o fenômeno da “circularidade” traba- lhadores desempregados, da economia informal e os excluídos que, pressionados pela falta de perspec- tivas, buscam trabalho onde ouvem dizer que há. É um exército em contínuo movimento que inclui traba- lhadores rurais (êxodo rural) e urbanos que vão para as cidades médias e regiões metropolitanas; para frentes de trabalhos rurais (colheitas, de cana, grãos, frutas, fumo) ou nas construções (barragens, rodovias, hidrelétricas, portos, obras civis...); organizam-se em movimentos para ocupação de terras com vista a se- rem assentados: são migrações de fronteiras e migra- ções de retorno. Desafios socioculturais Todo ser se desenvolve dentro de uma rede de relações, que são como as veias que conduzem o sangue por todo o organismo e como a pele que per- mite toda a circulação do sangue. A pessoa humana não foge deste principio e evolui como nó de rela- ções que constituem a sociedade humana com suas culturas. H8 –ANALISAR A AÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS NO QUE SE REFERE À DINÂMICA DOS FLUXOS POPULACIONAIS E NO ENFRENTAMENTO DE PROBLEMAS DE ORDEM ECONÔMICO-SOCIAL. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 29 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 28 O migrante, deixando sua terra, quebra sua rede originária de relações para reconstituí-la em outro lu- gar. É por isso que, quando se desloca só ou com a família, intuitivamente busca lugares onde estejam amigos ou conhecidos. Inúmeros são os desafios de ordem social e cul- tural que ele enfrentará e que se tentará enumerar separadamente, apesar de estarem fortemente en- trelaçados. Sociais - Ruptura de raízes familiares. - Confronto com atitudes racistas de intolerância e xenofobia. - Acolhimento como “braço de trabalho” e não como pessoa. - Tratamento não como cidadão, mas como in- truso. - Exigências para locação de imóvel para resi- dência. - Remuneração incompatível com seu trabalho ou com o fruto do - seu trabalho. Acesso ao Serviço Nacional de Saúde apenas em situações de urgência. Relativização pela sua diversidade. - Dificuldade de encontrar local para lazer. - Esforço para escapar das redes de exploração de sexo e droga. - Feminilização das migrações muitas vezes ex- posta a caminho de exploração seja trabalhista e/ ou sexual. - Acusação de ser elemento de desequilíbrio nas remunerações legais por aceitar trabalho por qual- quer preço. Atitudes restritivas e de indiferença por parte da sociedade civil, cultural e religiosa com relação a imi- grantes. - Inúmeros emigrantes partem com espírito de aventura sem a devida documentação e sem infor- mações básicas sobre as dificuldades normais que enfrentarão. Culturais - Falta de conhecimento do idioma (barreiras lin- guísticas) e dos costumes do país de destino. Dificuldade de “enxertar-se” na nova cultura e de diálogo intercultural. - Choque de gerações no contexto familiar. - Dificuldade de convivência com diferentes vi- sões de mundo. - Aprendizagem do novo idioma sem o conheci- mento das raízes culturais que o constituem. - Riqueza da cultura do migrante muitas vezes “explorada folcloricamente” nos países de emigra- ção. -“Desligamento” da evolução da realidade so- cioeconômico político-cultural do país de origem. - Dificuldade de acompanhar a evolução políti- ca, literária e social do país de destino. O cenário da globalização e seus atores As migrações hoje devem ser entendidas no ce- nário amplo e complexo da economia globalizada. É necessário iniciar pela avaliação dos pressupostos que sustentam a economia de mercado global. Ao mesmo tempo em que os capitais e mercadorias têm livre circulação, os migrantes encontram barrei- ras cada vez mais intransponíveis. Assim, o processo de globalização revela-se excludente, assimétrico e paradoxal. A concentração da riqueza e da renda nos países centrais também concentram as oportuni- dades de trabalho. A tendência é o crescimento do fluxo dos países pobres em direção aos países ricos. Ou seja, da Ásia, África, América Latina e Leste Eu- ropeu para Europa Central, Estados Unidos e Japão. Por exemplo, a Comunidade Européia atualmente necessita dos chamados “migrantes de reemplazo”. Dada a complexidade do vaivém, a origem e desti- no deixam de ter fronteiras precisas. Nesse campo da mobilidade humana, os países ricos fazem um jogo duplo: ao mesmo tempo acei- tam e rechaçam os migrantes. Por um lado, abrem a porta dos fundos para a entrada de trabalhadores clandestinos, pois necessitam de mão de obra fácil e barata para os serviços mais sujos e pesados. Pessoas que, por sua condição irregular, acabam submeten- do-se a condições de trabalho extremamente pre- cárias e a salários irrisórios. Por outro lado, fecham a porta da frente, negando aos imigrantes o status de trabalhadores legais e, consequentemente, os direi- tos de cidadania. Além disso, o serviço de controle de entrada de migrantes costuma funcionar como uma peneira, filtrando a mão de obra qualificada e descartando os menos capacitados. Esse conjunto de fatores, entre tantos outros, torna os estrangeiros ainda mais vulneráveis à exploração indiscriminada. Neste cenário global, atuam distintos atores: em- presas multinacionais, Estados, legisladores, forças de repressão, entidades e organizações defensoras dos direitos humanos e os próprios migrantes. Aqui as tensões são frequentes e os interesses conflitantes. A constante mobilidade humana faz esses atores de- sempenharem papéis variados, divergentes e às ve- zes contraditórios. A multidão dos “sem” A economia globalizada e a filosofia do neolibe- ralismo conduzem a uma “seleção natural” em que os fracos são devorados pelos mais fortes. Continen- tes inteiros, países e imensos setores da população são deixados à margem da história e dos benefícios do progresso e do crescimento econômico. Aprofun- da-se o abismo entre pobres e ricos, seja em âmbito mundial e regional, seja em âmbito nacional e local. Agravam-se as desigualdades e a exclusão social, tendo como resultado, no fim da linha, o aumento do desemprego e da miséria, da fome e da violência. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 29 Há uma multidão de pobres e anônimos de imi- grantes e emigrantes, refugiados, estrangeiros pre- sos e deslocados internos. Todos eles são rostos “esperançosos de que lhes emprestemosnossa voz para denunciar injustiças, desigualdades, violações de direitos...” A cada dia e em cada lugar, novos rostos vêm somar-se à imensa multidão dos “sem”. Qual a saída? Para alguns, a solução é o movimento social or- ganizado na luta pela terra, pelo emprego, pelos direitos básicos à pessoa humana e por mudanças estruturais na sociedade. Para outros, a migração aparece como caminho alternativo. Contudo, é preciso um alerta: não se pode, sem mais, opor os movimentos sociais aos migrantes isolados como se fossem os lutadores conscientes de um lado e os que preferem a fuga de outro. Na verdade “o imigrante é um combatente de uma guerra não declarada”. Emigra não para escapar à luta, mas para enfrentar a luta solitária por melhores condi- ções de vida em outra parte. O fenômeno migratório nos dias de hoje – nú- meros e fatos Grandes movimentos populacionais em respos- ta a fatores como crescimento demográfico, confli- tos armados, eventos ambientais e questões relacio- nadas à produção e trabalho são parte da história humana. Hoje, têm dimensão e abrangência reno- vadas. Segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM), existem 214 milhões de migrantes em todo o mundo5 . Embora, em termos percen- tuais, se verifique certa estabilidade no crescimento do número de migrantes internacionais (elevouse de 3% da população global, em 2005, para 3,1%, em 2010), em valores absolutos, o contingente atual de migrantes é fenômeno sem precedentes, resul- tado de crescimento muito rápido no número de migrantes nas últimas décadas: em 1970, existiam 82 milhões de migrantes; esse número chegou a 175 milhões, em 2000, e a cerca de 200 milhões em 2005 . Em 2050, estimase que o número de migrantes in- ternacionais chegará a 405 milhões . A maioria das migrações ocorre de forma legal, sendo que 10 a 15% dos migrantes internacionais se encontram em situação irregular. No entanto, o número de migrantes irregula- res vem aumentando de maneira relativamente constante. Em sua maioria, os migrantes irregulares adentram os países receptores por vias regulares, mas permanecem além do período devido ou em contradição com o tipo de visto recebido. Os fluxos migratórios no mundo a partir do pro- cesso de globalização (conteúdo adicionado por Ananda Veduvoto) A humanidade está em movimento pelo mundo. Na contemporaneidade, várias razões levam milha- res de pessoas a saírem de seus países em busca de melhores condições de vida em outros lugares. A partir da intensificação do processo de globaliza- ção, houve à aceleração dos fluxos de capital, mer- cadorias, serviços, tecnologias e pessoas em circula- ção pelo mundo. As empresas multinacionais estão em todas as partes do globo, buscam mão-de-obra barata e disponível. Este processo tem contribuído para a grande desigualdade econômica e social entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos – países do Norte e países do Sul. Novas formas de produção e consumo têm sido estabelecidas, levando a grande parte da popula- ção mundial a condições precárias de vida. Povos, grupos étnicos, famílias e indivíduos são desenraiza- dos de seus países e buscam refúgio em outros Esta- dos por razões diversas e complexas, como: • Conflitos civis e Governos Autoritários; • Exploração e desrespeito aos direitos huma- nos; • Miséria e fome; • Desastres naturais e degradação ambiental; • Perseguição política, religiosa ou cultural; • Busca por melhor qualidade de vida. O processo de globalização permite haver gran- de mobilidade territorial devido a modernização dos veículos de comunicação e dos meios de trans- porte. O acesso a informações sobre migrações e oportunidades de trabalho são facilmente acessa- das, os deslocamentos são cada vez mais rápidos e acessíveis até mesmo a populações com poucos recursos financeiros. A migração, inclusive, é uma das maiores indústrias do mundo, uma vez que par- ticipa da rota de negócios de instituições bancárias, empresas aéreas, agências de viagens, traficantes e angariadores que facilitam deslocamentos ilegais. Os governos favorecem a entrada de fluxos econômicos, principalmente empresas e comércio, porém permanecem austeros no que se refere a en- trada de pessoas: as economias ricas incentivam a imigração de profissionais qualificados e dificultam a entrada de grupos pobres e com menor qualifi- cação. Distribuição Geográfica dos Migrantes Dos migrantes internacionais, 60% vivem em países desenvolvidos; a maior parte na Europa (72,6 milhões), na Ásia (61 milhões) – sobretudo no Ja- pão, na Coréia do Sul e em Taiwan – e na América do Norte (50 milhões). Em 2010, uma em cada dez pessoas que viviam em países desenvolvidos era mi- grante, ao passo que era migrante uma em cada Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 31 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 30 setenta pessoas que viviam em países em desenvol- vimento (PEDs). Isso não significa que a maioria dos migrantes se desloque de PEDs para países desen- volvidos. Entre as pessoas que cruzam fronteiras na- cionais, pouco mais de um terço mudam de um país em desenvolvimento para um país desenvolvido. A maioria dos migrantes internacionais mudou se en- tre PEDs ou entre países desenvolvidos. Ademais, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 do Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD), “a esmagadora maioria das pessoas que se deslocam o faz dentro de seu próprio país”: são 740 milhões os migrantes internos. Oitenta por cento dos refugiados – indivíduos com status distinto de outras categorias de migran- tes, em relação aos quais os países têm obrigações legais de proteção e de nonrefoulement – e deslo- cados internos encontram abrigo nos PEDs. De acor- do com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), alguns dos países mais pobres do mundo acolhem significativas massas de refugiados, tanto em termos absolutos quanto em relação ao tamanho de sua economia. O Paquis- tão, por exemplo, abriga 1,9 milhões de refugiados, com impacto econômico de 710 refugiados para cada dólar do PIB per capita, seguido pela Repú- blica Democrática do Congo (475 refugiados para cada dólar do PIB per capita) e Quênia (247 refugia- dos para cada dólar do PIB per capita). Compara- tivamente, na Alemanha, o país industrializado com maior número de refugiados (594 mil pessoas), o im- pacto econômico é de dezessete refugiados para cada dólar do PIB per capita alemão. Segundo o Alto Comissário para Refugiados, Antonio Guterres, configurase cenário em que países industrializados transferem aos países mais pobres o ônus da pro- teção aos refugiados. Além de demonstrar o fraco empenho dos países desenvolvidos em cumprir suas obrigações de proteção internacional assumidas no âmbito da Convenção das Nações Unidas Relativa ao Estatuto de Refugiado, de 1951, e o Protocolo so- bre o Estatuto dos Refugiados, de 1967, esse cenário revela o espírito humanitário e de solidariedade que move as políticas migratórias dos PEDs, apesar das dificuldades econômicas. De acordo com dados do Conare (Conselho Nacional para Refugiados), o Brasil abrigava, em 2011, 4.431 refugiados, de 77 nacionalidades diferentes: a maioria composta por angolanos (38%), seguida de colombianos (14%) e de cidadãos da República Democrática do Congo (10%). Para Guterres, o Brasil é um “símbolo impor- tante de atitude em relação ao refúgio. A proporção de “pessoas nascidas no exterior” é mais elevada na Oceania (17%), América do Norte (14%) e Europa (10%). Estimase que, em 2010, migran- tes internacionais representaram mais de 10% da po- pulação em 38 países com populações superiores a um milhão de pessoas. Os países com maior propor- ção de migrantes,em 2010, foram Catar (87%), Emi- rados Árabes Unidos (70%), Kuwait (69%), Jordânia (46%) e a Palestina (44%)12. De acordo com o World Migration Report 2010, os dez países com maiores populações de pessoas “nascidas no exterior”, em ordem decrescente, em termos absolutos, são: EUA, Rússia, Alemanha, Arábia Saudita, Canadá, França, Reino Unido, Espanha, Índia e Ucrânia. Os dez maio- res países em termos de números de emigrantes são: Rússia, México, Índia, Bangladesh, Ucrânia, China, Reino Unido, Alemanha, Cazaquistão e Paquistão. Ao longo do tempo, os fluxos migratórios ad- quirem nova dinâmica. Na Europa, zonas anterior- mente de emigração, como o Norte e o Oeste do continente, tornaramse áreas de imigração, a partir do pósSegunda Guerra Mundial, ao passo que o Sul da Europa, que por longas décadas se caracterizou pelo expressivo número de emigrantes, consolida se como área também de imigração, recebendo flu- xos importantes de migrantes, desde os anos oiten- ta. Fenômeno semelhante atinge a Europa Oriental, que se firma como área de imigração. Hoje, seis países europeus encontramse entre os dez maiores destinos de migrantes: França, Alema- nha, Rússia, Espanha, Ucrânia e Reino Unido. Um em cada três migrantes internacionais encontrase na Europa (72,6 milhões em números absolutos), sendo que os migrantes representam 8,7 % da população total do continente. No continente americano, por sua vez, vivem 27% do total de migrantes interna- cionais. É característica peculiar das Américas o fato de as migrações contemporâneas ocorrerem predominantemente entre os países da região. Na América do Norte, existem cinquenta milhões de mi- grantes. Os EUA, país tradicional de imigração, de- têm o maior estoque mundial de migrantes: há, no país, 42,8 milhões de migrantes13, que representam um quinto do número total de migrantes internacio- nais e 13,5% da população norteamericana. No Ca- nadá, residem 7,2 milhões de migrantes. Em termos proporcionais (quantidade de migran- tes relativa ao tamanho da população), Bermudas e Canadá ocupam os primeiros lugares, juntamente com Saint Pierre e Miquelon (30,7%, 21,3% e 16,9%, respectivamente), à frente dos EUA. Na América La- tina e Caribe, vivem 7,5 milhões migrantes. Argenti- na, Venezuela e México são os principais países de destino, de acordo com o World Migration Report 2010. O Brasil abrigava 688 mil migrantes em 2010. Verificouse, desde o ano 2000, decréscimo no número de migrantes nos dez principais países de destino da região entre os quais, Argentina, Para- guai, Porto Rico e Venezuela, o que decorreu da deterioração das condições econômicas nesses países. O Equador, por outro lado, experimentou o maior aumento relativo no número de migrantes desde 2000, sendo, em 2010, o sétimo país de destino no subcontinente. Tal fato se explica pelo aumento da entrada de migrantes colombianos e, sobretudo, pela política migratória mais liberal implementada pelo governo equatoriano, o que vem tornando o Equador ponto importante de trânsito para os mi- grantes da região, em seu deslocamento para paí- ses preferenciais de destino entre os quais, o Brasil. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 31 O estoque de migrantes internacionais na Ásia é estimado em 61 milhões, o que representa aproxima- damente 13% do total global. Quase a metade dos migrantes internacionais na Ásia é do sexo feminino. Em números absolutos e em termos globais, quatro países asiáticos figuram entre os maiores países de emigra- ção: Índia, Bangladesh, China e Paquistão. A maior parte dos migrantes asiáticos (43%) deslocase entre os países da região, ao passo que 37% se destinam aos países da OCDE. Quatro dos mais importantes “corredores migratórios” incluem países asiá- ticos: Bangladesh – Índia (3,5 milhões de migrantes por ano); Índia – Emirados Árabes Unidos (2,2 milhões), Filipinas – EUA e Afeganistão – Irã (ambos com 1,6 milhões de migrantes por ano). O Japão é importante país de destino dos migrantes da região: na Ásia Oriental, é o segundo país preferencial de destino, atrás apenas dos EUA. Dada a condição de sociedades em processo acelerado de envelhecimento, o Japão e a Coréia do Sul passam a reconhecer as migrações como parte importante das respectivas estratégias para compen- sar os impactos dessa tendência demográfica no mercado de trabalho e na previdência social. O Oriente Médio constitui, hoje, uma das áreas de crescimento mais rápido em termos de recepção de migrantes, com taxa média de crescimento anual de 3,8%. Em 2010, a região abrigava 26,6 milhões de migrantes, o que representou aumento de 4,5 milhões de migrantes em relação ao ano de 2005. Os países do Conselho de Cooperação do Golfo e Israel são os principais destinos na região. A conexão ÍndiaEmirados Árabes Unidos movimenta o mais alto valor de remessas no mundo. A Ocea- nia abriga cerca de seis milhões de migrantes. Embora, em termos relativos, esse valor corresponda a me- nos de 3% do número global de migrantes, a região possui a maior proporção de migrantes em relação às populações nacionais em todo o mundo. Nos anos recentes, 21,8 % do crescimento populacional da Oceania deveuse à chegada de novos migrantes20. Migrantes representam 25% ou mais da população total de quatro cidades da região: Sydney, Melbourne e Perth, na Austrália, e Auckland, na Nova Zelândia. O número de migrantes internacionais na África foi estimado em dezenove milhões, cerca de 9% do estoque global de migrantes. O número real pode ser ainda mais elevado, ante a insuficiência de dados sobre migrações na região. A mobilidade interna é significativa no continente africano, em razão dos cha- mados fatores push x pull (de atração e repulsão) – conflitos, desastres ambientais, guerras civis ou desequi- líbrios de renda – ou da característica nômade de várias tribos africanas. O fato de cerca de 40% do total global de deslocados internos encontraremse na África reflete essa mobilidade intensa. Ademais, o continente passa por intenso processo de urbanização, o que resulta em altas taxas de migração das zonas rurais para os centros urbanos. Segundo o World Migration Report 2010, estimase que as zonas urbanas abrigarão, em 2050, 68% da população da África subsaariana. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 33 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 32 Conflitos político-culturais pós-Guerra Fria, reorga- nização política internacional e os organismos multi- laterais nos séculos XX e XXI. As novas ferramentas tecnológicas, o padrão de circulação de capital em escala internacional, a administração de interdependência e conflitos, bem como uma tendência de “harmonização” das dife- renças nacionais coloca a necessidade de analisar a organização dos interesses de diversos agentes em escala internacional. Iná Elias de Castro (2006) expli- ca que o modelo de sistema internacional da atua- lidade tem como fundamento as estratégias elabo- radas pelos Estados, “a partir de suas possibilidades frente aos outros, para a escolha de posições favorá- veis com relação às guerras e aos acordos”. A soberania tem norteado as decisões estatais tanto para legitimar conflitos, como para encaminhar as escolhas do Estado. Porém, os avanços tecnológi- cos têm trazido mudanças importantes nos cenários das relações internacionais, “nas quais a soberania é posta em causa, as guerras mudam de sentido e a possibilidade de circulação de informações facilita o aparecimento de redes que criam formas de convi- vência internacional” (CASTRO, 2006, p. 245). No espaço público global que está posto, criou- se um ambiente de grande competitividade. Tor- nou-se necessário a busca por novos espaços de cooperação entre os Estados.A formação de blocos regionais, por exemplo, tem sido uma das estratégias utilizadas para fazer frente a competitividade ins- taurada. “A integração regional tem surgido então como uma alternativa de negociação e de harmoni- zação de práticas comerciais num conjunto reduzido de países vizinhos [...]” (COSTA, 2006, p. 258). Na con- temporaneidade, a partir das análises geográficas, os blocos regionais tornam-se uma nova escala de análise. Além disso, é preciso considerar que o sistema po- lítico internacional também sofreu alterações impor- tantes. A maior parte das atividades do Estado estão submetidas a internacionalização de processos. “Os primeiros resultados das relações entre os Estados e entre as organizações internacionais, como os atores clássicos do sistema, regidos pela diplomacia e pelo direito internacional público”. Os fenômenos são bastante diversos e podem ultrapassar até mesmo o controle estatal – terrorismo, fluxos de informações, ações culturais e políticas – que se manifestam atra- vés das fronteiras dos Estados, “através das normas do direito internacional e apesar das convenções di- plomáticas” (CASTRO, 2006, p. 262). Em meio a todas as reconfigurações do sistema internacional político e econômico, estão presentes também as organizações não governamentais, as empresas multinacionais e as instituições supranacio- nais. Segundo Castro (2006), alguns destes atores po- dem ter mais poder do que alguns Estados, como as corporações ou empresas multinacionais. “É, portan- to, nessa nova arena de conflitos de interesses que se consubstanciam as estratégias de cooperação, alianças, negociações e confrontos” (CASTRO, 2006, p. 267). A partir desta discursiva, neste texto, busca- remos discutir o papel do Estado-nação e as novas escalas geográficas a partir da globalização. Na contemporaneidade, atores individuais e insti- tucionais marcam um novo tempo da relação política com o território. O tempo atual permite que a socie- dade exista em múltiplas escalas – do local ao global –, “que paralelamente estabelece a necessidade de os territórios delimitados e estáveis da política serem obrigados a conviver com as múltiplas espacialida- des inventadas pelos atores sociais” (CASTRO, 2005, p. 80). Na globalização, os fenômenos políticos não se restringem a uma escala somente, desdobram-se em confluências e divergências nacionais, regionais, locais e também globais. As transformações desencadeadas pela globali- zação, que impactam todos os níveis escalares, reo- rientaram as relações interestatais e a economia polí- tica internacional. O papel representado pelo Estado também sofreu transformações importantes. Outros agentes, em escala regional e global, passaram a exercer centralidade no desencadeamento e ge- renciamento de conflitos, comenta Antônio Marcos Roseira (2011). “Os conflitos tornam-se menos centra- lizados nas relações entre Estados, e cada vez mais difusos e flexíveis através da atuação de forças não estatais, como movimentos políticos internacionais, organizações terroristas, crimes fronteiriços, etc” (RO- SEIRA, 2011, p. 23). Para Milton Santos (2000) a globalização atual deve ser considerada a partir de dois processos pa- ralelos. Primeiramente, é preciso considerar que há a produção de uma materialidade –, são as condições materiais que permitem a reprodução da base eco- nômica, dos meios de transportes e das comunica- ções. E, também, há, por outro lado, a produção de H9 –COMPARAR O SIGNIFICADO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS E SOCIOECONÔMICAS EM ESCALA LOCAL, REGIONAL OU MUNDIAL. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 33 novas relações sociais entre países, classes e pessoas. A informação e o capital tornam o mundo mais fluí- do. De modo que, “todos os contextos se intrometem e superpõem, corporificando um contexto global, no qual as fronteiras se tornam porosas para o dinheiro e para a informação”. Em função disso, “o território deixa de ter fronteiras rígidas, o que leva ao enfra- quecimento e à mudança de natureza dos Estados nacionais” (SANTOS, 2001, p. 32). A princípio, David Harvey (1996), explica que a globalização pode ser analisada a partir de três elementos. O primeiro diz respeito a desregulação financeira – “aquilo que aconteceu realmente foi a passagem de um sistema global largamente contro- lado pelos Estados Unidos para um outro sistema glo- bal mais descentralizado e coordenado por meio do mercado”. O efeito mundial deste processo foi tor- nar as “condições financeiras do capitalismo muito mais instáveis e volúveis” (HARVEY, 1996, p. 13). O se- gundo elemento proposto por Harvey (1996) refere- se à “revolução informática”, que conduziu mudan- ças importantes nas organizações de produção e consumo, redefinindo necessidades e exigências. A revolução informática conduziu o que o autor cha- mou de “desmaterialização do espaço”, atualmen- te, coordenada pelas instituições financeiras e de capital internacional como um meio de controlar, instantaneamente, as suas ações e atividades no es- paço. “Teve o efeito de formar um assim dito ‘cyber -espaço’ no qual realizou certos tipos de importantes transações, sobretudo as financeiras e especulati- vas” (HARVEY, 1996, p. 13). A terceira questão que permite analisar os desdobramentos da globaliza- ção, para Harvey (1996), é a diminuição dos custos de transportes e mercadorias. Destes três aspectos que permitem compreender as mudanças econômi- cas, sociais e políticas provocadas pelo processo de globalização, Harvey (1996), desmembra a análise em seis mudanças espaciais importantes. A primeira delas é a “produção e as formas or- ganizativas do capital – sobretudo a multinacional – mudaram-se, aproveitando plenamente das redu- ções dos custos no deslocamento de mercadorias e informações”. Ocorreu de forma intensa a deslo- calização da produção, a dispersão geográfica e a fragmentação dos sistemas produtivos, “da divisão do trabalho e das espacializações das funções, se deram pari passu ao aumento da centralização do poder das grandes corporações”. De forma signifi- cativa, aumentou o domínio e poder das multinacio- nais sobre a organização do espaço (HARVEY, 1996, p. 13). Derivada das três mudanças importantes (des- regulação financeira, revolução informática e di- minuição dos custos de transporte e mercadoria), a força de trabalho assalariada duplicou num período de tempo menor que vinte anos. Porém, acompa- nhando o movimento de dispersão geográfica dos sistemas produtivos, os proletários também estão geograficamente dispersos. Justamente em função disto, também se torna mais difícil organizá-los (HAR- VEY, 1996). Outra mudança importante apontada por Harvey (1996, p. 14) é o constante movimento da população global, o fluxo migratório é cada vez maior e contínuo. “Os limites dos Estados são mais permeáveis ao capital que ao trabalho e às pessoas, mas em cada caso são suficientes”. Contudo, o au- tor adverte: “organizar a força de trabalho diante de notáveis diversidades étnicas e culturais se torna um problema de dimensões particulares”. O processo de urbanização foi intensificado ra- pidamente. Segundo Harvey, tornou-se uma hiperur- banização. A população que vive em espaços ur- banos foi duplicada em trinta anos e “hoje se pode observar uma maciça concentração espacial numa escala antes considerada inconcebível” (HARVEY, 1996, p. 14). Para concluir as análises acerca das transforma- ções empreendidas pelo processo de globalização, Harvey (1996), observa a ocorrência de dois proces- sos: a mudança de territorialização do mundo e a perda de poderes do Estado. A territorialização do mundo foi modificada não só em função do término da Guerra Fria, observa Harvey. “Talvez o elementomais importante tenha sido o diferente papel do Es- tado, que perdeu alguns (se não todos) os poderes tradicionais para o controle da mobilidade do ca- pital, sobretudo financeiro e monetário”. De modo geral, as atividades designadas ao Estado estão sub- metidas ao capital financeiro. A função do Estado passou a ser criar uma situação de favorecesse os negócios das corporações multinacionais. Para isso, a estratégia utilizada foi conduzir operações de ajus- tamento estrutural e processos de austeridade fiscal (HARVEY, 1996, p. 14). Em contrapartida, embora o Estado tenha perdi- do alguns de seus poderes, no entendimento de Har- vey, “tornou-se mais difícil para os poderes ocultos exercitar a disciplina sobre os outros, enquanto para os poderes periféricos tornou-se mais fácil se inserir no jogo das competições capitalistas”. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 35 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 34 A questão dos movimentos sociais e parti-cipação popular remetem sempre à pro-blemática das classes sociais oriundas da sociedade capitalista. Nesta relação de classes anta- gônica e contraditória, os movimentos sociais, a par- ticipação popular, as greves e as reivindicações são formas de expressão na luta por melhores condições de existência. No século XVIII se completa a transição de sistema feudal a capitalismo, as mudanças provocadas no processo de produção e a emergência do trabalho assalariado impactam diretamente as relações so- ciais, reorganizando a sociedade em moldes capita- lista de produção e reprodução, dividindo-a em duas classes sociais, dos que detêm e dos que não detêm os meios de produção. Esta divisão elucida o caráter antagônico das rela- ções capitalistas, permeando todas as atividades hu- manas e esferas da vida social estabelecidas no con- junto das práticassociais, potencializando o processo de dominação econômica, política, social, ideológi- ca e cultural e a manutenção do mando e do poder. A venda da força de trabalho aliena o trabalha- dor de sua capacidade criativa de produção, que não percebendo a alienação, não reconhece a ex- ploração de que é vítima. Os conflitos entre as classes aparecem a partir do momento em que os trabalha- dores percebem que estão trabalhando mais e, no entanto, estão cada dia mais miseráveis. Vários tipos de enfrentamento vão surgindo no decorrer do desenvolvimento do capitalismo, em que os operários vão se organizando, de forma lenta, mas constante, em associações e sindicatos e a partir de- les ocorrem os “movimentos de independência”. A teoria marxista mostra a importância do processo de formação de consciência de classe, por meio da qual o trabalhador descobre que seus interesses são diver- gentes dos interesses da classe dominante. Os operários jamais aceitaram passivamente as novas condições impostas pela consolidação do ca- pitalismo e da burguesia e, diante das contradições re- sultantes desta consolidação ao longo do século XIX. “Toda propriedade burguesa, enquanto propriedade exclusiva, é baseada na miséria e no trabalho forçado do povo, forçado não pela lei, mas pela fome”. As diferenças sociais se tornaram agudizadas em face das condições de vida e de trabalho da classe dos trabalhadores, produzindo a resistência dos mes- mos de diversas maneiras e em diversos lugares no mundo. No Brasil, a independência e a organização do Estado brasileiro após séculos de colônia império, se processam de acordo com as aspirações e interes- ses da aristocracia rural; o processo de emancipa- ção política do Brasil não alterou as estruturas de poder no país. “Permanecerão os mesmos quadros administrativos, na maior parte das vezes até as mes- mas pessoas; e os processos não se modificarão.” O estudo da história revela que os movimentos sociais e a participação popular estiveram sempre presentes em todas as sociedades e devem ser en- tendidos como fenômenos do processo de mudan- ça. Avanços dos movimentos sociais O movimento social refere-se então a perspec- tiva de mudança social, isto é, a possibilidade de superação das condições de opressão e da cons- trução de uma nova forma de sociedade. Na Antiguidade destacam-se o movimento de escravos e religiosos; na Baixa Idade Média, os mo- vimentos camponeses e servis – os camponeses ti- nham poucos direitos, viviam quase completamen- te a mercê de seus senhores, pagando a esses vá- rias taxas. Os nobres dominavam a terra, detendo todo poder político, econômico, judicial e militar, formando a classe dominante na Europa por aproxi- madamente 400 anos; ocorrem as insurreições cam- ponesas e as revoltas se alastram rompendo com os laços de lealdade. Nas cidades (burgos), os artesãos entram em conflito com os comerciantes ricos (burgueses) que os mantinham presos e impotentes. Os comercian- tes, por sua vez pressionam o rei, exigindo maior li- berdade comercial e reconhecimento político junto às esferas do poder. Este período de grande efer- vescência dos movimentos sociais culmina na der- rocada do sistema feudal. Chega-se na Idade Moderna com os movimen- tos dos mercadores e comerciantes protagonizando a Revolução Industrial e a transição para o sistema capitalista de produção. Na Idade Contemporâ- nea, com o capitalismo já consolidado, destacam- se os movimentos operários denunciando as precá- rias condições de vida nas fábricas e nas cidades. O pensador alemão Karl Marx em muito contri- buiu para a compreensão de classe social a partir da relação e reprodução social, em que as condi- ções materiais da sociedade condicionam as rela- H10 –RECONHECER A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA COLETIVIDADE NA TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE HISTÓRICO-GEOGRÁFICA. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 35 ções sociais, isto é, a situação de classe condiciona a relação do indivíduo com e na sociedade. Para Marx: “Não é a consciência dos homens que deter- mina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”. Uma das faces mais perversas do capitalismo se mostra na exploração do trabalhador com jornadas de trabalho excessivas e péssimas condições de so- brevivência aviltantes à dignidade humana. Alguns segmentos de trabalhadores, em lugares e momen- tos diversos, começam a se insurgir contra as explo- rações sofridas. As lutas, a princípio mais isoladas, por melhores salários e redução de jornada de trabalho, pouco a pouco, tornam-se mais frequentes e orga- nizadas. A primeira manifestação de resistência foi o “Mo- vimento Ludita”, no qual operários ingleses inspirados em Ned Ludd, deram início à destruição das máqui- nas, responsabilizadas como a causa da situação de miséria dos trabalhadores; o governo reage vio- lentamente com perseguições e até condenações à morte. As greves, as ações de quebra-quebras de má- quinas ou simplesmente o cruzar de braços implica- va em prejuízos imediato aos capitalistas, posto que, não havendo produção não havia exploração da mais-valia e, portanto, não havia acumulação. Esses eram os únicos instrumentos de luta dos trabalhado- res, uma vez que os mesmos não tinham quem os representassem para defender seus interesses diante do Estado em face do capital. A segunda manifestação, o “Movimento Cartis- ta”, em 1830, também na Inglaterra, foi outro mo- mento da luta operária; criou-se a Associação dos Operários por meio da qual foram realizadas greves, passeatas e comícios para pressionar o parlamento inglês. Os operários pretendiam com esse movimento uma representação política do proletariado, no en- tanto, a publicação da “Carta do Povo” foi recusa- da pelo governo queesvaziou esse movimento em 1848. Neste mesmo ano, a publicação do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Engels aponta um novo caminho para os trabalhadores, a classe proletária orientada para a luta. Após longo processo de conflitos, o movimento operário chegou ao final do século XIX com uma consciência crítica relativamente desenvolvida so- bre a sociedade capitalista, tendo claro o seu pa- pel de sujeito de transformações sociais. O proces- so pelo qual os indivíduos passam, como agente de transformação social, de uma situação passiva para uma situação ativa e reivindicatória é decorrente do contexto socioeconômico e histórico de cada socie- dade. Para se compreender a construção histórica dos movimentos sociais é preciso valorizar as experiências efetivas de reivindicações e conscientização dos tra- balhadores, por meio das organizações representa- tivas como sindicatos e partidos políticos. Neste ce- nário, Antônio Gramsci, pensador italiano teórico do marxismo, enfatiza: “a necessidade da formação do intelectual orgânico, ou seja, o intelectual ligado a sua classe e capaz de elaborar coerente e critica- mente a experiência proletária.” Os avanços observados em alguns momentos da história do Brasil, nas órbitas econômicas, sociais e políticas, sempre estiveram vinculadas aos interesses do capitalismo internacional o que significa que na divisão internacional do trabalho, o papel do Brasil foi sempre de subalternidade em relação aos países desenvolvidos, submetendo o povo a uma situação opressiva. Nos três séculos de colonização portuguesa não se proporcionou nenhum desenvolvimento interno e nem uma base para o desenvolvimento industrial futuro, os movimentos sociais deste período tinham como motivação comum a opressão econômica e política exercida por Portugal. A principal beneficiária do sete de setembro foi a aristocracia rural, que manteve seus interesses eco- nômicos garantidos, continuando a responder aos movimentos de resistências com opressão, como por exemplo, nas revoltas: “Cabanagem” - no Pará de 1835 a 1840, que culminou no extermínio de grande parte da população pela polícia - e na “Balaiada”, no Maranhão de 1838 a 1841. O esmagamento des- ses movimentos revolucionários que apresentavam um claro conteúdo social e uma evidente ameaça a ordem escravocrata, consolidou o poder desta aris- tocracia. A paz social ou a estabilidade política deste pe- ríodo é o resultado da brutal repressão aos movimen- tos sociais que explodiam. Tratava-se de manter à distância o povo brasileiro, sendo de acordo com o jurista brasileiro Raimundo Faoro “uma espécie de vulcão adormecido que não deve ser despertado”. No final do Império, a estrutura social resultante de quase quatrocentos anos de história era de “uma classe dominante” composta de senhores de escra- vos e de terras, uma “classe média” de militares, pro- fissionais liberais, funcionários públicos e pequenos produtores agrícolas e de uma “classe baixa”, maio- ria da população, composta de escravos, trabalha- dores sem livres, colonos e assalariados. Não havia projeto político que contemplasse os interesses dessa maioria. Ficando essa população su- jeita, por longo tempo, à dominação das oligarquias agrárias conservadoras e das elites liberais. No início da República, a repressão aos movimen- tos de Canudos (1893-1897) – resistência das popula- ções sertanejas contra a opressão do latifúndio – e o do Contestado (1912-1916) – resistência de campo- neses que juntamente com o “monge” João Maria lutavam pela permanência em suas terras –, marcou o tom com que os governos tratariam os movimentos sociais nos anos seguintes. O movimento operário no Brasil é influenciado pelas ideias anarquistas trazidas pelos imigrantes eu- ropeus. Na luta pela emancipação, a classe operária Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 37 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 36 começou a se organizar, os sindicatos surgiram nos primeiros anos do século XX. As greves por melhores salários, pela redução da jornada de trabalho, pela regulamentação do trabalho feminino e infantil, pelo descanso semanal, pela revogação da lei de expul- são dos estrangeiros, que eram proibidos de partici- par das lutas sindicais, atingiram seu apogeu. Entre- tanto, em 1920, o movimento entra em fase de reflu- xo, após as violentas repressões sofridas, com prisões e expulsões de estrangeiros, sem resultados práticos efetivos. Apesar de muitas lutas, as reivindicações nas greves eram sempre as mesmas em face da limi- tação das conquistas obtidas e da pouca mudança em relação à opressão a que os trabalhadores eram submetidos dentro e fora das fábricas. No final dos anos 20, no entanto, o movimento operário voltaria a crescer, sob a influência dos co- munistas, que passariam a exercer a hegemonia no movimento operário daquele momento em diante. Todavia, o crescimento verificado no movimento operário foi inibido pelas reformas promovidas a par- tir da década de 30. A mudança do eixo econômico, de agrário para industrial, com o Estado à dianteira, implicou a institucionalização das relações entre capital e trabalho, como por exemplo, a definição da jornada de oito horas diárias, do salário mínimo e da organização sindical. Assim, ao mesmo tempo em que o Estado atendia às reivindicações dos ope- rários, aparecendo como protetor e benevolente, controlava todos os movimentos sociais, restringindo quase totalmente suas ações políticas. Nas décadas de 45 a 46, o movimento operário voltaria a crescer, com relativa liberdade, proporcio- nada pela Constituição Liberal que vigorou até 1964; nos anos 60, os movimentos sociais avançaram, de- notando uma crescente participação popular nas discussões dos problemas nacionais. Contudo, esse processo de intensa participação, foi interrompido com o golpe militar de 1964, que, a pretexto de livrar o Brasil do “perigo comunista” e respaldando-se no binômio ideológico “segurança e desenvolvimento”, restringiu a participação popular e proibiu qualquer manifestação que representasse ameaça a “ordem pública”. A perversa situação instaurada no Brasil pela Di- tadura Militar (1964 – 1985), propondo impedimento do livre exercício dos direitos políticos, desmobilizou os movimentos sociais que passaram de um plano de atuação concreta para a descrença em face da decepção da sociedade civil com a política, que não mais articulava as demandas das camadas po- pulares e médias. Neste contexto, a acumulação capitalista se fez apoiada em um governo militar e autoritário, a partir de um modelo de desenvolvimento excludente, que beneficiou apenas as classes empresariais ligadas aos monopólios, os movimentos sociais que ocorre- ram no início dos anos 70, tinham como objetivo a satisfação das necessidades mínimas de sobrevivên- cia da população pobre. Através dos setores popu- lares, surgiram, então, movimentos por: creches, ha- bitação, transportes, postos de saúde e melhoria em favelas, e ainda reivindicação por congelamento de preços e correção dos salários. No final dos anos 70, acontece o reaparecimen- to do movimento operário, com as greves no ABCD paulista, em 1978, bem como sua reorganização através das centrais sindicais: Central Única dos Tra- balhadores (CUT) e Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e da articulação com partidos políticos. Nos anos 80, a relevância dos movimentos so- ciais foi notável na campanha por eleições diretas para presidente da República – as Diretas Já (1984- 1985) e na Constituinte de 1988, na qual se verifica- ram avanços importantes com relação aos direitos de cidadania. Surgem novos movimentos centrados em questões éticas ou de valorização da vida.Em vista da violência, dos escândalos políticos, cliente- lismo e corrupção, a população reage no plano da moral e nas questões sociais referentes a problemá- tica da idade, fazendo emergir movimentos como: Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), Movimento dos Aposentados, do Negro e do Indígena, dos Homossexuais, Feministas, Ecológi- cos e outros. Nos anos 90, a deposição do então presidente Fernando Collor de Mello é resultado de intensas mo- bilizações da sociedade civil onde se destacaram os “cara-pintadas”, cujo intuito era o estabelecimento da ética na política. Adentrando o século XXI, os movimentos sociais e a participação popular se reconfiguram em face da globalização, inclusive por meio das Organiza- ções – não – governamentais (ONG’s). As ONG’s se apresentam como novas formas de resistência que substituem os movimentos sociais, são grupos de ci- dadãos que se organizam na defesa de direitos, com estatuto jurídico de entidades privadas sem fins lucra- tivos. Seu objetivo fundamental é a reconstrução da vida social. Uma ONG se define por sua vocação política, por sua possibilidade política: uma entidade sem fins de lucro cujo objetivo fundamental é desenvolver uma sociedade democrática, isto é, uma sociedade fun- dada nos valores da democracia - liberdade, igual- dade, diversidade, participação e solidariedade. As ONG’s são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonhamos. São ações coletivas “novas” decorrentes de pro- blemas “antigos” na sociedade brasileira – fome, vio- lência, miséria, desemprego e subemprego, explora- ção de menores e o dilema da ausência do teto e da terra para morar e produzir. As lutas sociais no Brasil redefinem-se, o movimen- to popular rural cresce e aparece, ficando conheci- do como: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem – Terra (MST). Esse movimento surgiu em Santa Cata- rina em 1979 e transformou-se no maior movimento Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 37 da década de 90, reivindicando a posse da terra e lutando pela reforma agrária no país, sendo apoia- do por parte da sociedade brasileira que vê na distri- buição da terra a possibilidade de fixar o homem no campo diminuindo a pobreza na cidade. As mudanças sociais oriundas da globalização da economia a partir da década de 90 anulam im- portantes conquistas das classes subalternas brasilei- ras em sua secular luta pela conquista de direitos. A reversão dos estragos dos anos 1990, que fo- ram econômicos, políticos, sociais e culturais, portan- to, é possível, mas vai exigir muita coragem e von- tade política dos novos dirigentes do país, e muita mobilização popular, para além do voto. A conquista dos direitos é resultado de lutas so- ciais empreendidas por movimentos populares e or- ganizações sociais que reivindicaram direitos e espa- ços de participação social. O conflito social deixa de ser simplesmente reprimido e passa a ser reconheci- do. As Bases Sociais da Obediência e da Revolta. A moralidade e a justiça/injustiça, tanto no pas- sado como no presente, foram as forças motivacio- nais e sustentadoras dos movimentos sociais, talvez num maior grau que a privação da subsistência e/ou a identidade, produtos da exploração e da opres- são por meio da qual a moralidade e a (in)justiça se manifestam. No entanto, esta moralidade e esta preocupação com a (in)justiça estão referidas pri- mordialmente a “nós”, e o grupo social percebido como “nós” foi e continua sendo muito variável, como entre a família, tribo, aldeia, grupo étnico, na- ção, país, Primeiro, Segundo ou Terceiro Mundo, a humanidade etc., e gênero, classe, estratificação, casta, raça e outros agrupamentos ou combinações destas. O que nos mobiliza é esta privação/opressão/ injustiça com respeito a “nós”, de qualquer forma que “nós” nos definamos ou nos percebamos. Então, cada movimento social serve não só para lutar con- tra a privação, mas, ao fazê-lo, também (re)afirma a identidade das pessoas ativas no movimento e talvez também a daqueles “nós” pelos quais o mo- vimento atua. Estes movimentos sociais, portanto, longe de serem novos, caracterizam a vida social da humanidade em muitas épocas e lugares. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais geram e exercem o poder social por meio de suas mobiliza- ções sociais e de seus participantes. Este poder so- cial é gerado pelo movimento social como tal e, ao mesmo tempo, derivado deste, e não por alguma instituição, seja esta política ou não. Além disso, a institucionalização debilita os movimentos sociais e o poder político do Estado os nega. Os movimentos so- ciais requerem uma organização flexível, adaptativa e não-autoritária que dirija o poder social na busca de metas sociais, as quais não podem ser alcança- das só por meio da espontaneidade fortuita. Mas esta organização flexível não tem de neces- sariamente implicar a institucionalização, que limita e restringe o poder social destes movimentos. É assim que estes movimentos sociais auto organizados en- frentam o poder (estatal) existente, com um novo po- der social, o qual altera o poder político. O lema do movimento de mulheres, de que o pessoal é político, também se aplica, a fortiori, aos movimentos sociais, que também redefinem o poder político. Tal como o observou Luciana Castelina, uma militante em muitos movimentos sociais (e alguns partidos políticos): “So- mos um movimento porque nos movemos” — e até movem o poder político. Os movimentos sociais e a transformação social Apesar de sua natureza defensiva, de suas limi- tações e de suas relações com o Estado, que anali- samos acima, os movimentos sociais são agentes im- portantes de transformação social e portadores de uma nova visão. Uma razão da importância dos mo- vimentos sociais, evidentemente, é o vazio que eles preenchem em espaços nos quais o Estado e outras instituições sociais e culturais são incapazes de atuar pelos interesses de seus membros, ou não querem fa- zê-lo. Além disso, como observamos acima, os movi- mentos sociais entram em espaços onde não existem instituições, ou quando estas não promovem ou vão contra os interesses da população. Muitas vezes os movimentos se aventuram a ir em lugares onde nem os anjos se atrevem a ir. Embora muitos movimentos sociais, em especial os religiosos, invoquem a santidade dos valores e das práticas tradicionais, outros movimentos sociais são inovadores no social, no cultural e em outros aspec- tos. No entanto, se desaparecem as circunstâncias que deram à luz e fizeram crescer os movimentos so- ciais, também desaparece o movimento. Se o mo- vimento consegue os fins a que se propôs ou estes perdem sua relevância, ele perde seu atrativo, perde impulso e se dilui ou petrifica. Não obstante, muitas transformações sociais, mu- danças culturais e desenvolvimentos econômicos ocorrem como resultado de instituições, forças, rela- ções etc. que não se circunscrevem nem aos movi- mentos sociais nem ao processo político dos Estados nacionais. O desenvolvimento econômico mundial, a industrialização, a mudança tecnológica, a “mo- dernização” social e cultural etc. foram e continuam sendo processos que não são impulsionados nem di- rigidos pelos movimentos sociais ou pelas instituições políticas (estatais). A intervenção destes tem sido mais de reação que de promoção. Embora não se deva menosprezar a intervenção estatal (como o fazem os proponentes do mercado livre), suas limitações são ainda maiores dentro de uma economia mundial com alguns ciclos e tendências que em grande medida estão além de seu controle. Hoje em dia, até a propriedade e o planejamento “socialista” estatal são incapazes de dirigir e mesmo de manejar as forças da economiamundial. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 39 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 38 Esta circunstância nos deve conduzir a ser mais realistas e modestos sobre as perspectivas dos movi- mentos sociais (ou, para isso, sobre as das instituições políticas) e sobre suas políticas para contrapor e até para modificar estas forças econômicas mundiais e, mais ainda, sobre sua capacidade para escapar aos efeitos destas forças. Mas isto não foi assim. Pelo contrário, as mais poderosas e incontroláveis são as forças da economia mundial, especialmente duran- te o atual período de crise econômica mundial, mas geram movimentos sociais (e algumas estratégias políticas e ideológicas) que pretendem ao mesmo tempo a autonomia e a imunidade frente a estas forças econômicas mundiais e que prometem se so- brepor ou isolar seus membros em relação a elas. Grande parte da atração dos movimentos so- ciais provém claramente da força moral de sua pro- messa de libertar seus participantes das privações profundamente sentidas nas suas necessidades ma- teriais, status social e identidade cultural. Portanto, esperanças objetivamente irracionais de salvação aparecem como chamados subjetivamente racio- nais para que se enfrente a realidade e para salvar- se e salvar a alma por meio da participação ativa nos movimentos sociais. A mensagem se converte no meio, para inverter Marshal McLuhan. As referências neste contexto acerca de movi- mentos (sociais) “anti-sistêmicos” (por exemplo, por parte de Amin e Wallerstein) têm de ser clarificadas. Muitos movimentos sociais são, com efeito, movi- mentos anti-sistêmicos no sentido de que os movi- mentos e seus participantes combatem ou desafiam o sistema ou algum de seus aspectos. Não obstante, muito poucos destes movimentos sociais são anti-sis- têmicos em seus esforços, e menos ainda em suas conquistas, para destruir o sistema e substituí-lo por outro ou por nenhum. Há evidência histórica contundente de que os movimentos sociais não são anti-sistêmicos neste sentido. Como observamos acima, as consequên- cias sociais dos próprios movimentos sociais não são nada acumulativas. Mais ainda, seus efeitos frequen- temente não são intencionais, de tal forma que es- tes efeitos são incorporados, se não cooptados pelo sistema, que termina sendo fortalecido e reforçado pelos movimentos sociais que originalmente eram anti-sistêmicos, mas seus resultados não o foram. Há pouca evidência contemporânea que nos leva a pensar que no futuro as perspectivas dos movimen- tos sociais, assim como suas consequências, serão muito diferentes das do passado. De fato, os meios, fins e consequências anti-sistêmicas dos movimentos sociais mesmo que alguns destes sejam cooptados no final modificam o sistema “só” ao mudar os nexos com este. Nova democracia civil Concluindo, pode-se perguntar como é que os movimentos sociais podem ser cíclicos, transitó- rios, defensivos, mutuamente conflitivos e frágeis ao mesmo tempo que formam novos laços que servem para transformar a sociedade de hoje. A resposta pode ser buscada e talvez encontra- da na participação e contribuição dos movimentos sociais na ampliação e redefinição da democracia na sociedade civil. Na tradição e prática, tanto burguesa como so- cialista, a formação do Estado e do poder foram o primordial; a democracia foi definida principalmen- te em termos de participação política e/ou econô- mica nos assuntos do Estado. Atualmente, o poder e a instituição do Estado são evidentemente cada vez menos adequados para tratar muitos dos pro- blemas, tanto sociais como individuais, em especial na sociedade civil do Ocidente, do Oriente e do Sul. Forças econômicas e políticas mundiais que estão fora de seu controle debilitam o Estado a partir do exterior e o incapacitam para servir os interesses de seus cidadãos no interior. Ao mesmo tempo, o Estado trata inadequada ou negativamente as múltiplas preocupações so- ciais, culturais e individuais da sociedade (civil) e dos cidadãos. Esta deficiência do poder político (e mesmo da democracia, onde ela existe) ou do Es- tado talvez se exacerbe durante períodos de crises econômicas ou outras e faça com que as regras es- tabelecidas do jogo político sejam cada vez mais inadequadas. Portanto, muitos tipos de movimentos sociais emergem e se mobilizam para reescrever as regras institucionais (e democráticas?) do jogo e do poder políticos redefinindo assim o próprio jogo para que, de modo crescente, incluam e se baseiem em no- vas regras democráticas do poder social/civil. Ao fazerem isso, ajudam a mudar o centro de gravidade sócio-político de uma democracia políti- ca ou econômica (ou outro poder) do Estado para uma democracia e poder civis mais participativos dentro da sociedade e cultura civis. Estas se esten- dem muito mais adiante da família e do lar para ou- tras preocupações onde as mulheres têm uma pre- sença e um papel relativamente maior que na políti- ca e na economia. Há imensas e talvez crescentes áreas onde os cidadãos já não podem ou lhes é contraproducen- te confiar no poder político institucional do Estado. Nestas áreas em que os cidadãos, e cada vez mais as mulheres, se dedicam democraticamente a suas múltiplas e amiúde opostas preocupações econô- micas, sociais, de gênero, comunitárias, culturais, religiosas, ideológicas e às vezes políticas. Com este propósito, os cidadãos da sociedade civil formam e se mobilizam através de múltiplos movimentos sociais e organizações não-governamentais autônomas e autogeradoras de poder. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 39 Ao mesmo tempo, e em parte como consequência disso, as exigências para a democracia e sua ex- tensão a ou redefinição na prática como democracia civil se fazem cada vez mais insistentes. No Ocidente, uma democracia mais participativa se vê acompanhada, ou talvez refletida, numa. baixa na participação eleitoral. No Leste, a nova democracia se manifesta tanto em movimentos sociais civis na China como em milhares de novos clubes civis e outras organizações e demonstrações públicas massivas sob a glasnost na União Soviética e em outros países da Europa Oriental. No Sul, a participação individual e massiva em movimentos e organizações que tratam de reestruturar a sociedade e a cultura assume uma posição primordial, junto com a tomada e o exercício do poder estatal onde cada vez mais falta democracia. Portanto relativamente, à democracia política no Estado, ela tam- bém cresce neste processo da democracia civil participatória e autônoma na sociedade civil. Além disso, os movimentos sociais participatórios e autogeradores de poder (com a crescente participação de mulheres) participam de maneira importante neste processo de transformação social. Texto adaptado de FRANK, A. G; FUENTES, M Texto adaptado de MIRANDA, C. M; CASTILHO, N. A. N; CARDOSO, C. C Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 41 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 40 A sociabilidade é a capacidade natural de a espécie humana viver em sociedade e desenvolve-se pelo processo de socializa- ção. Por meio da socialização, o indivíduo se integra ao grupo em que nasceu, assimilando o conjunto de hábitos, regras e costumes característicos dele. Isto ocorre quando o sujeito participa da vida em sociedade, assimila suas normas, valores e costumes e passa a se comportar segundo estes. Assim, quan- to mais adequada for sua socialização, mais sociável ele se tornará. Com o surgimento da globalização e o adven- to das novas tecnologias de comunicação, o tem- po histórico se acelerou, e profundastransformações começaram a ocorrer em todas as esferas da socie- dade. Neste contexto de rápidas mudanças, surgem novas formas de sociabilidade e novos grupos que se reúnem em torno de afinidades ou interesses momen- tâneos, e se identificam por algum aspecto externo, como uma linguagem própria, uma vestimenta, ou coisa do gênero, além das comunidades eletrônicas e virtuais, que habitam o espaço cibernético e aca- bam criando um novo tipo de sociabilidade. A convivência humana pressupõe uma grande variedade de tipos de contatos sociais, que são o pri- meiro passo para que ocorra qualquer associação. É através do contato social que as pessoas estabe- lecem relações sociais, criando laços de identidade, formas de atuação e comportamento que são à base da constituição dos grupos. O Grupo social é a reunião de duas ou mais pes- soas, associadas permanentemente pela interação, e, por isso, capazes de ação conjugada visando a objetivos comuns. Grupo social primário é aquele no qual predominam os contatos primários; no grupo so- cial secundário, por sua vez, predominam os conta- tos secundários. Os contatos podem ser primários, quando são pessoais e diretos, com uma forte base emocional. As primeiras experiências do indivíduo se fazem com base em contatos sociais primários. Ex: familiares, vi- zinhança, escola, etc. E secundários, quando são im- pessoais, formais, por carta, telefone, etc. Ex: caixa do banco, cobrador do ônibus. A ausência de contatos sociais caracteriza o iso- lamento social. Existem mecanismos que o reforçam, como as atitudes de ordem individual e social. Como atitudes de ordem individual podemos ci- tar a timidez ou a desconfiança, pois este tipo de ati- tude coloca dificuldade para a pessoa se comuni- car e estabelecer laços de convivência e afinidade. Já as atitudes de ordem social envolvem vá- rios tipos de preconceitos, como racial, religioso, de sexo, etc. As formas de convívio social são muito diversifi- cadas, pois cada cultura tem suas regras particula- res de convivência e podem se modificar de acordo com as transformações na sociedade. Nos grupos sociais ou na sociedade como um todo, os indivíduos se reúnem, separam-se, asso- ciam-se e dissociam-se; isto é o que chamamos na Sociologia de processos sociais. A palavra processo quer significar contínua mudança de alguma coisa; já os processos sociais são as diversas maneiras pelas quais os indivíduos e os grupos atuam uns com os ou- tros, a forma pela qual os indivíduos se relacionam e estabelecem relações sociais. Assim, os processos sociais podem ser associa- tivos e dissociativos: Processos sociais associativos – São aqueles que estabelecem formas de coope- ração, convivência e consenso no grupo. E podem ser: cooperação (trabalham juntos para um mesmo fim); acomodação (ajustam-se a uma situação de conflito, uma solução superficial); assimilação (solu- ção definitiva e mais ou menos pacífica do conflito social, implica uma transformação da personalida- de); Processos sociais dissociativos – São aqueles re- lacionados com formas de divergência, oposição e conflito, que podem se manifestar de modos dife- rentes como: competição (luta por objetivos escas- sos); e conflito (competição com tensão, violência social). Exemplo: brigas entre gangues de uma co- munidade. Hoje, existe uma tendência para o auto-isola- mento, que vem se verificando, principalmente, nas cidades grandes. É cada vez maior o número de pessoas que moram sozinhas a chamada “tendên- cia single”. COMPETÊNCIA DE ÁREA 3 – COMPREENDER A PRODUÇÃO E O PAPEL HISTÓRICO DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E ECONÔMICAS, ASSOCIANDO-AS AOS DIFERENTES GRUPOS, CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS. H11 –IDENTIFICAR REGISTROS DE PRÁTICAS DE GRUPOS SOCIAIS NO TEMPO E NO ESPAÇO. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 41 Tudo favorece o comportamento individualista, que se manifesta de várias maneiras: o gosto por ficar só, e a preferência pela companhia de ani- mais, tratados como pessoas, por exemplo. Mesmo algumas relações de vizinhança, em que persistem as manifestações de vida comunitária, podem não sobreviver ao individualismo que tende a se universa- lizar cada vez mais. Com o estímulo ao consumo e à competição de- senfreada, a economia capitalista, dinâmica e tec- nologicamente inovadora, colabora para reforçar a cultura do individualismo e o isolamento social. Este tipo de desenvolvimento favorece a forma- ção de uma sociedade egocêntrica, com uma frá- gil conexão entre seus membros, na qual as pessoas buscam satisfazer apenas suas necessidades e impul- sos. Numa sociedade desse tipo, a satisfação indivi- dual está acima de qualquer obrigação comunitária. Apesar deste quadro um tanto quanto caóti- co, podemos observar também que, no interior da própria sociedade moderna, existem forças que se opõem a essas tendências desagregadoras, porque todas as sociedades pós-industriais são necessaria- mente sociedades democráticas, como o Brasil. Os grupos sociais apresentam normas, hábitos e costumes próprios, divisão de funções e posições so- ciais definidas. Com o passar do tempo, as pessoas participam geralmente de vários grupos sociais: gru- po familiar (família), grupo vicinal (vizinhança), grupo educativo (escola), grupo religioso (igrejas), grupo de lazer (clubes, associações, etc.), grupo profissional (trabalho), e grupo político (partidos, Estado). Para definirmos um grupo social, é preciso obser- var algumas características comuns a eles, como: - Pluralidade – o grupo dá ideia de algo coletivo, pois nele sempre há mais de uma pessoa; - Interação social – para que haja grupo, é pre- ciso que os indivíduos interajam uns com os outros em seu interior, é preciso que haja reciprocidade nas ações realizadas dentro do grupo; - Organização – todo grupo, para funcionar bem, precisa de certa ordem interna; - Objetividade e exterioridade – os grupos sociais são superiores e exteriores aos indivíduos, ou seja, o grupo existe independentemente da vontade indivi- dual de cada um; Objetivo comum – os membros de um grupo costumam se unir em torno de certos valo- res para atingir um objetivo. Se alguém de dentro do grupo colocar em dúvida esses valores, ele acaba se dividindo ou se desagregando; - Consciência grupal – são as maneiras de pen- sar, sentir e agir próprias do grupo. Existe o comparti- lhamento de ideias, pensamentos e modos de agir; - Continuidade – interação que faz a duração da existência do grupo. Há aqueles de pouca duração, que se reúnem somente para um único objetivo, como, por exemplo, os mutirões. Além dos grupos sociais, também podemos falar em agregados sociais. A diferença básica entre es- tes conceitos, segundo o sociólogo Mannheim, está no fato de que os agregados sociais são reuniões de pessoas com fraco sentimento grupal, mas que, mes- mo assim, conseguem manter entre si um mínimo de comunicação e de relações sociais. O agregado social se caracteriza por não ser or- ganizado, não ter estrutura estável nem hierarquia de posições e funções. As pessoas que dele participam são relativamente anônimas, isto é, são praticamente desconhecidas entre si. O contato social entre elas é limitado e de pequena duração. Podemos citar como agregados sociais as multidões, o público e as massas. As principais forças que mantêm unidos os grupos sociais dentro de uma sociedade são: - Liderança – é a capacidade de alguém co- mandar ou orientar um grupo de indivíduos em qual- quer tipo de ação. O líder age no grupo transmitindo ideias e valores aos outros membros. Existem tipos de lideranças diferentes, como a liderança institucional, em que o poder de mando vem do cargo e de sua posição no grupo. Ex: gerente, diretor,pai de família, etc. E a liderança pessoal, que se origina das quali- dades pessoais do líder (inteligência, prestígio social, poder de comunicação, atitude, carisma, etc.). Ex: presidentes de Estado, de sindicato. De qualquer ma- neira, o líder desempenha um papel de sustentação no grupo, pois é ele quem integra os seus membros e representa os interesses e os valores do grupo como um todo. - Normas e sanções – são as regras de conduta que dão coesão, orientam e controlam o compor- tamento das pessoas no grupo. Estas regras indicam o que é permitido e o que é proibido no grupo. E toda regra ou norma tem uma sanção que seria a recompensa ou a punição que se atribui ao indivíduo perante seu comportamento social. Essas sanções poderão ser aprovativas, quando são aplicadas sob forma de aceitação, aplausos, promoções, e nada mais são do que o reconhecimento do grupo por ter o indivíduo cumprido o que se esperava dele; ou ainda reprovativas, que correspondem a punições impostas ao indivíduo que descumpriu ou desobe- deceu alguma norma social. As punições variam de acordo com a importância que o grupo dá à norma, e variam de um insulto, uma vaia, até a prisão ou a pena de morte em alguns países. - Símbolo – é aquele que representa o que é abs- trato e possui um valor ou significado que lhe é atri- buído pelas pessoas que o utilizam. A linguagem é a mais importante forma de expressão simbólica. Sem ela, não haveria organização social humana, em ne- nhuma de suas manifestações, nem normas, nem leis, nem criação científica ou literária. Podemos dizer, in- clusive, que todo comportamento humano é simbóli- co e todo comportamento simbólico é humano, pois não haveria cultura sem os símbolos. Por exemplo: nas igrejas cristãs, a cruz simboliza a fé em Cristo. - Valor Social – é o que o grupo estipula e avalia dentro de um contexto social e lhe atribui um signifi- cado, uma qualidade determinada, do que é dese- jável e o que é proibido, do que é bonito e o que é Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 43 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 42 feio, do que é certo e do que é errado. Enfim, quanto maior o contexto social, maior a variedade de opi- niões e valores sociais, muitas vezes conflitantes. Os valores sociais variam também no espaço e no tem- po, em função de cada época, de cada geração, de cada sociedade. Devido à pluralidade de valores e tendências dentro de uma mesma sociedade, é comum encontrarmos pessoas que não conseguem se entender em determinadas questões, como re- ligião, política ou moral. Isto acontece porque elas têm escalas de valores diferentes. Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes. A grande indústria aglomera, num mesmo local, uma multidão de pessoas que não se conhecem. A con- corrência divide seus interesses. Mas a manutenção do salário, esse interesse comum que têm contra seu patrão, reúne-os num mesmo pensamento de resis- tência e coalizão (isto é, os trabalhadores se orga- nizam em sindicatos e outras formas de associação para lutar pelos seus direitos). Portanto, a coalizão tem sempre um duplo objetivo: cessar a concorrên- cia entre os trabalhadores e realizar uma concorrên- cia geral contra o capitalista. O primeiro objetivo da resistência é apenas a manutenção do salário. Mas, na medida em que os capitalistas se unem para re- primir a resistência dos trabalhadores, as coalizões também se unificam. E a manutenção da resistência torna-se mais importante do que a manutenção do salário. Foi através do processo de trabalho que a huma- nidade construiu tudo o que existe na sociedade. Todo trabalho resulta da combinação de dois ti- pos de atividade: a manual e a intelectual. O que varia é a proporção com que esses dois aspectos en- tram no processo de produção. Todo processo de trabalho ou processo produtivo combina o trabalho com os meios de produção, que estão presentes tanto na produção artesanal como nas atividades de uma indústria moderna. Juntando o trabalho aos meios de produção, temos as forças produtivas, que foram se alterando ao longo da his- tória. Até meados do século XVIII, a produção era fei- ta com o uso de instrumentos simples, acionados por força humana, por tração animal e pela energia da água ou do vento. Com a Revolução Industrial ( séc. XVIII), foram desenvolvidas novas máquinas, passou- se a usar o vapor (carvão) como fonte de energia e, mais tarde, a eletricidade e o petróleo. Alteraram-se os meios de produção e também as técnicas de trabalho; houve, assim, uma profunda mudança nas forças produtivas. No processo produtivo, as pessoas dependem umas das outras para obter os resultados pretendi- dos. Assim, para produzir os bens e serviços de que necessitam, os indivíduos estabelecem relações en- tre si, a qual chamou de relações de produção. O trabalho é, necessariamente, um ato social, isto é, o trabalho, como força produtiva, é social. Na produção social da própria vida, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade. Essas relações de produção correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas ma- teriais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade. Essa estrutura é a base real sobre a qual se levanta uma superestru- tura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condicio- na o processo de vida social, política e espiritual. Ou seja, não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em determinada etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção existentes. Essas relações o re- gime de propriedade, por exemplo, que antes eram formas de desenvolvimento das forças produtivas, transforma-se em seu maior obstáculo. Sobrevém, então, uma época de revolução so- cial. Mas uma formação social nunca desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as suas for- ças produtivas. E novas relações de produção mais adiantadas não substituem as antigas, antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade. Em grandes traços, podem ser caracterizados como épocas progressivas da formação econômica da humanidade os modos de produção asiático, an- tigo, feudal e burguês moderno. A globalização significa uma perda para os tra- balhadores, principalmente dos países subdesenvol- vidos e para aquelas pessoas excluídas do mercado de trabalho. Ela significa não a modernização, mas um aprisionamento do Estado aos interesses das grandes corporações e dos organismos multinacio- nais. Neste processo, o Estado libera a fronteira eco- nômica do país para que as empresas estrangeiras se instalem, com isenção de taxas e com a adequação de uma infraestrutura que possibilite a chegada de matérias-primas e o escoamento da produção. Nos anos 60, nas sociedades ocidentais, emergi- ram um conjunto de mobilizações sociais com carac- terísticas diferentes dos movimentos tradicionais (an- teriores). Estes movimentos distintos não reclamavam à semelhança dos seus antecessores, a inclusão polí- tica ou a distribuição da riqueza social. Os atores que protagonizavam estes novos movimentos não são “trabalhadores”, são homens, mulheres, jovens, que reclamam identidades sociais diferentes com preo- cupações ambientalistas, pugnam pela paz, pela li- berdade de orientação religiosa, sexual, política, etc. A base social dos novos movimentos sociais é transversal a todas as classes e a contestaçãonão se enquadra no esquema tradicional do tipo marxis- ta. São novos atores com preocupações diferentes. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 43 Estes movimentos sociais integram na agenda po- lítica temas não politizados, à esquerda e à direita. Tornam-se públicas questões que até à data perten- ciam ao domínio do privado, passando assim a per- tencer ao domínio das relações sociedade-mundo, ou seja, há pluralidade de lugares de conflito político inscritos na configuração social. Os valores reclama- dos são “pós-materialistas”, pois incidem sobre a so- cialização dos meios de produção identitária e cultu- ral - direito à construção autônoma das identidades sociais e pessoais. Nestes novos movimentos sociais as formas de ação e organização são descentralizadas, com lide- ranças múltiplas, pertenças múltiplas (por exemplo, campanhas, manifestações únicas, etc). A história das sociedades no seu cerne é o proces- so de produção e reprodução dos próprios sistemas sociais através de três elementos: modelo e conheci- mento; modelo de acumulação; modelo ético consti- tuem a matriz de interpretação e de orientação para a ação ou seja, o que é possível, e os limites de um sistema sócio histórico. Os velhos movimentos sociais atuavam num determinado contexto, tinham por base determinados valores, normas que os enquadra- vam e simultaneamente os limitavam. Atualmente a sociedade dispõe de recursos tecnológicos capazes de produzir outra linguagem, bens simbólicos distintos dos já existentes. A sociedade é capaz de criar os meios de produ- ção bem como o seu término. Os limites da ação es- tão assim alterados, tendo por isso também alterado os lugares de poder e conflito (deslocalizaram-se as formas de produção para o nível de produção cultu- ral: a produção dos próprios limites sociais). A produ- ção social, a sua distribuição e organização, deixou de ser o lugar de conflito, tendo-se este deslocado para a orientação dessa produção social, não tanto na organização mas antes para os próprios fins dessa produção (Machado, 2007; 257-259). Considera que o conflito central é cultural, tendo ocorrido uma des- locação da centralidade do conflito econômico da sociedade industrial e do conflito político nos primei- ros séculos da modernidade, explica a emergência dos novos movimentos sociais através da análise de três características estruturais que marcam a configu- ração das sociedades capitalistas e industriais. O Estado e o mercado têm vindo a alargar de forma significativa o seu controlo a esferas da vida social. Identifica-se três aspectos desse controle sen- do que o primeiro é o aprofundamento da regulação social através das instituições hegemônicas (Estado e mercado processo crescente de racionalização: regulação simbólica das relações sociais e produ- ção do sentido; interferência direta na construção da identidade e relações sociais). O segundo é a expansão das formas de controlo social que passam a atingir/impacto, virtualmente, todos os indivíduos independentemente da classe (a relativa perda de centralidade do trabalho na construção da identi- dade, pessoa e grupo) provocando sentimentos de privação (consumo) e de dominação por parte das instituições estatais. O último é a racionalidade abs- trata em que se baseiam as instituições políticas e econômicas, tornando-as incapazes de providenciar respostas às necessidades/situações específicas. É este reforço significativo do controlo social por parte do Estado e mercado, que provoca a emergên- cia dos novos movimentos sociais, com uma visão críti- ca destes mecanismos, defendendo a autora uma al- ternativa política, redefinindo também o próprio locus de conflito. Propõem e promovem a reconstrução da sociedade civil, autônoma e emancipada, sem a inter- ferência/influência da ação das instituições políticas e econômicas, independentes de interesses privados e da regulação por parte do Estado. Pretendem formas alternativas da estruturação e cooperação social e o aprofundamento dos processos de participação polí- tica e social, fazendo surgir propostas de auto-gestão, descentralização, solidariedade. Exemplo deste tipo de participação e implicação da população nas decisões políticas é o orçamento participativo de Porto Alegre, o qual foi “redigido e construído” em conjunto com a população (nego- ciação direta com a população visando a afetação de verbas públicas a rubricas identificadas como prioritárias pelo povo). Em relação aos elementos que constituem e integram os novos movimentos sociais, a questão da classe (definida enquanto lugar que se ocupa no sistema de produção) tem de ser analisa- da, tendo em conta o que alguns autores defendem estar a acontecer: a relativa perda de importância do trabalho. A pertença de classe no acontecer de ações coletivas, compreende não só esta pertença, pro- veniente do lugar que se ocupa no sistema de pro- dução, mas também o seu referencial cultural, de recursos e com o seu referencial simbólico, semânti- co valorativo, configurador de determinado tipo de identidade. Outra questão que os distingue também prende-se com o discurso dos atores, sendo este par- te integrante da sua identidade, traduzindo a auto definição do sentido que atribuem ao contexto social a que pertencem, se integram e movimentam. Consi- dera-se que os novos movimentos sociais contêm três vertentes que os distinguem dos movimentos que os antecederam. A primeira refere-se ao tipo de exigên- cias e aos conflitos políticos desses movimentos que incidem sobre questões que antes não eram politiza- das (ex: aborto; energias limpas; antiglobalização). Outra vertente é a expansão de ideologias e atitudes participativas promovendo-se que o cidadão/indiví- duo use os direitos consagrados (ex: direito de se ma- nifestar, de contestar, de propor alternativas). A ter- ceira vertente reporta-se à forma como é efetuada a própria ação/atitude de contestação/protesto, não sendo as mesmas as formas convencionais ou não institucionais de participação políticas, por exemplo manifestações e greves selvagens. Os valores hoje, bandeiras dos novos movimentos sociais, sempre exis- tiram, sendo que a novidade destes em relação aos velhos movimentos sociais é a forma de ação que se assume como política. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 45 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 44 Enumeram-se quatro tipos de participação em grupos e ações coletivas. A primeira forma de participa- ção é em associações de âmbito nacional, com objetivos políticos bem definidos direcionados para a defe- sa de interesses específicos: sindicatos e partidos políticos. Ambos participam na arena política ao nível na- cional e pretendem a alocação de recursos conforme os interesses coletivos organizados que representam. A segunda forma analisada debruça-se sobre a participação em grupos sociais locais tais como asso- ciações de pais e de moradores. O âmbito é mais limitado (não defendem interesses nacionais ou de clas- se) nem estão necessariamente vinculadas a partidos políticos, e pretendem, geralmente a resolução de problemas dos seus quotidianos, promovendo a criação de condições/meios que proporcionem conforto, proteção aos seus membros no seu dia a dia. A terceira forma de participação são os movimentos ambientalistas. Estes movimentos são como os novos movimentos sociais, e distinguem-se dos tradicionais (sindicatos e partidos políticos) pelo próprio recrutamen- to e perfil dos seus membros, e as estratégias de ação. O ideal que os move foi também introduzido na agen- da política e manifestos políticos recentemente, sendo que antes pertencia à esfera privada. Por fim, o quarto tipo de açõescoletivas referidas são as formas/manifestações de desobediência civil: bloqueios de estradas, boicotes eleitorais. A sua constituição como movimento é mais rápida que os outros movimentos referidos, não têm uma organização semelhante nem estrutura, a sua atuação é temporária, os riscos a que expõem os seus elementos (participação) são mais elevados. Este tipo de ação coletiva é enca- rado como prejudicial à sociedade civil, dado que atuam utilizando a desobediência, provocam desordem e desorganização e, por isso, não benéficas para a sociedade civil. Os modelos clássicos de interpretação dos Movimentos Sociais os concebiam como o meio mais eficiente de alcançar uma distribuição de bens distinta da vigente, sendo a violência e coerção um fator intrínseco (ex. a Revolução Francesa - assalto à Bastilha, a Revolução Russa - assalto ao Palácio de Inverno). A questão fundamental era o controle do poder. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 45 A justiça, independentemente das múltiplas interpretações de que tem sido alvo ao longo da história, parece ser uma aspira- ção de toda a humanidade. Nesse sentido, e para não recuar muito no tempo, também a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 reafirma esse impulso universalista quando, no seu preâmbulo, diz que: A liberdade, a justiça e a paz no mundo têm por base o reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana”. Por outro lado, cada vez mais a humanidade parece sentir também que a lingua- gem dos direitos humanos é aquela que afirma, de um modo mais coerente, a igualdade moral de to- dos os indivíduos reconhecendo, embora, que é uma linguagem que se produz num mundo de conflito, de argumentação, de deliberação. Entretanto, e independentemente das polêmicas em redor da fundamentação e da diversidade de objetivos que os direitos humanos podem servir, mui- tos países têm vindo a adotar, nas suas constituições e noutras leis fundamentais relativas à educação, os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aliás, o direito constitucional tem vindo a im- por-se como locus privilegiado de consolidação das pretensões democráticas de cidadania, embora se assista também em certos Estados à reinterpretação dos princípios constitucionais na linha da lógica mer- cadológica da política. Interessa, por isso, repensar também a democracia em tempos de globalização, de modo a entretecer ainda mais as suas relações, ainda que complexas, com a justiça e os direitos hu- manos. Democracia, justiça e direitos humanos. Na atual conjuntura do capitalismo flexível e transnacional, do “novo espírito do capitalismo”, os direitos humanos, que constituem uma parte intrínse- ca da democracia (desde logo, porque a garantia das liberdades básicas é uma condição necessária para que a voz das pessoas se torne efetiva nas ques- tões públicas e para que o controlo popular sobre os governos fique assegurado confrontam-se com sérios desafios que resultam de novas propostas do papel do Estado e do mercado e de novas concepções de democracia. Para simplificar, vou referir-me apenas a duas ten- dências que claramente influenciam as concepções e práticas de experienciação da justiça e dos direitos humanos, tendo consciência, no entanto, que a sua regulação social e política se concretiza frequente- mente de múltiplas formas, de acordo com a con- figuração heterogênea que os Estados apresentam. Uma das duas vias principais para se conseguir apresentar os fundamentos teóricos da democracia moderna é precisamente (para além da filosofia utili- tarista) a doutrina dos direitos do Homem. Isso signifi- ca que a democracia moderna é inconcebível sem referência aos direitos e à justiça, ainda que estes privilegiem, dentro de uma concepção individualista e atomista da sociedade, sobretudo a ideia de pro- teção, quer da propriedade quer do próprio ser dos indivíduos. Ou seja, a democracia moderna emerge intimamente conectada com os direitos individuais, avultando aí a liberdade, entendida quer como “li- citude” (reportada à ideia de permitido) quer como “autonomia” (referida ao poder de estabelecer nor- mas a si próprio e de lhes obedecer) e o direito da felicidade, pois na visão individualista ser justo cor- responde a ser tratado de modo a poder satisfazer às suas necessidades e alcançar os seus próprios fins. Esse filão individualista da democracia, mal-grado outras propostas alternativas que intentam dar-lhe um cariz mais igualitário e solidarista, tem vindo a ser, nos tempos que correm, revalorizada dentro de uma concepção de Estado que parece reforçar a subs- tância ideológica do individualismo ao mesmo tem- po que apoia a visão “libertária” dos direitos integra- dos num contexto de liberdade de mercado. A “nova democracia”, ajustada a um Estado “oco” ou a um “quase-Estado”, de pendor neolibe- ral, apresenta-se também como capaz de proteger a justiça e os direitos humanos, ainda que de uma forma algo paradoxal: por um lado, reconhece-se que é bom que se fale deles até para que os me- canismos de mercado possam funcionar bem e manter uma certa boa consciência; por outro lado, eles mantêm a marca individualista e conservadora (da ordem social vigente), deixando-se por exemplo cair o qualificativo “social” da justiça para se tornar numa justiça “neo-pietista” a favor dos desprotegi- dos (pobres e necessitados em vez de constituir um conjunto de direitos universais de cidadania), com o seu público preferencial (o público privado), com os seus atores privilegiados (os líderes empresariais que progressivamente vêem convertidos os seus interes- ses particulares em políticas públicas, apoiados pelo processo crescente de oligarquização do Estado em que os interesses privados e públicos se fundem). Torna-se claro, portanto, que a atual concep- ção de mercado já não é a de mero mecanismo de alocação de recursos como era na sua concepção liberal inicial, mas é também uma instituição social H12 –ANALISAR O PAPEL DA JUSTIÇA COMO INSTITUIÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 47 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 46 inscrita num marco legal e moral, que deve ter pre- sente, para funcionar melhor (ou de uma forma mais eficiente), a superioridade dos níveis de consciência social alcançado pela humanidade ou por certas so- ciedades acerca do que é justo. Contudo, também não é possível esquecer que essa relegitimação do mercado não questiona a ideia de que “a legitimi- dade num contexto de mercado não deixa de ser mais uma mercadoria que pode ser comprada” en- quadrada numa democracia que alguns apelidam de “pós-democracia” intimamente conectada com a comercialização da cidadania e com a constru- ção das novas identidades baseada em novas opo- sições (por exemplo, aos funcionários públicos). Independentemente das múltiplas formas que a democracia pode assumir e das relações com- plexas que podem ser estabelecidas entre ela e as diferentes classificações de direitos, considero que, pelas suas implicações profundas para a temática em análise, merece uma maior atenção a propos- ta de ao entendê-la como “poder em público, que pressupõe não apenas o combate a todas as formas de poder invisível, mas também a sua compreensão como uma forma superior de dialogação social que diz respeito a todos (bem comum) e que se decide entre todos na base da igualdade política. Então, quanto mais o processo democrático po- tenciar a exposição e os debates públicos (ou seja, a “publicização”), tanto mais a “democratização da democracia” se sentirá; inversamente, quanto mais se perder o acesso ao públicomais se residualizará a democracia, uma vez que tal pode equivaler à per- da do acesso à igualdade e, portanto, à cidadania. Do mesmo modo, ainda, quanto mais se verificar a invasão do público pelo privado ou o abandono do postulado da proeminência do político, mais o público tenderá a banalizar-se. Um outro modo de ver a democracia e a pró- pria política, concebida esta como uma prática de autodeterminação cidadã, coloca-as no interior do paradigma do diálogo, pelo que se torna relevante, nesse contexto teórico, aprofundar o modelo da de- mocracia deliberativa que se reporta às pretensões que estão implicadas na comunicação humana e que se manifestam historicamente nas sociedades modernas racionalizadas. Trata-se de uma concepção dialógica da polí- tica, entendida como um processo e razão e não exclusivamente de vontade, como um processo de persuasão argumentativa e não exclusivamente de poder, dirigido para a consecução de um acordo relativo a uma forma boa ou justa, ou pelo menos aceitável, de ordenar aqueles aspectos da vida que se referem às relações sociais e à natureza social das pessoas. Essa acepção de democracia radica num ideal intuitivo de uma associação democrática cuja justificação assenta em argumentos públicos e ra- cionais entre cidadãos iguais. Ou seja, quer as instituições quer as decisões só se- rão legítimas quando recebem a concordância dos im- plicados num procedimento democrático, em circuns- tâncias de participação livre e igual. Trata-se, insisto de uma democracia como processo que cria um público, que discute o bem comum em vez de promover o bem privado de cada um, e cuja legitimidade deriva de to- dos os possíveis afetados pelas suas regulações as acei- tarem como participantes em discursos racionais. Obviamente que esse tipo de democracia, pres- supondo uma estrutura argumentativa da discussão pública, pressupõe a formação racional da vontade e da opinião públicas, segundo as exigências da ra- cionalidade comunicativa. Na verdade, as práticas democráticas deliberativas exigem ir além do voto, mobilizando a capacidade de questionar e mudar as preferências pré-fixadas, próprias ou alheias, pela via da(s) razão(ões). São, aliás, as “políticas discursi- vas” que, para Habermas, se tornam necessárias para ultrapassar e prevenir as crises de legitimação políti- ca. É, por conseguinte, o debate público, a situação ideal do discurso, que permite verificar se o resultado pode ser aceite como justo ou não pelos cidadãos. E, aqui, a lei, mais do que ser um modo de regular a competição (como é no liberalismo) ou uma ex- pressão da solidariedade social (como acontece no republicanismo), deve visar a institucionalização das condições da comunicação deliberativa, pois só sob essas condições de comunicação é que emerge a produção legítima do direito, cabendo então aos di- reitos humanos, que possibilitam o exercício da sobe- rania popular, um papel fundamental na satisfação da “exigência de institucionalização jurídica de uma prática cidadã do uso público das liberdades”. Caberá então ao Estado de direito institucionali- zar apenas as formas de comunicação necessárias a uma formação racional da vontade. Torna-se, por isso, fundamental, para Habermas, que as próprias comunicações políticas sejam filtradas deliberativa- mente, reconhecendo-se embora que elas depen- dem também dos recursos do mundo da vida ou seja, “de uma cultura política livre e de uma socialização política de tipo ilustrado e, sobretudo, das iniciativas das associações conformadoras da opinião” que se constituem e regeneram espontaneamente. Depois, e na medida em que a democracia de- liberativa deve apenas propor princípios e procedi- mentos que garantam a fundação das normas, das convenções e das instituições na razão, o esforço de formação deve ir no sentido de procedimentalizar ou de “fluidificar comunicacionalmente” a soberania popular e de conceber o exercício do poder comu- nicacional (ancorado no mundo da vida e livre de dominação), segundo o modelo da ética da discus- são, em que apenas opera a razão procedimental. Independentemente de outras leituras, é justo frisar, que essa abordagem pretende ultrapassar o formalis- mo da democracia liberal e que foi desenhada para justificar políticas e valores não opressivos, para com- bater modelos de democracia baseados nos interes- ses e na visão privatizada do processo político. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 47 Pretende-se que a democracia seja agora um processo que crie um público ou cidadãos que se orientam pela discussão em redor do bem comum, que mobilizam a autenticidade nos procedimentos discursivos, que transformam as suas preferências de acordo com fins públicos e racionalmente argumen- tados, em diálogo aberto e livre de dominação. Por outras palavra, as políticas são adotadas porque os cidadãos e os seus representantes determinam a sua retidão depois de ouvirem e criticarem razões, pelo que a definição de bem comum não se afirma como independente daquilo que as próprias pes- soas determinam que seja, de acordo com proce- dimentos deliberativos em que todos os implicados são tratados como iguais. Essa abordagem tem, por conseguinte, o mérito de reforçar a ética da justiça e dos direitos, uma vez que destaca a questão da legitimação e a construção do consenso (é o ob- jetivo da deliberação) sobre bens comuns, embora esse consenso nem sempre possa ser obtido, pois o que a democracia deliberativa exige é que as par- tes oponentes ofereçam e estejam abertas a razões e se respeitem mutuamente, ou seja, que mobilizem o seu poder comunicativo. Isso significa que se pode viver em discordância moral de um modo moral- mente construtivo. Também no caso dos direitos do homem, o seu reconhecimento e expressão (em forma de Decla- rações, por exemplo) necessitam, dentro da lógica dessa abordagem, de uma comunidade de justifica- ção, de um espaço público de discussão e justifica- ção. Seria aqui que assentaria a “fundamentação racional” dos direitos e não em qualquer essenciali- dade transcendente. Não obstante aceitarem mui- tos desses pressupostos, criticam também a concep- ção de democracia deliberativa porque frequente- mente esta confina a deliberação efetiva aos fóruns legais em que os representantes das culturas e raças dominantes continuam a estar sobre-representados. É que embora as formas deliberativas devam expressar a razão universal pura, as normas de de- liberação não são, de fato, culturalmente neutras e universais, para além de tenderem a privilegiar os bem educados, o discurso formal, os desapaixona- dos, os que detêm a capacidade de deliberação reflexiva sobre o que é bom para a sociedade. Daí que os apelos à construção de um bem comum e à unidade da discussão democrática pode simples- mente revelar-se como mais um mecanismo de ex- clusão, porque privilegia os grupos com mais privi- légios simbólicos e materiais, acabando a definição de bem comum por ser dominada por esses mesmos grupos. Depois, a esfera pública tende a apresen- tar-se como um locus de obtenção de acordos har- moniosos, não incluindo, por conseguinte, “contra públicos subalternos” (como os movimentos sociais de oposição) ou não reconhecendo que as “normas de deliberação” envolvidas nas esferas da discussão pública são culturalmente específicas. Outros, ainda, criticam essa concepção porque o dissenso, o conflito sobre o que são bens comuns, embora irresolúveis, são essenciais às políticas demo- cráticas (aliás, nem todos os problemas são resolú- veis pela discussão, nomeadamente os que tomam a forma de soma zero, nem a atenção ao conflito de interesses pode ser desviada para falhas de comu- nicação). Finalmente, uma outra debilidade dessa concepçãotem a ver com a menor atenção não só aos aspectos da diferença, mas também aos do de- sejo e da justiça afetiva. Perante essas debilidades prefere falar de uma outra concepção de demo- cracia a comunicativa que recolhe muito da ante- rior, mas que a completa noutros sentidos. Na verdade, a abordagem anterior não acau- tela o fato de nem todos estarem na mesma situa- ção de comunicação nem, além disso, o fato de o argumento não ser o único modo de comunica- ção política e de poder até expressar-se de muitos modos. Então, a aceitação e respeito pelo Outro na sua singularidade (individual e social), a interdepen- dência significante, a importância da emoção ou dos atos perlocutórios (retórica), o direito do outro contar a sua história com a mesma autoridade e o mesmo valor do ponto de vista da situação comuni- cativa tornam-se elementos-chave da sua proposta de uma “democracia comunicativa”, mais atenta à ética do cuidado assim como aos direitos humanos como expressão suprema do cuidado e da solida- riedade para com o Outro. Na democracia comunicativa, então, a intera- ção comunicativa não omite a diferenciação de sentidos que os atores atribuem aos problemas, aos interesses, às próprias coisas, ao bem comum, nem esquece as suas diferentes posições sociais. E é esse reconhecimento da diferença e do que não é comum que desafia a própria argumentação e que leva a invocar a justiça e a “reciprocidade as- simétrica” entre perspectivas dos sujeitos, uma vez que cada um tem a sua história que “transcende a copresença de sujeitos em comunicação” e cada posição social é estruturada pela configuração de relações entre outras posições, o que dá a cada lo- cação um sentido específico e irreversível. Por outro lado, essa concepção de democracia permite dar maior solidez à possibilidade de todos sermos vistos e ouvidos num espaço público, de ar- ticularmos coletivamente a voz no debate público, tendo em conta, porém, as nossas diferenças. Essa comunicação entre perspectivas diferentes preser- va a pluralidade, a qual, deve ser compreendida como uma condição de publicidade. Além disso, dá um caráter contingente e parcial ao meu ponto de vista, ao mesmo tempo que reconhece aos outros o direito de desafiarem os meus argumentos e interes- ses, forçando-me a transformar as minhas expressões de auto interesse pelos apelos à justiça. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 49 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 48 Desse modo, todos os participantes ganham uma visão mais ampliada dos processos sociais e simultaneamente se reforça a importância da regu- lação comunitária e cidadã. E aqui voltaria a uma questão cara a certas feministas e que tem a ver com a possibilidade de a democracia comunicativa dar uma atenção particular à ética do cuidado, en- carada esta, sobretudo como um enquadramento moral das políticas sociais. Na verdade, o ideal da teoria comunicativa im- plica a atenção a aspectos não linguísticos da co- municação e, de uma forma geral, a outras formas de uma ética do cuidado que a democracia deli- berativa, pela sua preocupação de ser uma demo- cracia racional, omitia, desprezando, por essa mes- ma via, o caráter situado da comunicação e a sua ligação ao desejo. Então, a ética do cuidado, mais atenta às peculiaridades e às relações no desenvol- vimento moral, parece vir complementar a ética da justiça e, nesse sentido, vem reforçar a relevância da democracia comunicativa. Acrescente-se, no en- tanto, que esse fato não impede, de modo nenhum, as pretensões de universalização, dado que esta, do meu ponto de vista, é sobretudo uma característica das justificações morais e não exclui os juízos situa- dos. Penso, além disso, que a ética do cuidado, por enfatizar o lado da justiça afetiva (embora não tan- to as estruturas sociais de poder), fomenta numa democracia comunicativa o que poderia chamar- se de uma “justiça reconstituinte”, para além de nos ajudar a perceber que os direitos se baseiam fun- damentalmente em processos de comunicação e concessão de significado e que se constituem em verdadeiras ferramentas do diálogo que ajudam a interpretar e a reinterpretar as relações mútuas entre os membros de uma dada sociedade. Considere-se, pois, que uma democracia comu- nicativa, não obstante também as suas debilidades (há que ter em conta que a política não é unica- mente uma atividade deliberativa e comunicativa, mas ela é também estratégica), favorece uma visão mais completa da própria justiça de tal modo que esta, pensada sem o cuidado, se “converte mais num defeito que numa virtude. Do mesmo modo, a democracia comunicativa pode vir a dar uma outra extensão à própria noção de espaço público, que surge então não apenas como fundado na argu- mentação intersubjectiva mas também na “partilha da sensibilidade”. Uma reflexão sobre as temáticas “Ética” e “Cons- tituição” incide automaticamente no tema da jus- tiça. Não há como separarmos de forma abrupta essas temáticas. Essa necessidade remonta os clás- sicos gregos e se justifica quando em determinado contexto são verificados problemas que preocupam a coletividade, parte dela, ou se estabelecem de- terminadas situações ou diferenças que exigem in- tervenções a fim de minimizar ou viabilizar soluções. A preocupação com as ameaças vindas das guerras e dos conflitos existentes entre pessoas ou Estados não é mérito do nosso tempo. A história da humanidade está permeada de pessoas, grupos, en- tidades, entre outras, cuja preocupação foi construir uns pressupostos mínimos para com isso garantirem a efetivação da justiça e, em consequência, construí- rem a paz. Alguns personagens ainda estão nítidos em nossa memória cultural, como Martin Luther King, Mahatma Gandhi, a própria intenção que levou à criação da Organização das Nações Unidas, entre outros. Atualmente talvez o mundo tenha se afastado um pouco do papel decisivo da Constituição como ga- rantia mínima dos direitos dos cidadãos. Os inúmeros conflitos motivados por ambições pessoais, interesses econômicos, disputas étnicas, dificuldades relativas bem como disputas territoriais e comerciais, entre ou- tros, exigem que reflitamos sobre o papel institucional da Constituição como algo que previna esses atritos. Considerando especificamente a situação inter- na, o país se debate com problemas como a fome, desemprego, miséria, falta de acesso à educação, saúde, enfim, deficiências que impõem uma quanti- dade significativa da população a condições de vida abaixo de qualquer critério de humanidade. Esse des- cuido pode ser considerado como causa de inúme- ras situações de violência e de busca de soluções in- dividualistas e ilusórias (tanto em nível individual quan- to grupal). Há quase que uma via que se cruza entre o descaso oficial da União e a opção pela ilegalidade. Ao mesmo tempo, conflitos não menos ameaçadores comprometem o sonho da justiça, a implementação de medidas que possibilitem relações mais equilibra- das e a construção de uma sociedade pautada em direitos e deveres. Ao perdermos o horizonte ético e imperativo da Constituição, a mesma ameaça se faz sentir na corrupção tornada comum nas relações pessoais, profissionais e nas instituições, também veri- ficada no comércio de drogas e armas, nos conflitos envolvendo a posse e o acesso a terras, na falta de trabalho para grande parcela da população, etc. Ao retomarmos o sentido originário da ética, nota- mos que ela apareceu no momento histórico de tran- sição da tirania para a democracia. Mais ainda, era uma convicção ligada ao fato de que para alcan- çar um fim era preciso a virtude interior. Ou seja, para acontecer à democracia, a justiça, a paz e o bem eram elementos fundamentais eintimamente ligados. Uma nação que abandona o senso ético acaba por inviabilizar a sua Constituição e o estatuto da demo- cracia. Na mesma proporção, a humanidade de modo geral tem se preocupado um pouco mais com a cons- trução da justiça. Existe um desejo latente, de muitas maneiras manifesto e expresso nas diversas culturas, uma espécie de sonho inconsciente, de que a justi- ça seja construída, pois sem ela é impossível a convi- vência humana e a sobrevivência não só do homem, mas também da natureza e do próprio universo. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 49 A desigualdade em diversas situações da convivência humana como, por exemplo, no acesso aos servi- ços de saúde tem proporcionado um profundo debate sobre a justiça. A justiça traz consigo a prerrogativa do direito (em relação ao que alguém tem direito) ou daquilo que é devido às pessoas. Temos casos onde a própria justiça é vista pelo foco ou pela ótica da falta mais do que pela concretude, pois sempre que há alguém, em uma situação determinada, cujos benefícios que lhes cabem não são efetivados, temos um princípio de injustiça e de desconstituição ética. Estes direitos podem ser considerados em relação a uma pessoa individualmente, como o direito ao tra- tamento de um determinado problema de saúde de que é portador; em relação a um grupo social, como o direito à demarcação das terras indígenas ou direito ao transporte diferenciado aos portadores de deficiên- cias; ou em relação à coletividade, como o direito à livre expressão ou direito à educação básica. A injustiça pode ser caracterizada quando é negado a alguém um benefício ao qual se tem direito ou que deixa de distribuir encargos de forma equitativa. Neste sentido é que entra o papel da Constituição como garantia de que todos sejam atendidos, pelo menos nos seus direitos mínimos, do contrário, o papel do próprio Estado fica bastante comprometido. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 51 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 50 A primeira década desse século trouxe, de forma bastante contraditória, o retorno do ator social nas ações coletivas que se pro- pagaram na maioria dos países da América Latina. Em alguns países latino-americanos, houve uma radi- calização do processo democrático e o ressurgimento de lutas sociais tidas décadas atrás como tradicionais, a exemplo de movimentos étnicos - especialmente dos indígenas na Bolívia e no Equador, associados ou não a movimentos nacionalistas como o dos boliva- rianos, na Venezuela. Algumas se fundamentam em utopias como o bien vivir dos povos andinos da Bolívia e do Equador, e vem transformando-se em propostas de gestão do Estado um Estado considerado plurina- cional porque é composto por povos de diferentes etnias, que ultrapassam os territórios e fronteiras do Es- tado-nação propriamente ditos. Observa-se também, no novo milênio, a retoma- da do movimento popular urbano de bairros, ou movi- mento comunitário barrial, especialmente no México e na Argentina. Todos esses movimentos têm eclodido na cena pública como agentes de novos conflitos e renovação das lutas sociais coletivas. Em alguns ca- sos, elegeram suas lideranças para cargos supremos na nação, a exemplo da Bolívia. Movimentos que es- tavam na sombra e tratados como insurgentes emer- gem com força organizatória, como os piqueteiros na Argentina, cocaleiros na Bolívia e Peru e zapatistas no México. Outros, ainda, articulam-se em redes compos- tas de movimentos sociais globais ou transnacionais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Ter- ra (MST) no Brasil e a Via Campesina. Um aspecto importante a registrar é a ampliação das fronteiras dos movimentos rurais, articulando-se com os movimentos urbanos. Muitas vezes, a questão central é rural, mas a forma de manifestação do movi- mento ocorre no meio urbano, a exemplo dos protes- tos na Argentina e o próprio MST no Brasil. Ao falarmos de articulações, registre-se também que o movimento sindical de trabalhadores está presente em várias mo- dalidades, pelo que tem sido chamado de novo, a exemplo dos piqueteiros na Argentina, que têm com- posição social multiforme e heterogênea. Na primeira década desse século, ampliaram-se os movimentos que ultrapassam as fronteiras da na- ção; são transnacionais, como o movimento alter ou antiglobalização, presente no Fórum Social Mundial, que atuam através de redes conectadas por meios tecnológicos da sociedade da informação. Novíssi- mos atores entraram em cena, tanto do ponto de vis- ta de propostas que pautam para os temas e proble- mas sociais da contemporaneidade, como na forma como se organizam, utilizando-se dos meios de co- municação e informação modernos. Preocupam-se com a formação de seus militantes, pela experiência direta, e não tanto com a formação em escolas, com leituras e estudos de textos. O exame do material produzido sobre os movi- mentos altermundialistas revela-nos que existem vín- culos internacionais que os unem, especialmente na mídia, como o jornal Le Monde Diplomatique, edi- tado em vários idiomas, escrito por participantes ou adeptos ao movimento. Existe uma densa e intensa rede de comunicações intramembros, militantes com militantes. São produzidos textos, boletins, artigos etc. No Brasil, uma significativa parte desses militantes - de- nominados ativistas - tem chegado aos cursos de pós- graduação e, mais recentemente, ocupam posições como professores e pesquisadores nas universidades, especialmente as novas, criadas nessa década na área de ciências humanas. Teses e dissertações vêm sendo produzidas por esses militantes/ ativistas/pes- quisadores. Muitas delas são parte das histórias que eles próprios vivenciaram. Registre-se, entretanto, que, no movimento al- terglobalização, por se tratar de uma rede, não há homogeneidade, tanto no que se refere às propos- tas como às formas de lutas - todas fragmentadas. Há diferentes correntes ideológicas que sustentam os ideais dos ativistas, que vão das novas formas do anarquismo do século XIX, organizadas agora em tor- no da ideia de desobediência civil às concepções radicais de grupos articulados a partidos políticos de esquerda, passando pelas práticas de compromisso e responsabilidade social das organizações não go- vernamentais (ONGs) e entidades de perfil mais assis- tencial, aos movimentos populares herdeiros do movi- mentalismo associativista dos anos 1970-1980 no Brasil. É importante destacar que, apesar das diferenças existentes nos movimentos transnacionais, a exemplo do próprio Fórum Social Mundial, eles unem à crítica sobre as causas da miséria, exclusão e conflitos so- ciais, a busca e a criação de um consenso que via- bilize ações conjuntas. À globalização econômica, os movimentos propõem outro tipo de globalização, alternativa, baseada no respeito às diferentes cultu- H13 –ANALISAR A ATUAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS QUE CONTRIBUÍRAM PARA MUDANÇAS OU RUPTURAS EM PROCESSOS DE DISPUTA PELO PODER. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 51 ras locais. Com isso, contribuem para construir outra rede de globalização, a da solidariedade. Ela expres- sa-se não somente nos fóruns mundiais, mas sobre- tudo nas redes de defesa dos direitos humanos, nas lutas contra a fome e defesa de frentes de produção alimentar, e não de armas, na defesa do meio am- biente, na luta pela paz, contra a exploração do tra- balho infantil etc. Não podemos ignorar, entretanto, as várias críticas que os movimentos altermundialistas ou transnacionais têm recebido nos últimos anos. Elas atingem não só os movimentos, mas também seus or- ganizadores e intelectuais de apoio. Afirma-se que: estesmovimentos transformam os meios em fins, o êxito é dado não pelas conquistas, mas pelo número de participantes e seu impacto midiático na socieda- de. O movimento torna-se dependente da opinião pública, pois é preciso que a sociedade manifeste o conhecimento da ação, precisa que se discuta e debata o que se está demandando, reclamando ou denunciando, para que a ação coletiva venha a atingir reconhecimento e legitimidade social. A mídia e sua cobertura tornam-se elementos es- tratégicos nessa configuração; ela contribui para a direção do movimento, pois o movimento social pre- cisa de visibilidade. As críticas aos altermundialistas destacam que, entre os participantes, nos megae- ventos, quem detém de fato a fala são porta-vozes autorizados, de certa forma já “profissionais na políti- ca”, detentores de um capital militante onde a luta política se trava num combate de ideias e ideais, a questão simbólica é mais importante que os proble- mas concretos. O processo de transformação social adquire facetas proféticas, místico, sem objetivo defi- nido. Os processos efetivos de dominação existentes não aparecem nos discursos. Seguindo o objetivo inicial deste trabalho - de traçar uma visão panorâmica sobre os movimentos sociais latino-americanos na contemporaneidade -, observo que setores do movimento ambientalista se politizaram em algumas regiões, a exemplo da luta contra a instalação de papeleiras no Uruguai, ou a luta contra empreendimentos de mineração a céu aberto na região de Mendoza, na Argentina, que causam sérios problemas socioambientais. Naquela região, as ações são organizadas em assembleias, nucleadas na União de Assembleias Cidadãs (UAC). A UAC é composta de comerciantes, pequenos pro- dutores, donas de casa, estudantes etc. Ou seja, um grupo social heterogêneo, mas que participa segun- do pressupostos da importância da ação social co- letiva. Outros movimentos ambientalistas se articula- ram com movimentos populares, como na região do rio São Francisco, no Brasil, assim como o movimento contra a construção de barragens e dos pequenos agricultores, em várias partes do Brasil e na Argen- tina. O Movimento Campesino de Córdoba (MCC), por exemplo, reúne cerca de seiscentas famílias e tem aglutinado inúmeras associações, apoios de pro- fissionais e militantes. O movimento negro, ou afrodescendente como preferem alguns, avançou em suas pautas de luta, a exemplo do Brasil com a política de cotas nas uni- versidades e no Programa Universidade para Todos (Prouni) etc. Destaca-se, nesse avanço, o suporte governa- mental por meio de políticas públicas - com resul- tados contraditórios. De um lado, as demandas so- ciais são postas como direitos (ainda que limitados), abrindo espaço à participação cidadã via ações cidadãs. De outro, há perdas, principalmente de au- tonomia dos movimentos e o estabelecimento de es- truturas de controle social de cima para baixo, nas políticas governamentais para os movimentos sociais. O controle social instaura-se, mas com sentido dado pelas políticas públicas, ainda que haja a participa- ção cidadã no estabelecimento das normativas. As grandes conferências nacionais temáticas são uma das estratégias básicas desse controle. Nesse cenário de redes movimentalistas com apoio institu- cional, deve-se acrescentar as inúmeras ações e re- des cidadãs que se apresentam como movimentos sociais de fiscalização e controle das políticas públi- cas, atuando em fóruns, conselhos, câmaras, consór- cios etc., em escala local, regional e nacional, princi- palmente no Brasil e na Colômbia. Nessa breve lista de movimentos sociais na Amé- rica Latina da atualidade, é preciso registrar ainda a retomada do movimento estudantil, especialmente no Chile, com a Revolta dos Pinguins, e as ocupa- ções em universidades no Brasil, sobretudo nas públi- cas, em luta pela melhoria da qualidade do ensino, contra reformas da educação, atos de corrupção e desvio de verbas públicas. Aliás, não são apenas os estudantes que têm se mobilizado. A área da educa- ção, especialmente a educação na escola básica, tem sido fonte de protestos de grandes dimensões, a exemplo do México, em 2006, na região de Oaxaca. Devemos destacar também que a área da edu- cação - devido ao potencial dos processos educati- vos e pedagógicos para o desenvolvimento de for- mas de sociabilidade, constituição e ampliação de cultura política, passou a ser área estratégica tam- bém para os movimentos populares, a exemplo do MST, no Brasil. Outra ação coletiva nova no campo da educação foi o surgimento dos chamados “ba- charelados populares”, organizados em antigos es- paços fabris por ex-trabalhadores, em ações deno- minadas “fábricas recuperadas”. Enquanto algumas unidades fabris, fechadas na crise dos primeiros anos deste século, foram recupe- radas pelos trabalhadores em processos auto gestio- nários, com apoio de sindicatos e subsídios governa- mentais, outras se transformaram em espaços culturais com destaque para as atividades educativas, de for- mação. Ancorados também em processos de luta por direitos e construção de identidades, destacam-se os movimentos das mulheres e o LGBTTTS - lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, trangêneros e simpati- zantes, em diferentes formatos e combinações. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 53 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 52 Na primeira década deste milênio, fortaleceram- se as ONGs e entidades do terceiro setor - que an- tes serviam apenas de apoio aos movimentos sociais populares. Estes últimos enfraqueceram-se e tiveram de alterar suas práticas, ser mais propositivos - partici- pando dos projetos das ONGs - e menos reivindicati- vos ou críticos. No Brasil, o número de manifestações nas ruas diminuiu e a relação inverteu-se: as ONGs tomaram a dianteira na organização da população, no lugar dos movimentos. Esse processo se aprofun- dou quando surgiu outro ator social relevante no cenário do associativismo nacional: as fundações e organizações do terceiro setor, articuladas por em- presas, bancos, redes do comércio e da indústria, ou por artistas famosos, que passaram a realizar os pro- jetos junto à população, em parcerias com o Estado. Apoiados por recursos financeiros, privados e públicos (oriundos dos numerosos fundos públicos criados) e por equipes de profissionais competentes - previamente escolhidos não por suas ideologias, mas por suas experiências de trabalho -, essas orga- nizações passaram a trabalhar de forma diferente de como os movimentos sociais atuavam até então. O terceiro setor passou a atuar com populações tidas como vulneráveis, focalizadas, grupos pequenos, atuando por meio de projetos, com prazos determi- nados. Novos conceitos foram criados para dar su- porte às novas ações, tais como responsabilidade social, compromisso social, desenvolvimento susten- tável, empoderamento, protagonismo social, eco- nomia social, capital social etc. Esse cenário resulta em inúmeras ações cidadãs, citadas anteriormente, como as cooperativas de material reciclável no Brasil (o país é um dos campeões na reciclagem de latas, papel e papelão). Projetos sociais organizam coope- rativas de recicladores e grandes eventos como o Festival Lixo e Cidadania (Belo Horizonte, 2007, 2009), apresentando os “resultados” de tais ações. A análise do novo cenário remete-nos ao tema da institucionalização das práticas e organizações populares, na própria sociedade civil ou por meio de políticas públicas, conferências nacionais patrocina- das por órgãos público-estatais, ou estruturas organi- zativas criadas no próprio corpo estatal, a exemplo dos conselhos. Movimentos sociais no Brasil- Antecedentes: a era movimentista(1970-1980) No Brasil e em vários outros países da América Latina, no fim da década de 1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os movimentos sociais popula- res articulados por grupos de oposição aos regimes militares, especialmente pelos movimentos de base cristãos, sob a inspiração da teologia da libertação. No fim dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990, o ce- nário sociopolítico transformou-se de maneira radical. Inicialmente, houve declínio das manifestações de rua, que conferiam visibilidade aos movimentos po- pulares nas cidades. Alguns analistas diagnosticaram que eles estavam em crise, porque haviam perdido seu alvo e inimigo principal: os regimes militares. Em realidade, as causas da desmobilização são várias. O fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988. A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organização popular, mais institucionali- zadas - como os Fóruns Nacionais de Luta pela Mo- radia, pela Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Participação Popular etc. Os fóruns estabeleceram a prática de encontros nacionais em larga escala, gerando grandes diagnósticos dos problemas so- ciais, assim como definindo metas e objetivos estraté- gicos para solucioná-los. Emergiram várias iniciativas de parceria entre a sociedade civil organizada e o poder público, impulsionadas por políticas estatais, tais como a experiência do Orçamento Participativo, a política de Renda Mínima, Bolsa Escola etc. Todos atuam em questões que dizem respeito à participa- ção dos cidadãos na gestão dos negócios públicos. A criação de uma Central dos Movimentos Populares foi outro fato marcante nos anos 1990, no plano orga- nizativo; estruturou vários movimentos populares em nível nacional, tal como a luta pela moradia, assim como buscou uma articulação e criou colaborações entre diferentes tipos de movimentos sociais, popula- res e não populares. Ética na Política, um movimento do início dos anos 1990, teve grande importância histórica, porque contribuiu decisivamente para a deposição - via pro- cesso democrático - de um presidente da Repúbli- ca por atos de corrupção, fato até então inédito no país. Na época, contribuiu também para o ressurgi- mento do movimento dos estudantes com novo perfil de atuação, os «caras-pintadas». À medida que as políticas neoliberais avança- ram, outros movimentos sociais foram surgindo: con- tra as reformas estatais, a Ação da Cidadania contra a Fome, movimentos de desempregados, ações de aposentados ou pensionistas do sistema previdenciá- rio. As lutas de algumas categorias profissionais emer- giram no contexto de crescimento da economia in- formal, no setor de transportes urbanos, por exemplo, apareceram os transportes alternativos («perueiros»); no sistema de transportes de cargas pesadas nas es- tradas, os «caminhoneiros». Algumas dessas ações coletivas surgiram como respostas à crise socioeco- nômica, atuando mais como grupos de pressão do que como movimentos sociais estruturados. Os atos e manifestações pela paz, contra a violência urbana, também são exemplos dessa categoria. Se antes a paz era um contraponto à guerra, hoje ela é almeja- da como necessidade ao cidadão/cidadã comum, em seu cotidiano, principalmente nas ruas, onde mo- toristas são vítimas de assaltos relâmpagos, seques- tros e assassinatos. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 53 Grupos de mulheres foram organizados nos anos 1990 em função de sua atuação na política, criando redes de conscientização de seus direitos e frentes de lutas contra as discriminações. O movimento dos homossexuais também ganhou impulso e as ruas, or- ganizando passeatas, atos de protestos e grandes marchas anuais. Numa sociedade marcada pelo machismo, isso também é uma novidade histórica. O mesmo ocorreu com o movimento negro ou afrodes- cendente, que deixou de ser predominantemente movimento de manifestações culturais para ser, so bretudo, movimento de construção de identidade e luta contra a discriminação racial. Os jovens também criaram inúmeros movimentos culturais, especialmen- te na área da música, enfocando temas de protesto, pelo rap, hip hop etc. Deve-se destacar ainda três outros importantes movimentos sociais no Brasil, nos anos 1990: dos indí- genas, dos funcionários públicos - especialmente das áreas da educação e da saúde - e dos ecologistas. Os primeiros cresceram em número e em organiza- ção nessa década, passando a lutar pela demarca- ção de suas terras e pela venda de seus produtos a preços justos e em mercados competitivos. Os segun- dos organizaram-se em associações e sindicatos con- tra as reformas governamentais que progressivamen- te retiram direitos sociais, reestruturam as profissões e arrocharam os salários em nome da necessidade dos ajustes fiscais. Os terceiros, dos ecologistas, proli- feraram após a conferência Eco-92, dando origem a diversas organizações não governamentais. Aliás, as ONGs passaram a ter muito mais impor- tância nos anos 1990 do que os próprios movimentos sociais. Trata-se de ONGs diferentes das que atua- vam nos anos 1980 junto a movimentos populares. Agora são inscritas no universo do terceiro setor, voltadas para a execução de políticas de parceria entre o poder público e a sociedade, atuando em áreas onde a prestação de serviços sociais é carente ou até mesmo ausente, como na educação e saú- de, para clientelas como meninos e meninas que vi- vem nas ruas, mulheres com baixa renda, escolas de ensino fundamental etc. Cenário dos movimentos sociais na atualidade no Brasil Para situar a relação movimentos sociais e edu- cação, é preciso delinear um quadro referencial mais amplo, relativo à conjuntura que constitui o campo sociopolítico e econômico no qual ocorrem os movimentos. Algumas características básicas des- sa conjuntura na atualidade, no campo do associa- tivismo, são: - Há um novo cenário neste milênio: novos tipos movimentos, novas demandas, novas identidades, novos repertórios. Proliferam movimentos multi e plu- riclassistas. Surgiram movimentos que ultrapassam fronteiras da nação, são transnacionais, como o já citado movimento alter ou antiglobalização. Mas também emergiram com força movimentos com de- mandas seculares como a terra, para produzir (MST) ou para viver seu modo de vida (indígenas). Movi- mentos identitários, reivindicatórios de direitos cultu- rais que lutam pelas diferenças: étnicas, culturais, re- ligiosas, de nacionalidades etc. Movimentos comuni- tários de base, amalgamados por ideias e ideologias, foram enfraquecidos pelas novas formas de se fazer política, especialmente pelas novas estratégias dos governos, em todos os níveis da administração. Novos movimentos comunitaristas surgiram – alguns recrian- do formas tradicionais de relações de autoajuda; ou- tros organizados de cima para baixo, em função de programas e projetos sociais estimulados por políticas sociais. - Criaram-se varias novidades no campo da or- ganização popular, tais como a atuação em redes e maior consciência da questão ambiental ao deman- dar projetos que possam vir a ter viabilidade econô- mica sem destruir o meio ambiente. - A nova conjuntura econômica e política tem papel social fundamental para explicar o cenário associativista atual. As políticas neoliberais desorgani- zaram os antigos movimentos e propiciaram arranjos para o surgimento de novos atores, organizados em ONGs, associações e organizações do terceiro setor. - As reformas neoliberais deslocaram as tensões para o plano cotidiano, gerando violência, diminui- ção de oportunidadesno mundo do trabalho formal, formas precárias de emprego, constrangimento dos direitos dos indivíduos, cobrança sobre seus deveres em nome de um ativismo formal etc. - O Estado promoveu reformas e descentralizou operações de atendimento na área social; foram criados canais de mediações e inúmeros novos pro- gramas sociais; institucionalizaram-se formas de aten- dimento às demandas. De um lado, observa-se que esse fato foi uma vitória, porque demandas anteriores foram reconhecidas como direito, inscrevendo-as em práticas da gestão pública. De outro, a forma como têm sido implementadas as novas políticas, ancora- das no pragmatismo tecnocrático, tem resultado na maioria dos projetos sociais implementados passando a ter caráter fiscalizatório, ou sendo partícipes de re- des clientelistas, e não de controle social de fato. Um panorama dos movimentos sociais neste novo milênio pode ser descrito em torno de 13 eixos temá- ticos, que envolvem as seguintes lutas e demandas - Movimentos sociais em torno da questão urba- na, pela inclusão social e por condições de habitabili- dade na cidade. Exemplos: a |Movimentos pela mo- radia, expresso em duas frentes de luta: articulação de redes sociopolíticas compostas por intelectuais de centro- -esquerda e movimentos populares que mili- tam ao redor do tema urbano (o hábitat, a cidade propriamente dita). Eles participaram do processo de construção e obtenção do Estatuto da Cidade; redes de movimentos sociais populares dos Sem-Te- to (moradores de ruas e participantes de ocupações de prédios abandonados), apoiados por pastorais da Igreja Católica e outras; b |movimentos e ações de Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 55 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 54 grupos de camadas médias contra a violência urba- na e demandas pela paz (no trânsito, nas ruas, esco- las, ações contra as pessoas e seu patrimônio etc.); c |mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico-espaciais (como praças, parques), assim como de equipamentos e serviços coletivos (área da saúde, educação, lazer, esportes e outros serviços públicos degradados nos últimos anos pelas políticas neoliberais); ou ainda mobiliza- ções de segmentos atingidos pelos projetos de mo- dernização ou expansão de serviços. - Mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de participação na ges- tão política-administrativa da cidade: a |Orçamen- to Participativo e Conselhos Gestores (saúde, edu- cação, assistência social, criança e adolescente, idoso); b conselhos da Condição Feminina, Popula- ções Afrodescendentes etc. - Movimentos em torno da questão da saúde, como: a Sistema Único de Saúde (SUS); b confe- rências nacionais, estaduais e municipais da saúde; c agentes comunitários de saúde; d portadores de necessidades especiais; e portadores de doenças es- pecíficas: insuficiência renal, lúpus, Parkinson, mal de Alzheimer, câncer, doenças do coração etc. - Movimentos de demandas na área do direito: a humanos: situação nos presídios, presos políticos, situações de guerra etc.; b culturais: preservação e defesa das culturas locais, patrimônio e cultura das etnias dos povos. - Mobilizações e movimentos sindicais contra o desemprego. - Movimentos decorrentes de questões religiosas de diferentes crenças, seitas e tradições religiosas. - Mobilizações e movimentos dos sem-terra, na área rural e suas redes de articulação com as cida- des por meio da participação de desempregados e moradores de ruas, nos acampamentos do MST, mo- vimentos dos pequenos produtores agrários, Quebra- deiras de Coco do Nordeste etc. - Movimentos contra as políticas neoliberais: a |Mobilizações contra as reformas estatais que reti- ram direitos dos trabalhadores do setor privado e pú- blico; b | atos contra reformas das políticas sociais; c |denúncias sobre as reformas que privatizam órgãos e aparelhos estatais. - Grandes fóruns de mobilização da sociedade ci- vil organizada: contra a globalização econômica ou alternativa à globalização neoliberal (contra ALCA, por exemplo); o Fórum Social Mundial (FSM), inicia- tiva brasileira, com dez edições ocorridas no Brasil e no exterior; o Fórum Social Brasileiro, inúmeros fóruns sociais regionais e locais; fóruns da educação (Mun- dial, de São Paulo); fóruns culturais (jovens, artesões, artistas populares etc.). - Movimento das cooperativas populares: mate- rial reciclável, produção doméstica alternativa de alimentos, produção de bens e objetos de consumo, produtos agropecuários etc. Trata-se de uma gran- de diversidade de empreendimentos, heterogêneos, unidos ao redor de estratégias de sobrevivência (tra- balho e geração de renda), articulados por ONGs que têm propostas fundadas na economia solidária, popular e organizados em redes solidárias, autoges- tionárias. Muitas dessas ONGs têm matrizes humanis- tas, propõem a construção de mudanças sociocultu- rais de ordem ética, a partir de uma economia alter- nativa que se contrapõe à economia de mercado capitalista. - Mobilizações do Movimento Nacional de Atin- gidos pelas Barragens, hidrelétricas, implantação de áreas de fronteiras de exploração mineral ou vegetal etc. - Movimentos sociais no setor das comunicações, a exemplo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Dos “antigos” aos “novos” movimentos sociais A contestação social foi uma constante ao longo da história gerando vários tipos de movimentos so- ciais consoante o período em que ocorreram. A tran- sição do Antigo Regime para o Liberalismo provocou revoltas consideradas como “primitivas” ou “pré- mo- dernas”. Esses protestos surgiram do confronto entre o sistema capitalista e a tradicional organização social. Da adaptação ou da incapacidade de adaptar-se resultaram movimentações sociais, entre as quais se ressalta o banditismo, movimentos revolucionários camponeses do gênero milenarista, sociedades se- cretas rurais estudadas por Hobsbawm em Espanha e Itália, classificando este tipo de protesto como for- mas arcaicas ou primitivas de agitação social. Dentro do mesmo tipo de revolta pré- moderna também se encontram os motins de subsistência. Estas agitações pré-modernas não foram alvo de muitas análises, nem lhes foi atribuída grande impor- tância, porque fogem à classificação estabelecida para os movimentos sociais modernos, isto é, os ocor- ridos desde os finais do século XVIII. São protestos que mais se poderiam enquadrar em fenômenos ocasio- nais surgidos na Idade Média, mas a verdade é que aconteceram nos séculos XIX e XX, tendo, portanto, coexistido com movimentos de protesto modernos. Os intervenientes nestes movimentos primitivos ainda não tinham encontrado uma linguagem específica para expressar as suas aspirações sobre o mundo e, por isso, as suas ações foram consideradas pré-polí- ticas. A sua cultura era, sobretudo oral porque eram maioritariamente analfabetos. Esta gente, que não nasceu nem cresceu num mundo moderno ou capitalista, viu-se confrontada com a penetração das relações de produção e da lógica do capitalismo no seu mundo tradicional. O confronto entre estas duas realidades produziu con- flitos, expressos de forma arcaica e sem pretensões políticas, nos quais o parentesco e outros vínculos tri- bais tinham um peso importante na delimitação dos bandos em confronto. . Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 55 As progressivas reformas políticas, o avanço do capitalismo e a modernização trazida com a indus- trialização, determinaram o desaparecimento gra- dual das velhas formas de protesto, pois a persistên- cia dos costumes e direitos do passado já não faziasentido num mundo em transformação. As contesta- ções locais, espontâneas, esporádicas e apolíticas foram substituídas por protestos modernos, com ideo- logias e extensão nacional. Os movimentos, passam de “reativos”, que incluem as práticas defensivas frente às pressões exteriores resistência ao serviço mi- litar, hostilidade contra a maquinaria, ocupações de terras etc, para ações “proativas”, principalmente a partir de meados do século XIX, ou seja, formas mais organizadas através de uma base associativa: gre- ves, manifestações, sindicatos. A grande revolução de 1789 -1848 foi o triunfo não da indústria como tal, mas da classe média ou da sociedade “burguesa” liberal; não da economia moderna ou do estado moderno, mas das econo- mias e Estados em uma determinada região geográ- fica do mundo (parte da Europa e alguns trechos da América do Norte), cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da Grâ-Bretanha e França. A transforma- ção de 1789 – 1848 é essencialmente o levante gê- meo que se deu naqueles dois países e que dali se propagou por todo o mundo. Com a guerra fria o capitalismoganha o mundo, surgindo o conceito de globalização, mas mesmo ganhando o capitalismo como forma econômica os movimentos sociais se espalham pelo o mundo, dan- do origemaos movimentos do rock, do reggae o mo- vimento dos negros nos Estados Unidos, o movimento das mulheres, também a luta pelos direitos humanos. Em alguns países latino-americanos, houve uma radicalização do processo democrático e o ressur- gimento de lutas sociais tidas décadas atrás como tradicionais, a exemplo de movimentos étnicos – es- pecialmente dos indígenas na Bolívia e no Equador, associados ou não a movimentos nacionalistas como o dos bolivarianos, na Venezuela. Observa-se também, no novo milênio, a reto- mada do movimento popular urbano de bairros, ou movimento comunitário barrial, especialmente no México e na Argentina. Todos esses movimentos têm eclodido na cena pública como agentes de novos conflitos e renovação das lutas sociais coletivas. Em alguns casos, elegeram suas lideranças para cargos supremos na nação, a exemplo da Bolívia. Movimen- tos que estavam na sombra e tratados como insur- gentes emergem com força organizatória, como os piqueteiros na Argentina, cocaleiros na Bolívia e Peru e zapatistas no México. Outros, ainda, articulam-se em redes compostas de movimentos sociais globais ou transnacionais e a Via Campesina, além da Coor- dinadora Latino americana de Organizacionesdel Campo (CLOC). Com efeito, à medida que o desenvolvimento industrial se foi processando e as relações sociais se foram alterando pelo modo de produção capitalista, surgiram novas formas de protesto motivadas pelo fosso que se criou entre capitalistas e operários. Este grupo de trabalhadores, com o tempo, foi-se forta- lecendo e ganhando consciência de classe. Forma- ram associações de trabalhadores e mais tarde sin- dicatos. Em Portugal, à semelhança do que aconteceu na Europa, às primeiras associações de operários ti- nham um caráter mutualista com propósito cultural e de apoio mútuo, como assistência na doença e na morte, memória das antigas confrarias de ofícios. Esta era a única hipótese de associação, uma vez que o agrupamento por ofícios era proibido no nosso país, só foi autorizado em 1891. Este movimento associati- vo foi cimentando a organização operária, fazendo emergir, na segunda metade do século XIX, um tipo de movimento social distinto, como as greves, em que existia uma situação conflitual entre os trabalha- dores e seus patrões. Essa conflitualidade foi motivada por baixos salá- rios, excessivos horários de trabalho, más condições laborais. Para demonstrar a sua insatisfação e recla- marem melhores condições de vida, os operários cessavam o trabalho e protestavam, fossem ou não filiados em alguma associação. O movimento operário foi à expressão da con- flitualidade gerada no seio da sociedade industrial, entre patrões e assalariados. São movimentos orga- nizados que tem na base a aquisição de melhores condições salariais e de trabalho, passando das rei- vindicações econômicas e sociais para as políticas, sobretudo depois que são de organização sindical. A partir da década de 60, do século XX, os mo- vimentos sociais são chamados de novos, são deri- vados da pós-industrialização, já não centrados nos movimentos laborais e na sua luta pela transforma- ção econômica e política, nem enquadrados pelo sindicalismo, mas baseiam-se em outros sistemas de valores estruturantes das consciências e das identi- dades dos indivíduos e dos grupos. O movimento feminista, movimento ecologista, movimento pacifista. São movimentos mais segmen- tados, que agregam aderentes de acordo com as ideologias dos grupos e visam afirmar identidades ou melhorar a qualidade de vida e que se inspiram em valores não materialistas mas em valores universalis- tas, como a paz, o meio ambiente a autonomia e identidade. No caso do movimento feminista são os direitos das mulheres: jurídicos e de cidadania, que levam à ação coletiva das mesmas para que lhes sejam re- conhecidos direitos contratuais, de propriedade e direito de voto. O movimento ecológico luta por uma nova for- ma de desenvolvimento racional e sustentável, mu- dando formas de produção, exploração de recursos com contrapartidas ambientais, consumismo irracio- nal e inconsequente. Movimentos pacifistas lutam por ideais de paz, de forma não violenta através da resistência, boicotes, diplomacia. Estes movimentos têm em comum o fato de serem formas de contestação politizadas, embo- Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 57 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 56 ra não almejassem uma revolução política, daí a não integração em partidos ou sindicatos e a manifesta- ção na esfera pública, através de comícios ou desfi- les, processos não institucionais de ação, recrutando os seus atores em meios sociais diversos. O intuito é tornarem-se visíveis para trazer a opi- nião pública para a sua causa e terem efeitos po- líticos. Para poder emancipar-se do Estado há que adquirir direitos políticos. São movimentos que visam adquirir privilégios democráticos. Estes novos protagonistas: jovens, estudantes, mu- lheres, profissionais liberais focavam a sua luta já não nas condições de vida ou redistribuição de recursos mas na qualidade de vida e na diversidade de estilos de vivê-la. Ao longo do século XX a natureza do capitalismo foi-se alterando, deixando o centro de ser a produ- ção industrial e o operário, dando, dessa forma, lu- gar a novos temas e agentes para as mobilizações coletivas. Os movimentos sociais a que se assiste no século XXI, põe em causa a forma como a própria democra- cia está a ser exercida na época atual, atendendo a que oprincipal objetivo da democracia deve ser per- mitir que indivíduos, grupos e coletividades se tornem sujeitos livres, produtores de sua história, capazes de reunir em sua ação o universalismo da razão e as par- ticularidades da identidade pessoal e coletiva. Existem vários tipos de movimentações desse gê- nero mas destacaremos, em Portugal, o movimen- to de 12 de Março intitulado “Geração à rasca”, e na Europa o movimento dos “Indignados”, iniciado em Espanha. Nos dois movimentos, os indivíduos, en- quanto cidadãos, intervêm na esfera pública e pro- nunciam-se sobre questões que lhes dizem respeito como: a crise, desemprego, exploração, enquanto pessoas pertencentes a uma coletividade. Os “Indignados” tinham o escopo de promover uma democracia mais participativa. Começou com um protesto pacífico em Espanha a 15 de Maio de 2011, contra as políticas econômicas que levaram ao desemprego e ocorreramem 50 cidades espanholas em simultâneo, tendo depois contagiado mais de 60 países. No Brasil uma grande ascensão dos Movimentos Sociais se viu na década de 1970 buscando o fim da repressão da Ditadura Militar e as liberdades in- dividuais e democráticas. Os principais movimentos sociais são: Movimentos Sociais Ligados à produção, político-partidários, religiosos, do campo, categorias específicas, lutas gerais e movimentos sociais urba- nos. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Ter- ra é um dos movimentos sociais mais importantes do Brasil, tem como principal objetivo as questões refe- rentes ao trabalhador do campo, a reforma agrária e algumas outras importantes transformações sociais. Também tem como objetivo desapropriar os latifun- diários que estão na posse das multinacionais e de todas as terras improdutivas. Outro importante Movimento social brasileiro é o “Movimento dos Trabalhadores Sem Teto” (MTST), este movimento, diferentemente do MST, tem um ca- ráter urbano pois as disputas e ações dele ocorrem na maior parte das vez na cidade. O movimento negro, ou afrodescendente como preferem alguns, avançou em suas pautas de luta, a exemplo do Brasil com a política de cotas nas uni- versidades e no Programa Universidade para Todos (Prouni) etc. Destaca-se, nesse avanço, o suporte go- vernamental por meio de políticas públicas – com re- sultados contraditórios. De um lado, as demandas so- ciais são postas como direitos (ainda que limitados), abrindo espaço à participação cidadã via ações cidadãs. De outro, há perdas, principalmente de au- tonomia dos movimentos e o estabelecimento de es- truturas de controle social de cima para baixo, nas políticas governamentais para os movimentos sociais. Desta forma, na travessia dos anos noventa e no início do século XXI, os movimentos sociais adquiriram um papel-chave como ator político em um Estado democrático, pela importância reconhecida como portador legítimo e representante dinâmico de rei- vindicações de diferentes setores da sociedade civil. Texto adaptado de LEÃO, T.F. et al; SILVA, C. M. T Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 57 A História e seus fundamentos: da historiogra-fia em geral para a historiografia econômi-ca A história em geral e a história econômica, em particular, enquanto disciplina das Ciências Econô- micas, tem sido, ao longo do tempo, objeto de certo descaso por parte dos cientistas sociais. É certo que, em boa parte, tal situação resulta das dificuldades de identificação dos métodos utili- zados nesse campo de estudo com os métodos con- sagrados no estudo da economia e outras ciências sociais. Tal como acontece com a historiografia em geral, a impossibilidade de se estabelecerem leis históricas baseadas numa regularidade constatável do comportamento humano passado faz da história econômica um conhecimento passível de questiona- mento e, mesmo, vulnerável. Naturalmente, isto não pode servir às ideias se- gundo as quais, por essa mesma razão, o conheci- mento histórico deixaria de ter valor, pois segundo aquele expoente da Escola dos Annales, a história não é uma ciência do passado, mas o campo da ciência em que se procura entender a importância do passado para a compreensão do presente, da mesma maneira em que se procura entender a im- portância do presente para a compreensão do pas- sado. Nessa perspectiva, o conhecimento histórico naturalmente estará sujeito ao fazer histórico, isto é, resultará dos temas elencados pelo historiador que, por sua vez, carregará inquietações e convicções de seu tempo. A análise e a compreensão histórica são, dessa maneira, condicionadas pela pergunta que se faz aos acontecimentos. Desconsiderar isto seria a exemplo do que pretendiam e ainda pretendem os historiadores de tradição positivista, mutilar o próprio homem. Os acontecimentos, no entanto, não podem se restringir às ideias e fatos manifestos pelo homem, pois este é constituído também por seu corpo, sensi- bilidade e mentalidade. Tal situação afirma a impor- tância de se incluir no processo de estudo da história a preocupação com a utilização de técnicas origina- das na concepção positivista de ciência, como ele- mentos de auxílio para construção do conhecimento histórico. Contudo, a utilização desses recursos deve se realizar numa proposta de conhecimento global. Tal conhecimento supõe não se dividir a realida- de em compartimentos a partir dos quais se obteriam conhecimentos históricos específicos como tradicio- nalmente se apresentam nas disciplinas de história política, história social, história econômica, etc. Isto não significa que o fazer histórico deva sempre re- meter a uma história total, pois é o estudo de alguns aspectos particulares de uma sociedade que muitas vezes leva à compreensão de sua realidade global. Assim, a história, tendo como objeto o estudo das causas que dão conformação ao presente da humanidade e não simplesmente ao seu passado, lida com uma variada quantidade de elementos da realidade que lhe dão uma capacidade de leitura relativamente integrada das diferentes questões re- levantes para a ciência econômica, em temas que vão do desenvolvimento econômico à economia in- ternacional. Dessa forma, são exemplares para a teoria eco- nômica, os esforços empenhados por escolas históri- cas de diferentes vertentes ideológicas e metodoló- gicas, como a Escola Histórica Alemã e o Marxismo, em reconhecer o papel fundamental das instituições na compreensão da realidade. Assim, duas ordens de problemas se colocam. Em primeiro lugar, o diálogo entre o pensamento econô- mico e a história é e deve ser essencial para o desen- volvimento da ciência econômica, uma vez que se pode encontrar algum consenso quanto ao fato das instituições serem construídas historicamente como produto das relações que se estabelecem na socie- dade. Em segundo lugar, mesmo manifestando de maneiras diferentes seu entendimento do fenômeno das instituições e atribuindo-lhe diferentes pesos, as duas correntes aqui destacadas invariavelmente re- correm a esse diálogo para alcançar a compreen- são da realidade econômica. Nesse sentido, Polanyi (2000), historiador da última geração da Escola Histórica Alemã, procura estudar o século XIX, período marcado por uma relativa paz, buscando entender os mecanismos que teriam sus- tentado tal situação e, para tanto, delimita quatro ordens de instituições, referindo-se a aspectos eco- nômicos e políticos, como explicativos daquela reali- dade. Tais instituições seriam: o equilíbrio de poder, o padrão internacional do ouro, o mercado auto regu- lável e o estado liberal. H14 –COMPARAR DIFERENTES PONTOS DE VISTA, PRESENTES EM TEXTOS ANALÍTICOS E INTERPRETATIVOS, SOBRE SITUAÇÃO OU FATOS DE NATUREZA HISTÓRICO-GEOGRÁFICA ACERCA DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E ECONÔMICAS. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 59 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 58 Mesmo reconhecendo o risco do reducionismo, ao utilizar um pequeno grupo de instituições para a explicação de uma realidade muito mais complexa, Polanyi se propõe a fazê-lo por considerar aquele um período único, que se centralizou num mecanismo ins- titucional claramente definido. O interesse pela paz no período também seria expli- cado por um elemento poderoso, que desempenharia um papel semelhantemente ao desenvolvido no pas- sado pelas dinastias e pelo clero, a que ele denomi- na haute finance. Esta é, sem dúvida, uma instituição social nitidamente visível, servindo inclusive às análises marxistas, sendo constituída de um corpo real e que recebe outros nomes ou definições, mas que acabam por se manifestar no fenômenoda bancocracia. Para essa instituição a paz era uma necessidade para a realização de seus interesses. Naturalmente, o comércio se unia a essa paz, assim como a indústria. As ações de Estado passavam, a partir da configuração dessa ordem internacional, a estar imbricadas com as necessidades da haute finance e, por conseguinte, assumiam motivações eminentemente econômicas e, por consequência, o sistema internacional tinha sua ló- gica e sua ordem definida economicamente. A quebra do consenso da haute finance, que se dá pela fragmentação de seus componentes em tor- no de interesses nacionais, explicitados pelo fim do Concerto da Europa e pelo nacionalismo alemão, é que vai levar a auto-regulação e, finalmente, o siste- ma internacional ao seu fim. A explicação da criação, da manutenção, da crise e da mudança do sistema internacional do século XIX se dá, portanto, pela com- preensão do comportamento das instituições que o compõem. Tratando do mesmo período que Polanyi, o século XIX, e dos elementos que teriam dado conformação à nossa era, Hobsbawm (1982), marxista filiado à tradi- ção inglesa originada na obra de Maurice Dobb, ca- tegoriza o período que vai de meados do século até a década de 70, como a era do capitalismo industrial liberal triunfante. O arranjo e a superação dessa situa- ção, em sua visão, se daria, dando vazão a uma nova categoria de capitalismo, o capitalismo industrial mo- nopolista, com a quebra do monopólio industrial inglês explicitada de quatro formas: uma nova era tecnoló- gica, o fortalecimento da economia de mercado de consumo doméstico, a competição internacional en- tre economias industriais nacionais rivais e, naturalmen- te, do ponto de vista político, um novo estado forte e intervencionista. Notam-se claramente as semelhan- ças entre as interpretações do fenômeno de Polanyi e Hobsbawm, particularmente no que se refere ao pa- pel das instituições enquanto elementos A noção de instituições gravita em torno de duas visões. Uma as caracteriza essencialmente como estru- turas sociais que restringem a ação humana. Uma ver- são bastante conhecida dessa definição é a que des- creve instituições como “as regras do jogo em uma sociedade ou as restrições criadas pelos homens que dão forma à interação humana”. A outra visão é mais inclusiva, encampando não só o caráter limitador, mas também o caráter mo- tivador e formativo das instituições como estruturas sociais que capacitam e impelem indivíduos a tomar certos cursos de ação. Assim, instituições são vistas como sistemas duráveis de regras sociais que estrutu- ram a interação social ao restringir, orientar e formatar o comportamento humano. Definiu-as como “ações coletivas controlando, desobstruindo e expandindo ações individuais”. O filósofo norte-americano John Searle também as define de modo mais construtivo: Instituições humanas são, acima de tudo, capa- citadoras, porque criam poder um tipo especial de poder. É o poder que se realça em palavras como: direitos, encargos, obrigações, autorizações, permis- sões, delegação de poderes, exigências e certifica- ções. As duas visões têm lá suas diferenças de fundo significativas. Em comum, porém, pode-se dizer que se concentram sobre objetos bastante semelhantes. Modelos mentais compartilhados, convenções so- ciais, regras de conduta, códigos legais e organiza- ções sociais são alguns exemplos de instituições que se encaixam em ambas as visões. Assim, em termos mais concretos, a valorização social da eficiência produtiva, uma congregação unida por uma fé co- mum, o dinheiro, o código civil, certo modelo de teo- ria econômica, as práticas comerciais num país ou região e as firmas em funcionamento em certo mer- cado podem ser analisados como instituições. O analista não se deve surpreender ao encontrar instituições dentro de instituições, hierarquias de insti- tuições, ou outras formas de conjugação entre elas. A valorização social da eficiência produtiva em fir- mas e repartições públicas ou o modelo de metas de inflação dentro do Banco Central são exemplos disso. Ao estudioso caberá a responsabilidade de de- limitar o objeto de interesse. Instituições: origem, forma e função Também de maneira geral, ambas as visões ten- tam identificar três dimensões importantes das insti- tuições: como surgem, de que forma se manifestam, e que funções desempenham. Por exemplo, várias instituições desempenham o papel de redutoras da incerteza ambiental em que agentes racionalmente limitados devem interagir, orientando e delimitando padrões de comportamento, balizando expectativas e impondo custos para ações desviantes. Os contra- tos monetários (de salário, por exemplo), bem como acordos comerciais ou de administração de preços, são exemplos de instituições que servem a tal propó- sito. As instituições podem também reduzir a com- plexidade do ambiente, tornando previsíveis certas ações de indivíduos e grupos. Da mesma forma, as instituições podem ainda filtrar e prover informações e estabelecer certo curso de resolução de proble- mas ou conflitos que evite ações destrutivas ou im- produtivas. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 59 Finalmente, entre seus aspectos funcionais, insti- tuições trazem consigo efeitos distributivos. O sistema fiscal de um país, com tributos e despesas governa- mentais, é um claro exemplo disso. Dessa forma, po- de-se dizer que as instituições desempenham várias funções na coordenação e administração de agen- tes e recursos, nos processos de aprendizagem e ino- vação tecnológica, na distribuição de ônus e bônus, e na integração e coesão social, entre outras. Com respeito à configuração das instituições, é possível que elas sejam formais ou informais. Institui- ções informais em geral carecem de registros e re- presentações físicas como sedes e números. Embora possa haver nelas características hierárquicas, não é incomum que cada participante seja responsável por policiar, perpetuar, adaptar e penalizar o com- portamento próprio e o alheio. Em certas culturas ou mercados, por exemplo, regatear preços é uma prá- tica comum e esperada, resultando numa prática de determinação de preços diferente do que se faz em certas culturas ou mercados em que o preço da eti- queta não é negociável. Instituições formais são, por sua vez, caracteriza- das pela preocupação em legitimar e fazer explícitas, geralmente de modo escrito, regras e consequências aplicáveis a certo campo de ação humana. Ao en- tender que certas fusões e aquisições concentram em demasia a oferta em certo mercado, pode-se criar um aparato legal antitruste que analise casos relevantes e possa impedir tal concentração. Em ambas as formas, as instituições podem con- ter estruturas de influência com algum grau de exclu- são (ex no que se refere a quantas pessoas, ou quem tem legitimidade para fazer as leis, comandar uma organização, ou impor sanções). Várias delas pos- suem ou estabelecem certa hierarquia que garante ou delimita poderes de atuação, inclusive os que se relacionam a mudar a própria instituição. Portanto, são instituições que estabelecem relações de poder e autoridade, garantindo a um grupo de pessoas so- berania para definir, interpretar e aplicar regras que influenciarão as ações de outras. É comum imaginarmos que o controle das insti- tuições informais seja mais amplamente distribuído, de forma que instituições surjam e se modifiquem de maneira descentralizada. Mas mesmo instituições in- formais podem conter hierarquias próprias entre os agentes nela engajados (ex. famílias patri ou matriar- cais, ou pessoas influentes em grupos de consumo). Elas também podem ter interações hierárquicas mais complexas envolvendo outras instituições. Por exem- plo, a língua falada num país dependeparcialmente dos meios de comunicação, que são organizações formais controladas por grupos com as próprias for- mas linguísticas. Igualmente, pessoas que passaram pelo sistema educacional - uma instituição formal e hierarquizada - tendem a adotar formas linguísticas mais formais. Pessoas sem escolaridade ou com me- nor escolaridade tendem a reconhecer a «superiori- dade» da língua falada por pessoas de maior esco- laridade. No que se refere à origem, há autores que par- tem do indivíduo e sua interação para explicar como surgem instituições, numa abordagem conhecida por “individualismo metodológico. Por exemplo, cada pessoa interpreta o mundo de acordo com seu modelo mental - construído por processos que ainda estamos longe de conhecer. Mas tanto as experiên- cias pelas quais a pessoa passa quanto as informa- ções que lhe chegam são originadas e imiscuídas no ambiente que a rodeia. As gerações passadas trans- mitem seus modelos mentais e os consequentes hábi- tos, conceitos, valores, métodos de absorção de co- nhecimento, regras de conduta e outras instituições através da linguagem (esta, em si, uma instituição primordial). Há, no agregado, uma miscelânea dos modelos mentais de cada indivíduo com sua con- cepção do mundo em que vive. As mais fortes semelhanças entre esses modelos mentais dão origem a costumes, mitos, cerimoniais, tabus e credos que identificamos por culturas. E a cultura é um determinante na conformação das ins- tituições, da predominância de um ou alguns mode- los mentais. Assim, instituições surgem predominan- temente a partir da interação espontânea de indiví- duos com modelos mentais semelhantes. A visão “individualista” do surgimento das institui- ções, entretanto, deixa sem explicação como os mo- delos mentais originais vieram a existir e, mais, como poderia ter havido semelhanças de modelos mentais entre indivíduos isolados. Ao assumir a existência dos modelos mentais dos indivíduos, a versão “individua- lista” se apóia, por exemplo, em uma instituição pre- viamente existente, a linguagem, para poder expli- car como um modelo mental pode ser disseminado ou apreendido. Diante de tal dificuldade, há autores que partem das instituições para explicar outras instituições. A formação de qualquer instituição requer ao menos uma instituição prévia, a linguagem. Partir das institui- ções para explicar as instituições não significa negli- genciar a autonomia dos indivíduos na conformação dessas. Em outras palavras, avançar com relação ao individualismo metodológico não implica assumir um coletivismo metodológico que suprime a agência individual. Trata-se apenas de reconhecer que, nas sociedades modernas, todos nascemos num mundo com instituições estabelecidas, e discutir como surgiu a primeira instituição seria um insolúvel problema de regressão infinita no estilo “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?” Nessa visão, a análise do papel dos indivíduos na mudança institucional ganha em complexida- de, uma vez que é preciso perquirir sobre o contexto institucional em que certas preferências individuais emergem, e, a partir daí, explicar por quais mecanis- mos institucionais os indivíduos tentam promover as mudanças institucionais em análise, com quais possí- veis objetivos, e assim por diante. Assim, as instituições vigentes influenciam o indivíduo e, em seguida, o in- divíduo se torna um potencial agente de mudança institucional. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 61 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 60 Instituições e tecnologia A literatura sobre desenvolvimento econômico há muito tem dado devida ênfase ao papel do co- nhecimento e do progresso tecnológico no processo de desenvolvimento econômico. Menos enfatizado, contudo, principalmente na literatura ortodoxa mais recente, é o papel que as instituições desempenham na geração de conhecimento e de difusão do pro- gresso técnico. Vale ressaltar ainda que, quando alguma atenção é dada ao papel das instituições nesse processo, não é raro considerá-las como fator de inércia que retarda o desenvolvimento econômi- co. Enquanto, de um lado, é bastante difundida a ideia de que a tecnologia seria uma categoria pura e indiferente a interesses particulares ou de classe e que serviria apenas ao propósito do aumento da pro- dutividade, as instituições são, por vezes, associadas tão somente com as normas que favorecem o status quo. Como resultado de seu caráter inercial, as ins- tituições serviriam, então, apenas como empecilho aos avanços da tecnologia, inibindo mudanças tec- nológicas, freando o desenvolvimento e o progresso social. É como se cada uma representasse uma face de Janus a figura mitológica romana de duas faces que se opõem, uma voltada para a vida primitiva e a outra para a civilização. Essa visão parece ter se ali- mentado injustamente do que ficou conhecido por “dicotomia Ayres-Vebleniana”. Há, porém, motivos para se pensar diferente. Pri- meiro, o progresso tecnológico não está isento da inércia produzida pela própria tecnologia pregressa. Dessa forma, a própria introdução de certas tecnolo- gias físicas pode envolver parâmetros mais ou menos rígidos para a introdução de novas tecnologias. Por exemplo, a bitola dos trilhos de trem ainda reproduz a tecnologia das velhas carroças puxadas por animais. Fosse a bitola aumentada, a produtividade do trans- porte ferroviário poderia ter crescido ao utilizar va- gões de maior capacidade. Segundo, a tecnologia, em qualquer das definições já tentadas, tanto resol- ve quanto cria problemas. A siderurgia permite a ob- tenção do aço; o aço laminado serve à fabricação de automóveis, que auxiliam no transporte humano e de bens. Ao mesmo tempo, a siderurgia produz gases e partículas prejudiciais à saúde e degrada o meio ambiente na extração dos minérios que lhe servem de insumo. Numa sociedade em que prevaleça a cultura pe- cuniária, instituições como o dinheiro podem facilitar a resolução de problemas coletivos (ex. provisão de bens públicos), assim como ganhos monetários pro- metidos por oportunidades de lucros podem incen- tivar investimentos em novas tecnologias. Por outro lado, a busca extremada pelo dinheiro (seja por des- vios psicológicos engendrados pela própria cultura pecuniária, seja por outras razões como a incerteza keynesiana) pode levar a crises financeiras ou à de- sagregação social, como por exemplo as derivadas de elevados níveis de desemprego. Ressalte-se também que as tecnologias não são necessariamente neutras em termos de quem vai se beneficiar com seu uso. A discussão em andamen- to sobre a tecnologia de transgênicos na agricultu- ra é um caso exemplar. O futuro dessa tecnologia, a decorrente divisão dos benefícios gerados e o de- sempenho de boa parte da agricultura de grãos vão depender do aparato institucional negociado ao longo do processo e de sua posterior atuação (e.g. regulação legal, órgãos de controle e legitimação do conhecimento, e ações coletivas públicas). As tecnologias podem dar margem ao que chamaram de “cercamento cerimonial”, ou seja, o aproveita- mento da tecnologia para fins inibidores do bem-es- tar coletivo. Uma tecnologia pode ser criada e con- trolada por grupos de interesse que se apropriam de forma concentrada dos benefícios por ela gerados ao conseguir criar um aparato institucional voltado a esse fim. Ou seja, certas tecnologias podem ser mais permissivas ao cercamento cerimonial (transgenia) que outras ( internet), por um período relevante de tempo. Terceiro, para discutir a geração de conhecimen- to e de progresso tecnológico, é mister que nos pre- paremos para entender sua relação com o que se entende por mudanças institucionais. A tecnologia como aplicação sistemáticade conhecimento às atividades produtivas está ela mesma emaranhada num sistema de hábitos de pensamento comuns a uma sociedade. O conhecimento é algo moldado por valores, costumes, teorias e tradições comparti- lhados por uma comunidade - suas instituições. Por fim, as instituições não apenas determinam limites. Elas também promovem mudanças à medida que moldam o conhecimento e sua aplicação à resolu- ção de problemas. Por exemplo, mudanças organizacionais dentro das empresas que redefinam papéis, obrigações e responsabilidades parecem tão importantes para a produtividade do trabalho quanto a introdução de uma nova máquina na linha de produção. A recente preocupação com sistemas de inovação, que lidam com a conjugação de diversas instituições em prol de maior capacidade inovativa de países, regiões ou setores industriais, também demonstra o caráter construtivo das instituições. Por um lado, pode-se dizer que certos padrões de comportamento social são resultado do alinhamento dos agentes com a produção e o uso de tecnolo- gias modernas. Ou seja, instituições precisam ser de- senvolvidas ou modificadas para viabilizar ou condi- cionar o progresso técnico. As instituições legais que garantem ao capitalista empregar o trabalho, por exemplo, são essenciais ao progresso industrial mo- derno (e.g. para a viabilização do sistema de produ- ção fabril). Essas são mudanças tecnológicas e insti- tucionais promovidas pela oferta de tecnologia. Por outro lado, pode-se perceber que certos há- bitos, valores socialmente estabelecidos e instituições formais que deles derivam acabam por promover a mudança tecnológica. O instinto de auto-preser- Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 61 vação e a preocupação com a degradação do meio ambiente levaram à criação de órgãos como o Ibama e ao desenvolvimento de tecnologias que amenizam o impacto negativo de várias atividades produtivas ao meio ambiente. Não é preciso, portanto, interpretar as instituições como em essência limitadoras, e a tecnologia como libertadora, com a primeira emperrando o desenvol- vimento da segunda. Mesmo autores que preferem concentrar-se no papel do progresso tecnológico no desenvolvimento começam a reconhecer a necessi- dade de se analisar mais positivamente e completa- mente o papel das instituições na produção e difu- são do conhecimento. Richard Nelson, por exemplo, propõe que conhecer’ as tecnologias sociais preva- lecentes, e o que elas permitem e impedem é tão importante quanto ‘conhecer’ as tecnologias físicas disponíveis na determinação do conjunto de ‘esco- lhas’ disponíveis que agentes particulares enfrentam. Ou seja, tanto as instituições quanto as tecnolo- gias em si lembram Janus. O desafio do desenvolvi- mento, em sua concepção moderna da ampliação das liberdades e do bem-estar, é fazer com que os dois caminhem com a mesma face voltada para es- ses fins. Mudança institucional O processo de desenvolvimento é reconheci- damente um processo de ruptura com padrões existentes. Argumentamos que o desenvolvimento econômico envolve, necessariamente, mudanças institucionais. Nesse sentido, é fundamental atentar para alguns elementos definidores dessa dinâmica de mutação. Uma instituição desenvolve certa capacidade de resolução de problemas específicos e gera certo resultado distributivo em termos de quem arca com seus custos e quem, e em que medida, dela se bene- ficia. É decorrente imaginar que demandas diversas de redistribuição de custos e benefícios hão de surgir com frequência. Tais demandas implicam uma pos- sibilidade de revisão coletiva de modelos mentais, de renegociação, inércia, resistência e oposição. Portanto, assim como a mudança tecnológica, a mudança institucional é um processo de destruição criadora. Em muitos casos, na verdade, o melhor ter- mo parece ser corrosão criadora. Afinal, instituições são, por definição, estruturas com estabilidade e al- gum grau de inércia (o conhecimento e a tecnolo- gia também) que em geral permitem mudanças gra- duais e paulatinas. Mudanças em uma instituição envolvem em ge- ral dois processos: imposição (legítima ou não) ou persuasão de grupos de indivíduos envolvidos. A ina- dequação de uma instituição a certos propósitos a ela confiados gera desconforto e insatisfação. Esses se manifestam de diversas formas: voz e saída são duas delas. A voz é uma opção negociada, em que as partes envolvidas se comunicam de modo a fazer com que a causa da insatisfação seja investigada, atenuada ou eliminada. Na opção saída, as pessoas ou grupos insatisfeitos abandonam a instituição, rati- ficando sua inadequação ou incapacidade de satis- fazer certos propósitos. Em instituições informais, por exemplo, quando em geral não há um fórum explí- cito de coordenação, a opção voz é muito custosa para o indivíduo, e a opção saída é mais incidente. A lealdade, outro elemento considerado, pode ser identificado como uma manifestação da con- fiança no modelo mental em prática. Isso pode sig- nificar tanto um elemento de inércia e mudanças graduais, quando as deficiências notadas parecem ter correção, quanto um elemento de mudança ra- dical, quando as deficiências notadas desviam a ins- tituição do que se entende ser a concepção maior, à qual os indivíduos se sentem leais. Tais manifestações podem se concretizar a partir de elementos diversos. Alguns deles são vistos a se- guir em sua capacidade de influenciar as mudanças institucionais. Conflito, cooperação e custos na mudança insti- tucional Em nosso cotidiano, as instituições - principalmen- te as de caráter eminentemente econômico - são uma tentativa de criar alguma ordem estável em si- tuações potencialmente conflitantes de forma a se conseguir ganhos mútuos. O Estado moderno ilustra tal situação. Há, por exemplo, conflito de interesse quanto à incidência de tributos nos vários setores da atividade econômica. Através de sua legitimação legal ou do monopólio legal da força, porém, o es- tado consegue estabelecer uma ordem tributária de modo a levar a cabo soluções para certos proble- mas coletivos - e.g. subsidiar um sistema coletivo de saúde. A mudança institucional (ou o estabelecimen- to de uma instituição onde inexiste uma) vai bulir com um estado de coisas em que as pessoas se julgam estar bem ou mal. Vê-se, por isso, que o conflito de interesses é algo potencialmente comum. Para evitar que o confli- to prevaleça, faz-se preciso algum tipo de coorde- nação de ações. Isso pode ser obtido por meio da constituição de instituições formais ou informais. E, a depender da instituição que se estabelecer, diferen- tes resultados estáveis podem surgir, cada qual com efeitos distributivos peculiares. Isso sugere que a mudança institucional não é um processo sem custos. Além dos custos de oportunida- de de qualquer esforço despendido na sua constru- ção, a mudança institucional se sujeita a problemas característicos de ação coletiva, como falhas de coordenação e free-riding. Os custos de uma mu- dança institucional vêm de pelo menos três frentes. Uma dessas frentes envolve a mobilização e per- suasão coletiva. Isso se aplica, por exemplo, a: Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 63 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 62 - grupos de pressão, como lobbies políticos, entidades de defesa de direitos específicos, associações classistas ou patronais, ou usuários/ produtores de certo produto; - grupos vistos como legítimos para conduzir a mudança, como uma Câmara Legislativa, o quadro gestor de uma entidade, líderes de grupos sociais, ou conselhos populares; - indivíduos influentes em certas esferas sociais de interesse. A segunda frente envolveos gastos de negociação com as demais partes envolvidas (e.g. reuniões, concessões e batalhas jurídicas). Essa frente pode envolver os esforços em se dissolver, quebrar ou neutralizar a cooperação indesejável entre certas partes e que oblitera a mudança (e.g. máfias, cartéis, mobilizações sociais ou lobbies políticos contrários, etc.). A terceira frente envolve os custos de confecção de uma alterna- tiva à forma institucional vigente. Pode-se imaginar, como exemplos aqui, a instituição de um Banco Central, a remodelagem de um sistema nacional de inovação, a reestruturação das rotinas ou dos departamentos de uma empresa, a condução de estudos científicos e sua divulgação em mídias diversas para convencer as pessoas a mudar um hábito de consumo, ou mesmo a construção de um aparato de governança paralelo ao existente para evitar os custos da mudança institucional no aparato já existente. O aspecto distributivo dos custos da mudança institucional é também um condicionante importante. Quando se coloca a questão sobre quem vai arcar com tais custos e quem vai obter os benefícios, não é raro encontrar, por exemplo, o problema do carona. Se os custos totais da mudança recaem sobre alguns dos in- teressados enquanto outros se isentam, a mudança pode encontrar certos obstáculos. Ao analisar a reforma do sistema portuário brasileiro defendida pelos setores exportadores, registrou as dificuldades de coordena- ção entre os vários entes interessados e a carona pega por alguns deles quando se fez necessário despender recursos e usar capital político. Vê-se, assim, que as mudanças institucionais se condicionam em algum grau às instituições prévias. Muitas vezes, porém, tais condicionantes se mostram um pesado fardo, e os problemas de coordenação se fazem intransponíveis pelo simples problema de insuficiência de recursos à disposição dos novos interesses. Ou seja, há situações em que o crescimento ou a redistribuição da riqueza (mesmo que limitada a certos grupos) é condição prévia necessária à mudança institucional. A tentativa de construir instituições propícias ao cresci- mento econômico e a uma melhor distribuição de seus frutos pode não vingar se não houver um aumento prévio ou concomitante da riqueza, ou mesmo seu redirecionamento ostensivo para que tais instituições possam ser mantidas por um período infante. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 63 O delineamento teórico dos conflitos envol-vendo crescimento econômico, desen-volvimento social e sustentabilidade dos recursos naturais começaram a ser vislumbrado de forma mais efetiva na segunda metade do século XX, entre o final da década de 1960 e início da de 1970, no contexto da criação do Clube de Roma (1968) e da realização da I Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano - Con- ferência de Estocolmo (1972), a partir desses eventos houve a inserção definitiva das análises dos conflitos socioambientais na agenda mundial. Aliada aos eventos, as catástrofes ambientais que estavam ocorrendo em escala planetária con- tribuíram para a necessidade de promover ações e políticas internacionais e nacionais com o objetivo de preservação e conservação dos recursos ambien- tais. Entretanto, as proposições clássicas disponíveis no arcabouço teórico das ciências econômicas não apresentavam alternativas capazes de associar, de- senvolvimento socioeconômico e preservação dos recursos naturais. Analisando o modelo clássico da economia é possível concluir que este se tornou in- sustentável, não exclusivamente do ponto de vista econômico e ambiental, mas, sobretudo ao que se refere à justiça social e as características culturais das populações, especialmente, as consideradas tradi- cionais. Tornou-se indispensável, então, à elaboração de uma matriz econômica que viabilizasse a sustentabi- lidade ambiental, econômica e social. A alternativa encontrada foi à formulação, na década de oitenta, de uma nova concepção de desenvolvimento para a humanidade, denominada desenvolvimento sus- tentável. Com a estruturação teórica do novo mode- lo foi possível a percepção da coexistência de duas realidades contrapostas no mundo. De um lado, a promoção do clássico crescimento econômico a qualquer custo, e de outro, a proposição de um de- senvolvimento com sustentabilidade, não somente dos recursos naturais, mas da própria humanidade. Na década de 1990 o termo desenvolvimento susten- tável se consagrou como um campo de reconheci- mento da crise socioambiental mundial. A proposta do modelo baseado na sustentabili- dade surge a partir de intensos debates e críticas ao predominante modelo econômico ortodoxo. O novo paradigma é balizado na sustentabilidade ambiental e vislumbra um desenvolvimento que permite harmo- nizar o progresso humano com os limites que os recur- sos naturais determinam. Ou seja, procura conciliar a relação do homem com a natureza e as inter-re- lações sociais. O desenvolvimento sustentável expôs um novo estilo de compreender e solucionar os pro- blemas socioeconômicos mundiais, considerando o ambiente natural, mas também, as dimensões cultu- rais, política e sociais. O novo paradigma econômico se constituiu viá- vel com aplicabilidade em várias comunidades, pas- sando a provocar, com maior evidência e frequên- cia, os conflitos socioambientais. Estes se constituem a partir das diversas lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum (exploração da natureza) e surgem em função de superposição de usos e de percepções diferentes, inclusive antagônicas, de um determinado espaço geográfico ou recurso natural. Neste contexto ocorrem disputas que envolvem ato- res sociais com perspectivas distintas em relação à natureza, aparecendo às zonas de tensão que dão origem aos conflitos socioambientais. Estes passaram a ser ponderados como uma questão importante e se configuraram como elementos que permite dis- putas, argumentações e negociações entre grupos sociais e Estado. A partir da estruturação do modelo de desenvol- vimento sustentável e melhor visualização dos confli- tos envolvendo recursos naturais houve a necessida- de de definir teoricamente essa tipologia de conflito, que embora não determinados, se disseminavam em todos os espaços, exigindo urgência no seu entendi- mento. Assim, passou a ser imperativo conhecer, de- limitar, analisar e avaliar os conflitos socioambientais e sua delimitação teórica é ponto fundamental para o avanço do desenvolvimento sustentável. O con- flito socioambiental se caracteriza por uma grande diversidade de definições, de âmbito internacional e nacional e as mais conhecidas serão examinadas a seguir. Teorias sobre os conflitos socioambientais no mundo A definição proposta pelos estudiosos envolve a noção de escassez de recursos naturais. Ou seja, os conflitos têm suas raízes no desequilíbrio entre a ex- ploração e a reposição dos recursos naturais, ou seja, como o estoque de recursos naturais se apresenta. Os conflitos socioambientais têm como caracte- rísticas comuns, o fato de serem induzidos pela escas- sez de um recurso, determinado por distúrbio na sua H15 –AVALIAR CRITICAMENTE CONFLITOS CULTURAIS, SOCIAIS, POLÍTICOS, ECONÔMICOS OU AMBIENTAIS AO LONGO DA HISTÓRIA. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 65 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 64 taxa normal de regeneração, provocada pela ação econômica. Deste modo, os efeitos sociais adversos, como: redução da produção agrícola, migração populacional, declínio econômico, enfraquecimento das instituições e relações sociais, dentre outros, só se configurariam em conflitos socioambientais quan- do surgem dos desequilíbrios ambientais, em conse- quência de atividadesantrópicas. Portanto, a partir desta concepção, não se pode assumir que todas as tensões que envolvam recursos naturais resultem em conflitos socioambientais. O au- tor considera que para determinar se um conflito é socioambiental, é impreterível, que este tenha cau- sas sociais e ambientais. Outra análise que procura dar conta da defini- ção de conflitos socioambientais está associado à segurança ambiental. Baseada no desequilíbrio en- tre a oferta e a procura de bens naturais e tem como causas a ação predadora das atividades humanas. O estresse ambiental associado a competições por recursos naturais escassos tem capacidade de pro- vocar, inclusive, conflitos armados. O autor conside- ra que os conflitos socioambientais têm suas origens, não somente a partir da escassez dos recursos, mas também, pelo uso destes. Assim, não associa, exclusivamente, os conflitos socioambientais a carência de bens naturais. Essa visão mais ampla se aproxima da realidade amazô- nica, onde há grande estoque de recursos naturais, porém intensamente e predatoriamente explorados. A ecologia política é um importante campo do conhecimento para avaliar os conflitos socioam- bientais, pois os pressupostos desta ciência permitem desvelar as estruturas de poder e os verdadeiros in- teresses dos conflitos. Assim, a análise dos conflitos socioambientais por meio da identificação dos inte- resses, estratégias, poderes e vulnerabilidades dos di- versos grupos sociais envolvidos, é fundamental para a compreensão e configuração de sua possível tra- jetória. A definição de conflitos socioambientais é mais abrangente, envolve além dos aspectos materiais, os imateriais. Esta característica é avaliada como incompatibilidade de interesses sobre o uso do mes- mo território ou pela utilização dos recursos naturais entre, indivíduos ou grupos independentes. Quando acontecem as disputas pelos recursos ambientais, as partes envolvidas, ao perseguir estratégias para al- cançar seus objetivos, podem procurar atrapalhar as atividades de seus oponentes. Em geral, para esses autores, os conflitos so- cioambientais que ocorrem no mundo são ocasio- nados pela escassez dos recursos naturais, provoca- dos pelas atividades socioeconômicas que causam degradação ao ambiente natural. Isto é, a escassez e a forma de utilização da natureza determinam os desequilíbrios social, econômico e ambiental. Neste desequilíbrio estão envolvidos os aspectos materiais e simbólicos do ambiente natural. Resolução dos conflitos socioambientais Na década de 1970, em decorrência da Con- ferência de Estocolmo, os conflitos socioambientais ganharam notoriedade, havendo poucas diferen- ciações entre países desenvolvidos e em desenvol- vimento. Nos primeiros (Estados Unidos, França, Ho- landa e Alemanha) as atividades produtivas ou os empreendimentos públicos que ocasionam impac- tos ou danos ambientais são alvos de embates entre as organizações de base comunitária, movimento ecológico, empresários, industriais, agências de re- gulação governamental e o governo enquanto em- preendedor. Nestes países, desde a década de 1980, se bus- cam soluções conjuntas, como estruturação legal e parcerias que visam solucionar ou amenizar os con- flitos socioambientais. Entretanto, ainda hoje os ins- trumentos de informação e negociação precisam ser aprimorados e adequados a gestão dos recursos naturais. Nos países em desenvolvimento (nações latino -americanas, asiáticas e africanas), os conflitos so- cioambientais são comuns, tanto nos espaços urba- nizados quanto nas zonas rurais. Nas áreas urbanas são conflitos semelhantes aos que ocorrem nos paí- ses desenvolvidos, com maior destaque para a ques- tão da equidade social. No espaço rural, os conflitos socioambientais se referem à apropriação dos recur- sos naturais, como terra, floresta e água, ou a preser- vação de culturas envolvendo as populações tradi- cionais, como os povos indígenas, remanescentes de quilombos, ribeirinhos, povos da floresta e outros. A bibliografia referente aos conflitos socioambien- tais vem se materializando nos países em desenvol- vimento, entretanto, voltada principalmente para o diagnóstico dos conflitos e não para a sua negocia- ção ou resolução. Nestas nações os conflitos envol- vendo os recursos naturais são resolvidos nas arenas jurídica, administrativa e política, em detrimento das técnicas, metodologias e ferramentas utilizadas na negociação que ocorrem nos países desenvolvidos. A tentativa de resolução do conflito socioam- biental fora da mediação, conciliação ou negocia- ção se apresenta prejudicial à sociedade e ao pró- prio ambiente, pois não garante igual peso aos dife- rentes interesses, não apenas em relação ao poder entre as partes, que é inteiramente desproporcional, mas, sobretudo, porque os empreendedores têm ob- jetivos definidos e claros e os representantes comu- nitários têm interesses heterogêneos e geralmente não possuem técnica, conhecimento ou habilidade administrativa, jurídica e política. Texto adaptado de BRITO, D. M. C et al Com a percepção dos abusos cometidos em nome do crescimento econômico, amplia-se a no- ção de desenvolvimento, indo além da acumulação de recursos materiais. Conduz-se à noção de manu- tenção dos ecossistemas da Terra e ao conceito de desenvolvimento sustentável, com sua multiplicida- Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 65 de de interpretações. Para tanto, faz-se necessário que o homem se reconheça como produto do meio, como parte integrante do mundo e do ambiente, dotado de capacidade transformadora, mas que é afetado e depende do meio que o cerca. Em função dos paradigmas produtivos, o concei- to de desenvolvimento permaneceu durante muito tempo associado ao crescimento econômico sem considerar as várias formas dos sistemas sociais, po- líticos e econômicos. Era suposto que o aumento de riquezas poderia melhorar as condições de vida da população, embora conceitualmente, desenvolvi- mento e crescimento não tenham o mesmo significa- do, podendo, inclusive, serem conduzidos de forma oposta. De certo modo, esta visão dissocia-se da rea- lidade, pois nela é enfatizada apenas a geração de riquezas, não havendo condução de ordem social, cultural ou ambiental, em que a premissa básica es- tava na tentativa de aumentar o bem estar social por meio de processo de industrialização que objetiva a produção de bens e serviços para atender às neces- sidades da sociedade. Esta relação conflitava com o uso de recursos naturais, cujas externalidades negativas pouco ou nunca eram avaliadas. Sob esta ótica, a marcha do desenvolvimento correspondia a um ritmo acelerado de crescimento econômico, difusão de tecnologia, acumulação de capital, exploração do trabalho e desejo por incrementar o consumo per capita. Neste contexto, percebeu-se que o desenvolvimento deve- ria ter conotação que ultrapassasse o aspecto eco- nômico, incluindo o governo, além dos atores sociais e privados. Tal enfoque também não foi suficiente, pois nem sempre respeitava as particularidades lo- cais e outras dimensões como indispensáveis para se atingir ao desenvolvimento, devido às características centralizadoras do planejamento realizado pelos go- vernos. Assim, inicia-se a reflexão em diversos cam- pos da ciência sobre um novo conceito de desenvol- vimento, o desenvolvimento sustentável e dimensões que o compõem. Conceitos de desenvolvimento sustentável O Desenvolvimento Sustentável surgiu nas últimas décadas do século XX, para traduzir várias ideias e preocupações devido à gravidade dos problemas que causam riscos às condições de vida no planeta. Uma das primeiras organizações a apontar os riscos do crescimento econômico contínuo foi o Clube de Roma em 1972. No mesmo ano,a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Conferência de Es- tocolmo, que abordou problemas ambientais decor- rentes da poluição atmosférica, crescimento popu- lacional e crescimento versus desenvolvimento. Em 1974, surge a proposta do e com desenvolvimento, formulada por intelectuais como Sachs, Leff e Strong, que incorpora, além das questões econômicas e so- ciais; as questões culturais, políticas e ambientais, à noção de desenvolvimento. Todavia, o termo ‘sus- tentável’ aparece pela primeira vez no informe das Nações Unidas: Nosso Futuro Comum (Comissão Mundial sobre o meio ambiente e desenvolvimento, 1991), conhecido como informe Brundtland em 1987. No entanto, a falta de precisão no conceito de sustentabilidade traz consigo deficiências nas refe- rencias teóricas, e estas, por sua vez, poderiam con- tribuir para diversos campos de conhecimentos eco- nômicos, sociais, culturais, políticos e ambientais. O conceito de sustentabilidade vai muito além de expli- car a realidade, pois exige aplicações práticas. Esta discussão teórica apenas revela uma luta disfarçada pelo poder entre os atores sociais. Para aprofundar- se no conceito é necessário ter uma visão mais am- pla, analisando o passado, o presente e o futuro. Dimensão ambiental ou ecológica A dimensão ecológica é a mais defendida pela maioria dos autores que tratam do tema e foi ampla- mente difundida com as conferências dos anos 70. Para buscar a sustentabilidade ambiental deve-se compreender e respeitar as dinâmicas do meio am- biente, entender que o ser humano é apenas uma das partes deste ambiente e depende do meio que o cerca. A sustentabilidade ecológica é a que sus- cita menos controvérsias, uma vez que se refere a certo equilíbrio e à manutenção dos ecossistemas, conservação e manutenção genética, incluindo, também, a manutenção dos recursos abióticos e a integridade climática. Este conceito aborda a natureza externa ao ser humano e a concepção de que quanto mais modi- ficações realizadas pelo homem na natureza menor sua sustentabilidade ecológica e quanto menor a in- terferência humana na natureza, maior sua sustentabi- lidade. Desta forma, seus defensores acreditam na ne- cessidade de melhorar e controlar o uso dos recursos naturais, respeitando sua capacidade de renovação. Amparam-se nesta concepção e elaboram ações para conseguir a sustentabilidade ecológica: intensificação do uso dos recursos potenciais dos vá- rios ecossistemas, com um mínimo de dano aos siste- mas de sustentação da vida; limitação do consumo de combustíveis fósseis e de outros recursos e produ- tos facilmente esgotáveis ou ambientalmente preju- diciais, substituindo-os por recursos ou produtos reno- váveis e/ou abundantes e ambientalmente inofensi- vos; redução do volume de resíduos e de poluição, por meio da conservação e reciclagem de energia e recursos; auto-limitação do consumo material pelos países ricos e pelas camadas sociais privilegiadas em todo o mundo; intensificação da pesquisa de tecno- logias limpas, com eficiente utilização dos recursos para promoção do desenvolvimento urbano, rural e industrial; definição de regras para proteção ambien- tal, concepção da máquina institucional, bem como escolha do conjunto de instrumentos econômicos, legais e administrativos necessários para assegurar o cumprimento destas regras estabelecidas. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 67 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 66 Dimensão econômica Essa dimensão foi amplamente difundida na so- ciedade ocidental embora não sob a perspectiva da sustentabilidade e nem de desenvolvimento, pois a sustentabilidade econômica extrapola o acúmulo de riquezas, bem como o crescimento econômico e engloba a geração de trabalho de forma digna, pos- sibilitando uma distribuição de renda, promovendo o desenvolvimento das potencialidades locais e da di- versificação de setores. Ela é possibilitada por alocação e gestão mais efetivas dos recursos e por um fluxo regular do in- vestimento público e privado nos quais a eficiência econômica deve ser avaliada com o objetivo de diminuir a dicotomia entre os critérios microeconô- micos e macroeconômicos. O argumento de eco- nomistas a favor da sustentabilidade gira em torno de saber usar os recursos do planeta, com alocação eficiente de recursos naturais em um mercado com- petitivo, no qual haveria distorções no mercado que poderiam ser corrigidas pela internacionalização de custos ambientais e/ou reformas fiscais. Assim, a sus- tentabilidade seria alcançada pela racionalização econômica local, nacional e planetária. Para o autor a implementação da sustentabilidade seria alcança- da pela racionalização econômica local, nacional e planetária e depende de uma autoridade nacio- nal. A sustentabilidade econômica apresenta uma análise mais complicada do que a ambiental, pois o conceito restringe o crescimento econômico e a eficiência produtiva. Tal concepção admite que o crescimento não pode ser ilimitado (como prega o capitalismo) pois não é congruente com a dimensão ambiental preferencialmente com crescimento nulo. Para o mesmo autor a insustentabilidade do cresci- mento atual é que traz a urgência do desenvolvi- mento sustentável, desta forma, afirmou que para todo crescimento há um limite que ultrapassado não o torna sustentável. Defendendo a ideia de conce- ber-se uma escala ótima de crescimento, argumen- tou que a economia pode crescer até o momento em que não mais interfira na renovação dos sistemas naturais, bem como que a exploração dos recursos finitos deveria ser parcimoniosa. Dimensão Social Na dimensão social reside a grande polêmica, pois é a dimensão que sofreu mais mutações por conta do conceito de desenvolvimento social. Há algum tempo, a sustentabilidade social era utilizada para encobrir o interesse sobre a sustentabilidade ecológica, sustentando que a pobreza seria a cau- sadora da agressão à natureza, causada por falta de recursos em adquirir técnicas preservacionistas. Ou- tro problema seria o crescimento populacional entre os extratos mais pobres, argumentou sobre o círculo vicioso da pobreza. Neste sentido, uma região com fraca dotação de recursos, baixo nível de formação e sem capital disponível, gera pobreza que, por sua vez, se traduz em capacidade de poupança limita- da que levaria novamente a um pequeno nível de investimento e de formação. Nesta visão, a pobreza está relacionada com a má distribuição de renda, de formação e de oportunidades resultando em uma exploração equivocada dos recursos naturais ques- tiona este círculo vicioso da pobreza, pois considera que mobilização e ação social podem proporcionar desenvolvimento. Todavia, a pobreza e o desempre- go não estavam em discussão, mas sim suas conse- quências negativas em relação ao meio-ambiente. Assim, por trás de um discurso de sustentabilidade social, está escondida a dimensão ecológica como finalidade maior. Neste sentido a dimensão social ob- jetiva garantir que todas as pessoas tenham condi- ções iguais de acesso a bens, serviços de boa quali- dade necessários para uma vida digna, pautando-se no desenvolvimento como liberdade, no qual o de- senvolvimento deve ser visto como forma de expan- são de liberdades substantivas, para tanto, “requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportuni- dades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. Sob esta ótica, a dimensão social pode ser en- tendida como a consolidação de um processo de desenvolvimento orientado por outra visão, a da boa sociedade. O objetivo é construir uma civiliza-ção do “ser”, em que exista maior equidade na dis- tribuição do “ter” (renda), de modo a melhorar subs- tancialmente os direitos e as condições de amplas massas de população e a reduzir a distância entre os padrões de vida de abastados e não-abastados, resultando na diminuição do índice de Gini. Na mes- ma linha de pensamento, sobre a sustentabilidade pautado nas dimensões social e econômica, cujo problema encontra-se na pobreza e no conceito de desenvolvimento local integrado e sustentável como meio de superar o distanciamento entre política so- cial e de combate à fome, à miséria, à pobreza. Tal combate, frente à complexidade brasileira, só seria possível com o desenvolvimento, que não necessa- riamente necessita de crescimento econômico, ape- sar de ser desejável. Para tanto, há que se considerar a vulnerabilidade e exclusão, heranças históricas de desigualdades sociais e regionais brasileiras e carac- terísticas de concentração de renda, riqueza, conhe- cimento e poder. Cabe ressaltar que a pobreza, como causadora e vítima da degradação ambiental, é uma concep- ção que perdeu força a partir da segunda metade dos anos 90 do século XX. Reconheceram-se vários aspectos que conduzem à degradação, inclusive os baixos investimentos governamentais. Neste sentido, percebe-se que o paradigma atual se vincula no aumento das capacidades humanas para se atingir melhor qualidade de vida. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 67 Dimensão espacial ou territorial Ao perceber-se o desequilíbrio provocado pela concentração das pessoas morando nas cidades, o crescimento demográfico no espaço urbano ocor- ria de forma a desconfigurar a paisagem e super- lotar espaços do território despontaram a preocu- pação com relação à dimensão espacial. A forma- ção das megalópoles tem origem nos crescentes índices de urbanização, consequência do êxodo rural ocasionado pela industrialização e pela era da informação. Estas concentrações geraram diversos problemas pela impossibilidade de governabilida- de em um ambiente com crescimento explosivo e exponencial. Desta forma, o autor se referiu a uma escolha entre uma megalópole versus região urba- na. Nesta visão, a região urbana busca articular de- zenas de cidades intermediárias, ou vários centros que conservam seus atributos de núcleos intensos, associativos, diversificados, mas com população e superfície pequenas, como ocorre, por exemplo, no vale do Rio Pó, Itália. Para evitar a insustentabilidade esta conformação múltipla segue um modelo rural -urbano que evita a conurbação das grandes cida- des, deixando a região mais ágil, potencializando as energias rurais, ao contrário de uma megalópole que é lenta em suas articulações. A sustentabilidade urbana também leva em conta a descentralização, procurando evitar o in- chaço das grandes cidades e suas periferias insus- tentáveis para recuperar a escala humana em seus bairros e núcleos urbanos. A sustentabilidade espa- cial abrange a organização do espaço e obede- ce a critérios superpostos de ocupação territorial e entrelaçados em uma rede natural duradoura para tentar recuperar, com esta complexa e diversifica- da trama, a qualidade de vida, a biodiversidade e a escala humana em cada fragmento, em cada bairro do sistema. Dimensão Cultural A dimensão cultural em muitos aspectos confun- de-se com a social, tendo em vista que cultura e sociedade são, muitas vezes, elementos indissociá- veis. Fazem parte desta concepção: promover, pre- servar e divulgar a história, tradições e valores regio- nais, bem como acompanhar suas transformações. Para buscar essa dimensão é um caminho válido o de valorizar culturas tradicionais, divulgar a história da cidade, garantir oportunidades de acesso a in- formação e ao conhecimento a todos e investir na construção, reforma ou restauração de equipa- mentos culturais. Esta dimensão da sustentabilidade direciona-se às raízes endógenas dos modelos de modernização e dos sistemas rurais integrados de produção, privilegiando processos de mudança no seio da continuidade cultural e traduzindo o con- ceito normativo de ecodesenvolvimento em uma pluralidade de soluções particulares, que respeitem as especificidades de cada ecossistema, cultura e local. Neste ambiente de transição paradigmáti- ca, traz propostas alternativas ao desenvolvimen- to sustentável que apontam para novos projetos civilizatórios, como as sociedades sustentáveis e o ecossocialismo. Os padrões de produção e consu- mo e de bem-estar a partir da cultura, do desenvol- vimento histórico e do ambiente natural de um in- divíduo como sociedades sustentáveis. O conceito de ecossocialismo afere-se pela maneira como as necessidades humanas fundamentais são satisfeitas e pela concepção de que as três formas principais de propriedade individual, comunitária e estatal se inter-relacionam com equilíbrio e com o mínimo de interferência. Nesta visão, o desenvolvimento sustentável bus- ca um novo projeto civilizatório, com mecanismos adequados de educação, por meio da cooperação e parceria na busca do desenvolvimento individual, tendo como fundamento o ambiente, o interesse social, o respeito à cultura de cada povo, à política e à democracia. Para que este novo projeto de sus- tentabilidade se desenvolva, defende-se o entendi- mento sobre diversos condicionantes complexos tais como: sustentabilidade institucional; capacidade de investimento público; bem-estar social/desenvol- vimento humano; afirmação da identidade cultural; sustentabilidade econômica; integração regional, nacional e internacional; sustentabilidade espacial; meios materiais de governabilidade e segurança. Dimensão Política Sensibilizar, motivar e mobilizar a participação ativa das pessoas, favorecer o acesso às informa- ções permitindo maior compreensão dos problemas e oportunidades, superar as práticas e políticas de exclusão e buscar o consenso nas decisões coleti- vas são elementos que compõem esta dimensão. As fórmulas utilizadas em alguns discursos político “economicamente viável, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável”, distanciam-se de suas metas e valores derivados dos processos téc- nicos e produtivos existentes, gerando, assim, mani- festações da sociedade nas questões ambientais e no abuso do poder político e econômico dos gover- nantes. Esta manifestação de democratização na to- mada de decisões mostra a luta dos cidadãos con- tra algumas práticas insustentáveis. Todavia, demo- cratizar não deve ser apenas um “clichê”. Transmitir o poder das mãos de poucos (governantes) para todos (sociedade) é uma ideia dicotômica, ao con- siderar que a sociedade capitalista baseia-se nas re- lações de poder para garantir a “ordem” do sistema. Realizar tal transmissão significa transpor o paradig- ma atual para outro, para o qual nem se tem conhe- cimento se a sociedade está preparada para rumar. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 69 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 68 Cabe ressaltar que a sustentabilidade política deve apresentar a contribuição não somente da comu- nidade local como enfatizada pelos conceitos apresentados, mas é preciso mobilizar a sociedade como um todo englobando o papel do governo, das instituições e do empresariado e abrangendo o que muitos autores chamam de sustentabilidade institucional nesta dimensão. A necessidade de democracia e susten- tabilidade nas estratégias políticas e administrativas que devem adequar-se para superar os entraves rela- cionados ao controle pelo cidadão e a participação ativa do mesmo na gestão pública. Relembrando que modelo de desenvolvimento sustentável está baseado na concepção da parceria e da colaboraçãoefetiva entre os setores público, privado, voluntário e comunitário. Neste contexto, exige-se um mínimo de consenso e de solidariedade entre os membros da sociedade que transcendem aos interesses particulares e que só podem ser produzidos em um processo dialógico e interativo de troca de argumentos e posições. Torna-se, portanto, imprescindível que os governos adequem atitudes e estratégias em prol do bem comum. Esta per- seguição do desenvolvimento sustentável dentro de uma perspectiva democrática exige um Estado ativo e facilitador. Cabe em particular aos municípios estimular a participação e o engajamento cívico, sendo este imprescindível para avançar no fortalecimento da consciência ecológica, e promover a implementação de um outro modelo de desenvolvimento consentâneo com as necessidades de uma sociedade sustentável. Texto adaptado de MENDES, J. M. G Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 69 A globalização e as novas tecnologias de tele- comunicação e suas consequências econômicas, políticas e sociais. (conteúdo sugerido pela Matriz de Referência do ENEM) A nova divisão internacional do trabalho, que se estabeleceu a partir do desencadea-mento dos fenômenos da globalização, associada a uma nova economia política favorável ao mercado, mudou a organização do sistema inte- restatal – “a forma política do sistema mundial mo- derno” (SANTOS, 2002, p. 35). O autor comenta que, por um lado, os Estados hegemônicos – por meio de- les mesmos ou de instituições financeiras multilaterais controladas por eles – comprimiram a autonomia po- lítica e a soberania dos Estados periféricos, ainda que com variadas formas de resistência e capacidade de negociação ente os periféricos e semiperiféricos. “Por outro lado, acentuou-se a tendência para os acordos políticos interestatais (União Europeia, NAF- TA, Mercosul)” (SANTOS, 2002, p. 36). As novas formas de “associação” do Estado, com entidades e organizações governamentais e não go- vernamentais, em níveis subnacionais ou supranacio- nais, redefiniram as escalas dos fenômenos políticos no território. Segundo Castro (2005, p. 83): “[...] é pre- ciso acrescentar e discutir que a complexidade do processo de globalização reside justamente na arti- culação entre as múltiplas escalas de ocorrência dos fenômenos políticos”, assim como, “o modo como cada um se reflete em escalas territoriais diferencia- das”. A globalização também tornou ainda mais acir- rada as assimetrias de poder transnacional entre o “centro” e a “periferia” do modo de produção ca- pitalista – entre os países do Norte e do Sul. A ‘no- vidade’ é que a soberania dos Estados periféricos está ameaçada não necessariamente pelos Estados mais fortes, centrais, mas, sobretudo, por agências financeiras internacionais e atores transnacionais do setor privado – empresas multinacionais –, principal- mente. “A pressão é, assim, apoiada por uma coli- gação transnacional relativamente coesa, utilizando recursos poderosos e mundiais (SANTOS, 2002, p. 37). Se comparado aos processos precedentes de ‘trans- nacionalização’, na atualidade, as pressões para a regulação estatal da economia em países centrais e também em periféricos e semiperiféricos foram in- tensificadas. O neoliberalismo instituiu “uma destrui- ção normativa de tal modo massiva que afeta, muito para além do papel do Estado na economia, a legi- timidade global do Estado para organizar a socieda- de” (SANTOS, 2002, p. 37). Contudo, Harvey (2005), alerta para o fato de que o Estado-Nação ainda é o principal regulador em relação ao trabalho. Na concepção do autor, a ideia de que na globalização o Estado-Nação está deixando de ser o centro de poder e autoridade é uma inverdade. “De fato, desvia-se a atenção do fato de que o Estado-Nação está agora mais dedi- cado do que nunca a criar um adequado ambiente de negócios para os investimentos [...]” – controlando e reprimindo os movimentos trabalhistas, extinguindo os benefícios sociais, regulando e até mesmo proibin- do os fluxos migratórios. “O Estado está muitíssimo ati- vo no domínio das relações entre capital e trabalho”. Porém, Harvey (2005) indica que em relação aos ca- pitais a situação do Estado na globalização assumiu uma outra condição. “Nesse caso, o Estado perdeu, de fato, o poder para regular os mecanismos de alocação ou competição, conforme os fluxos finan- ceiros globais escapavam de alcance de qualquer regulação estritamente nacional” (HARVEY, 2005, p. 29). O Estado parece fortalecer o controle da força de trabalho, principalmente no que se refere a sua mobilidade. Embora as fronteiras dos Estados estejam cada vez mais permeáveis a outros fluxos, as frontei- ras que “foram reforçadas é o do controle da mobili- dade da população, sobretudo, mas não apenas, a população enquanto força de trabalho (HAESBAERT, 2013, p. 25). De acordo com Milton Santos (2000), o discurso dominante quer fazer parecer que há “menos” Es- tado, “vale-se dessa mencionada porosidade, mas sua base essencial é o fato de que os condutores da globalização necessitam de um Estado flexível a seus interesses”. Os capitais globalizados necessitam que o território se adapte a uma crescente necessidade de fluidez, para isso, investem pesadamente para COMPETÊNCIA DE ÁREA 4 – ENTENDER AS TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS E TECNOLÓGICAS E SEU IMPACTO NOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO, NO DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO E NA VIDA SOCIAL. H16 –IDENTIFICAR REGISTROS SOBRE O PAPEL DAS TÉCNICAS E TECNOLOGIAS NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E/OU DA VIDA SOCIAL. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 71 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 70 alterar as características geográficas dos lugares es- colhidos. Milton Santos (2000, p. 33), adverte: “Não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele ape- nas se omite quanto ao interesse das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante”. Milton Santos (2000) esclarece que a partir da globalização, “o que temos é um território nacional da economia internacional”, ou seja, o território não deixa de existir, as normas são elaboradas pelo Esta- do em escala nacional, ainda que sofra influências internacionais. O Estado detém o controle sobre as normas – “sem as quais os poderosos fatores externos perdem eficácia”. É necessário, contudo, rever a no- ção de soberania, uma vez que o alcance dos fluxos financeiros globais acentuou a porosidade das fron- teiras. Porém, “ao contrário do que se repete impune- mente, o Estado continua forte e a prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem de força normativa para im- por, sozinhas, dentro de cada território, sua vontade política ou econômica”. (SANTOS, 2000, p. 38). É o Estado nacional o responsável por regular o mundo financeiro e dotar o território com infraestru- turas, atribuindo às empresas de sua escolha a exe- cução de seus projetos. As instituições de caráter su- pranacional, como o FMI, o Bando Mundial, Nações Unidades, entre outras, dependem das decisões in- ternas do Estado-nação para a adoção ou negação de suas recomendações. “Mas a cessão de sobera- nia não é algo natural, inelutável, automático, pois depende da forma como o governo de cada país decide fazer sua inserção no mundo da chamada globalização” (SANTOS, 2000, p. 38). Para Rogério Haesbart (2013) é possível dizer que se de fato não houve uma “perda de poder” do Es- tado tradicional, é fato consumado a “delegação ou partilha de poder a/com outras esferas/escalas, tanto acima quanto abaixo de sua jurisdição”. A montante, (acima), estão os grandes blocos supranacionais, cujo maior ícone é a União Europeia. Ajusante, (abaixo), estão as entidades políticas em escala internacional com os “‘novos regionalismos’ e/ou ‘localismos’ em diversas áreas do planeta, alguns incentivando o diá- logo diretamente dos níveis “regional” e/ou “local” ao global [...]” (HAESBART, 2013, p. 24). O modelo neoliberal e as dinâmicas dos proces- sos de privatização atingiram não somente o setor econômico, mas também uma esfera bastante tra- dicional do Estado: o setor militar. Nas palavras de Haesbaert (2013, p. 26), trata-se do enfraquecimento do “monopólio de violência legítima”. Há uma perda de poder do Estado no que se refere ao controle terri- torial, uma vez que há uma propagação de territórios que possuem segurança privada – “como a difusão, externa, de grupos privados que lutam não mais dire- tamente em nome de um Estado, mas em função de empresas às quais encontram- se subordinados e que vendem seus serviços no mercado de conflitos e de violência globais”. É o caso das milícias, por exemplo. Iná Elias de Castro (2005) defende que houve uma reformulação do papel desempenhado pelo Estado-nação no processo de globalização atual, so- bretudo, a perda de poder na articulação do capital financeiro, porém faz uma ressalva: [...] as dimensões políticas e culturais que são afetadas pela globalização, paralelamente, fazem surgir novas pressões que emergem das identidades culturais em várias partes do mundo e estimulam movimentos sociais e políticos por autonomia local, mas que têm também propiciado a revalorização das identidades culturais. É importante ter em mente que o processo de globalização não homogeneizou o mundo, mas requalificou as escalas de identidades. Por esta razão, a globalização não pode ser pen- sada apenas a partir da determinação estrutural dos grandes sistemas, por exemplo, a ordem financeira mundial. “Na realidade, o processo não é singular, mas, ao contrário, reúne um conjunto contraditório de processos de operam de maneira contraditória ou antagônica e afetam o sistema político e o territó- rio (CASTRO, 2006, p. 223). Referências Bibliográficas CASTRO, Iná Elias de. Geografia e política: terri- tório, escalas de ação e instituições. Bertrand Brasil, 2005. DE SOUSA SANTOS, Boaventura. A globalização e as ciências sociais. Cortez Editora, 2002. HAESBAERT, Rogério. Globalização e fragmenta- ção no mundo contemporâneo. Editora da UFF; Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 2013. HARVEY, David. O problema da globalização. Re- vista Novos Rumos, v.50, n.2, 1996. p. 125-140. Disponí- vel em: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index. php/novosrumos/article/view/1954/1607. Acesso em: 15 out. 2017 HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espa- ço. Annablume, 2005. ROSEIRA, Antonio Marcos. Nova ordem sul-ameri- cana: reorganização geopolítica do espaço mundial e projeção internacional do Brasil. 2011. Tese de Dou- torado. Universidade de São Paulo. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de janeiro: Record, 2000. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 71 A sociedade atual habita um novo tipo de mundo, urbanizado e globalizado. É uma sociedade que está, pela primeira vez, tra- duzindo em termos reais a grande guinada de uma antiga economia de produção que se transfigura agora numa economia de consumo. Caracterizada pela revolução tecnológica, pela formação de uma nova economia e pelo surgimento de uma forma informacional de produção econômi- ca e gestão, esse momento do capitalismo provoca profundas modificações na estrutura das cidades, condicionando sua dinâmica de crescimento. Soma- se a isso a globalização das metrópoles e a verda- deira reestruturação produtiva, que implicaram em desconcentração industrial e no crescimento do se- tor terciário. As cidades ocidentais saem, assim, do industrialis- mo (conjunto de atividades econômicas que explo- ram matérias primas, fontes de energia e sua trans- formação, produtos semi-elaborados e bens de pro- dução e de consumo) e entram na nova economia, que, trata-se da produção, apropriação, venda e uso de conhecimentos, informações e procedimentos. A indústria, mesmo não desaparecendo por completo, vai depender cada vez mais desse tipo econômico. Tais modificações no aparato produtivo e no mer- cado de trabalho alteraram o paradigma fordista e deram início ao regime de acumulação flexível. A redução da capacidade produtiva dessas em- presas, agravada pela crise econômica e o surgimen- to dos processos de automação que modernizaram a indústria, fizeram-nas buscar, em cidades vizinhas àqueles grandes centros em que se encontravam melhores vantagens fiscais, menores restrições legais, bem como terra e mão de obra mais baratas. Quan- to as que optaram por permanecer em seus locais de origem, viram-se obrigadas a reduzir seu pessoal e a operar com planta reduzida, gerando espaços ociosos em suas unidades. Espaços residuais atualmente sem uso ou subutili- zados desde fábricas, depósitos, armazéns, galpões, terrenos e até bairros, compõem os atuais vazios urbanos, espaços improdutivos que promovem a fragmentação das cidades contemporâneas, hoje composta por uma rede desconexa de enclaves ter- ritoriais. As cidades passam então a ser reconhecidas pela subutilização de suas estruturas centrais, novas fronteiras dentro do tecido urbano, suas periferias ra- refeitas e distantes, seus territórios desarticulados. Essa desarticulação pode ser percebida nos bair- ros que se margeiam sem limites claros e nas estrutu- ras urbanas que se cruzam sem definir espaços ho- mogêneos. Quanto à obsolescência das áreas produtivas, há também aquelas referentes às zonas portuárias. Lugares extremamente importantes para o desenvol- vimento de suas cidades durante séculos tiveram seu esvaziamento amparado, fundamentalmente, na di- ficuldade de acomodar as novas logísticas, necessi- dades e estruturas da nova economia, fazendo com que atividades que antes ali se desenvolviam passas- sem a ocorrer em novos grandes portos mais afasta- dos, tecnológica e fisicamente preparados para os novos tempos. Fatores econômicos A crescente mudança de paradigma na econo- mia mundial tem sua origem no final dos anos 1970, quando a produção tradicionalmente industrial, for- dista, começa a transferir-se em direção ao setor de serviços. Os sistemas produtivos de serviços avançam com mudanças aceleradas, calcadas em inovações continuas e rápidas, tanto no aperfeiçoamento cons- tante dos serviços, como em sua reinvenção e no de- senvolvimento de novos advindos da produção digi- tal e da internet, que possibilitam a existência do fluxo de informações. O Fordismo é o modelo de desenvolvimento do- minante do pós-guerra que se irradiou a partir dos Estados Unidos. É a resposta que surge das contra- dições suscitadas pelas revoluções, introduzidas na primeira metade do século XX, no paradigma tec- nológico e que se manifesta através de adaptações nas formas de produção, introduzindo o taylorismo e a mecanização. A produção fordista destacava a concorrência de preço e o barateamento do custo unitário de produção, através da padronização de produtos e de técnicas repetitivas de produção em série que aumentaram a produtividade e se dirigiam a mercados de massa. Implicava em estabilidade nas relações de tra- balho; regularidade dos salários; apoio financeiro às empresas permitindo que estas absorvam a contínua transformação do aparelho técnico sem maiores prejuízos; surgimento de firmas multissetoriais, sub- contratação de pequenas e médias empresas para tarefas menos qualificadas; criação da moeda de H17 –ANALISAR FATORES QUE EXPLICAM O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIASHUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 73 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 72 crédito sob o controle do Banco Central e amplia- ção do papel do Estado na regulação econômica. Caracterizava-se pela hegemonia norte-americana, que permitia aos Estados Unidos impor as regras de li- vre troca e fazer valer a sua própria moeda de troca, o dólar, como moeda internacional. O modo de produção fordista, permitiu a ocor- rência de uma crescente divisão espacial do traba- lho, incluindo a desintegração geográfica em escala internacional e a descentralização da produção em direção aos países de baixos salários. Estes, até en- tão, eram reduzidos à categoria de fontes de maté- rias-primas e de imigração. Quanto à decadência do desenvolvimento for- dista, os anos de 1970 apenas trouxeram à tona uma crise que já se esboçava desde 1960, quando os ga- nhos de produtividade começaram a desacelerar, em decorrência de problemas internos (a crise do modelo em si, principalmente do lado da oferta) e de problemas externos (a internacionalização eco- nômica, que comprometeu a gestão nacional da demanda). Porém no Brasil, a reestruturação produti- va iniciou-se somente em 1980, de forma lenta e sele- tiva, vindo a se ampliar e difundir apenas na década seguinte com a sucessão de governos democráticos e com o início do processo de liberalização do co- mércio e investimentos estrangeiros. O Plano Real e a relativa estabilização da economia, viriam contribuir com um quadro macroeconômico propício à rees- truturação. Os princípios da organização industrial, baseados na produção em massa, passaram então a ser ques- tionados e se faziam urgentes transformações produ- tivas e no mercado de trabalho. A partir daí firma- ram-se duas orientações distintas quanto à solução da crise da oferta: Uma delas, mais conservadora, foi adotada por países como Estados Unidos (indústria automobilís- tica), França, Inglaterra, Espanha e Portugal que, acreditando no poder de continuidade do sistema onde as grandes cidades têm um papel de concen- tradoras de empresas de ponta - deixando as de menor qualificação produtiva se dispersarem pelo restante do território -, criaram novas relações entre mercados de países desenvolvidos e países em de- senvolvimento, reconstituíram os lucros e anularam a inflação, atacando inclusive o estatuto e as conquis- tas dos assalariados. Essa é a origem das empresas multinacionais que se proliferaram em países em de- senvolvimento, como o Brasil. A outra solução, adotada por países como Japão e Coréia, combinou a revolução eletrônica ao ques- tionamento do taylorismo, que, conforme acreditam Danielle Leborgne e Alain Lipietz (1990), acabou de- monstrando-se como o caminho mais competitivo (toyotismo). Através da especialização flexível, onde a inovação, a mão de obra qualificada e equipa- mentos flexíveis são uma busca permanente, inicia-se o processo de abandono do taylorismo e a inserção das indústrias em regiões onde hajam comunidades industriais desenvolvidas por meio de políticas que restrinjam a competição “selvagem” e favoreçam a inovação e a cooperação entre as empresas. Tal fe- nômeno favoreceu os chamados distritos industriais, como os da Alemanha, Itália, Japão, com destaque para o Vale do Silício (EUA) e a Terceira Itália. Em suma, o fordismo entrou em crise a partir do momento em que a produtividade atingiu seus limi- tes. As receitas keynesianas tornaram-se contrapro- ducentes em economias mais abertas e as interven- ções do Estado do bem-estar, além de terem tor- nado-se muito custosas, geraram efeitos perversos. Soma-se a isso a globalização e a aceleração dos movimentos de capitais, que ampliaram o quadro de incertezas, mas criaram as bases para o surgimento de um novo formato de economia de mercado e de modelo de acumulação. As características principais desse novo modelo, pós-fordista, são a flexibilidade, a adaptação às no- vas tecnologias e a geração de uma tendência de reaglomeração da atividade econômica, que aca- ba constituindo-se como a base para o surgimento de distritos economicamente efervescentes, os novos espaços industriais. A flexibilidade se manifesta de várias formas: em termos tecnológicos, na organização da produção e das estruturas institucionais, no uso cada vez maior da subempreitada, na colaboração entre produto- res complementares, na flexibilização do mercado de trabalho, das qualificações e das práticas labo- rais. Elevam-se as taxas de rotatividade de mão de obra (cada vez mais globalmente qualificada, exer- cendo tarefas menos repetitivas), adere-se ao expe- diente de trabalho de meio período e ao trabalho temporário (horários de trabalho flexíveis e assíncro- nos), e cresce a proporção de trabalhadores politi- camente marginalizados, tais como imigrantes, mu- lheres e adolescentes que passam a integrar a força de trabalho. A base de concorrência transfere-se dos preços para a diferenciação do produto. O consumo, não mais voltado aos mercados de massa, exige da pro- dução cada vez mais diversificação e as empresas tornam-se especializadas, vindo a desenvolverem-se dentro de sistemas integrados de subcontratação, interdependência e intercâmbio. Torna-se frequente a prática de empresa-rede, onde se observa a proli- feração de pequenas e médias empresas, refletindo as tendências de desintegração vertical, a descen- tralização em unidades de gestão semiautônomas e a formação de redes de cooperação entre todas estas. Pode-se dizer, conforme sugerem Jordi Borja e Manuel Castells (1998), que a economia resultante é uma economia informacional, ou seja, uma eco- nomia em que o incremento da produtividade não depende do incremento quantitativo e, sim, da apli- cação de conhecimento e informação à gestão, à produção e à distribuição, tanto em processos como em produtos. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 73 A nova economia pode ser chamada de econo- mia cognitiva, já que tem o desafio de conhecer os mercados, mobilizar ciências e técnicas, inventar res- postas rápidas para enfrentar incertezas e escolhas complexas, desenvolver métodos de gestão e ca- pacidades criadoras, organizar processos, lidar com ativos intangíveis, analisar custos e coordenar ações. Para o autor chegam ao fim os futuros previsíveis e planejados do sistema fordista, que se fundamenta- va em uma sociedade otimista e em uma previsibi- lidade bastante grande do futuro, onde o planeja- mento era um dos instrumentos chaves. Alerta, por- tanto, que se deve ter cuidado para não confundir o fim do industrialismo com o fim do capitalismo, já que as leis econômicas não são novas, apenas aplicam- se a um contexto diferente. Porém o termo mais recorrentemente utiliza- do para se referir à economia atual é economia do conhecimento, uma vez que, em seu nível mais básico, refere-se à junção de pessoas criativas que adicionam valor ao trabalho através da troca de informações, gerando, assim, novas ideias. Essa de- nominação, utilizada por Leite supõe que, enquanto o consumo era a força motriz na economia fordista- keynesiana, atualmente são as ideias as forças mo- tores do futuro, pois permitem avanços tecnológicos e inovadores. A mente humana deixa de ser apenas um elemento de decisão dentro do sistema produti- vo e passa a ser força direta da produção. Enquanto a riqueza industrial dependia de mate- riais sólidos como ferro e carvão, a massa cinzenta é a riqueza sustentável da qual a sociedade pós-indus- trial vai depender. Um dos mais importantes elementos associados ao novo paradigma econômico é a formação de uma economia global como unidade econômica operativa. Aqui não se está falando de uma econo- mia mundial, que existe desde o séculoXVI, nem se- quer de uma economia submetida a processos de internacionalização da atividade. Como também articulam-se, globalmente, a pro- dução industrial, os serviços avançados, os mercados (seja através de empresas multinacionais, de redes de empresas ou de mecanismos de intercâmbio) e o trabalho altamente qualificado. O crescimento concentrado em torno de alguns setores industriais, como o da alta tecnologia e da eletrônica, bem como de indústrias que usam inten- sivamente o design e a habilidade artística, de servi- ços empresariais, financeiros e pessoais e de alguns setores da indústria de produção em série mais anti- ga, incluindo confecções, móveis e joalheria. Os impactos territoriais da nova economia são diversos. Uma vez que parte crescente da produ- ção passa a acontecer fora das indústrias, a cidade, como um todo, torna-se um território produtivo. O de- senvolvimento econômico repousa cada vez mais na acessibilidade e na conexão com grandes redes de transportes. Porém, ao mesmo tempo em que as funções industriais e empresariais descentralizam-se e se tor- nam independentes permitindo que suas unidades produtivas espalhem-se pelo território, expandindo os limites urbanos e até ultrapassando tais limites em direção a outras cidades que ofereçam melhores condições elas não acontecem de forma isolada: surgem novos complexos concentrados de produ- ção, decorrentes de inter-relações transacionais e do estabelecimento de fluxos de bens e de informações. É a dependência geográfica da estrutura de custos dessas articulações um dos principais fatores que le- vam à aglomeração. Há ainda outros motivos para as empresas e in- dústrias aglomerarem-se, como a busca de proximi- dade com determinadas fontes de mão de obra e de qualificações, a necessidade de contornar bar- reiras tarifárias, proteger-se de organizações sindicais e atingir economias de escalas importantes. É o do- mínio do conhecimento em todas as suas dimensões que, na medida em que passa a ser o principal de- terminante da competitividade entre as empresas (não apenas para sua expansão, mas também para garantir a sua sobrevivência) impacta os territórios e ambientes das cidades de forma mais profunda, pro- duzindo, dentre outras novidades, os novos arranjos espaciais ou “habitats de inovação”. Nesse sentido, atrair camadas médias e superio- res, mediante a necessidade de concentrar em seus territórios o mercado de conhecimento através de setores inovadores e dinâmicos, passa a ser o ele- mento central das políticas das cidades, que priori- zam agora a qualidade de vida. Para tanto são feitos investimentos em equipamentos educativos, de lazer e cultura, e inicia-se um processo de venda da ima- gem da cidade, na tentativa de agregar vantagens competitivas e de se sobressair no novo paradigma industrial. Isto fez com que as cidades tornassem-se também um “empreendimento”, fazendo necessá- rias novas formas de planejamento, de projetos de regeneração urbana de centros históricos e de ges- tão urbana. Nos países desenvolvidos a produção chega a ser delegada para o resto do mundo, en- quanto dedicam-se às novas tecnologias e à atra- ção de capitais e pessoas qualificadas. Na tentativa de espacializar o atual momento econômico, faz-se uma interessante comparação entre a forma urbana do capitalismo industrial e do atual capitalismo tardio. Observa que, no passado, os assentamentos humanos possuíam uma forma bem definida, com uma diferenciação clara entre cam- po e cidade, onde a forma fenomênica era a fábri- ca. Sob esse regime de acumulação gerou-se uma forma espacial: a cidade industrial, abruptamente partida entre capital e trabalho, com limites bem de- marcados do seu entorno. Já no capitalismo tardio o espaço no entorno das áreas urbanas atinge formas diferentes e é a empresa multinacional que se desta- ca como forma fenomênica, com diversas unidades Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 75 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 74 de produção e produtos diversificados, diferenciada vertical e horizontalmente daquelas do capitalismo industrial. A nova forma espacial resultante tornou-se a região metropolitana espalhada, com vários cen- tros e esferas de influência, gerada por um processo de desconcentração, levada a cabo especialmente pelos Estados Unidos. A nova configuração é representada “por um mosaico de regiões e cidades – megaregiões e me- gacidades com graus bastante distintos de capaci- dade de gerar inovação e novas tecnologias. A dis- tribuição espacial dos novos fatores de desenvolvi- mento e riqueza (pesquisa, inovação, atividades de alta tecnologia, patentes) que apresenta maiores desigualdades do que a distribuição do PIB ou de emprego. Outro impacto importante das mudanças advindas da reestruturação produtiva é a destruição e/ou precarização da força de trabalho e a cres- cente degradação do meio ambiente, agravados pelo acelerado processo global de migração. Enfim, a nova economia provocou diversas trans- formações na estrutura urbana e no papel desem- penhado pelas cidades. O setor de serviços con- centrou-se, em locais diferentes daqueles ocupados pela antiga produção e os impactos multiplicam-se no que diz respeito aos meios de transporte, de co- municação, de serviços pessoais, de entretenimento e cultura, inserindo as cidades em um processo de intensa competição. Ao mesmo tempo em que inclui aquilo que cria valor ou que se valora em qualquer país, exclui o que se desvaloriza ou se subestima. É, portanto, um sis- tema dinâmico, expansivo, mas fragmentador tanto de setores sociais, como de setores territoriais. Exem- plo disso são a criação de valor e o consumo intensi- vo que se concentram em alguns segmentos conec- tados à escala mundial, enquanto que em outros amplos setores da população, se produza apenas uma transição da anterior situação de exploração a uma nova irrelevância estrutural, do ponto de vista da lógica do sistema. No caso do Brasil, muitas das cidades e regiões metropolitanas até então consolidadas sofreram, com o processo de reestruturação produtiva, o des- locamento das indústrias e o surgimento de áreas ociosas, que foram, ao longo do tempo, tornando-se cada vez mais degradadas uma vez que não foram sendo reutilizadas. O problema é duplamente com- plicado, pois, à medida que a indústria transforma- dora vai encolhendo, os serviços locais que giravam em torno dela marketing, empresas de publicidade, empresas de consultoria e advocacia também dimi- nuem. A Revolução Tecnológica Muitas das mudanças nas dinâmicas territoriais devem-se pela infiltração dos fluxos informacionais nos diferentes níveis da vida (pessoal, empresarial, política) e das esferas sociais. Convergem em torno da internet e são absorvidas de forma intensa e vo- luntária, permeando todas as atividades humanas, sem que os usuários a percebam, assim como a ele- tricidade. As tecnologias estão transformando nossas eco- nomias, nossas formas de aprender, nossos métodos de trabalho, nossa capacidade de alterar ambien- tes e até mesmo nossas tarefas e prazeres cotidia- nos. Estão reformulando nossas vidas. Mas também estão no centro de um novo e fundamental meca- nismo da mente humana: o poder intelectual. As no- vas tecnologias nos capacitam a expandir o uso do recurso humano mais valioso: a imaginação criativa, ou poder intelectual. O consumo crescente ou mesmo prolífico deste recurso não está sujeito a qualquer fator de limita- ção. É sociável e respeita o meio ambiente. Ainda que os elementos científicos dessa revolu- ção tecnológica sejam ambíguos e alguns existam desde os anos 1940, foi a partir de 1970, e partindo de centros tecnológico-industriaisnorte-americanos, que se constituíram como um sistema. Sua difusão teve lugar, primeiro na tecnologia militar e nas finan- ças internacionais, chegando às fábricas industriais em princípio dos anos 1980, estendendo-se então aos escritórios no final da mesma década. Hoje che- ga aos nossos lares através das autopistas, ou info- vias, de informação. Seus efeitos variam segundos países, culturas, ins- tituições, níveis e formas de desenvolvimento, mas podem ser observadas algumas características co- muns que afetam a sociedade com intensidades di- ferentes e segundo diversas modalidades, como são os avanços da tecnologia de informação e conhe- cimento (TICs), dos meios de transporte, da indústria e das ciências, onde as inovações passam a ser o elemento crucial. Hoje o “não lugar” formado pelos computado- res interligados em redes e estas, por sua vez, interli- gadas pela internet ocupa um espaço muito signifi- cativo em nosso cotidiano, onde as funções urbanas são exercidas virtualmente e onde são centralizadas atividades fundamentais para o funcionamento da economia global e que resultam em ações no espa- ço físico. Dessa forma é possível dizer que as TICs têm força catalisadora de transformações espaciais e viven- ciais das cidades, e que, alteram as territorialidades urbanas contemporâneas. Participam das dinâmicas de racionalização, individualização e diferenciação da sociedade, e modificam a produtividade, bem como a acumulação e a circulação da informação. Inicia-se um processo de deslocação, represen- tado pelo enfraquecimento das comunidades lo- cais, consequência da flexibilidade de horários de trabalho, da possibilidade de escolher o momento e local das atividades, de optar por um deslocamen- to ou dessincronização. Com isso as distâncias físicas não significam mais tempos físicos de deslocamento, Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 75 dependentes de transporte e horários. Neste contex- to alguns sistemas como o de transportes públicos, concebidos segundo o modelo fordista, tornam-se inadequados à cidade contemporânea, já que as pessoas não se deslocam da mesma forma que an- tes, em horários e percursos fixos, apesar de o trans- porte público coletivo continuar sendo uma opção “ecológica”, nas zonas densas e grandes eixos. O local a que se pertence, ou onde se estabele- ce, também não é mais herdado ou imposto e sim resultado de lógicas reflexivas. Assim se forma o espa- ço-tempo individual, um dos principais aspectos da revolução urbana moderna. A escala da cidade já não pode mais ser medida pela escala corporal. Os limites físicos da cidade não compreendem todas as dinâmicas políticas, sociais, econômicas e culturais que resultam na conforma- ção urbana. Fenômenos distantes passam a ter in- fluência direta sobre a hierarquia de lugares internos de uma cidade, onde as distâncias geográficas per- dem seus valores. É o mercado globalizado. As TICs também implicam em quebra de para- digma quanto aos processos de concepção, desen- volvimento e fabricação de novos produtos. A busca por padrões e normativas que embasassem proces- sos de repetição e reprodução que caracterizaram a Era Mecânica da Industrialização, vem sendo subs- tituída pela capacidade das novas tecnologias de proporem alternativas significativas ao processo cria- tivo. Enquanto a obsessão pela modulação repetitiva refletiu a busca por um ambiente de estabilidade, a produção contemporânea representa um mundo di- nâmico, em constante mudança, materializado na metrópole moderna que, trata-se de uma rede, ou um sistema, de geometria variável, articuladas por nós, pontos fortes de centralidades, definidos por sua acessibilidade, diferentemente da cidade moderna resultante da soma de malhas e traçados urbanos e viários, setorizada em zonas pré-definidas. Vivemos o paradoxo de habitarmos, ao mesmo tempo, o espaço de fluxos informacionais globais, instantâneos e imateriais e os lugares materializados nas cidades, acessíveis em percursos lentos (frente à velocidade instantânea dos meios de comunica- ção). Presenciamos a coexistência de espaços físicos e virtuais, de elementos urbanos tradicionais e ele- trônicos. O espaço, um produto social, deve agora incorporar a complexidade das interações virtuais, remotas e distantes. O entendimento desse novo paradigma tecnoló- gico, que molda a sociedade e a cidade contempo- râneas, torna-se importante aos pensadores e cons- trutores da cidade, uma vez que se constata que, apesar de os lugares apresentarem novas configura- ções, continuamos utilizando métodos, conceitos e instrumentos ultrapassados, desenvolvidos durante e para o período das cidades industriais e do modernis- mo. Temos uma nova cidade, mas não temos novos métodos para intervir nessa cidade. Quanto aos efeitos da introdução de novas tec- nologias no sistema de transportes, os impactos na ci- dade dependeram, em sua maioria, da adaptação de empresários às novas infraestruturas. Os aeroportos tornam-se os maiores atrativos das novas atividades e a “conteinerização” reo- rienta as atividades portuárias, oferecendo à cida- de extensas áreas disponíveis como as Docklans de Londres e MissionBay em São Francisco. Uma das grandes inovações no sistema de transportes foi o surgimento dos trens de alta veloci- dade (TAVs), que acabaram por exercer a função de grandes corredores de urbanização nas regiões de altas densidades. Este sistema beneficiou as ci- dades periféricas, em especial as grandes e deu suporte ao desenvolvimento dos mercados das de menor porte situadas próximas às regiões metropoli- tanas, como é o caso de Paris e Lyon. Porém, quan- do dentro dos territórios urbanos, ao mesmo tempo em que alavancaram intenso desenvolvimento, territorialmente costumaram representar uma frag- mentação significativa do território ao segregar o tecido urbano adjacente às suas linhas, em função da dificuldade de transposição das mesmas. Os impactos da tecnologia nos diversos meios de transporte são identificados, frequentemente, como fatores de dispersão do território. De fato, provocaram o aumento da acessibilidade a no- vas regiões e a exploração dos territórios urbanos, possibilitando o desenvolvimento dos subúrbios e o crescimento de novos centros de atividades e ser- viços. No que diz respeito à aplicação de novas tec- nologias no setor industrial, é o avanço tecnológico aplicado não apenas à produção, mas ao proces- so de produção que, juntamente com as tecnolo- gias de transporte e comunicação, permitem que a economia atual se dirija à individualização das tarefas e à fragmentação do processo de trabalho (reconstruindo a unidade do processo mediante redes de comunicação). O novo paradigma tecnológico, por si só, não destrói o emprego, mas modifica profundamente as condições de emprego e a forma de organiza- ção do trabalho. Por outro lado as novas tecnologias permitem articular formas arcaicas de exploração local com redes produtivas modernas (orientadas até a com- petição global), principalmente nos países em de- senvolvimento, onde o trabalho produz-se median- te a formação de redes de produção e de serviços sem a estabilidade e controle social do modelo anterior, e através da extensão do trabalho casual e informal. Para os autores, a economia informal, velha e nova ao mesmo tempo, é a forma extrema da flexibilidade que caracteriza as novas relações produtivas em uma economia informacional, glo- balizada e polarizada. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 77 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 76 Como vimos às novas tecnologias aplicadas à indústria, em princípio, contribuem para a descen-tralização produtiva no território e para a expansão das cidades. Porém já se discute que (assim como os impactos da economia do conhecimento) ao mesmo tempo em que promoveram o aumento das cidades também criaram a necessidade de proximi- dade. A era das telecomunicações não dilui os centros urbanos, como argumentaram os deterministas tec- nológicos. Ao contrário disso, ao permitir a gestão e a comunicação entre si de sistemas urbanos e rurais distantes, tende a concentrar a população em aglo- merações territoriais, parcialmente descontínuas, de gigantescas dimensões e de características sócio es- paciais historicamente novas. Nesta última década, o desenvolvimento de tec- nologias com base na micro-eletrônica permitiu a criação e o aperfeiçoamento de equipamentos que podem desempenhar várias tarefas envolvendo pro- cessamento, controle e transmissão de informações. Muitos acreditam que esta tecnologia represente uma descontinuidade no progresso técnico. Em pri- meiro lugar, porque implica a transferência de certas habilidades intelectuais e sensoriais à máquina, e, em segundo lugar, devido à facilidade de aplicá-la a vá- rios equipamentos e processos. Algumas vantagens desta tecnologia como, por exemplo, tamanho, cus- to, rapidez e baixo consumo de energia permitiram sua aplicação às mais diferentes situações, desde fá- bricas, escritórios e até à medicina. A difusão e a multiplicação das aplicações des- ta tecnologia cresceram, com uma rapidez assusta- dora, no setor industrial, e de forma ainda mais sur- preendente no setor de serviços. No comércio, os supermercados e as grandes lojas de departamentos estão utilizando EPOS (pontos eletrônicos de vendas) ligados ao computador central da loja, que pode ser interligado a um ou mais bancos, de tal forma que o valor da compra do cliente pode ser imediatamente transferido do seu banco creditado à loja. Nos ban- cos, as tecnologias para transferência automática de fundos, como as ATMs (Automated Teller Machi- nes) podem desempenhar uma série de operações ao input de um cartão magnético, como a produ- ção do saldo, realização de depósitos e pagamen- tos. Nos escritórios, tecnologias como processadores de palavras realizam automaticamente uma série de operações, como correções e margem, economi- zando até 80% do tempo das secretárias. Os exemplos de aplicação em hospitais mostram como a tecnologia da informação pode realizar ta- refas humanas anteriormente impossíveis de serem realizadas por máquinas, Pacientes, em Centros de Tratamento Intensivo, são monitorizados via VDU e equipamentos que transmitem sinais e administram automaticamente medicamentos e sinais de alte- ração do organismo. O uso do computador, para propósito de diagnósticos, já vem sendo utilizado no Logan Field Aiport, Boston, onde existe uma câmara de TV para descrição dos sintomas do.cliente, pres- são sanguínea etc. A unidade médica, entretanto, fica localizada a longa distância, no Massachusetts General Hospital, onde o médico pode utilizar o es- tetoscópio para ouvir o paciente e examinar o eletro enviado através de fios. Nos EUA, o mercado de processamento de da- dos, que inclui computadores e periféricos, dobra a cada cinco anos. Neste país, onde praticamente para cada secretária existe um computador pessoal, a expansão de equipamentos de escritório é ainda maior, principalmente para o processador de pala- vras, cujo mercado dobrou em quatro anos, mesmo a um custo entre US$7.500 a US$15.000. O crescimen- to no número de ATMs em uso nos EUA foi de em mé- dia 34,78% ao ano entre 1973 e 1981. Em 1983 havia 20 mil ATMs em operação e a estimativa para final de 1985 era de 54.200, e de 71.000 para 1990. Na Europa Ocidental, o mercado de microcomputadores cres- ceu de US$69 milhões em 1977 para US$800 milhões em 1985, numa média anual de crescimento de 32%. Poder-se-ia argumentar, no entanto, que essas tecnologias estão longe de atingir a nós, brasileiros, pois a maioria das nossas fábricas e instituições de serviços se utilizam ainda de tecnologias convencio- nais. Não obstante, é necessário lembrar que na área industrial o Brasil já conta com 680 MFCN, máquinas- ferramenta de controle numérico, 50 robôs e 15 siste- mas CAD, projeto assistido por computador. Segundo Ivan Alves, a difusão da automação em países em desenvolvimento é mais lenta, ocorrendo numa base de 10% ao ano e estima-se, portanto, que o Brasil al- cance duas mil MFCN em 1990. No setor de serviços, embora a inovação tecno- lógica ainda seja inicipiente nos escritórios, os ban- cos, ao contrário, têm acompanhado mais de perto o ritmo dos países industrializados. Na expansão do dinheiro eletrônico estima-se que o Bradesço tenha cerca de 109 ATMs, o Itaú 109 e a Tecnologia Bancá- ria, que compreende um consórcio de vários bancos, 80. Embora os números sejam pequenos à primeira vista, comparando-se com as estatísticas para os EUA, pois só o Citibank em Nova Iorque dispõe de 500 ATMs, é importante mencionar que, no Brasil, os pla- nos dessas instituições quanto à implantação de tec- nologias transferência eletrônica de fundos são bas- tante ambiciosos. Já fizeram opção pela automação das agências 90% dos maiores bancos brasileiros, o que é significativo, considerando que representam 78,6% dos depósitos no País. Quanto à área comercial, também aqui, as gran- des lojas de departamento e supermercados já co- meçaram a implantar sistemas integrados de con- trole de estoques e caixas eletrônicos. Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Automação Comercial (ABAC), 63% dos comerciantes preten- dem, num prazo de cinco anos, substituir suas caixas por terminais (EPOS), o que representa um mercado potencial de, no mínimo, 60 mil máquinas até 1990. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 77 Uma das principais vantagens tecnológicas da microeletrônica reside no aumento da produtividade de fatores como capital, trabalho e recursos mate- riais. Entretanto, a questão que se tem levantado após 20 anos, a partir da invenção dos microproces- sadores, é que o aumento da produtividade vem ocorrendo a expensas de certas consequências ad- versas que essa tecnologia gera para o trabalho e o trabalhador. Argumenta-se, por exemplo, que o aumento da produtividade vem ocorrendo à cus- ta da maior industrialização dos serviços, isto é, a tecnologia contribui para maior segmentação das tarefas e proporciona meios mais eficientes de con- trole do trabalho, da mesma maneira que nas linhas de montagem. Há várias indicações de que o emprego de tec- nologias microeletrônicas nos serviços pode levar à desqualificação de, certa categoria de trabalha- dores, mudando a configuração da mão de obra, chegando à consequência última de expeli-los do mercado interno de trabalho. De fato, há alguns da- dos sobre o setor que reforçam os temores quanto aos impactos da microeletrônica na disponibilidade de empregos. Alguns observadores afirmam que os ganhos de produtividade do processador de palavras podem reduzir o número de datilógrafos pela metade, o que se confirma pela experiência de um banco ameri- cano que reduziu o número de secretárias de 200 para 100 com a criação de um centro de edição, através de processadores de palavras, formado por 100 datilógrafas.Na Inglaterra, o emprego bancário caiu em 50 mil de 1971 para 1976, enquanto que o volume de transações cresceu de L$27 milhões para L$60 milhões, no mesmo período. Esta mesma tendência se observa no Brasil. Embora tenha havi- do um crescimento no funcionalismo bancário de 24,3%, entre 1979 e 1982, este crescimento ainda foi inferior ao volume de cheques compensados e a poupança bruta, indicando que essa tecnologia tende a reproduzir no setor de serviços os mesmos impactosque nos setores primário e secundário, ou seja, crescimento sem emprego. No processo de deslocamento de mão de obra, provocado pela automação dos serviços, a cate- goria feminina será a mais atingida, uma vez que grande parte das ocupações do setor é preenchida por mulheres. Nos EUA, 1/3 das mulheres trabalha- doras estão no setor de serviços. Para o Brasil, não dispomos de estatísticas equivalentes, mas sabemos que um dos setores mais suscetíveis à automação é o comercial, no qual predomina a categoria fe- minina. Este setor emprega cerca de 2,2 milhões de pessoas, representando 12,2% dos empregos formais da economia. Tese do determinismo tecnológico A crescente rotinização e fragmentação do tra- balho no setor de serviços têm levado alguns obser- vadores a comparar o processo de trabalho nestas organizações com o processo de trabalho de produ- ção nas fábricas. As companhias de seguros como fábricas de papelório, nas quais os envegados dis- põem das mesmas “regalias” que na indústria: pouco prestígio, baixo salário, impessoalidade das relações e vigilância. A autora relata algumas modificações que ocorreram na empresa durante os últimos 15 anos, devido à introdução de tecnologias microele- trônicas e também em decorrência do crescimento da empresa. A divisão do trabalho tornou-se mais fragmentada, ao mesmo tempo que algumas fun- ções relevantes perderam sua posição estratégica como a de agente de seguros, que de função-cha- ve passou a função periférica. Certas características que antes distinguiam o trabalho nos escritórios do da linha de montagem, como, por exemplo, o esforço mental, necessidade de julgamento, quantidade de interação social e controle sobre a execução, já não mais se aplicam ao escritório moderno. As máquinas on Une tornam certas tarefas, como estenografia e registro redun- dantes, enquanto que aquelas que criadas pelo computador são mais mecânicas e têm menos con- teúdo. Além disso, as novas tecnologias são menos exigentes no conhecimento e criatividade. Tomando como base o trabalho de Braverman, estes autores sugerem que a proletarização do tra- balho no setor de serviços deve-se à face conspirató- ria da administração, que, ao separar os elementos do controle do processo de produção, transfere-os à máquina. A tecnologia aliada ao taylorismo provoca a desqualificação na medida em que conhecimen- to, julgamento e responsabilidade são usurpados do empregado e tornam-se passíveis de rotinização e programação. Aí, a transformação que vem ocorren- do nos escritórios compara-se, portanto, à que vem ocorrendo nas fábricas, primeiro com a mecaniza- ção e depois com a automação. Assim, a evolução do trabalho nos escritórios segue caminho semelhan- te; como o artesão, o guarda-livros, além de ter sido despojado de suas qualificações técnicas, perdeu também o componente administrativo que lhe dava prestígio e controle, no século passado: o conheci- mento das incertezas do trabalho e de como lidar com as mesmas. Esta ideia de que existe um determinismo entre tecnologia e trabalho e que a introdução de novas tecnologias é uma estratégia consciente de desqua- lificação da mão de obra parece encontrar substân- cia na propaganda dos fabricantes - que comumen- te se valem da simplicidade de operação das novas máquinas e reforçam o potencial de economia de mão de obra - e têm por base algumas experiências Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 79 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 78 na indústria e nos serviços com essas tecnologias. Por exemplo, Herley Shaiken, ex-maquinista, descreve sua experiência como operário e pesquisador nas linhas de montagem americanas. Sistemas de pro- dução mais sofisticados como MFCN, robôs e CADs constituem-se, no seu ponto de vista, em formas de se reduzir a dependência da empresa dos trabalha- dores mais qualificados que possuem maior poder de barganha e, além disso, fornecem os meios mais efetivos de controle de desempenho operário. Por outro lado, argumenta a autor, se há vantagens para a administração, para o operário a tecnologia implica mais monotonia, mais stress e em um ritmo de trabalho mais intenso. As evidências sobre a transformação do traba- lho na indústria, com a automação, são inúmeras. Mas, voltando ao setor de serviços, observa-se que as mesmas condições repetem-se, apesar de que, aqui, estamos falando de tecnologias distintas e ambientes diferentes. O uso do processador de pa- lavras, por exemplo, permite nova organização do trabalho de escritório de tal forma que as tarefas administrativas podem ser separadas das de da- tilografia. Nos EUA, vários escritórios possuem salas separadas para funcionárias que trabalham com edição e datilografia. As funcionárias que operam os processadores de palavras reclamam que em comparação com a datilografia tradicional, o novo trabalho é mais cansativo e exige mais do ponto de vista físico e mental. Certas tecnologias nem mes- mo produzem um feedback imediato do trabalho, como acontece com as máquinas de escrever con- vencionais. A impressora pode estar em outra sala e o output comumente não é reproduzido imedia- tamente. Outros exemplos, no setor de serviços, reforçam a tese da desqualificação. Nos bancos, observa-se aumento de regulamentos, menos oportunidade de o empregado ter seu próprio método de trabalho e sequência na qual realiza as tarefas. Nos bancos brasileiros, o perfil do bancário mudou gradualmen- te com a introdução das centrais de processamento de dados. Anteriormente, o bancário era, em ge- ral, um contador e dispunha de mais status. Hoje, a natureza do trabalho mais padronizado e repetitivo determina sua execução, principalmente, por indiví- duos em início de carreira e atribui caráter de tran- sitoriedade à categoria.Com a automação dos ser- viços ao cliente, pressupõe-se outras modificações no papel do bancário. O trabalho do caixa deve ter dois componentes mais e menos rotineiros. Uma par- te que se destina ao processamento de pequenas transações e verificações e outra parte que tem por objetivo dar informações e captar clientes. Esta questão da desqualificação está estreita- mente ligada à segmentação do mercado interno de trabalho, à tese de polarização e à problemática do desemprego. É fácil chegarmos a essa relação na medida em que entendemos que as organizações possuem um mercado de trabalho que se distingue do externo pelo conteúdo das tarefas, habilidades exigidas e padrões de promoção. O mercado inter- no, por sua vez, subdivide-se nos segmentos primário e secundário. O primeiro constitui-se dos cargos que requerem certas habilidades e conhecimentos espe- cializados, gozam de autonomia, boas condições de trabalho, bons salários e status. Os cargos que com- põem o segundo segmento são menos estáveis, re- querem menos habilidades, são mais controlados, provêm salários mais baixos, e a satisfação com o trabalho é mais baixa. Comumente, o acesso do se- gundo segmento para o primeiro dá-se através das ocupações intermediárias, semiqualificadas, isto é, geralmente neste nível, as ocupações requerem um nível básico de treinamento, o grau de satisfação no trabalho é baixo, mas, em geral, elas caracterizam-se por alto grau de mobilidade interna. Um dos efeitos da microeletrônica, dizem, reside no seu potencial em dividir o trabalho em pequenas partes, de tal forma que os indivíduos venham a ser expelidos do primeiro segmento para o segundo e finalmente para fora do mercado interno e externo. Isto é possível acontecer na medida em que a nova tecnologia pode dispensar a aprendizagem adqui- rida durante o treinamento e permitir a substituição do trabalhador por outros menos qualificados. Exemplos naárea financeira, onde há grande difusão de tecnologias da in formação, podem ilus- trar este ponto. Na indústria de seguros, o papel do agente foi gradualmente reduzido. Anteriormente à tecnologia de escritórios, este cargo era o cora- ção dos negócios, pois o bom andamento da firma dependia de seus julgamentos e decisões quanto aos riscos que poderiam ser assumidos pela empre- sa. Para exercê-lo era necessário um treinamento mínimo de quatro meses, durante o qual o técnico aprendia a tomar decisões sobre a concessão ou não de seguros a determinado cliente. A introdução dos computadores na indústria fa- cilitou de tal forma a tarefa que atualmente o trei- namento pode ser feito no local de trabalho e em apenas duas semanas. A função foi dividida de tal maneira que ao agente restaram apenas os casos mais rotineiros, cuja solução depende apenas de consulta aos manuais e ao computador. As exce- ções que dependem de julgamento foram transfe- ridas à gerência e a outros funcionários mais gra- duados. Como as responsabilidades do agente de seguros foram reduzidas, as exigências para o exer- cício do cargo também mudaram; atualmente, as habilidades são mais mecânicas e técnicas. Nesse caso, a mudança tecnológica gerou um proces- so de simplificação da tarefa que veio a facilitar a transferência dos elementos da função que envol- viam conhecimento e julgamento - portanto, justa- mente daqueles que poderiam estimular a satisfação e o interesse pelo trabalho - à máquina ou então à elite administrativa. Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 79 Portanto, é neste sentido que a tecnologia pode atuar como veículo para empurrar um grupo de tra- balhadores qualificados ou semiqualificados para os segmentos inferiores ou mesmo para fora do mercado de trabalho, criando uma situação de polarização entre os segmentos internos. Na indústria, por exemplo, prevê-se que tecnologias como MFCN robôs, CAD/CAM tendem a reduzir as oportunidades para o trabalho semiqualificado de controle e operação das máquinas, ao mesmo tempo em que criam oportunidades para as qualificadas como programação e manutenção. A consequência do processo de segmentação e desqualificação do trabalho é o aprofundamento do gap entre o mercado secundário e o primário, de tal forma que as chances de mobilidade para o último tornam-se reduzidas pela ausência de ocupações no nível intermediário. Nos serviços, contudo, prevê-se outro tipo de polarização, ou seja, ao contrário da indústria em que os trabalhadores do shop floor devem ser os mais afetados, neste setor, o segmento mais antigo deve ser o administrativo em geral, isto é, arquivistas e datilógrafas. Até mesmo os digitadores, quando se empregam tecnologias baseadas em fibras óticas ou on line. Surpreendentemente, nem os gerentes devem ficar isentos, devido à centralização de informações e à redução da necessidade de supervisão direta. Alguns argumentos que neste processo de deslocamento de trabalho as mulheres são as mais atingidas, pois raramente são transferidas às posições administrativas. Isto se explica na medida em que as tecnologias de informação tendem a restringir o emprego feminino dentro das posições periféricas do mercado de tra- balho. O setor de informações, como os demais na economia, não é homogêneo, ou seja, é também dividido nas ocupações que exigem maior qualificação como as de criação, análise, interpretação de informações e nas que exibem menos habilidades - atividades destinadas à manipulação de informações. É justamente neste tipo de atividades que se concentra o emprego feminino, ou seja, datilógrafas, secretárias, digitadores, caixas. Já nos escalões mais altos das profissões relacionadas com a informação estão as ocupações mascu- linas, profissionais, gerentes programadores e analistas. A microeletrônica é, certamente, um instrumento destinado a assistir o trabalho do último grupo e, para tanto, exige-se do primeiro rapidez e produtividade no processamento de informações. Texto adaptado de TITTON, C. P Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 81 Ciências Humanas e suas Tecnologias ENEM - CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 80 As peculiaridades de uma nova ordem co-mercial colocam o dinamismo, a flexibilida-de e a celeridade das relações negociais como condições essenciais ao crescimento e desen- volvimento econômico. Percebe-se, um processo de “mobilização e desmaterialização da riqueza”, ocor- rido nas sociedades pós-industrializadas, no qual a propriedade material perde sua hegemonia como ícone do capitalismo, para ser superada pelo contra- to, como ferramenta de circulação de valores, bens e direitos. Este novo capitalismo dinâmico, baseado em uma realidade negocial marcada pela velocidade e volatilidade de transações, urge pela quebra de burocracias, tributações excessivas, formalismos e barreiras protecionistas, que geram entraves à plena circulação de riquezas. É fundamental lembrar que todo desenvolvimento humano, prosperidade e me- lhoria da condição social dos mais pobres dependem diretamente do aumento de eficiência dessa maximi- zação e circulação de riquezas na sociedade. Quanto mais liberdade econômica, mais produ- tividade e também mais concorrência, o que gera não só mais empregos e oportunidades de empreen- der, como também disputa entre as empresas pela melhor mão de obra e, consequentemente, aumento dos salários dos empregados. O aumento da concor- rência é igualmente responsável pela oferta de pro- dutos e serviços de melhor qualidade a preços mais baixos. Não existe desenvolvimento social sem desenvol- vimento econômico, e este último, por sua vez, de- manda um ambiente altamente propício para a rea- lização de negócios e investimentos. O contemporâ- neo mundo dos negócios (junto com todo o progresso e prosperidade que vêm com ele) está em ebulição e a liberdade econômica é seu agente catalisador. A dominação imensurável da qual a classe traba- lhadora é acometida, resulta dos novos padrões de acumulação, inspirados na mundialização da econo- mia, e na globalização, operada, pelo capital trans- nacional e investimentos financeiros. Após a Guerra Fria e no alvorecer do século XXI, a economia sob a hegemonia do império norte-americano sofre pro- fundas mutações. Mudanças estas acionadas pelos grandes grupos das industriais transnacionais, passan- do a operar com o capital que rende juros, bancos, companhias de seguro, fundos de pensão, fundos mútuos e sociedades financeiras de investimentos. H18 –ANALISAR DIFERENTES PROCESSOS DE PRODUÇÃO OU CIRCULAÇÃO DE RIQUEZAS E SUAS IMPLICAÇÕES SÓCIO ESPACIAIS. Todo esse processo recebe respaldo dos Estados nacionais e são fortemente consolidados por meio da força de trabalho, ou seja, cria-se a acumulação do capital por meio dos únicos que não o desfrutam e que ainda são chamados a participar deste acú- mulo pagando os impostos e vendendo seu único meio de subsistência, sua força de trabalho. Sendo que, a cada dia é negado, a milhares de pessoas, até o acesso a esta venda de força de trabalho, pois o avanço tecnológico acarreta a redução de postos de trabalho para a produção do capital, uma marca indelével do processo de consolidação dos monopó- lios e do desenvolvimento tecnológico, que favorece apenas ao capital. Neste sentido, com relação à classe trabalhado- ra, o exército industrial de reserva descrito na década de 1930, assume nova roupagem no cenário atual, sendo que as relações sociais de produção são cons- tituintes de uma sociedade marcada por novos pro- tagonistas, mas necessariamente combinada com a estrutura que fundou o país, acrescida das “transfor- mações que vem operando na esfera do Estado e nas políticas sociais públicas, condizentes com o or- ganismo