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Adam Smith - Pensamento econômico (Texto 1)

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14
SMITH: LIDO E COMENTADO
FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA
1 - BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS 
	Há quem considere a Economia Política Clássica como um paradigma dentro da história do pensamento econômico. Entretanto, ao que tudo indica , falta uma leitura capaz de dar conta, de uma forma sistemática e globalizante, do sistema de pensamento dos seus principais representantes, a exemplo da sistematização que se tem para a economia neoclássica e marxista. Os estudos sobre os economistas clássicos, por exemplo procuram enfatizar, regra geral, as contribuições desses economistas para a formulação da teoria do valor-trabalho, como se esta teoria pudesse ser tratada como um tópico desligado da totalidade do seu sistema de pensamento.
	De Smith a Ricardo, a teoria do valor-trabalho é discutida pelos estudiosos da história do pensamento econômico, como se fora o centro em torno do qual gira a compreensão daqueles pensadores sobre a sociedade capitalista. Ao contrário disto, a teoria do valor-trabalho tem, para os economistas clássicos, um caráter meramente instrumental: encontrar uma medida do valor da riqueza social. Ora, tendo a teoria do valor-trabalho um caráter instrumental, acredita-se que ela não pode ser entendida deslocada da totalidade do sistema teórico da Economia Política Clássica.
	É dentro desta perspectiva teórica totalizante que se procurou investigar as contribuições de Smith para a ciência econômica, começando por discutir sua concepção do desenvolvimento econômico. Em seguida, analisou-se a divisão do trabalho, suas causas e conseqüências sobre o aprimoramento das forças produtivas do trabalho procurou-se analisar a postura smithiana diante os efeitos desumanizadores do progresso econômico. Trata-se de uma postura, como se sabe, resignativa porque para Smith todo progresso tem um preço: os ganhos materiais do progresso econômico se fazem, necessariamente, acompanhar de renúncia de parte do tempo dedicado a ociosidade, de uma vida mais preocupante e angustiante, etc.
	Mas, por que para Smith os efeitos desumanizadores da divisão do trabalho, do progresso econômico, são um mal inevitável ? A resposta a esta questão exige que se conheça sua concepção de história, que se ancora numa antropologia fundante como teoria do conhecimento do homem. Daí, a necessidade de dar conta desse aspecto do seu pensamento. E mais do que isso: sem sua concepção de história não se pode entender como este autor concebe a formação da propriedade privada, bem como a apropriação do “EXCEDENTE ECONÔMICO”.
	Tendo tudo isso como pano de fundo, iniciou-se a análise da teoria do valor-trabalho de Smith. Assim, acredita-se se pode dar conta do verdadeiro papel desempenhado pela teoria do valor dentro do sistema teórico smithiano.
	Esse procedimento metodológico de considerar as contribuições smithiana para ciência econômica, ao que parece, não foi ainda exposto por aqueles que estudam a Economia Política Clássica , apesar de neles se encontrar a maioria das questões aqui discutidas. Por isso, espera-se oferecer uma contribuição no sentido de se pensar os economistas clássicos dentro da totalidade do seu sistema de pensamento.
2-EGOÍSMO: O PRINCÍPIO MOTOR DO DESENVOLVIMENTO
	Para Adam Smith a Força Motora da riqueza se encontra no egoísmo, como qualidade inata dos indivíduos. Esta qualidade significa que, cada um, ao procurar atender seus interesses particulares, estaria, assim, sem saber, promovendo o progresso geral da sociedade. Em sua crítica ao sistema mercantilista, que impedia a liberação das energias e iniciativas espontânea dos indivíduos, Smith defende a ideias de que “todo indivíduo se empenha continuamente em descobrir a aplicação mais vantajosa de todo capital que possui. Com efeito, o que o indivíduo tem em vista é sua própria vantagem, e não a da sociedade. Todavia, a procura de sua própria vantagem, individual natural ou, antes, quase necessariamente, leva-o a preferir aquela aplicação que acarreta as maiores vantagens para a sociedade”. Desse modo, cada indivíduo tendo em vista suas próprias vantagens, procura aplicar seu capital naquelas atividades mais rentáveis, e “assim é levado como por uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções”.
	É precisamente com base no princípio da “mão invisível” que Smith explica o desenvolvimento da Inglaterra. Em suas próprias palavras, “... embora os altos gastos do governo, sem dúvida, devem ser retardados o curso natural da Inglaterra em direção à riqueza e o desenvolvimento, não foi possível sustentá-lo. A produção anual da terra e do trabalho na Inglaterra é, sem dúvida, muito maior hoje o que na época da restauração ou da revolução. Em consequência, maior deve ter sido também o capital empregado anualmente no cultivo da terra e para manter essa mão de obra. Em meio a todas as exceções feitas pelo Governo, esse capital foi sendo silencioso e gradualmente acumulado pela frugalidade e pela boa administração de indivíduos particulares, por seu esforço geral, contínuo e ininterrupto no sentido de melhorar sua própria condição. Foi esse esforço, protegido pela lei e permitido pela liberdade de agir por si próprio da maneira mais vantajosa, que deu sustentação ao avanço da Inglaterra em direção à grande riqueza e ao desenvolvimento em quase todas as épocas anteriores, e que, como é de se esperar, acontecerá em tempos futuros”. 
	Assim, se a cada indivíduo for garantida a liberdade de agir por conta própria, e o Estado se abster de intervir na economia, cada País poderá atingir o pleno desenvolvimento econômico e com ele o bem-estar geral da sociedade. É isso o que revela o princípio da “mão invisível”. Trata-se de um principio que procura demonstrar que a economia deve funcionar sem qualquer regulamentação social direta. Além disso, serve como denúncia às políticas mercantilistas, bem como sintética as ideias filosóficas de seu autor, do que é e deve ser a sociedade capitalista.
3 - DIVISÃO DO TRABALHO: PROGRESSO E MISÉRIA
	Como se viu anteriormente, para Smith, as pessoas são, por natureza, egoístas. Esse egoísmo se expressa no desejo de cada um querer o máximo para si. Um desejo isento de paixão, que “... herdamos do seio materno e / que / nunca nos abandonará até a sepultura. Em todo espaço de tempo que medeia entre o berço e a sepultura, dificilmente talvez haverá um só momento em que uma pessoa esteja tão perfeita e completamente satisfeita com sua situação, que não deseje alguma mudança ou melhoria, de qualquer tipo que seja”.
	É esse desejo de melhorar o bem-estar individual que explica e dá origem a divisão do trabalho. Com efeito, como para Smith “... é por negociação, por escambo ou por compra que conseguimos uns dos outros a maior parte dos serviços recíprocos de que necessitamos, da mesma forma é essa mesma propensão ou tendência a permutar que originalmente gera a divisão do trabalho, em uma tribo de caçadores ou pastores, por exemplo, uma determinada pessoa faz arcos e flechas com mais habilidade e rapidez do que qualquer outra. Muitas vezes trocá-los-á com seus companheiros, por gado ou por carne de caça; considera que, dessa forma, pode conseguir mais gado e mais carne de caça do que conseguiria se ele mesmo fosse `a procura deles no campo. Partindo pois da consideração de seu interesse próprio, resolve que o fazer arcos e flechas será sua ocupação principal, tornando-se uma espécie de armeiro”. Cada pessoa é assim levada a se dedicar a uma ocupação específica, o que acarreta aumento de produtividade e consequentemente da riqueza.
	Segue-se daí que a divisão do trabalho tem, em Smith, uma explicação histórica e antropológica. Antropológica no sentido de que todos os indivíduos nascem propensos a permutar ou trocar uma coisa pela outra. Histórica porque as potencialidades naturais do homem (habilidade e destreza) passaram a ser desenvolvidas pelo desenvolvimento da divisão do trabalho.
	Muito embora a divisão do trabalho seja a causa do aprimoramento das forças produtivas do trabalho, consequentementea causa primeira do crescimento da riqueza, entretanto, ela produz a desrealização, como pessoa, de grande parcela da população. Adam Smith reconhece que com o avanço da divisão do trabalho “... a ocupação da maior parte daqueles que vivem do trabalho, isto é, a maioria da população, acaba restringindo-se a algumas operações extremamente simples, muitas vezes a uma ou duas (....). O homem que gasta toda sua vida executando algumas operações simples, cujos efeitos também são, talvez, sempre os mesmos ou mais ou menos os mesmos, não tem nenhuma oportunidade para exercitar sua compreensão ou para exercer seu espírito invertido no sentido de encontrar meios para eliminar dificuldades que nunca ocorrem. Ele perde naturalmente o hábito de fazer isso, tornando-se geralmente tão embotado e ignorante quanto o possa ser uma criatura humana. O entorpecimento de sua mente o torna tão somente incapaz de saborear ou ter alguma participação em toda conversação racional, mas também de conceber algum sentimento generoso, nobre ou terno, e, consequentemente de formar algum julgamento justo até mesmo acerca de muitas obrigações normais da vida privada (...). A uniformidade de sua vida estagnada naturalmente corrompe a coragem do seu espírito, fazendo-o olhar com horror a vida irregular, incerta e cheia de aventuras de um soldado (...). Assim, a habilidade que ele adquiriu em sua ocupação específica parece ter sido adquirida às custas de suas virtudes intelectuais, sociais e marciais”. 
	Essa denúncia de Smith das condições desrealizantes da divisão do trabalho, muito embora ilustre com clareza o eixo sobre a qual gira a organização do processo de trabalho na sociedade capitalista, é apenas uma denúncia sentimentalista. Com efeito, aquele autor acrescenta em seguida `a sua denúncia, que a desrealização do trabalhador, provocada pela divisão do trabalho, é o estado, em toda sociedade civilizada, “...em que inevitavelmente caem os trabalhadores pobres - isto é, a grande maioria da população - a menos que o Governo tome algumas providências para impedir que tal aconteça”. 
4 - A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA DE SMITH
	A postura resignativa de Smith, diante os efeitos desumanizadores da divisão do trabalho, decorre de sua concepção de história, que se funda no conceito de homem como ser genético natural, supra-histórico.
	Essa concepção antropológica se apoia na ideia de que um dos princípios originais da natureza humana é uma certa propensão a permutar ou trocar uma coisa pela outra. Essa propensão latente no homem se desenvolve tão logo ele consiga produzir uma certa quantidade de bens para além de suas necessidades imediatas. Uma vez atingido esse estágio, todo homem só pode subsistir por meio da troca. O capitalismo se torna a ambiência natural da vida social, a única forma possível de organização social, para qual tendem todas as nações.
	Tanto isso é verdade que Smith não se preocupou em investigar outras formas de produção. Para ele isso seria um exercício desnecessário. Isto pode ser visto em alguns trechos de sua obra.
	“Naquele estado original de coisas que precede tanto a apropriação da terra quanto o acúmulo do capital, o produto integral do trabalho pertence ao trabalhador. Este não tem nem proprietário fundiário nem patrão com quem deva repartir o fruto de seu trabalho”.
	“Se tal estado de coisas tivesse continuado, os salários do trabalho teriam aumentado conjuntamente com todos os aprimoramentos introduzidos nas forças produtivas do trabalho, gerados pela divisão do trabalho”. 
Mais adiante conclui que :
	“Mais este estado de coisas, no qual o trabalhador desfrutava do produto integral do seu trabalho, já não pôde perdurar quando se começou a introduzir a apropriação da terra e a acumular capital (...), portanto não teria nenhum propósito prognosticar quais teriam sido seus efeitos sobre a recompensa ou os valores do trabalho”. 
	Segue-se daí que o sistema capitalista é a única condição de existência do homem, uma sociedade por isso eterna em que todo homem só pode se reproduzir através da troca. Mesmo que alguns países não tenham, ainda, atingido o estágio comercial ou capitalista, inevitavelmente alcançarão este estágio. Isso porque todos nascem propensos à troca, a comercializar uma coisa por outra. Nesse sentido, a sociedade capitalista estaria pressuposta desde o limiar da história da humanidade.
	A história se apresenta, assim, para Smith, como uma sucessão mecânica de “fatos históricos”, onde um estágio se sucede ao outro numa ordem natural e linear, onde o capitalismo se apresenta como o estágio final dessa evolução. Mas atenção! O capitalismo é o estágio final da história porque estava desde sempre para sempre pressuposto. E porque o capitalismo é o ponto de partida e chegada da história, Smith acredita que o homem estará condenado a conviver com os efeitos desumanizadores da divisão do trabalho.
	Mas é interessante descrever esses estágios para ver como eles se sucedem uns aos outros.
	O estágio mais baixo e primitivo da sociedade é aquele formado por “nações de caçadores”. Este estágio é caracterizado pela quase total ausência da propriedade privada. Quando esta existe não chega a ultrapassar o “... valor correspondente a dois ou três dias de trabalho”. A precariedade do desenvolvimento das forças produtivas, neste estágio, impedia a existência de desigualdades entre as pessoas; não poderia haver lugar para as desigualdades sociais na ausência da propriedade privada.
	Sucedendo a esse estágio vem o pastoreio, mais evoluído econômico e socialmente. Aqui, a produção estava baseada na domesticação de animais, o que passou a exigir uma constante migração de uma localização para outra, conforme as estações do ano e as exigências de pastagens para os rebanhos.
	Posteriormente a esses dois estágios, vem o da agricultura, mais rico economicamente que os dois primeiros. Neste estágio, ainda que em pequena dimensão, tem início o comércio entre nações e o desenvolvimento de uma manufatura, voltada basicamente para a produção de objetos de uso doméstico. E é neste estágio que tem lugar a apropriação privada da terra e a acumulação pessoal de capital, que ganharão impulso com o surgimento da sociedade comercial, último estágio de evolução social.
5 - A ÉTICA DA ACUMULAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO “EXCEDENTE”
	Em Smith, é a partir do estágio agrícola que se tem lugar a apropriação da terra e a acumulação de capital. Cabe, aqui, dar conta da origem da propriedade, bem como a natureza da apropriação do “excedente econômico”, segundo Smith.
	De início, cabe explicar o fundamento da propriedade privada. Esse fundamento, para Smith, é o trabalho. Mas se todos os homens são dotados de capacidade de trabalhar, por que somente umas poucas pessoas são proprietárias? Porque os indivíduos nascem com distintas aptidões e paixões (avareza, ambição, preguiça) para o trabalho: uns trabalham e economizam mais do que outros e por isso se tornam proprietários. Esta argumentação encontra apoio no próprio Smith, quando este analisa as despesas do estado com a Justiça. Na sua concepção, “... os homens podem viver juntos em sociedade, com um grau aceitável de segurança, embora não haja nenhum magistrado civil que os proteja da injustiça. Entretanto, a avareza e ambição dos ricos e, por outro lado, a aversão ao trabalho e o amor, à tranqüilidade atual e ao prazer, da parte dos pobres, são as paixões que levam a invadir a propriedade (...) adquirida com o trabalho de muitos anos, talvez de muitas gerações sucessivas”. 
	A leitura dessa situação deixa claro que os deserdados de propriedades são aqueles avessos ao trabalho e que preferem gozar os prazeres imediatos da vida. Por isso, são levados a invadir a propriedade daqueles que souberam renunciar às comodidades do presente. Aqui vale a crítica que Marx faz à concepção de acumulação primitiva de capital defendida pela Economia Política, para quem essa acumulação desempenha um papel na economia semelhante ao pecado original na Teologia. Com efeito, “...emtempos muitos remotos, havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa, e, por outro lado, vagabundos dissipando tudo o que tinha e mais ainda”. Naturalmente, aqueles acumularam enquanto estes últimos se encontram desprovidos de qualquer propriedade.
	Visto que a divisão da sociedade entre proprietários e não-proprietários, está fundada na formação de uma propriedade que cada indivíduo conquistou através do seu próprio trabalho, não pode haver lugar para exploração. Por isso, pode-se dizer que a história dessa divisão é a história de uma acumulação primitiva pessoal de “Capital”.
	Segue-se daí que a propriedade, em Smith tem uma estatura natural e pessoal. Primeiro porque é de natureza humana o desejo de propriedade, porque somente como proprietário de alguma coisa se pode viver numa sociedade fundada, desde sempre para sempre, na troca, segundo o trabalho é uma propriedade original do homem, por isso tudo o que ele consegue retirar da natureza passa a lhe pertencer, constituindo-se num direito sagrado que não pode ser violado por aqueles que passaram a vida entregues aos prazeres e confortos do presente. Esse direito natural há que ser velado pelo Estado. Isto porque, como diz Smith, “...a fartura dos ricos excita a indignação dos pobres, que muitas vezes são movidos pela necessidade e induzidos pela inveja a invadir a posse daqueles (proprietários). Somente sob a proteção do magistrado civil, o proprietário dessa propriedade valiosa (...) pode dormir à noite com segurança”.
	Por tudo isso é possível se afirmar que tanto a renda da terra como o lucro constitui um direito natural, e que por isso mesmo não tem um caráter de exploração. De fato, sendo a propriedade um conquista fundada no trabalho individual, por conseguinte um direito natural, o lucro passa a ser visto, por Smith, como uma recompensa a esse direito. Com efeito, a partir do momento”...em que o patrimônio ou capital se acumulou nas mãos de pessoas particulares, algumas delas (...) empregarão esse capital para contratar pessoas laboriosas, fornecendo-lhes matérias-primas e subsistência a fim de auferir um lucro com a venda do trabalho dessas pessoas”.
	Mas o lucro tem uma outra determinação que não só uma recompensa ao direito de propriedade. Trata-se do lucro como recompensa ao risco que o empresário corre ao adiantar seu capital. De fato, para Smith,”...ao trocar-se o produto acabado por dinheiro ou por trabalho, ou por outros bens, além do que pode ser suficiente para pagar o preço dos materiais e os salários dos trabalhadores, deverá resultar algo para pagar os lucros do empresário, pelo seu trabalho e pelo risco que ele assume ao empreender esse negócio”. 
	Assim como a propriedade é um direito natural, tanto o proprietário da terra como o capitalista podem exigir uma parte do produto produzido pelo trabalhador, como recompensa ao direito de propriedade. E isso não constitui nenhuma exploração, porque o enriquecimento não se deu por meio de expropriação de uma parte de sociedade por outra, da apropriação dos meios de produção por uma classe, mas sim através de um processo individual de acumulação.
	De acordo com o que foi até então exposto, é possível concluir: 
	1) a propriedade privada, seja da terra ou do capital, tem uma determinação natural em Smith;
	2) tendo a propriedade um estatuto natural, o lucro e a renda da terra não se configuram como exploração, não são, pois apropriação de trabalho alheio, mas sim, uma recompensa a um trabalho acumulado anteriormente de forma individual;
	3) essa concepção de apropriação da riqueza ocupa lugar central dentro do sistema teórico de Smith. De fato, seu pensamento liberal, que vê a propriedade privada como uma conquista do trabalho individual está em consonância com a ideia de que a apropriação da riqueza é uma apropriação fundada no trabalho próprio.
6 - DA TEORIA DO VALOR-TRABALHO
6.1 - Valor: um conceito metafísico
	Antes de analisar o conceito de valor, em Smith, será útil fazer as seguintes considerações, fundamentando-se no que se viu até então: 
	1) o homem é por natureza um animal que faz troca. Todos nascem propensos a permutar ou trocar uma coisa por outra;
	2) por isso, a história era concebida, por Smith, como uma sucessão mecânica de “estágios históricos”, onde cada estágio se sucedia ao outro numa ordem natural e linear, na direção da sociedade comercial;
	3) decorre daí que a propriedade privada, seja da terra ou do capital, tem uma determinação natural em Smith;
	4) por tudo isso, o conceito de trabalho, em Smith, é um conceito acrítico, no sentido de que o trabalho historicamente determinado é assumido, por aquele pensador, como trabalho natural. Assim, as conseqüências negativas da divisão do trabalho são assumidas como sendo inevitáveis, naturais.
	É esse mundo imutável, onde os fatos sociais são encarados como naturais, e não como resultados da atividade histórico-social dos homens, a realidade sobre a qual se assenta a teoria do valor-trabalho de Smith. Seu ponto de partida: o trabalho é a fonte originária de toda riqueza social.
	Partindo do trabalho como princípio originário de riqueza, Smith precisa saber quais são as”...regras que as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias. Estas regras determinam o que se pode denominar valor relativo ou valor de troca dos bens”. Partindo daí, Smith pretende explicar porque se trocam, por exemplo, duas unidades de uma mercadoria “A” por uma unidade de uma mercadoria “B”. Em outras palavras, por que “B” vale duas vezes mais do que “A”?
	Obviamente, a primeira coisa que Smith teria que fazer era saber quanto custou a mercadoria “A” e quanto a mercadoria “B”. Sua resposta, consequentemente, só poderia ser quanto de trabalho se gastou na produção de cada mercadoria. Isso porque, “...o trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro da compra original que foi pago por todas mercadorias”. 
	Sendo o trabalho o verdadeiro preço das mercadorias, seu preço real, como se determinam, então, as quantidades de trabalho que devem ser gastos na produção de cada mercadoria? A resposta de Smith é que essas quantidades são determinadas pelo mercado, através do livre jogo entre oferta e demanda. Seu famoso exemplo do gamo e do castor é esclarecedor nesse sentido. Em suas próprias palavras, “no estágio antigo e primitivo que precede ao acumulo do patrimônio ou capital, e a apropriação da terra, a proporção entre as quantidades de trabalho necessários para adquirir os diversos objetos parece ser a única circunstância capaz de fornecer alguma norma ou padrão para trocar esses objetos uns pelos outros. Por exemplo, se em uma nação de caçadores abater um castor, custa duas vezes mais trabalho do que abater um gamo, um castor deve ser trocado por - ou então vale - dois gamos. É natural que aquilo que normalmente é o produto do trabalho de dois dias ou duas horas valha o dobro do trabalho de um dia ou uma hora”. 
	Não é difícil demonstrar que a única relação de troca possível é 1 castor = 2 gamos. De fato, se ao invés da relação 1:2, a troca se desse na base de 1:1, os caçadores prefeririam caçar gamos, porque em uma hora é possível obter um gamo, enquanto seriam necessárias duas horas de trabalho para adquirir um castor. Se essa relação (1:1) perdurar, a produção de gamos crescerá enquanto a de castor se reduzirá até o ponto em que haja apenas gamos no mercado. Sendo dois bens necessários à satisfação das necessidades dos caçadores, estas só poderão ser atendidas se se trocar castores e gamos na proporção 1:2. Somente essa prosperção garantirá o pleno abastecimento do mercado. Qualquer desvio dela provocará escassez ou excesso de dois bens.
	Mas o exemplo do gamo e do castor se refere a um estágio social onde ainda não há acumulação de capital nem propriedade privada da terra. Como, então, se pode falar de concorrência e troca, que são fenômenos específicos do capitalismo? E mais: não é esse exemplo, apenas, uma descrição de uma situação hipotética criadapor Smith para mostrar que lá, no antigo e primitivo estágio da natureza, o trabalho era a medida do valor, mas o deixa de ser na sociedade capitalista, e assim não teria mais sentido, nesta sociedade, falar do trabalho como medida do valor?
	É evidente que não se pode falar da concorrência e da troca naquele primitivo e rude estágio da natureza, onde se está ausente a propriedade privada e os produtos do trabalho não são mercadorias. Mas isso não autoriza a se concluir, como pode parecer à primeira vista, que se trata tão somente de uma situação hipotética. É muito mais do que isso. O que o autor quer é explicar como se determinam as proporções da troca, e, consequentemente, os respectivos preços do gamo e do castor. Este preço é o que Smith chama de preço natural (PN), o preço medido em termos de quantidade de trabalho, e que exprime o trabalho em geral empregado pelo homem genérico na produção dos bens necessários à sua satisfação. Neste sentido, este preço está presente em todos os estágios da evolução da sociedade, desde aquele mais rude e primitivo ao capitalismo. Com efeito, sendo o homem um ser genérico natural, supra-histórico, sua atividade produtiva, naturalmente se desenvolve a historicamente. Portanto, o preço natural, que exprime esta atividade atemporal, também está presente na sociedade capitalista. A prova disto é que ele serve de barômetro para o ajuste dos preços de mercados, que são definidos no interior do modo de produção capitalista. Com efeito, “o preço natural é como que o preço central ao redor do qual continuamente está gravitando os preços de todas as mercadorias. Contingências diversas podem, às vezes, mantê-los bastante acima dele, e noutras vezes, forçá-lo para baixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos que os impeçam de fixar-se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tenderão para ele”.
	E mais adiante:
	“É dessa maneira que naturalmente os recursos anualmente empregados para colocar uma mercadoria no mercado se ajustam à demanda efetiva. Todos objetivam, naturalmente, colocar no mercado a quantidade precisa que seja suficiente para abrir a demanda, sem, por outro lado, excedê-la”.
	O preço natural, assim definido, expressa o trabalho como atividade universal do homem, eterna condição de sua existência. A este preço Smith opõe os preços de mercado, como sendo uma mera perversão daquele. Giannotti esclarece, com justeza esta questão. Com efeito, “...o preço de mercado é uma mera perversão do preço natural operada arbitrariamente pelo comércio, cujo fito é a ladroeira sistemática, de modo a não haver dedução de um a partir do outro, pois o termo posterior não guarda relação íntima com o ponto em torno do qual inexplicavelmente gravita, nada mais sendo além de uma determinação arbitrária e acidental da concorrência”. 
	Em apoio ao que se acaba de dizer, é significativa a crítica que Smith faz às corporações e as companhias de comércio, que impedem os preços de mercado convergirem para seu centro de repouso, o preço natural. Com efeito, “...um monopólio, outorgado a um indivíduo ou a uma companhia de comércio, tem o mesmo efeito que um segredo comercial ou industrial. Os monopolistas por manterem o mercados sempre em falta, por nunca suprirem a demanda efetiva, vendem suas mercadorias muito acima do preço natural delas, auferindo ganhos - quer consistem em salários ou lucros - muito acima de sua taxa natural”. 
	Dentro dessa perspectiva, o preço natural é um referencial a partir do qual Smith lê e julga os desvios da sociedade de sua ordem natural, que impedem o seu plano desenvolvido. Neste sentido, aquele preço expressa muito mais do que uma situação hipotética imaginada por Smith. Ao contrário disto, ele desempenha um papel importante na estrutura do seu pensamento e que por conta disto ocupa lugar central dentro o seu sistema teórico.
	Convém sumariar os principais pontos desenvolvidos nesta seção, de modo que se possa continuar a analisar da teoria do valor-trabalho de Smith. Os mais importantes foram:
	1) a teoria do valor-trabalho de Smith pretende tão somente explicar as regras que as pessoas observam ao permutar suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias; 
	2) para entender porque se trocam duas unidades de uma mercadoria qualquer por uma unidade de uma outra, por exemplo, Smith precisava explicar seus respectivos preços;
	3) partindo da premissa de que o trabalho é a fonte originária de toda a riqueza, os preços das mercadorias são determinados pelas quantidades de trabalho gastas na sua produção. Este preço, Smith chama de preço natural;
	4) este preço natural se refere a uma atividade atemporal e que portanto, esta presente tanto naquele estágio rude e primitivo da sociedade quanto na sociedade capitalista;
	5) por se tratar de um preço que provém de uma atividade a-histórica é que expressa o trabalho em geral (a-histórica) do homem, o preço natural não guarda nenhuma relação com os preços de mercado, que têm uma determinação histórica, artificial em relação aquele
	6) como os preços de mercado podem se afastar do preço natural por causa de segredos comerciais, privilégios de comércio e das corporações, o preço natural é o referencial a partir do qual Smith julga esse desvios;
	7) neste sentido, o preço natural é o único preço capaz de garantir o pleno abastecimento do mercado. Para sustentar esta tese, Smith foi buscar fora do interior do modo de produção capitalista o PN, um preço “purgado” dos vícios do sistema capitalista e, que por isso mesmo, capaz de garantir o desenvolvimento pleno do homem laborioso. Com isto fica patente a metafísica de sua teoria de valor.
6.2 - Valor: uma relação externa
	Para avaliar com maior exatidão o alcance teórico da teoria do valor-trabalho de Smith, é necessário, ainda investigar duas questões: (1) O conceito de valor como trabalho contido e comandado e, (2) A relação entre o conceito de valor e valor de troca.
	Começando, então, pela primeira questão, esta será discutida numa perspectiva de se procurar entender o real significado da noção de trabalho contido e comandado, como medidas do valor. Este duplo aspecto da medida do valor aparece no Capítulo V, quando Smith afirma que: 
	“O valor de qualquer mercadoria (...) é igual à quantidade de trabalho que ela lhe permite comprar ou dominar”. (Trabalho comandado)
	Mas, noutro trecho,
	“...aquilo que compramos com dinheiro ou em troca de outros bens, é adquirido pelo trabalho, exatamente como aquilo que obtemos à custa do esforço do nosso próprio corpo. Aquele dinheiro ou aqueles outros bens poupa-nos (...) este trabalho. Contém valor de uma certa quantidade de trabalho, que nós trocamos por algo que (...) se supõe conter valor de idêntica quantidade”. (Trabalho contido)
	A leitura dessas duas citações deixa claro que Smith ora define o valor de troca das mercadorias pela quantidade de trabalho requerida para produzi-las, ora define este valor como sendo igual a certa quantidade de trabalho vivo que elas podem comprar ou comandar, ou seja, igual ao valor do trabalho (salário). Ricardo percebe esta confusão de Smith e esclarece que aquele autor “...que definiu com tanta exatidão a fonte original do valor de troca, e que corretamente teve que sustentar todas as coisas se tornam mais ou menos valiosas na proporção do trabalho empregado para produzi-las, estabeleceu também uma outra medida-padrão de valor e se refere a coisas que são mais ou menos valiosas, segundo sejam trocadas por maior ou menor quantidade dessa medida-padrão. Como medida-padrão se refere algumas vezes ao trigo, outras ao trabalho; não à quantidade de trabalho empregada na produção de cada objeto, mas à quantidade que este pode comprar no mercado, como se ambas fossem expressões equivalentes...”. 
	Essa confusão de Smith, no tocante à definição do valor da troca, faz sugerir que ele abandona a teoria do valor-trabalho quando analisa os fenômenos da sociedade capitalista. É o próprio Smith que suscita isto. De fato, ao sereferir ao estágio antigo e primitivo da sociedade, afirma que lá é “...a proporção entre as quantidades de trabalho necessárias para adquirir os diversos objetos / que / parece ser a única circunstância capaz de fornecer alguma norma ou padrão para trocar esses objetos uns pelos outros”. Mas na sociedade capitalista, onde o produto do trabalho não pertence integralmente ao trabalhador, “...já não se pode dizer que a quantidade de trabalho normalmente empregada para adquirir ou produzir uma mercadoria seja a única circunstância a determinar a quantidade que ele normalmente pode comprar, comandar ou pelo qual pode ser trocada”. 
	Entretanto, é preciso qualificar melhor essas duas passagens, antes citadas, que parecem indicar que Smith abandona a teoria valor-trabalho.
	Quando Smith diz que a quantidade de trabalho incorpora na mercadoria não é mais a única circunstância a determinar o valor de troca, na verdade ele quer dizer que, uma vez estabelecida a propriedade privada da terra a uma certa acumulação de capital, o trabalhador já não pode mais desfrutar integralmente do produto do seu trabalho. Neste caso, a igualdade entre o valor do trabalho (salário) e o valor do produto deixa de existir. Neste sentido, a quantidade de trabalho que uma dada mercadoria pode comprar ou comandar é maior que a quantidade de trabalho nela inserida. Um exemplo esclarece melhor tudo isso. “Suponha-se que em uma mercadoria estão contidas 100 horas de trabalho, proporcionadas por trabalhadores cujas subsistências custa 50 horas de trabalho: então, como essa mercadoria pode-se proporcionar a subsistência a um número de trabalhadores capaz de proporcionar 200 horas de trabalho. Neste caso, o trabalho é contido é 100 o trabalho ordenado /comandado/ é 200”. Trabalho contido e comandado têm , portanto, duas grandezas distintas.
	Mas, qual dos dois trabalhos deverão ser a medida do valor trova? O trabalho contido ou comandado? A resposta não pode afirmar um ou outro tipo de trabalho. Isto porque, por trabalho comandado, Smith queria dar conta da troca entre trabalho e capital, isto é, entre capitalistas e trabalhadores, troca esta que expressa o fundamento da sociedade capitalista, ou seja, o acréscimo de valor das mercadorias possuídas pelos capitalistas. Mas, o raciocínio de Smith, neste particular, é circular. Com efeito, visto que o trabalho comandado é a expressão de uma certa quantidade de mercadorias que compõem a cesta de consumo dos trabalhadores, e o valor de troca desta cesta é determinada pela quantidade de trabalho que ela comanda, o trabalho comandado como medida de valores de troca, é uma medida que precisa antes ser determinada.
	Enredado neste círculo vicioso, quando resolve tratar da troca entre capital e trabalho, Smith nada faz para sair desse impasse, e no capítulo em que trata do preço natural e de mercado, volta a sustentar sua tese de que as mercadorias são trocadas pelas quantidades de trabalho nelas inseridas. Volta a sustentar esta tese porque sua teoria do valor-trabalho tem um caráter meramente instrumental: explica as proporções individuais da troca. Neste sentido, seu tropeço na troca entre capital e trabalho, não invalida sua idéia original de que o trabalho é a única medida de valor de troca das mercadorias. Se isso não fosse verdade, o preço natural não poderia cumprir nenhuma função no seu esquema teórico geral. Por isso é que se pode dizer que Smith não abandona sua teoria do valor-trabalho.
	Isto posto, é chagado o momento de analisar a segunda questão anunciada na abertura dessa seção, qual seja: a relação entre o conceito de valor e valor de troca.
	Como se viu anteriormente, a teoria do valor de Smith se preocupa, unicamente com a análise das proporções individuais da troca, isto é em analisar as regras que as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias, para isto, Smith precisava saber porque se trocam, por exemplo, duas unidades de uma mercadoria por uma unidade de outra. Sua resposta: depende de quanto custou cada mercadoria em termos de quantidade de trabalho nelas despendidas. Em outras palavras, a tarefa que se impunha a Smith era conhecer o valor de cada mercadoria, para explicar as proporções da troca de mercadorias.
	A resposta de Smith a este problema foi longamente discutida na seção 6.1, quando se tratou do preço natural, como sendo o real valor das mercadorias. Cabe agora, discutir os fundamentos metodológicos deste conceito e sua relação com o valor de troca.
	Indo direto ao problema, Smith constrói o conceito valor (ou preço natural), procurando identificar o que é comum a todas mercadorias. Descobre que é o trabalho. Logo, o trabalho deverá ser a medida do valor de troca das mercadorias.
	O conceito de valor, assim definido, é uma generalidade abstrata. Isto é, Smith constrói este conceito mentalmente, pondo de lado todas as diferenças existentes entre os distintos trabalhos para chegar a um traço comum, peculiar a todas as mercadorias: todas são resultados de dispêndio de energia humana. E como dispêndio de energia humana é um fato comum a todas as épocas, o valor recebe, em Smith, um estatuto natural. Por isso, aquele pensador pode trabalhar com o preço natural como tendo validade tanto naquele rude e primitivo estágio da natureza, como no capitalismo.
	Posto que o conceito de valor é uma generalidade abstrata, Smith deixa de perceber a relação entre valor e valor de troca. Não percebe, portanto, que o valor se expressa no valor de troca . Por isso Smith não podia operar redução do valor de troca ao valor, ou seja, não há nenhuma passagem, neste autor, mostrando como se passa de equação de igualdade das mercadorias para o fator comum que está na base daquela equação, isto é, o valor cujo conteúdo é o trabalho. Neste sentido, sua teoria do valor, apesar do conceito de preço natural, não sai da esfera da circulação.
	Em razão disso, sua teoria do valor se resumia em analisar as proporções individuais em que são trocadas as diversas mercadorias. Não é disso que fala Smith, quando diz que à teoria do valor cabe examinar “...quais são as normas que naturalmente as pessoas observam ao trocar suas mercadorias por dinheiro ou por outras mercadorias”? 
	Não podendo descobrir a relação entre o valor e o valor de troca - como deduzir o valor a partir do valor troca a este a partir daquele -, Smith permanece apenas na esfera da circulação. Permanecendo nesta esfera não poderia explicar a geração do excedente. Consequentemente, o lucro e a renda da terra não podem ser explicados com base na sua teoria do valor, a não ser que sejam consideradas como um dado factual, ou se recorra a uma acumulação primitiva pessoal de capital (vide seção 5).
	Mas, se Smith não dá conta da geração do excedente como este autor explica o crescimento da riqueza, o desenvolvimento do capitalismo? Convém deixar o próprio Smith responder. Referindo-se ao desenvolvimento da Inglaterra, ele diz que a produção anual da terra e do trabalho daquele país é “...muito maior hoje do que na época da restauração ou da revolução. Em conseqüência maior deve ter sido também o capital empregado anualmente no cultivo da terra e para manter essa mão-de-obra. Em meio a todas exceções feitas pelo Governo, esse capital foi sendo silencioso e gradualmente acumulado pela frugalidade e pela boa administração de indivíduos particulares, por seu esforço geral, contínuo e ininterrupto no sentido de melhorar sua própria condição. Foi esse esforço, protegido pela lei e permitido pela liberdade de agir por si próprio da maneira mais vantajosa, que deu sustentação ao avanço da Inglaterra em direção à grande riqueza e ao desenvolvimento...”.
	Como se pode notar, o crescimento da riqueza social se explica não como sendo resultado da reinversão do excedente apropriado pela classe capitalista, mas sim como resultado e conseqüência do esforço individual, fundado no trabalho próprio. Neste sentido, a frugalidade é a base sobre a qual se apoia a teoria smithiana da acumulação. Comefeito, em suas próprias palavras, “...os capitais são aumentados pela parcimônia e diminuídos pelo esbanjamento”. 
	Em seguida, acrescenta que “...a parcimônia, e não o trabalho, é a causa imediata ao aumento de capital. Com efeito, o trabalho fornece o objeto que a parcimônia acumula. Com tudo o que o trabalho consegue adquirir, se a parcimônia não economizasse e não acumulasse, o capital nunca seria maior”. 
6.3 - Conclusão
	As idéias desenvolvidas nesta seção (6) podem ser resumidas nos seguintes pontos: 
	1) a teoria do valor de Smith pretende, apenas, mensurar a riqueza. Em razão disso, o valor é um meio e não um fim em si mesmo;
	2) Smith não trabalha o conceito de valor. Não o faz porque o que é particular (histórico) assume uma forma natural, eterna, universal. Quando o correto é pensar o particular como sendo o geral (universal) posto historicamente;
	3) em razão do item (2), sua teoria do valor se resume à análise das proporções individuais da troca, ao estudo do valor de troca;
	4) decorre daí que a geração e apropriação do excedente econômico só podem ocorrer mediante um ato de renúncia no consumo presente, isto é, mediante a poupança;
	5) neste sentido, sua teoria do valor nega qualquer possibilidade de exploração de um indivíduo (ou classe) por outro. O lucro e a renda da terra não se configuram como apropriação de trabalho alheio; são recompensas ao esforço individual;
	6) essa postura smithiana é o corolário de suas idéias do “processo histórico” de apropriação da terra e acumulação de capital. Processo esse que pode ser traduzido como uma acumulação primitiva pessoal que precedeu a formação do capitalismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- DOBB, Maurice, Teoria do Valor e Distribuição desde Adam Smith, Lisboa Editorial Presença, 1977.
- GIANNOTTI, José Arthur. Origens da dialética do trabalho: estudo sobre a lógica do jovem Marx , Porto Alegre, L & PM Editora Ltda, 1985.
- HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica . Rio de Janeiro, Editora Campus Ltda, 1982.
- MARX, Karl. O capital: crítica da economia política . São Paulo, Nova Cultura , 1985
- _________ Teoria da Mais-Valia: história crítica do pensamento econômico, Rio de Janeiro, Civilização Brasiliense, 1980.
- NAPOLEONI, Cláudio. Smith, Ricardo, Marx: Considerações sobre a história do pensamento econômico. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1983.
- RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo, Nova Cultura, 1985.
- SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo, Nova Cultura, 1985.

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