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Botânica Criptogâmica Profa. Dra. Shirley Rangel Germano 1. NOÇÕES BÁSICAS DE NOMENCLATURA BOTÂNICA Introdução Os nomes científicos são utilizados amplamente nas áreas biológicas, especialmente no campo da Sistemática. Apesar desse fato, são poucos os biólogos que possuem conhecimento fundamentais dos princípios que governam a Nomenclatura Biológica. Os Códigos de Nomenclatura oficiais são tidos como documentos inacessíveis e sua utilização, sem orientação adequada, costuma ser desanimadora mesmo entre os taxonomistas. Nesse sentido, é preciso empreender esforços para quebrar essas barreiras e dificuldades, incentivar a utilização dos Códigos de Nomenclatura e, desse modo, possibilitar o entendimento de uma das áreas que mais intimidam dentro das Ciências Biológicas e, em particular, na Biologia Sistemática. Um nome nada mais é que um símbolo convencional, que serve como ponto de referência e evita a necessidade de utilizar, continuamente, uma frase descritiva dificultosa, O objetivo dos nomes é sua utilização como veículo de comunicação científica. Os nomes devem permitir que se pense imediata e inequivocamente nos conceitos desejados, o que implica que devem ser universais. Este é o objetivo fundamental da Nomenclatura Biológica, que cumpre seu papel através do estabelecimento de regras que governam sua aplicação. Estas são reunidas e organizadas sob a forma de Códigos de Nomenclatura. Existem códigos separados para as diversas áreas da Biologia Sistemática. Assim, para a Botânica (incluindo algas procarióticas e fungos) existe o Código Internacional de Nomenclatura Botânica. Para a Zoologia existe o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Existem, ainda, o Código Internacional de Nomenclatura de Bactérias e o Código Internacional de Nomenclatura de Plantas Cultivadas (separado do Código Internacional de Nomenclatura Botânica). Todas as informações apresentadas daqui por diante referem-se, exclusivamente, A Nomenclatura Botânica. Os Códigos de Nomenclatura Botânica são revistos e atualizados periodicamente por ocasião dos Congressos Internacionais de Botânica realizados, em regra, a cada seis anos. Existem, portanto, várias edições do Código de Botânica desde o estabelecimento das Regras de Nomenclatura. Cada nova edição do Código anula as precedentes e passa a ser aquela válida em matéria de Nomenclatura Botânica, O Código é, portanto, dinâmico e não constitui um conjunto estático de leis. A edição mais recente do Código Botânico foi editada em 2000, adotada pelo 16o. Congresso Internacional de Botânica, realizado em Missouri em 1999. Estrutura do Código de Nomenclatura Botânica O Código visa, fundamentalmente, estabelecer um método estável de denominação dos grupos taxonômicos, evitando e rejeitando nomes errôneos ou supérfluos e, ainda, nomes que possam causar confusão. Toda a Nomenclatura Botânica está baseada em princípios (em número de seis). Os princípios constituem a base da Nomenclatura E, Portanto, Se Um Nome Fere Qualquer Dos Princípios Deve Ser Rejeitado. Princípios: 1. A Nomenclatura Botânica é independente da Zoológica. 2. A aplicação de nomes de grupos taxonômicos é determinada por meio de tipos nomenclaturais. 3. A nomenclatura de um grupo taxonômico está baseada na prioridade de publicação. 4. Cada grupo taxonômico tem apenas um nome correto, qual seja, o nome mais antigo que esteja conforme as Regras, exceto em casos específicos. 5. Os nomes científicos de grupos taxonômicos são tratados em latim, independentemente de sua origem. 6. As Regras de Nomenclatura são retroativas, a menos que expressamente limitado. A parte seguinte do Código corresponde aos artigos, em número de 76 na última Edição do Código. Os artigos constituem o detalhamento dos princípios e, por essa razão, têm que ser obedecidos. Os nomes que infringem algum artigo devem ser rejeitados. Alguns artigos são complementados por recomendações, que tratam de pontos complementares e visam a uniformização do trabalho nomenclatural, particularmente da nomenclatura futura. O Código inclui também exemplos, inseridos em partes correspondentes, que visam a ilustração dos artigos e das recomendações. As provisões para modificação do Código representam a sua última parte propriamente dita, as quais especificam os procedimentos necessários para se proceder modificações no Código. O Código compreende, ainda, rês apêndices: 1) Nomes de híbridos; 2) Nomes conservados e rejeitados de famílias (Nomina familiarnm conservanda et rejicienda); 3) Nomes conservados e rejeitados de gêneros e espécies (Nomina generica et speciftca conservanda et rejicienda). Definições Gerais 1. Nome: termo geral para designar um grupo taxonômico. O nome de um gênero ou de um táxon de nível superior é uma palavra. O nome de um táxon infragenérico é a combinação do nome genérico com um ou mais epítetos. 2. Epíteto: qualquer palavra subseqüente ao nome genérico. Para o nível espécie denomina-se epíteto específico e a combinação constitui um binômio. Para níveis inferiores (variedade ou subespécie) denomina-se epíteto varietal ou subespecífico e a combinação do nome genérico com dois epítetos Constituí um trinômio. 3. Nome efetivo: é o nome que atende às condições de publicação efetiva. Segundo o Código uma publicação é efetiva somente pela distribuição de matéria impressa (através de venda, intercâmbio ou doação) a instituições com bibliotecas acessíveis a botânicos em geral. 4. Nome válido: é o nome que atende às condições de publicação válida, a saber: 1) ser efetivamente publicado; 2) ser acompanhado de uma descrição ou diagnose (descrição resumida destacando as características diferenciais) do táxon em latim: 3) conter a indicação do tipo nomenclatural. 5 . Nome correto: é o nome mais antigo que estiver de acordo com as Regras. Tipificação A aplicação de nomes de táxons do nível família ou abaixo é determinada por meio de tipos nomenclaturais. A tipificação é o processo de designação de um tipo nomenclatural. Tipo nomenclatural é o elemento ao qual o nome de um táxon está permanentemente ligado. O termo "elemento" pode significar diversas coisas, de acordo com o nível do táxon em questão. O tipo do nome de unia família é um gênero, o de um gênero é uma espécie e o de uma espécie (ou táxon infraespecífico) é um espécime. O tipo de um nome de uma espécie (ou táxon infraespecífico) é um único espécime, exceto nos seguintes casos: para pequenas plantas herbáceas e para a maioria das plantas avasculares. Nestes casos o tipo pode consistir de mais que um indivíduo. Espécimes-tipo de nomes de táxons devem ser preservados permanentemente (em Herbários) e não podem ser plantas vivas ou culturas. O tipo nomenclatural não é, necessariamente, o elemento mais típico e representativo de um táxon, mas apenas o elemento em que o autor de um determinado táxon se baseou para descrevê-lo e o indicou como tipo na publicação original. O tipo é um conceito puramente nomenclatural e não tem significado para a classificação. São os nomes e não os táxons que têm tipos. Tipos nomenclaturais para espécie ou categorias infra-específicas Holótipo: é o espécime ou outro elemento usado pelo autor ou designado por ele como tipo. Enquanto o holótipo existir, ele automaticamente fixa a aplicação correta do nome. Isótipo: é qualquer duplicata (espécime coletado no mesmo local, mesma data e pelo mesmo coletor) do holótipo. Síntipo: é um espécime entre dois ou mais citados pelo autor, quando o holótipo não foi indicado ou quando dois ou mais espécimes foram simultaneamente designados como tipo. Lectótipo: é um espécime ou outro elemento selecionado do material original para servir como tipo quando o holótipo não foi designado.Neótipo: é um espécime ou outro elemento selecionado para servir como tipo quando todo material original estiver desaparecido. Prioridade O princípio da prioridade determina que quando dois ou mais nomes se referem ao mesmo táxon deve, como regra, ser considerado correto o mais antigo. Cada família ou táxon de nível inferior, pode ter somente um nome correto. No entanto, há exceções. Para qualquer táxon de família a gênero (inclusive), o nome correto é o mais antigo que estiver de acordo com as regras; exceto em casos de limitação da prioridade por conservação. A Nomenclatura Botânica é entendida como tendo iniciado com Lineu (Linnaeus, Species ‘Plantarum, 1a. edição, 1o. de maio de 1753). Esta obra, e respectiva data, é considerada como ponto inicial de partida para os estudos nomenclaturais da maioria dos grupos vegetais. Entretanto, a obra de Lineu constitui um compilado das espécies de vegetais conhecidas na época, e nela não estão incluídos representantes de alguns grupos. Para esses grupos não representados na obra de Lineu, foram escolhidas outras datas, para servirem como pontos de partida, conhecidas como pontos de partida tardios [p.ex. Fungi: Uredinales, Ustilaginales e Gasteromycetes (Persoon, Synopsis Methodica Fungorum, 31 de dezembro de 1801); Algae: Desmidiaceae (Ralfs, British Desnddieae, lo. de janeiro de 1848). A fim de evitar mudanças desvantajosas na nomenclatura de géneros, famílias e espécies, devidas à aplicação estrita das regras, particularmente do principio da prioridade, o Código apresenta listas de nomes conservados (apêndices 2 e 3, nomina conservando) e que devem ser retidos como exceções úteis. A conservação visa a retenção daqueles nomes que melhor servem à estabilidade da nomenclatura. A conservação inverte o princípio da prioridade pois, nesse caso, um nome mais recente prevalece sobre um mais antigo. Quando um nome é conservado, todos os outros são considerados sinônimos, tanto aqueles baseados no mesmo tipo (sinônimos nomenclaturais), quanto em tipos diferentes (sinônimos taxonômicos). A conservação existe somente para os nomes de táxons de nível família e gênero. Para os nomes de espécies a conservação aplica-se apenas àquelas espécies de grande importância econômica. Sistemas de Classificação Em face à imensa diversidade do mundo natural, o homem instintivamente classifica, com o intuito principal de compreender o mundo que o cerca. Já na remota antigüidade, o homem aprendeu a reconhecer os tipos de plantas que eram úteis como alimento, as que poderiam ser úteis como combustível, as medicinais, as venenosas etc. Um sistema de classificação pode ser construído com diferentes objetivos. Cada um deles terá um princípio filosófico e normativo distinto, e irá empregar distintos conjuntos de caracteres. Ao longo da História, surgiram numerosos sistemas de classificação, os quais costumam ser agrupados em quatro categorias: os sistemas baseados no hábito das plantas, os sistemas artificiais, os naturais e os filogenéticos (em ordem cronológica). Os primeiros foram, evidentemente, os menos elaborados, embora seus autores acreditassem que eles refletiam afinidades naturais. Nestes sistemas, árvores, ervas, trepadeiras, etc, consistiam os grupos principais de plantas. Theophrastus (370-285 a. C.) é o nome mais célebre deste período, sendo considerado o Pai da Botânica. Os gregos foram mais tarde sucedidos por herbalistas e botânicos que mantiveram este período da História da classificação até a metade do século XVIII. Assim como aqueles antigos sistemas, os sistemas artificiais não encontram hoje qualquer aplicação. Um sistema artificial tem como único objetivo ser um meio conveniente de situar uma planta dentro de uma classificação e contribuir para sua identificação. Não tem qualquer preocupação de mostrar relações de afinidades, o mais conhecido destes sistemas é o de Linné (Carl F. Linnaeus, 1707-1778), publicado na obra "Species Plantarum" (1753), que ficou conhecido como ‘sistema sexual’, por ter sido o primeiro a dar uma grande ênfase aos caracteres florais. Os sistemas naturais surgiram como fruto do enorme contingente de novas espécies que passaram a ser conhecidas, devido às numerosas coleções que chegavam à Europa, provenientes dos países tropicais. Isto estimulou um conhecimento mais detalhado da morfologia vegetal, especialmente após a melhoria do instrumental óptico. Esses sistemas procuravam expressar o relacionamento ‘natural’ entre as espécies. Para seu autor, um sistema natural deveria refletir um plano Divino, pois aceitando-se o dogma da Criação, acreditava-se que o poder Divino criou toda a natureza de acordo com um plano que o homem poderia descobrir. Estes sistemas apareceram na segunda metade do séc. XVIII e prevaleceram até o surgimento do Darwinismo. Alguns nomes famosos relacionados a sistemas naturais são Lamarck, Jussieu, De Candolle e Bentham e Hooker. Ao contrário dos sistemas artificiais, os naturais eram construídos com base num grande número de caracteres. Os sistemas filogenéticos procuram usar toda a informação disponível no momento a respeito dos taxa envolvidos, procurando relacioná-los segundo uma afinidade baseada em ancestralidade e descendência. Reconhece-se que o atual estado de conhecimento do homem não permite a construção de um sistema filogenético perfeito, sendo que os sistemas disponíveis representam uma tentativa com vistas a um objetivo filético, configurando-se na verdade numa combinação de evidências naturais e filéticas. Nos sistemas filéticos, portanto, não se perdeu de vista a busca de relacionamentos naturais entre os taxa. Entre os sistemas filéticos mais conhecidos podem-se citar os de Engler (última edição em 1964), Takhtajan (1980, 1997), Cronquist (1968, 1981, 1988) e Dahlgren (1985). A Sistemática Filogenética foi gradativamente consolidando-se como paradigma na Botânica, e a partir da década de 90 muitos trabalhos integradores trouxeram progressos imensos para nosso entendimento da evolução das plantas e conseqüente aprimoramento da sua classificação. Ressalte-se que nessa última década deu-se também o desenvolvimento das técnicas de extração e seqüenciamento de bases do DNA do genoma nuclear e de organelas (cloroplastos e mitocôndrios), analisado sob o prisma da parcimônia, como na cladística. Esses dados têm tido forte impacto na Sistemática Vegetal. Atualmente, considera-se como uma qualidade importante num sistema de classificação a sua previsibilidade ou seu poder de predicão. Isto significa que, uma vez que se reconheça que uma determinada planta pertence ao táxon A, mesmo que não se tenha procurado nela um certo caráter, ele estará presente, desde que este caráter seja um atributo importante de A. Por exemplo, ao se deparar com uma planta pouco estudada pertencente á família das Loganiáceas, é muito provável que ela contenha alcalóides derivados do triptofano (alcalóides do grupo da estricnina), já que estes são muito comuns nas Loganiáceas. Mas a qualidade mais importante de um sistema de classificação é que ele retrate, tão fielmente quanto possível, a árvore da vida. Se ele tiver sido construído com base em clara detecção de homologias entre caracteres, gerando um corpo de hipóteses de parentesco entre grupos expresso na forma de cladograma (árvore filogenética), os táxons serão consistentes, representando linhagens evolutivas que devem ter tido existência na natureza. Em conseqüência. o seu poder de predição também será elevado. Glossário: Caracteres taxonômicos são caracteres utilizados na classificação dos seres vivos. Um caráter é qualquer atributo de um ser vivo, que pode ser considerado separadamente ou em comparação a outros caracteres de seres da mesma espécie ou de espécies diferentes. Identificação é o processo parase conseguir a denominação de uma planta, reconhecendo-se assim que ela é idêntica ou quase a outra planta já descrita anteriormente. Classificação é a ordenação das plantas de maneira hierárquica. O produto final é um arranjo dessas plantas, ou seja, um sistema de classificação, que pode ser artificial, natural ou filogenético. Táxon é um agrupamento taxonômico de qualquer categoria. Pode ser, portanto, uma espécie, um gênero, uma família, etc. (Táxon: pl. táxons ou taxa). Espécies é a categoria básica de hierarquia taxonômica e tem sido definida desde o tempo de Linné como um nome em um livro, ou como um julgamento de uma autoridade que julga que tal planta é uma espécie, ou ainda como um grupo de indivíduos que, na soma total de seus caracteres, difere de outro em nível especifico. O conceito de espécie tem evoluído muito; porém ainda não há um conceito definido, especialmente porque os conceitos são essencialmente genéticos e populacionais, enquanto o taxonomista geralmente se utiliza apenas de material de herbário para descrever suas novas espécies. Fontes utilizadas Raven et al. (1992) Bezerra & Fernandes (1989) Apostila: Prof. Paulo Guimarães –Universidade de Brasília
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