Buscar

Fundamentação Ética - Prof. Arnaud

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 343 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 343 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 343 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
 
 
 FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA E HERMENÊUTICA 
A L T E R N A T I V A S P A R A O D I R E I T O
* 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Edmundo L. de Arruda Jr.** 
 
Marcus Fabiano Gonçalves*** 
 
 
 
 
2 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução ....................................................................... 4 
1. Alternativas do Direito na Modernidade ..................... 33 
1.1. Um diagnóstico autocrítico do MDA ........................... 33 
1.2. Compreensão e ultrapassagem do positivismo .................. 39 
2. Mínimo Ético e Eficácia Normativa............................ 58 
2.1. Mínimo ético: uma escavação sob os relativismos axiológicos
 ................................................................................... 58 
2.2. Direito e mínimo ético: a possibilitação da ética pelo direito
 ................................................................................... 85 
2.3. Liberdade e igualdade nas capacidades e oportunidades .. 101 
2.4 Direito e ética: impunidade e estratégias de resistência à 
exclusão social .............................................................. 121 
2.4. Direitos humanos, igualdade e desenvolvimento ............. 139 
2.5. Direito e desenvolvimento na América Latina .............. 183 
2.6. Hegemonia e corrupção: repolitização da legitimidade e 
remoralização da política ................................................ 189 
2.7. Educação para a ética, direitos humanos e ensino jurídico
 ................................................................................. 196 
3. Observações sobre o Sentimento de Justiça .............. 204 
3.1. O sentimento de justiça na filosofia do direito orientada pela 
sociologia e antropologia jurídicas ..................................... 204 
3.2. Eficácia normativa e substrato ético da experiência jurídica
 ................................................................................. 215 
3.3. O sentimento de justiça e a formação do sentido de igualdade
 ................................................................................. 219 
3.4. Sentimento de justiça e concretização do mínimo ético ..... 222 
3.5. A dialética do jurista-cidadão e do cidadão-jurista: dois focos 
na apreensão do fenômeno jurídico .................................... 226 
4. Hermenêutica ........................................................... 230 
4.1. Da pura discricionariedade à fundamentação da pré-
compreensão ................................................................. 230 
3 
 
4.2. A pré-compreensão jurídica e a pré-compreensão da 
subjetividade do intérprete: limites e relações ........................ 247 
4.3. A hermenêutica da juridicização e a linguagem jurídica .. 265 
4.4. A interpretação conforme a Constituição e a Constituição 
como parâmetro interpretável ........................................... 283 
4.5. A concepção de descoberta da verdade na hermenêutica 
heurística .................................................................... 301 
4.6. Hermenêutica e novos consensos: ressignificando o mundo 
jurídico ....................................................................... 318 
4.7. Da hermenêutica ao mínimo ético .............................. 328 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
4 
 
Introdução 
 
Modernidade é a designação genérica adotada 
para se caracterizar um período histórico, na verdade mais 
um processo social, marcado pelo colapso das 
fundamentações tradicionais. Uma fundamentação pode 
ser considerada tradicional quando valores sociais e 
normas instituídas justificam privilégios, prerrogativas e 
diferenças ofensivos àquela igualdade primária pela qual 
progressivamente é sedimentado nosso ideal de uma 
universalidade laica e racionalista. A contextura laica da 
razão demarca um território de coisas não sagradas que 
tampouco chegaram a ser imediatamente heréticas. Um 
profano mitigado passa gradualmente a ser conquistado ao 
longo de várias negociações, com avanços e retrocessos. A 
luz do iluminismo não teve o caráter impetuoso de um fiat 
lux, não iluminou de repente; foi iluminando, como nas 
intensidades de penumbras sucedidas num alvorecer. 
Porém, se a Modernidade paulatinamente foi lançando luz 
sobre as trevas medievais, não deixou de afligir a história 
com seus próprios infortúnios. As vicissitudes da 
fundamentação da ética moderna pós-tradicional 
desnudavam problemas sociais cujas causas, agora 
humanas e materiais, haviam sido relegadas à esfera 
determinista da transcendência. O humano e o material 
foram compreendidos como social. E este, como político 
e econômico. 
As explicações teológicas foram outrora o 
signo mais claro daquela transcendência fundamentadora 
do imobilismo tradicionalista e conservador. As pás da 
ciência se puseram a cavar trincheiras de resistência às 
ingerências desse além. Mecanicismo, materialismo, 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
5 
 
positivismo e incontáveis posturas cientificistas somaram 
forças nesse combate. No entanto, durante o calor dessa 
luta, a fundamentação pós-metafísica restou produzindo 
suas próprias transcendências. Retrospectivamente, 
percebemos hoje que a atitude metafísica não esteve 
somente nos domínios da religião. Pôde estar também na 
própria ciência, ou ainda na extensão de seus predicados 
de previsibilidade calculável para domínios humanos 
eminentemente contingenciais, como o da história e do 
comportamento social. A fundamentação moderna, pelo 
seu caráter pós-tradicional, reivindicou revestir-se também 
de um temperamento pós-metafísico. Mas se é certo que 
essa fundamentação promoveu a autonomização de 
diversas esferas sociais (estética, política, econômica, 
jurídica, moral), também é verdadeiro que experimentou 
novas formas de justificação que hoje poderíamos 
caracterizar como metafísicas. O desencantamento do 
mundo medieval reclamou sua reorganização cognitiva por 
uma determinada idéia de sistema, a nova figura arquetípica 
de uma mitologia racional. O homem agora sujeita o mundo 
a seus propósitos na medida em que se apossa dele pelo 
cálculo, pela previsibilidade, pela produção e pela 
organização cognitiva. O otimismo cientificista generalizou 
a idéia de progresso. Descobertas as leis da sociedade, tal 
como outrora foram descobertas as leis da natureza, fez-se 
possível o vaticínio comunista: inexoravelmente as 
contradições do sistema capitalista conduziriam o mundo 
ao socialismo. 
Na modernidade industrial, ciência e arte 
divorciaram-se e passaram a viver em domínios 
longínquos. A arte experimentou a especificação pelo 
estilo: a sutileza de uma sensibilidade particular, 
manifestada em uma composição, individualizava um 
autor. Liberto do jugo religioso, o autor moderno, o artista 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
6 
 
burguês, tornava-se senhor pleno de sua obra. Uma 
racionalidade estritamente estética imunizou a ciência 
contra os efeitos das emoções. Emoções e sensibilidade só 
poderiam ser experimentadas em domínios diversos da 
técnica e da política. Razão e sensibilidade seguiram cada 
qual seu próprio rumo. Hoje, no zênite da Modernidade, 
uma atenção ao que disseram homens póstumos como 
Nietzsche nos causa assombro ante a confirmação de seus 
prenúncios: o sufocamento do dionisíaco reclama agora 
seu preço. Um tecido social hiperestético sobrepuja a 
racionalidade da política e toma dianteira até sobre a 
produção econômica.A máquina dos partidos políticos 
tradicionais, os príncipes modernos no dizer de Gramsci, é 
substituída por agências de publicidade. As empresas 
produzem conforme uma economia das necessidades 
produzidas pela mídia. E em meio ao delírio plástico dos 
políticos-produto e da manipulação irresponsável do 
desejo, a felicidade e o sofrimento só freqüentam a ordem 
do dia como apelos emocionais e como estratégias de 
consumo. 
Mas, apesar desses acidentes de percurso, a 
modernidade foi gestada sobretudo como a época da 
descoberta dos problemas humanos enquanto humanos. A 
desigualdade social agravada em virtude da 
superacumulação acelerada pelo desenvolvimento 
tecnológico agudizou-se quando o curso da história 
consumou uma modernidade predominantemente 
capitalista. O drama da exploração do homem pelo homem 
não era resolvido, mas antes agravado pela ciência. Novas 
formas de submissão, formas especificamente modernas, 
sucederam à vassalagem, assim como outrora essa 
vassalagem havia sucedido à escravidão. No entanto, 
também surgiram novas formas de emancipação moderna 
nesse mundo de homens livres para vender a própria força 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
7 
 
de trabalho: os movimentos sociais se fizeram herdeiros da 
continuidade e do aprofundamento das reivindicações de 
1789. 
Crenças fundadas na atitude de fé cederam 
espaço a valores fundados em justificações ás quais todos 
poderiam acentir. Agrupamentos desses valores na forma 
de sistemas de idéias e justificações tornaram-se ideologias. 
E um mundo outrora coeso pelas fundamentações 
tradicionais experimentou um estilhaçamento 
caleidoscópico sem precedentes. Uma explosão em 
diversos fragmentos desenhou o quadro do politeísmo de 
valores tão bem analisado por Weber. Desde então a vida 
em sociedade tornou-se uma permanente tensão entre a 
apologia às virtudes pluralistas desse estilhaçamento e a 
busca de uma unidade precária que possibilitasse 
identificar nesses fragmentos as partes de um mesmo ex-
todo. Uma totalidade harmônica deixava de ser a causa da 
unidade coerente de um mesmo mundo. Sucumbiam as 
explicações organicistas, ascendiam as fundamentações 
individualistas. E, segundo esse individualismo, a 
totalidade social tornava-se um constructo a ser 
permanentemente buscado nas composições provisórias e 
mutáveis entre as diversas forças sociais em disputa por 
valores e ideologias que representavam agora interesses 
antagônicos. Os extremos do nazismo e do stalinismo 
foram indicativos de um desconforto com esse 
estilhaçamento. Representaram descaminhos de uma razão 
histórica tão totalitária quanto a metafísica teológica, pois 
buscaram recompor uma unidade cindida por meio da 
violência e da eliminação física da diversidade. 
Com o capitalismo, não tardou esse mundo da 
razão a atingir uma nova condição mítica. A lanterna do 
iluminismo foi conduzida para o rumo da barbárie. A 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
8 
 
ciência tornou-se a grande ideologia comum dos Estados 
Modernos. Soviéticos e americanos disputavam um 
mesmo terreno, previamente considerado valioso. A 
técnica a serviço da dominação ofuscou as forças 
emancipatórias. E o que em outros tempos foi dominação 
atingia um paroxismo inusitado: a dominação determinada 
pela divisão do trabalho agora extermina o dominado. 
Aqueles que protestaram contra a injustiça da Divisão 
Internacional do Trabalho traçada pelo imperialismo 
jamais chegaram a pensar que um dia deixasse de existir 
até trabalho explorador a dividir. Juristas críticos 
procuraram levar o direito para os rumos da 
transformação social. O pluralismo jurídico romântico 
reduzia o direito moderno a um monismo de índole 
burguesa a ser extirpado. Juristas tradicionais lembravam: o 
direito é um instrumento de conservação social. A história recente 
prova o quanto esses juristas tradicionais acabaram se 
tornando paradoxalmente certos: a barbárie neoliberal 
impõe a conservação da sociedade, sua preservação contra 
a supressão do direito e a exclusão social. 
Mas, como lembra Boaventura de Sousa 
Santos no seu livro A Crítica da Razão Indolente, a 
modernidade não nasceu capitalista, tornou-se. A 
supremacia da ideologia cientificista selou essa união: o 
ideal positivista do progresso indicava um sulco de luz 
desbravado pela razão em meio às trevas. O culto à 
tranqüilidade cultivada por essa ordem não demorou em 
reprimir os domínios da vida social não imediatamente 
reguladores. Boaventura identifica aí um sufocamento das 
energias emancipatórias da modernidade pelo capitalismo. 
O exame da tensão surgida no decurso da modernidade 
entre os extremos do par regulação–emancipação torna-se 
decisivo. E o papel do Estado no equilíbrio dessa tensão 
não pode mais ser universalizado em desconsideração às 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
9 
 
peculiaridades históricas de cada sociedade situada em 
estágios distintos de edificação do projeto moderno. Ainda 
mais na América Latina, onde sociologicamente o aparato 
burocrático do Estado não só antecede a sociedade civil, 
como também chega a fundá-la em muitos casos. Quando 
esse Estado torna-se, ou permanece, como destinatário 
dos apelos por emancipação, seja para chancelá-los na 
forma de reconhecimento pelo seu direito positivo, seja 
para promover estratégias assecuratórias e efetivantes, isso 
acena à ocorrência de algo deveras importante: esse 
Estado é ainda identificado como o protagonista de uma 
comunidade em via de afirmação histórica na forma de 
uma sociedade a ser mantida minimamente coesa pela 
eliminação das exclusões maciças. As demandas dirigidas 
ao Estado são assim sintomas de um estágio primordial de 
socialização cooperativa ainda não plenamente 
conquistado. 
 Talvez o pensador contemporâneo mais 
célebre por sua defesa vigorosa da modernidade seja 
Jürgen Habermas. Ele enxerga o projeto moderno como 
incompleto, como algo que poderia ainda ser consumado 
mediante a adoção de algumas alternativas gestadas ao 
longo dos caminhos e descaminhos da própria 
modernidade. Já Boaventura prefere pensar a modernidade 
como não podendo ser consumada, ao menos nos exatos 
termos como ela até então vem sendo concebida enquanto 
momento anterior ao que comumente é designado como 
pós-modernidade. Cada um desses autores tem lá suas 
razões para assim pensar. Postulando a modernidade num 
contexto europeu, Habermas provavelmente estaria 
correto, não fosse o fato notório de a modernidade não 
ser um fenômeno apenas europeu. Em contextos de 
sociedades periféricas, a modernidade social, política e 
jurídica muitas vezes nem bem chegou e já dá ares de 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
10 
 
obsolescência. E isso demonstra mesmo a inépcia dos 
pensamentos etapistas que, além de corroborarem um 
certo eurocentrismo, não conseguem vislumbrar o além da 
modernidade através dela mesma, algo como uma transpós-
modernidade. Em uma analogia, essa é uma situação muito 
semelhante àquelas recomendações de direção defensiva 
feitas aos condutores de automóveis em auto-estradas: 
olhar através dos pára-brisas dos outros veículos para 
enxergar além deles, diminuindo assim o risco de acidentes. 
Parece então ser bem esse o nosso desafio, pois se não 
conseguirmos vislumbrar o além através da modernidade, 
poderemos ter o alcance de nossa visão bloqueado por um 
obstáculoerguido pela sua configuração capitalista: a 
constante cooptação das energias emancipatórias pelas 
forças regulatórias. Aliás, o próprio ideal democrático 
sofre um arrefecimento de sua aptidão transformadora no 
curso dessa cooptação regulatória. E até mesmo a prática 
das reformas sociais perde sua urgência à vista do colapso 
do que poderia sobrevir na sua ausência: a revolução. 
O ideal democrático não pode então ser mais 
exclusivamente uma diretriz para a esfera pública reduzida 
à política. A criatura concreta escondida sob a pele do 
moderno homem-cidadão, capacitado a participar 
politicamente, sente cada vez mais ânsia por se expressar e 
se realizar em dimensões da existência social distintas da 
política. A diversão, a arte, o amor, a cultura, o lazer, a 
religiosidade, a intimidade, o consumo de bens e serviços 
fazem dessa criatura concreta um ser multidimensional em 
suas aspirações. O ideal democrático necessita, assim, 
desdobrar-se em éticas para essas e muitas outras 
dimensões da vida social e individual cada vez mais 
requisitadas nas discussões políticas da esfera pública 
tradicional. Mas nem o comparecimento dessas questões à 
esfera pública, e tampouco o interesse imediato de muitos 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
11 
 
envolvidos, vertem-se necessariamente em participações 
efetivas. Muitos afetados, por vezes, não desejam 
participar das deliberações cujos resultados podem atingi-
los. E essa deserção participativa não pode ser 
diagnosticada de maneira simplista como pura alienação 
ou apoliticidade. Ocorre mesmo que a esfera pública 
também passou a se desenvolver em outros segmentos da 
vida social não imediatamente políticos. 
O surgimento dessa esfera pública burguesa, 
magnificamente apreciada por Habermas em Mudança 
Estrutural da Esfera Pública, em muito se deveu à associação 
entre indivíduos particulares preocupados com o que 
Boaventura vem designando como uma racionalidade 
estético-expressiva: os cafés, os círculos literários, a 
freqüência aos teatros e aos concertos. O homem da esfera 
pública no alvorecer da modernidade originalmente fazia 
parte de movimentos culturais. Hoje, porém, contingentes 
enormes dos participantes potenciais das sociedades 
contemporâneas foram absorvidos por modalidades de 
expressão sem repercussões políticas e nem mesmo 
culturais. O puro hedonismo e o consumo de produtos de 
entretenimento de baixíssima qualidade cultural recrutam 
legiões de indivíduos passivos em países com diferentes 
estágios de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a política 
é vista por tais indivíduos, várias vezes não sem razão, 
como atividade longínqua e promíscua, fonte de corrupção 
e de oportunismo. Os poucos ensaios de participação 
geram frustração por não chegarem a produzir resultados 
em um lapso de tempo desejado. Assim, muitos teóricos 
da sociedade recusam-se a analisar essas manifestações 
estéticas por considerá-las desprovidas de conteúdos mais 
significativos. Mas a verdade é que essas análises são muito 
complexas, pois envolvem a criação de linguagens 
conceituais para o tratamento de fenômenos bem 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
12 
 
diferentes das ideologias políticas, das legitimidades ou das 
configurações institucionais. 
O chamado tribalismo pós-moderno reforça entre 
os indivíduos maneiras estéticas e performáticas de troca 
de imagens e códigos denotadores de uma pertinência 
grupal responsáveis pelo atendimento de uma demanda 
por auto-estima e identidade social. O ato de pertencer a 
um grupo sacia a sede por identidade em meio a 
sociedades diluídas no gigantismo anônimo das massas. O 
aglutinante desses novos grupos sociais designados como 
pós-modernos definitivamente não é mais um vir a ser 
utópico, ideológico e bastante improvável em curto prazo. 
Esse aglutinante social teve sua maior expressão orgânica 
nos partidos políticos e em suas ideologias. Diversamente, 
tal aglutinante social é hoje uma composição entre duas 
disjuntivas: (a) ter/não-ter e (b) ser/não-ser. Sujeitos 
sociais dificilmente cerram fileiras nos dias atuais pela 
causa do comunismo (vir a ser), mas não hesitam em 
constituir um grupo reivindicatório para resolver 
problemas como o daqueles que carecem de habitação hic 
et nunc (ter/não-ter). Sem chegar a questionar as razões 
globais do sistema socioeconômico que lhes nega 
habitação, a demanda desses sujeitos sociais é 
maximamente imediatista e seu caráter corporativo 
freqüentemente não tergiversa em recorrer ao arrivismo 
para atendê-la em detrimento das reivindicações de um 
grupo diverso. Aglutinações assim (ou, caso se prefira, 
sujeitos sociais coletivos) podem ser conflitantes entre si e 
muitas vezes subsistem sem nenhum grande princípio 
político ou ideológico unificador além da premente 
necessidade. E nem seria exagerado acrescentar que a 
constituição de muitas dessas organizações já nasce com 
seu prazo de validade determinado: precisamente o da 
satisfação da demanda que lhes dera gênese. 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
13 
 
De outra parte, também temos hoje 
incontáveis associações formadas pelo aglutinante (b) 
ser/não-ser. Trata-se do compartilhamento daquilo 
designado por Max Horkheimer como o minimal self dos 
indivíduos. Podemos perceber o ingresso de pessoas em 
agremiações relativamente informais sendo impulsionado 
pela comunhão de atitudes sociais e características 
fenotípicas entre seus membros: tatuagens, roupas, 
brincos, piercings, cortes de cabelos, gostos musicais, 
artefatos desportivos, formas do próprio corpo e ainda 
muitos outros objetos e comportamentos fetichizados que 
identificam os membros daquilo que se convencionou 
chamar tribo. Nos anos 1970 e 1980, a depressão 
econômica produziu grandes contingentes de jovens 
desempregados, dentre os quais muitos se tornaram os 
revoltosos punks na Inglaterra. A iminência de um conflito 
nuclear mundial que havia gerado o pacifismo amoroso 
dos hippies nos anos de 1960 produziu mais tarde o 
niilismo mórbido dos darks e góticos com o ar blasé das 
sociedades européias. Simultaneamente, a crescente 
angústia das populações juvenis produzia na sociedade 
norte-americana, e nas demais que seguem seu estilo de 
vida, a violência gratuita das gangues de artes marciais. 
Mas foi mesmo nos anos 1990 que esses grupos ditos pós-
modernos aumentaram em número e diversidade. Como 
aspecto positivo, poderia ser destacada a proliferação de 
reivindicações com caráter planetário em defesa da 
preservação ambiental e da qualidade de vida. Todavia, 
também cresceram pelo mundo a xenofobia e o 
preconceito étnico responsáveis pela disseminação dos 
skinheads e outros agrupamentos intolerantes. No Brasil, a 
implacável exclusão econômica e social da juventude negra 
recrudesceu sua guetificação. Apareceram os rappers, os 
MCs, os pagodeiros e os funkeiros. Favelados e integrantes 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
14 
 
das classes baixas reúnem-se para fruição de suas 
produções artísticas, muitas imitadoras de padrões norte-
americanos, ou simplesmente para a diversão catártica em 
grandes eventos na periferia das metrópoles. Ainda nos 
anos 90, cada vez mais segmentos formados por 
integrantes da classe média ou das camadas abastadas de 
vários países foram sendo assimilados pela cultura 
midiática demandante de uma obsessão pelo consumoestético. Os clubbers, os cybers, os models e incontáveis outros 
grupos menores aglutinam-se pelo consumo de marcas, 
tecnologias e produtos semiculturais, ou pela simples 
ostentação narcísea de corpos meticulosamente torneados 
em centros estéticos como academias ou clínicas de 
cirurgia plástica. Difundidas nas sociedades de consumo 
como valores em si, as buscas da celebridade e de um 
específico padrão de beleza apresentaram-se como 
verdadeiras metas sociais. Décadas de conscientização 
feminista foram suplantadas por um novo tipo de 
machismo, aliciador das próprias mulheres para sua 
disseminação. No Brasil, espécies de mulheres-produto são 
lançadas à hiperexposição na mídia, constrangendo o bom 
gosto remanescente com sua brutal ignorância, sua 
futilidade excessiva e suas táticas grosseiras de escalada 
social, baseadas na sedução de homens ricos e poderosos. 
Em meio a sociedades exageradamente 
massificadas, essas e muitas outras práticas oferecem 
oportunidades para indivíduos em busca de identidade 
pessoal e de realizações materiais. Essa identidade e essa 
realização material buscadas são componentes 
indispensáveis ao reconhecimento e à constituição da 
auto-estima que transforma anônimos em alguém, se não 
para toda a sociedade, ao menos para esses mesmos 
grupos que, funcionando como espelho, devolvem-lhes 
uma certa imagem de si mesmos. Assim, ao ser limitado à 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
15 
 
dimensão político-participativa da esfera pública, o ideal 
democrático tem seu potencial emancipador drasticamente 
comprometido. As aspirações por identidades e realizações 
materiais merecem a atenção dos programas modernos de 
individualização possibilitados pelo direito e pela política. 
Mas isso não necessita significar imediatamente uma 
juridicização ou mesmo uma politização dos seus sujeitos 
demandantes. Logo, recomendações e prognósticos a essa 
transpós-modernidade reclamam muitas precauções e 
sutilezas. É urgente retornarmos ao indivíduo, mas sem 
cairmos novamente na armadilha do individualismo 
dispersante ou exclusivamente politizante. Também é 
recomendável não menosprezarmos essa dimensão 
estético-cultural tão contundente nas sociedades 
contemporâneas: não é pela baixa relevância institucional 
das manifestações estéticas e expressivas que suas práticas 
não determinam muitas outras representações sociais. É da 
mesma forma emergencial recuperarmos a dimensão ética 
do Estado, mas sem incidirmos no seu autoritarismo ou na 
sua radical dicotomização com a sociedade civil. 
As prerrogativas filosóficas da modernidade 
foram atribuídas à subjetividade individual e abstrata, 
formulada enquanto entidade ético-jurídico-política do 
Homem-sujeito de direitos-cidadão com aspirações 
igualitárias. Mas essa subjetividade abstrata foi sendo 
lentamente desligada do mundo real na qual 
concretamente acontecia ou, mais precisamente, deveria 
acontecer. O ideal dessa subjetividade abstrata, recoberto 
pelo formalismo jurídico, tornou-se um obstáculo à efetiva 
realização do programa social da modernidade. E esse 
mundo real no qual a modernidade deveria acontecer foi 
justamente aquele no qual ela muitas vezes nem pôde 
ensaiar sua aparição: o mundo das relações sociais e 
econômicas alienadas, o mundo do trabalhador explorado 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
16 
 
e reificado, o mundo dessubjetivado das mercadorias e do 
abismo antiigualitário estabelecido pela superacumulação 
capitalista. Ao longo da modernidade no século XX, 
existiram ainda alguns desastrosos afãs por realizações 
aceleradas de seu programa. A classe e o clã foram 
reivindicados como maneiras de se provocar o advento 
dessa subjetividade bloqueada pelas versões abstratas e 
formalistas. A aventura do socialismo real, iniciada com a 
Revolução de 1917, recentemente culminou nessa 
catástrofe material e espiritual a que todos assistiram entre 
os anos de 1980-1990. Por outro lado, quando o conceito 
de demos tentou ser revigorado diretamente pela noção de 
ethnos, tivemos os racismos transmutados em fascismos. 
Agora, precavidos contra esses afãs e auxiliados pela visão 
de uma transpós-modernidade (o além através da 
modernidade), necessitamos assegurar a possibilidade da 
experiência social por um certo ethos. Nossa idéia do 
mínimo ético pretende incorporar algumas tematizações 
das subjetividades modernas, sem, no entanto, reincidir em 
abstracionismos melancólicos: a saudade do que teria ido 
sem jamais ter propriamente chegado. Ora, o que ainda 
não veio não pode mais ser exatamente o mesmo do 
momento em que se acredita que devesse ter vindo. Em 
razão disso, o mínimo ético não menospreza as expressões 
identitárias e estéticas pelas quais o sujeito abstrato da 
modernidade contemporânea preenche seu vácuo de 
impessoalidade naquelas maneiras de individualização não 
imediatamente políticas ou jurídicas. A resolução dos 
entraves igualitários surgidos na formação capitalista da 
modernidade é aqui pressuposta como condição para a 
expressão livre do homem em todas as suas possibilidades, 
que, como tais, evidentemente não são mais apenas 
aquelas mesmas possibilidades que se poderia antever na 
aurora da modernidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
17 
 
 
 
O referido sufocamento das energias 
emancipatórias da modernidade contou também com uma 
concepção de comportamento social subjacente ao 
positivismo jurídico: o registro de uma tradição coativa 
que necessita ser urgentemente repensada. A ênfase 
heteronomista e sancionatória tende a assimilar a regulação 
social ao uso efetivo ou potencial da violência. 
Administrada sob sociedades traumatizadas com os 
excessos históricos de variadas formas de violência, o 
efeito perverso dessa cultura repressiva atinge níveis 
incomensuráveis. As sociedades latino-americanas 
experimentaram uma continuidade laico-patrimonialista 
das éticas tradicionais de fundamentação desigualitária, 
embora em nada semelhantes àquelas vigentes na Europa 
durante a Idade Média. E em tal contexto, essa cultura 
jurídica repressiva só pode fazer uso de uma violência 
estatal que recaia sobre parcelas dramaticamente excluídas 
do acesso às benesses da cooperação comunitária. Nesse 
ciclo perverso, o Estado desempenha o avesso de sua 
função socializadora. O discurso da coatividade oficial foi 
o verniz com o qual se tentou recobrir um 
patrimonialismo pré-moderno há muito putrefato. Nas 
sociedades tradicionalistas de caráter patrimonial, a cultura 
coativa patrocinada em nome do Estado operou uma 
extensão do poder privado – branco e masculino – 
exercido sobre o núcleo familiar e suas adjacências. Muitos 
são os exemplos desse quadro e maiores ainda as 
deformações herdadas. Ilustra esse estado de coisas o 
servilismo semi-escravo dos peões aos fazendeiros, dos 
cassacos de engenho aos seus senhores, dos caboclos aos 
patrões seringalistas; no Brasil de sul a norte. Na 
Argentina, podem ser lembrados os negritos, descendentes 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
18 
 
de índios, mantidos distantes dos núcleos urbanos de 
predominância euroascendente. Podemos também 
recordar os camponeses mexicanos rebelados contra seus 
senhores, que pretendiam marcá-los com ferro em brasa, 
como uma espécie de gado humano, para que não se 
evadissem dos domínios de seus latifúndios. Na América 
Latina,a disseminação de uma cultura colonial 
heteronomista impediu de ser vislumbrada a fragilidade 
dos fundamentos ético-conviviais sobre os quais mais 
tarde se pretendeu assentar edifícios jurídicos de 
arquitetura européia. O avassalamento de civilizações e 
culturas autóctones pelas éticas e direitos oficiais dos 
dominadores relegou à marginalidade uma série de 
hábitos, costumes e práticas normativas que, a despeito de 
jamais terem perdido completamente sua eficácia 
vinculativa, principiam agora a ter sua dignidade resgatada 
para o pluralismo do fenômeno jurídico revisto à luz das 
localidades. 
O desempenho da violência oficial durante 
situações de cisão do pacto cooperativo e de indiferença 
ao sofrimento de milhões de pessoas conduz o sistema 
jurídico a cumpliciar-se com a histórica exclusão social em 
razão da qual a própria legitimidade do direito passa a ser 
duramente questionada. É esse o caso da sociedade 
brasileira, onde historicamente desenvolveu-se uma 
apropriação do poder social do direito por uma elite 
empenhada em pô-lo a serviço da manutenção de 
privilégios absolutamente infundamentáveis, que atingem 
toda a capacitação oportunizante em virtude da qual 
crescem as chances de se conquistar alguma igualdade 
material precária. 
Todavia, reprovações românticas ao monismo 
jurídico também constituem um problema crítico da 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
19 
 
herança positivista a ser administrada. Evidentemente, um 
espaço democrático de produção normativa deve manter a 
ordem jurídica estatal permeável às exigências 
emancipatórias gestadas ao largo dos domínios 
institucionais. Existem inúmeras dessas práticas 
emancipatórias voltadas diretamente ao reconhecimento 
de suas reivindicações na forma do direito positivo estatal. 
Aliás, em momentos de tempestade desregulamentadora e 
flexibilizante, o reforço tático das estruturas eficaciais do 
direito positivo estatal representa um porto seguro no qual 
podem ser ancoradas muitas garantias ameaçadas. Mas, 
por outro lado, é prudente evitar ingenuidades, pois nem 
toda reivindicação ou prática nomogênica apresenta 
alguma substância libertária simplesmente por exibir em 
sua origem alguma normatividade paralela ou plural em 
relação ao Estado. Logo, é no espaço público de 
negociação da normatividade vigente, com suas 
vicissitudes de hegemonia política e subjetividade dos 
intérpretes, que muitas dessas mesmas práticas 
emancipatórias vão medir suas aptidões efetivas para 
generalizar e assegurar propostas e pontos de vista na 
modalidade de direito oficial. A maior ou menor 
permeabilidade do espaço normativo oficial às 
reivindicações oriundas de movimentos emancipatórios 
oscila de sociedade para sociedade. E essa permeabilidade 
pode ainda ser regulada pelas ações da cidadania política, 
que, por seu turno, jamais deixam de supor 
preliminarmente certas capacidades participativas 
viabilizadas graças à efetivação dos direitos humanos e 
fundamentais, hoje especialmente sociais e econômicos. 
O discurso dos direitos humanos constitui 
atualmente um núcleo ético comum e irredutível do direito 
moderno. Longe de ter florescido de algum consenso 
racional estabelecido entre os povos do ocidente, essa 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
20 
 
espécie proliferou mesmo através do transplante 
sistemático de certas exigêcias por segurança e 
previsibilidade surgidas no contexto do modelo de Estado 
europeu moderno. O apelo igualitarista e libertante desses 
direitos humanos difundiu e orientou sua apropriação por 
sociedades de aspiração pós-convencional. Tal discurso, 
entretanto, tem hoje permanecido refém da pura 
igualdade formal, facciosamente alardeada como um valor 
intocável por intelectuais de tradição conservadora. 
Enquanto isso, no imaginário social, o potencial 
pacificador dessa igualdade formal, que aliás sempre 
permaneceu relativamente baixo, foi praticamente 
cancelado pelos sucessivos testemunhos de desmentido 
fornecidos pela intensa crueldade das situações concretas 
absurdamente antiigualitárias. Essa nossa referência ao 
antiigualitário pretende apresentar algo ainda mais grave 
que o simplesmente desigual. A palavra desigual refere-se a 
alguma situação na qual não se conseguiu alcançar uma 
certa equalização tida como justa. Antiigualitário, porém, é 
o que, além disso, segue provendo essa fonte de 
desigualdade, seja para reproduzi-la em outros casos, seja 
para agravá-la. Nesse sentido, a sociedade brasileira 
adquire feições nitidamente antiigualitárias em variados 
níveis de sua estruturação. Abordar seriamente as relações 
entre ética e direito com vistas à superação dessa 
configuração antiigualitária requer um compromisso 
constante com o problema conexo da eficácia, seja sob o 
ângulo do conjunto conceitual teoricamente adotado para 
essa análise, seja do ponto de vista das realidades concretas 
às quais ele pretenda se reportar. Da maneira como o 
estamos elaborando, o tema da desigualdade pretende 
sempre remeter à detecção dos sintomas de uma 
configuração social antiigualitária. Assim, a justiça social 
passa a envolver o conjunto daquelas medidas pelas quais 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
21 
 
certas manifestações agudas desses sintomas devem ser 
urgentemente atacadas, sem serem jamais esquecidos o 
tratamento das causas desse quadro antiigualitário e a sua 
prevenção contra futuras recidivas e distorções. 
 Diante do drama da exclusão social maciça, a 
experiência ética reclama do direito a consignação de seu 
poder e de sua força para ela própria se tornar possível. 
Configurações sociais antiigualitárias inviabilizam a 
ocorrência dessa experiência ética entre indivíduos 
membros de uma comunidade, quando já não tratam de 
por o direito a serviço de seu próprio agravamento. 
Configurações sociais antiigualitárias obstaculizam a 
própria representação dos indivíduos do que possa ser por 
eles compreendido como uma sociedade da qual fazem 
parte. Mas não se trata de o direito ir recolher na ética, ou 
nas incontáveis concepções de justiça das várias éticas, 
algum critério de validade duvidoso para contextos 
modernos de relativismo axiológico. A proposta de o 
direito possibilitar a experiência ética significa o mesmo 
que ele possibilitar a própria sociedade. E isso não pode 
significar imediatamente a adesão a nenhuma concepção 
particular de justiça, senão antes mesmo a construção de 
um espaço social onde essas justiças possam circular. 
 
O patrimônio semântico acumulado ao longo dos séculos 
pela palavra justiça muitas vezes produziu, ao invés de 
fortuna, ruína. Filósofos e mesmo teólogos arriscaram 
ousadas transações com esse patrimônio na bolsa das 
idéias e das teorias. Foi assim que essa atividade 
especulativa com a semântica da justiça provocou amiúde 
um distanciamento dos processos de produção social 
envolvidos na sua possibilidade de ocorrência concreta. Na 
marcha das idéias, o direito moderno acabou por adquirir 
uma racionalidade formal e, logo em seguida, fustigado o 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
22 
 
jusnaturalismo, as preocupações com a justiça perderam 
uma parte considerável de seu sentido. Atualmente, 
entretanto, muitos pensadores do direito esqueceram ser 
essa racionalidade jurídica conquistada na modernidade 
sobretudo uma racionalidade formal, e assimtentam, 
novamente, reiniciar as transações com o capital semântico 
da justiça. A retomada de um certo otimismo, por vezes 
inocente e por outras oportunista, com as elucubrações 
principiológicas e aistóricas constitui a mais recente versão 
dessa que pode ser notada como uma velha e conhecida 
prática especulativa. Mas quem sabe agora, atentando para 
Weber, enxerguemos com mais nitidez que essa tentativa 
de uma racionalidade substancial ou conteudística para o 
direito não pode ser buscada em conjecturas abstratas de 
filósofos profissionais que pretendem falar para o mundo 
inteiro como se ele fosse um só. Nem a filosofia e 
tampouco a ciência têm condições de oferecer coerência e 
harmonia a conteúdos axiológicos intrinsecamente 
conflitantes, ainda mais quando observamos de perto as 
sociedades reais freqüentemente negligenciadas no nível da 
estratosfera filosófica. O que podemos e até devemos 
postular, agora saindo desses limites mais formais, é uma 
maior atenção aos processos sociais de produção e 
circulação da sociabilidade. Ao invés de especulação com o 
capital semântico da justiça, a economia dos saberes sociais 
necessita, com toda pressa, de pesados investimentos 
teóricos nas configurações materiais e culturais de 
produção da experiência convivial ausentes nas sociedades 
empíricas de baixo desenvolvimento e sem justiça social. 
Essa mudança de enfoque econômico na circulação dos 
saberes sociais, a passagem da especulação para os 
processos de produção, está na base da análise eficacial 
norteadora desse trabalho. Como assinalamos, o que então 
entra em pauta agora é a própria ética ir buscar, na força 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
23 
 
do direito, as condições materiais mínimas para sua 
possibilitação. Esse mínimo de ética torna-se um mínimo 
de sociedade. E isso não representa de maneira alguma um 
recuo jusnaturalista simplesmente porque significa apenas 
uma aposta decisiva no financiamento da autonomia dos 
indivíduos pela qual até mesmo a atividade coativa do 
direito pode diminuir sua freqüência e sua intensidade. 
Também por isso, em respeito à diversidade moral, essa 
busca da ética nas cercanias do direito deve permanecer 
cingida àquilo que for cultural e materialmente 
indispensável para sua ocorrência. Chamaremos essa busca 
de um mínimo ético. Pensadores tão distintos entre si como 
Bentham, Pachucanis, Jellinek, Schopenhauer e Hartmann 
já se utilizaram em suas reflexões dessa expressão ou de 
alguma outra muito similar: mínimo ético, mínimo de ética, 
mínimo moral, ética mínima, etc. Nós, entretanto, não 
assumimos qualquer vínculo imediato com as propostas 
desses ou de outros pensadores, embora relações possam 
até existir entre o que eles designaram como mínimo ético e 
o que nós mesmos estaremos tratando também sob esta 
idêntica nomenclatura. Trata-se então apenas do 
compartilhamento de uma expressão significante, sem 
maiores compromissos que daí possam ser extraídos para a 
relação com seu referente fenomênico na sociedade. 
 
O mínimo ético constitui o alicerce possibilitador 
da sustentação da experiência convivial, sendo composto 
da mesma substância cooperativa e mutual que integra o 
Estado, o direito e a moral. A idéia de um mínimo ético 
não pode ser malversada como o oferecimento de mais um 
outro núcleo axiológico suprapositivo ou metafísico, bem 
ao estilo dos inúmeros jusnaturalismos. O mínimo ético é 
representado pelo conjunto de medidas culturais e 
materiais a partir das quais se reverte, pela concretização e 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
24 
 
efetivação dos direitos humanos e fundamentais, o quadro 
da exclusão social. O mínimo ético almeja então o 
(re)ingresso dos excluídos no pacto social e, por 
conseqüência, acarreta o próprio incremento de 
legitimidade do direito. O mínimo ético anseia por aquele 
mínimo de condições necessárias à possibilitação da 
experiência social solidária. Expressa, por esse viés, um 
direito à oportunidade de moralização: o direito dos 
indivíduos a uma identidade digna sendo equalizado pela 
contrapartida do atendimento aos deveres de 
expectatividade e cooperatividade afiançados pela força do 
Estado. Mas, no mundo moderno, além dos seus aspectos 
conviviais, a ética também envolve uma obrigação política 
de submissão ao Estado como representante da ordem 
pública, à qual devemos atender mediante certas 
contrapartidas que, entre outras coisas, assegurem a 
subsistência dos indivíduos como seres livres para o 
exercício da diferença e iguais em dignidade e nas 
condições práticas dessa mesma liberdade. Com isso é 
assinalado que a obediência não envolve tão-somente 
problemas de autoridade e coerção mas também um dado 
essencialmente ético, fundado no reconhecimento da 
mutualidade nas prestações entre o Estado e a sociedade 
negociadas no espaço democrático. 
Uma sociedade merece tal designação quando 
fornece aos seus membros condições para seu 
desenvolvimento moral e possibilidades reais de 
atendimento material àquelas expectativas que lhes são 
dirigidas na forma de obrigações, deveres, e promessas 
empenhadas. De outro lado, esses membros anuem em 
cooperar com sua comunidade, abstendo-se de prejudicá-
la e, quando possível, empreendendo ações altruístas para 
seu aprimoramento. O equilíbrio havido nessa 
mutualidade, estabelecida entre indivíduos e sociedade, 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
25 
 
incrementa a própria legitimidade do pacto social. Isso 
tudo assim resulta porque, quando os indivíduos recebem 
a chance de ser alguém perante seus parceiros de convívio e 
perante suas auto-estimas, essa chance, além de altamente 
valorizada, tende a ser traduzida no atendimento a certos 
deveres próprios de quem é ou tornou-se alguém: mais 
confiabilidade, mais sociabilidade, mais honestidade, mais 
solidariedade, mais respeito à coisa pública, mais 
responsabilidade, mais vergonha moral, mais decência. 
Elaborada dessa maneira, a adesão de um indivíduo à 
moralidade não depende de nenhuma condição intrínseca 
de subjetividades naturalmente boas ou más. Antes, essa 
adesão à mutualidade da moralidade exige certas 
contrapartidas materiais: benefícios realmente 
vislumbrados por quem ingressa na reciprocidade de um 
convívio regulado por normas. Mas como exigir de uma 
mãe, com sua prole faminta em um barraco, que não se 
empregue na distribuição de cocaína nas favelas do Rio de 
Janeiro? Na ausência de contrapartidas sociais mínimas, é 
melhor ser incluída como desempregada ou excluída como 
uma traficante? Mas é realmente possível formular tal 
disjuntiva, justamente quando a opção pela licitude e pela 
moralidade já significa riscos à própria subsistência? Pode 
alguém, em meio à guerra pela sobrevivência, optar pelo 
respeito ao direito quando este significa a própria fome ou 
mesmo o fim? 
A efetivação do mínimo ético torna-se 
imprescindível a uma estratégia de possibilitação do direito 
nos Estados de modernidade periférica, especialmente 
quando passa a viger o consenso de que o dever de 
obediência ao poder instituído há de estar baseado no 
reconhecimento, e não na pura força. O reconhecimento 
funda-se também na possibilidade de a sociedade sentir a 
coisa pública como sua, e não apenas como uma 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
26 
 
hospedaria infestada de parasitas e escroques. Por essarazão, o debate sobre os direitos humanos acaba fazendo 
convergir para um mesmo foco os temas da igualdade 
material, da democracia e da participação. Nesse foco 
comum, a exigência é por espaços nos quais seja exercida a 
diversidade da autonomia coletiva com garantias 
preliminares à subsistência. O mínimo ético representa o 
atendimento àquelas condições culturais e materiais 
essenciais, a partir das quais a própria pluralidade de 
concepções axiológicas pode ser manifestada como 
expressão maior da liberdade e da participação. A atenção 
ao mínimo ético equaliza a mutualidade desde a qual 
começa a ser possível uma sociedade. Logo, esse mínimo 
ético, ao renunciar à adesão a qualquer constelação axiológica 
específica, faz-se condição de possibilidade dessa própria pluralidade. 
Para que haja diversidade de valores numa sociedade, há 
de existir, antes, a própria sociedade. É das condições de 
existência dessa sociedade em um contexto moderno pós-
tradicional que o mínimo ético pretende cuidar. O mínimo 
ético é, portanto, um mínimo social que repudia não só a 
cisão entre incluídos e excluídos, senão também a 
dominação dos incluídos sobre os excluídos em nome do 
direito. A fala em nome desse direito, porém, teve 
diversas vezes a dicção de uma voz do além: solene, 
neutra, intrinsecamente boa. O lugar oculto dessa fala foi a 
instância de um saber que se pretendeu apresentar como 
ciência: a ciência do direito. 
O conhecimento social da maioria esmagadora 
dos porta-vozes dessa ciência do direito tornou-se um saber 
de impostores. Oscilando entre os improvisos e a 
arrogância, opiniões mais ou menos preconceituosas, do 
tipo Hebe Camargo, desperdiçam a experiência acumulada 
com o amadurecimento de diversos estudos sociais. 
Boaventura propõe uma crítica da razão indolente contra 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
27 
 
esse desperdício da experiência. Também a ignorância dos 
juristas sobre as formas não-jurídicas de regulação social 
contribui para uma hipertrofia coativa do direito. As 
interdições epistemológicas, verificadas no âmbito da 
ciência jurídica, não são perceptíveis apenas na dogmática 
dos vários ramos do direito material. Tais interdições 
epistemológicas também se encontram fortemente 
instituídas na tecnologia do direito processual disponível. 
Essas sérias limitações dos instrumentos oferecidos para o 
asseguramento jurisdicional dos direitos humanos e 
fundamentais, especialmente sociais e econômicos, têm 
convocado regularmente a criatividade dos pensadores do 
processo a apresentar inovações que se prestem à 
realização da justiça social na perspectiva do mínimo ético. 
Felizmente, diversos juristas da área processual têm 
corajosamente atendido a esse chamado urgente para a 
construção de um direito integrativo para toda a 
sociedade, e não apenas para aqueles segmentos que 
historicamente sempre tiveram acesso à justiça. Porém, 
esses heróicos processualistas ainda são poucos para 
mudar um senso comum teórico sedimentado por décadas 
de conservadorismo e tecnicismo neutral. 
 Qualquer ciência já impõe uma certa pré-
constituição de seu objeto pelas perguntas que consegue 
ou prefere fazer. Com a ciência jurídica positivista não 
haveria de ser muito diferente. Uma das tarefas da crítica 
parece ser então a de procurar a reformulação dessas 
perguntas para as quais a ciência jurídica positivista 
pretendeu oferecer respostas unívocas. Alargando-se assim 
a percepção do direito pelo filtro cognitivo de seus 
operadores, poderá ser inserida, nesse ponto de vista pré-
compreensivo, a consciência da dimensão ética 
fenomenicamente subjacente a qualquer experiência 
jurídica em sociedade. O paradigma cognitivo da moderna 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
28 
 
ciência do direito orbitou em torno das múltiplas questões 
técnicas derivadas de sua teoria da validade. 
Sistematicamente, a chamada teoria geral do direito afastou 
para longe de si aqueles problemas ligados à justiça e à 
eficácia. A justiça foi rebaixada a um estatuto relativista e, 
às vezes, irracionalista, enquanto a eficácia dispersou-se 
por vários tópicos da rubrica sobre a legitimidade na hoje 
chamada ciência política. Pesquisada com certa atenção, 
entretanto, a temática da eficácia exibe um longo percurso 
na história do pensamento ocidental. Já em Platão 
observamos preocupações com o que poderíamos designar 
de táticas eficaciais para um ordenamento jurídico. Em As 
Leis (662b), mesmo sabendo tratar-se de uma doutrina 
duvidosa, Platão propugna a divulgação da idéia de que 
somente o homem justo é feliz, com o intuito de alcançar a 
máxima obediência voluntária dos cidadãos às normas da 
Polis. Todavia, apesar dessa longa trajetória, não é difícil 
vislumbrar o que aconteceu com a problemática da eficácia 
na modernidade: ela sofreu um eclipsamento pelo 
problema da justiça, responsável por monopolizar o 
interesse de filósofos e juristas por muitos séculos. E, com 
o advento do positivismo jurídico, eficácia e justiça foram 
meticulosamente isolados daquele outro fenômeno, desde 
então considerado jurídico por excelência e excludência: o 
da validade. 
 
 Mais dramático ainda foi o encobrimento das 
abordagens hermenêuticas ínsitas à construção social do 
fenômeno jurídico-judicial. A temática hermenêutica 
experimentou um longo exílio no mundo encantado dos 
métodos científicos de interpretação. Esse obscurecimento, 
porém, não ocorreu de modo gratuito. A afirmação do 
programa positivista de uma ciência do direito moderna 
necessitava arredar aquelas dimensões do fenômeno 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
29 
 
jurídico que eventualmente representassem incertezas e 
variabilidades das decisões, de vez que essas eram 
características frontalmente opostas tanto à segurança jurídica 
como ao ideal de uma ciência rigorosa. Ora, se há uma 
dimensão do fenômeno jurídico que exalta sua incerteza e 
sua variabilidade, essa dimensão é a hermenêutica. A 
libertação da hermenêutica desse mundo encantado dos 
métodos só tornou-se possível graças ao avanço das 
pesquisas filosóficas sobre a linguagem e à apresentação de 
novas abordagens da interpretação jurídica, de inspiração 
menos cientificista. Desde a década de 1930, com os 
progressos da filosofia hermenêutica, a reflexão sobre o 
fenômeno interpretativo, que não é exclusivo do direito, 
avançou em muitas direções. Especificamente no campo 
jurídico, a hermenêutica vem deixando de ser uma 
hermenêutica técnica, um debate apenas sobre a semântica 
de textos normativos. A hermenêutica passou a tematizar a 
estruturação global do fenômeno jurídico: da criação 
normativa pela instância legislativa, passando pelas 
dogmáticas específicas e pela aplicação concretizadora, até 
a análise do comportamento dos destinatários e intérpretes 
desses comandos. Sem desconhecer as conquistas da teoria 
da validade, essa nova hermenêutica apresentou-se como 
um saber disposto a enriquecer a percepção do fenômeno 
jurídico em seus diversos setores de estruturação. 
A maior contribuição da hermenêutica 
contemporânea foi a de evidenciar que o conteúdo 
concreto do direito resulta, em último caso, de uma 
definição interpretativa. A dialética da criação jurídica 
revelou-se como um âmbito cuja racionalidade prática não 
era propriamente científica. A retomada da matriz 
argumentativa e retórica somou-se a esse entendimento. 
Paulatinamente as várias visões sobre o fenômeno jurídico 
trataram de apresentar suas problematizaçõesF u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
30 
 
hermenêuticas. Com o direito alternativo não poderia ser 
diferente. O direito alternativo, seguramente o movimento 
de juristas progressistas mais discutido na América Latina, 
reclama agora também seu amadurecimento hermenêutico. 
Portador do gérmen reivindicativo de uma modernidade 
incumprida, o direito alternativo discute agora sua 
refundação sobre bases teóricas mais consistentes. A 
primeira delas remonta a um aspecto conteudístico e tenta 
oferecer reflexões em torno da seguinte questão: como 
construir alternativas às questões da justiça e da eficácia que não 
reincidam no jusnaturalismo e tampouco sejam novamente reféns dos 
relativismos? A segunda, por sua vez, remonta a um aspecto 
hermenêutico, oferecendo reflexões sobre as seguintes 
questões: quais alternativas existem ao discurso pseudocientífico dos 
métodos de interpretação? De que maneira é possível uma percepção 
hermenêutica para a efetivação do mínimo ético e para o 
desenvolvimento de uma responsabilização conseqüencial dos 
intérpretes-aplicadores? Analisados desde a perspectiva das 
teorias de fundamentação, esses dois campos temáticos, a 
ética e a hermenêutica, constituem a articulação central 
deste livro, que oferece teses para uma refundação do 
pensamento jurídico crítico. Este livro, no entanto, até por 
seu caráter ensaístico, não pretende oferecer nenhuma 
teoria integral do direito alternativo. Tendo nascido como 
um movimento de juristas, o direito alternativo não é uma 
escola doutrinária. Mas isso tampouco significa sua 
aversão pela reflexão teórica. O presente exame de 
fundamentação ética e hermenêutica, além de municiar 
uma prática alternativa, sugere novas maneiras para a 
compreensão do fenômeno jurídico. Assim, as idéias aqui 
expostas não se destinam apenas aos integrantes ou 
simpatizantes do Movimento de Direito Alternativo, senão 
também a todos os interessados em exaltar no direito seu 
compromisso com a eliminação da exclusão social. 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
31 
 
O primeiro capítulo inicia-se por um 
diagnóstico do Movimento de Direito Alternativo, 
contextualizando sua abordagem no panorama do 
positivismo jurídico contemporâneo. Logo após, os 
conceitos de eficácia e validade são deslindados a fim de se 
compreender a funcionalidade do direito no processo de 
exclusão social. 
No segundo capítulo, as relações entre direito 
e ética são analisadas com vistas à fundamentação do que 
estamos denominando como mínimo ético. São aí 
aprofundadas as matrizes analíticas e psicossociais do 
chamado mínimo ético, tomando-se em consideração as 
pesquisas de Ernst Tugendhat, da teoria dos sentimentos 
morais e da psicanálise. Em seguida, a proposta do mínimo 
ético é contextualizada num espaço simultaneamente 
filosófico, sociológico e antropológico. Uma abordagem 
da teoria das capacidades, da teoria da igualdade e de 
algumas idéias da economia política torna-se indispensável. 
Também são sondados o fenômeno da corrupção e a 
premência do mínimo ético como critério de legitimidade 
para o sistema jurídico brasileiro. Ao final, é proposta uma 
pedagogia dos direitos humanos, destinada a dar conta da 
formação ética dos operadores do direito. 
O terceiro capítulo apresenta o antigo 
problema da justiça de um ângulo nada usual. A justiça é 
agora compreendida como um sentimento moral situado no 
contexto de uma sociologia jurídica da observância 
normativa. Após a explicitação dessa perspectiva, a análise 
do sentimento de justiça é deslocada para um âmbito mais 
psicológico, procedendo-se a uma incursão às pesquisas de 
Piaget a respeito da formação do sentimento de igualdade. 
Depois, são estabelecidas algumas relações entre o plano 
eficacial do direito e o aspecto motivacional do sentimento 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
32 
 
de justiça. Por último, os problemas até então 
apresentados são articulados com o capítulo seguinte, que 
é sobre hermenêutica. Para tanto, são sugeridas as 
categorias do cidadão-jurista e do jurista-cidadão, demarcando 
os limites e alcances das ações técnicas e políticas nas 
esferas corporativas e democráticas mais amplas. 
O quarto capítulo dedica-se à problemática 
hermenêutica. Reflexões sobre a aplicação efetivante das 
idéias substanciais do mínimo ético são propostas. De 
início, certas noções da hermenêutica filosófica têm sua 
pertinência examinada para a esfera do direito. É suscitada 
a problemática das pré-compreensões dos intérpretes, 
oferecendo-se uma abordagem sobre o papel da 
fundamentação dessas pré-compreensões na 
discricionariedade aplicativa. Segue-se a isso uma reflexão 
hermenêutica sobre o direito alternativo, procurando-se 
responder à seguinte questão: afinal, o que é alternativo no 
direito alternativo? Logo após, são analisadas as distinções 
entre a pré-compreensão subjetiva do intérprete e a pré-compreensão 
jurídica, no contexto da aplicação normativa. Essa reflexão 
geral é reunida sob o nome de hermenêutica genealógica. Os 
fenômenos da incidência e da juridicização são 
criticamente apreciados em perspectiva hermenêutica. 
Recolhendo inspiração na metódica estruturante de 
Friedrich Müller, em seguida é abordada a interpretação 
conforme a Constituição no contexto de uma 
hermenêutica preocupada em discutir a fundamentação 
das pré-compreensões dos intérpretes. Ao final, são 
retomadas as categorias do jurista-cidadão e do cidadão-
jurista a fim de se conciliar a responsabilidade pela 
concretização do mínimo ético com o compromisso 
hermenêutico de clarificação das pré-compreensões 
elevadas à condição de posições fundamentáveis. 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
33 
 
1. Alternativas do Direito na Modernidade 
1.1. Um diagnóstico autocrítico do MDA 
 
Comemoramos, no jubileu de 2001, o décimo 
aniversário do Movimento de Direito Alternativo (MDA). 
Mas não se trata de apenas festejarmos, com ares 
saudosistas e talvez melancólicos, os bons tempos dos 
grandes congressos. Nem tampouco de atestarmos o 
necrológio do MDA, tantas vezes lavrado 
precipitadamente por exultantes legistas dos setores 
conservadores. No atual contexto, comemorar não 
significa apenas festejar, mas, especialmente, rememorar: 
trazer à memória algo de nosso passado a fim de 
recuperarmos, no exercício dessa retrospecção, possíveis 
direções prospectivas. Eis aí o melhor sentido para esse 
Congresso que assinala a primeira década do MDA.1 
Inegavelmente, ao longo de mais de uma 
década, houve substancial contribuição do MDA para o 
desenvolvimento do pensamento crítico no direito. Essa 
importância pode ser aquilatada objetivamente: grandes 
congressos, edições avidamente recebidas, diversas 
dissertações e teses de excelente nível acadêmico, atração 
imediata do interesse dos discentes, diálogo inusitado entre 
profissionais de distintas áreas jurídicas, antes 
ensimesmados em suas corporações, e, desde então, 
aglutinados na luta pela efetivação do Estado de Direito 
Democrático. Também há de se considerar a simpatia 
angariada dos movimentos sociais, não apenas para o 
MDA, mas para as próprias instituições jurídicas. A 
atuação do MDA contribuiu para que muitos desses 
movimentos sociais abandonassem o ranço das imagens 
negativas e estereotipadas das instituições jurídicas, vistas 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e He r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
34 
 
como um lugar onde se praticava um eterno jogo de cartas 
marcadas. Todavia, muitas outras oportunidades de 
conquistas e avanços foram desperdiçadas pelo MDA, 
especialmente em dois níveis: um de ordem conceitual e 
outro de uma conseqüente ordem prática. A letargia atual, 
malgrado algum voluntarismo de muitos, deve ser 
atribuída à inércia e à desarticulação nesses dois níveis, 
principalmente no teórico. 
A crise do MDA tem muitas causas. Avaliá-las 
todas seria aqui impróprio. Mesmo assim, é proveitoso 
salientarmos algumas: certa despotencialização histórica 
em face da desvalorização da normatividade estatal 
engendrada pelo contexto neoliberal; a cegueira da ação 
corporativa reiterada por muitos profissionais do direito; o 
mútuo distanciamento entre a produção acadêmica e o 
mundo das práticas jurídicas extra-universitárias; o 
desgaste da energia utópica da militância tradicional; a 
desarticulação orgânica com os segmentos progressistas 
dos movimentos populares, tradicionais e novos; e, 
principalmente, a ausência de discussão sistemática sobre 
questões teóricas. É inadmissível para um movimento que 
congrega intelectuais descurar a reflexão sobre as formas 
de produção do direito e o alcance das lutas empreendidas 
na sua esfera prática. A ausência dessas reflexões conduziu 
a um praticismo bem intencionado, muitas vezes altamente 
heterogêneo em linhas de ação e razões de fundamentação. 
Nesse quadro, a própria identidade do MDA restou 
parcialmente comprometida. Sob o mesmo signo 
reuniram-se intervenções cuja unidade poderia tornar-se 
duvidosa. A recuperação da influência do MDA no direito 
positivo, como vetor do processo de configuração 
institucional, deve ser agora assentada no 
compartilhamento de algumas concepções teóricas e 
históricas sobre o significado e a urgência da realização da 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
35 
 
modernidade jurídica e social no Brasil. Nossa situação, 
aliás, não é das mais animadoras nesse terreno de 
implantação e/ou manutenção da modernidade: a evasão 
de divisas pelo pagamento de uma dívida e(x)terna ilegal; a 
falência das economias nacionais, no plano produtivo e nas 
oportunidades de circulação; a combinação entre a sedução 
publicitária das camadas médias pelo consumo noveau rich e 
sua paradoxal ameaça de ingresso, pelo desemprego, na 
cadeia de exclusão social; a insensatez da regulação das 
economias por variáveis incontroláveis (o capital 
estrangeiro); a des-moralização material e simbólica do 
Estado, a situação vegetativa da democracia induzida ao 
coma pela deserção social dos integrados e pela 
impossibilidade de participação dos excluídos; a violência 
social, pública e familiar, com seus efeitos perversos na 
solidariedade e na capacidade geral de socialização dos 
indivíduos; a recidiva de doenças endêmicas e epidêmicas 
sobre os alijados do sistema de saúde; a crescente 
concentração de renda, riquezas, terras, cultura, direitos, 
capacidades e oportunidades; a atuação de uma 
criminalidade muito mais organizada que as agências de 
combate aos delitos; a cegueira dos políticos e juristas ao 
insistirem na regulação social ultrapunitiva; a desatenção às 
políticas públicas de financiamento da autonomia ética e 
cultural dos indivíduos; a fome e a subnutrição, nas suas 
versões crônica e aguda; a devastação ambiental; a 
displicência com o acesso à educação de qualidade, 
especialmente das crianças; a desatenção às desigualdades 
regionais provocadas pelas políticas de concentração de 
recursos de um federalismo fictício; o neocoronelismo dos 
políticos parasitas; e uma crise geral na auto-estima do 
povo brasileiro. 
Entretanto, nem tudo são espinhos: o Brasil, à 
diferença de outros países periféricos, não é dividido por 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
36 
 
conflitos religiosos. No Brasil, embora certamente haja 
racismo, este não atinge níveis de ódio social. Somos 
unidos por uma mesma língua em toda nossa extensão 
territorial. Nosso patrimônio natural e estético é um dos 
mais abundantes do planeta. Desfrutamos de uma cultura 
pacifista e não sofremos com nenhum movimento 
separatista digno de consideração. Ademais, o episódio do 
impeachment de Collor consolidou perante o mundo nossa 
capacidade de preservação da arquitetura institucional por 
sobre as mazelas da conjuntura política. 
Sem aderir a um pessimismo fatalista, a 
unidade do MDA é também caracterizada pela comunhão 
não-dogmática de uma consciência acerca do papel ativo 
do direito no solucionamento desses percalços de nossa 
modernidade. Diante disso, a auto-análise crítica da 
trajetória e dos acúmulos do MDA torna-se um imperativo 
que antecede a potencialização de sua intervenção. Sem 
uma análise crítica radical, sua pulverização tenderá a se 
ampliar, restringindo e até cancelando seu alcance para a 
próxima década. 
Não postulamos, contudo, o lançamento das 
bases de um movimento completamente novo. 
Pretendemos mudar a direção do caminho a percorrer sem 
descuidar do quanto já foi até aqui palmilhado. Cumpre, 
assim, revisitarmos algumas experiências já acumuladas 
pelo MDA para, a partir delas, apresentarmos a edificação 
de algo mais vigoroso. Propomos, então, a refundação do 
Movimento de Direito Alternativo. E estamos com o 
presente ensaio oferecendo algumas idéias para avivar esse 
debate. Desse modo, as teses a seguir expostas 
essencialmente constituem um conjunto de reflexões para 
os próximos congressos do MDA. 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
37 
 
O espírito de refundação ora proposto conduz 
para além de uma mera retrospectiva dos acertos e 
desacertos praticados ao longo dessa década que se 
completou. A mera ruminação do passado não desvela as 
possibilidades do futuro. Esse próximo congresso não 
deve, pois, estar com os olhos voltados para trás, 
preocupado apenas com as autocríticas que por si só nada 
removem do passado nem promovem no futuro, já que os 
erros poderão ser sempre outros. Esse congresso deve, isto 
sim, apontar para uma nova articulação, em termos mais 
aglutinadores e consistentes, de um dos movimentos de 
juristas críticos e democráticos de maior importância e 
repercussão no panorama nacional e latino-americano. 
Para refundar o MDA, urge fundamentá-lo 
melhor, sob o risco de, se não o fizermos, afundarmos no 
oceano das boas intenções ideológicas ou no mar do 
voluntarismo inorgânico das práticas de membros 
atomizados. O presente ensaio não pretende, contudo, 
suprir essa fundamentação cuja carência ora se aponta. 
Não poderíamos pretender nesse curto espaço exauri-la. 
Trata-se, antes de qualquer coisa, de suscitar o debate 
sobre essa fundamentação. Para tanto, estamos 
apresentando algumas reflexões para o compartilhamento 
com todos os interessados na construção de um direito 
comprometido com a transparência do processo decisório, 
com a integração dos excluídos e com a justiça social. Esse 
debate deve ainda ser balizado pelo rechaço ao 
dogmatismo, pela pluralidade e transdisciplinaridade de 
pontos de vista teóricos e políticos, e, sobretudo, pela 
unidade estratégica na implementação de algumas tarefas 
que estão ao alcance de nossa ação impulsionar, 
especialmente como juristas-cidadãos, mas também como 
cidadãos-juristas, no contexto do Estado de Direito 
Democrático. Falamos da garantia concreta e do acesso 
 
 
 
 
 
 
 
 Fu n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
38 
 
efetivo à dignidade materialmente realizável para milhões 
de pessoas. 
A capacidade do MDA de intervir de maneira 
efetivamente democrática na redefinição histórica da 
instância jurídica, e da própria sociedade, depende, assim, 
do revigoramento de suas bases teóricas. Trata-se 
especialmente de nosso empenho como juristas-cidadãos. 
Contudo, esse empenho não olvida aquela outra luta, mais 
exterior à esfera jurídica, precisamente a da disputa política 
ampla, que atinge a todos e a nós enquanto cidadãos-
juristas. Da luta do cidadão-jurista pela realização da 
modernidade jurídica e social, porém, não nos compete 
aqui tratar pormenorizadamente. Até porque essa luta 
envolve o arranjo de um novo bloco histórico no 
horizonte dos posicionamentos político-partidários, com 
os quais não podemos imediatamente nos comprometer. 
O jurista-cidadão e o cidadão-jurista podem 
ser um mesmo homem histórico, mas ao MDA não 
compete exigir a confluência total dos posicionamentos de 
ambos. Ademais, à assunção radical da pluralidade como 
diretriz organizativa repugna qualquer monolitismo 
ideológico ou restrição de agremiação partidária. O MDA, 
agora situado desde uma perspectiva interna ao direito, 
privilegia a luta do jurista-cidadão no meio jurídico. Nesse 
meio, a guerra de posições interna ao direito é parte de 
uma concepção de embate processual pela afirmação 
concreta da igualdade material e das instituições modernas 
vitais para a democracia e para a sobrevivência da própria 
sociedade. 
Almejamos então provocar uma discussão 
dirigida a toda comunidade jurídica e compartir reflexões 
com intelectuais dispostos a apresentar teses referentes às 
duas grandes áreas temáticas cujas carências notamos 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
39 
 
como mais evidentes: (1) a teoria de fundamentação do 
substrato ético do direito; e (2) a fundamentação de uma 
nova modalidade cognitiva para o conhecimento e prática 
jurídicos, priorizando o aspecto hermenêutico, cuja 
expansão vem, pouco a pouco, logrando espaços 
acadêmicos e institucionais entre os juristas de todo o 
mundo. Essas duas áreas temáticas, a ética e a 
hermenêutica, vêm perpassadas por dois eixos políticos 
mais amplos, perceptíveis na esfera de ação do cidadão-
jurista. O primeiro desses eixos exige um compromisso 
com a ética dos direitos humanos, enquanto o segundo 
conclama por alternativas para uma outra hegemonia no 
processo histórico de construção do desenvolvimento 
social do Brasil. 
Cumpre então procedermos à análise de cada 
uma dessas áreas temáticas, cotejando-as com a prática 
empreendida pelo MDA e com as possíveis linhas de 
compreensão para o saneamento dessas carências teóricas 
que tanto repercutem na prática do direito. A partir dessas 
áreas temáticas (ética e hermenêutica), sugerimos também 
uma seqüência de discussões mais específicas, em 
congressos regionalizados a serem organizados a partir de 
2002. 
 
 
1.2. Compreensão e ultrapassagem do positivismo 
 
O dado que assinala o ingresso na 
modernidade jurídica contemporânea é o progressivo 
abandono do paradigma jusnaturalista, especialmente nas 
suas versões teológicas e racionalistas. A determinação do 
que é o direito deixa de pertencer à transcendência, muito 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
40 
 
bem representada no mundo terreno por seus epígonos, 
para estar à disposição da própria criação humana. O mala 
en se é gradualmente substituído pelo mala prohibita. O 
crime paulatinamente conquista sua distância do pecado e 
aproxima-se de visões cientificistas. Mundaniza-se o 
direito. Com esse movimento de mundanização muitos 
problemas são superados, enquanto outros tantos são 
também criados. O processo de superação dos 
jusnaturalismos expõe a produção do direito a diversas 
outras vicissitudes da vida social: as incertezas da política, 
os interesses econômicos, a diversidade de moralidades e 
religiões circulantes, as influências das ciências naturais. A 
certeza sobre o critério pelo qual se definia a própria 
juridicidade das normas a aplicar é reclamada para a 
estabilização das expectativas sociais. A busca da chamada 
segurança jurídica torna-se um imperativo e uma ideologia. E 
o positivismo jurídico foi a doutrina que melhor expressou 
uma tentativa de atendimento a essa ânsia na aurora do 
Liberalismo. 
Entretanto, para o pensamento jurídico do 
século XX, o positivismo é marcado por ambigüidades 
das quais frutificaram muitas confusões. Ocorre assim que 
o positivismo hoje considerado significa, simultaneamente, 
algo louvável e insuficiente, bom e ruim. Louvável no 
positivismo é o golpe de morte desferido na 
fundamentação jusnaturalista do direito. Insuficiente, 
porém, tornou-se a sua fundamentação do direito 
enquanto pura validade para o acautelamento do convívio 
regulado por normas nas sociedades contemporâneas. 
Assim, o positivismo merece o apreço devido a doutrina 
que conseguiu virar uma importante página na história do 
direito. E é importante reafirmar esse apreço porque, no 
livro aberto da história, todas as páginas podem ser 
desviradas, e também reescritas, rasgadas, embaralhadas e 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
41 
 
até apagadas. Todavia, esse apreço não significa nenhuma 
cegueira para a crítica que se faz hoje necessária. Em uma 
consideração histórica, a crítica necessária significa um tipo 
de exame que se vale das conquistas do positivismo para 
avançar no presente para além dele. Entretanto, inúmeras 
críticas dirigidas ao positivismo, inclusive de matriz 
alternativa, não tiveram esse condão de incorporar suas 
conquistas. Muitas dessas críticas, especialmente as mais 
carentes de perspectiva histórica, preferiram adotar a 
clivagem ideológica da sua satanização. E essa satanização 
do positivismo prejudica a crítica que pretende superá-lo 
agregando seus acúmulos ao longo da modernidade. 
Todavia, o positivismo não foi uma resposta 
imediata aos clamores da modernidade jurídica, sequer foi 
a primeira tentativa. Dos jusnaturalismos teológicos ao 
positivismo jurídico, muitas construções de índole 
racionalista se intercalaram na renitente busca de soluções 
para o dilema da segurança jurídica através da postulação 
de conceitos de justiça. Nesse curso, Deus foi sendo 
substituído por várias elaborações da Razão, das quais 
eram extraídas tantas outras formas de justiça. Isso se 
passou assim até que uma doutrina resolvesse buscar uma 
solução para o critério de juridicidade fora desse âmbito da 
justiça. As exigências por certeza quanto a um critério de 
definição da juridicidade que pudesse mesmo incrementar 
a segurança jurídica receberam uma resposta diferente por 
parte da teoria da validade proposta pelo positivismo. Essa 
teoria da validade oferecia então uma maneira de se 
identificar o que é o direito a aplicar sem recorrer a 
critérios de justiça marcados por um infinito cardápio 
metafísico. Contudo, como veremos adiante, muitas outras 
dificuldades surgiram com essa resposta. 
 
 
 
 
 
 
 
 F u n d a m e n t a ç ã o É t i c a e H e r m e n ê u t i c a 
a l t e r n a t i v a s p a r a o d i r e i t o 
42 
 
Diversos juristas críticos, imbuídos de uma 
visão hiperideológica da justiça, não compreenderam 
profundamente o significado da questão da validade no 
contexto da modernidade

Outros materiais