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Citogenética A QUÍMICA E O EMPACOTAMENTO DOS CROMOSSOMOS Microscopistas do final do século XIX observaram que o material no núcleo e nos cromossomos coravam-se intensamente com certos corantes, a este material foi dado o nome de cromatina. Cromatina é uma estrutura altamente complexa composta por DNA e diversas proteínas histônicas e não-histônicas, estas últimas incluem um tipo insolúvel de proteínas do arcabouço cromossômico. Os métodos analíticos de biologia molecular e a descoberta de organismos modelos possibilitaram o estudo da função dos cromossomos e tem ampliado significativamente a nossa compreensão acerca da organização estrutural da cromatina e dos cromossomos. Conteúdo de DNA e o número estimado de pares de base no genoma Medidas da quantidade de DNA na cabeça dos espermatozóides fornecem as melhores estimativas do tamanho do genoma nuclear haplóide, pois as células somáticas contêm centenas de mitocôndrias citoplasmáticas, cada uma contendo uma ou mais moléculas de DNA circular com mais de 18 kb de tamanho, enquanto na cabeça dos espermatozóides não existem mitocôndrias. O genoma nuclear haplóide de uma célula humana é constituído de cerca de 3,65 picogramas de DNA, o que equivale a cerca de 3,4 bilhões de pares base (3,4 milhões kb, ou 3.400 Mb). Um vez que 3 kb do DNA corresponde a cerca de 1 μm de comprimento, uma célula diplóide contém aproximadamente 2 metros de DNA e uma média de 5 cm de DNA por cromossomo. O comprimento médio de uma cromátides em uma célula humana é de cerca de 5 μm e contém uma única e contínua dupla hélice do DNA. Duas questões centrais relativas à estrutura dos cromossomos são (1) como uma estrutura com 5 cm de comprimento de DNA é compactada em um cromossomo metafásico 10.000 vezes menor que o cromossomo inicial, e (2) como estes cromossomos se desdobram de modo seletivo para permitir que centenas, e por vezes milhares, de genes sejam expressos em um determinado tipo de célula. Estes mecanismos parecem ser mediados por uma variedade de proteínas cromossômicas, como descrito a seguir. As histonas são proteínas básicas de baixo peso molecular que tem uma alta afinidade pelo DNA. Existem cinco tipos principais de histonas, chamadas H1, H2A, H2B, H3 e H4. Estas proteínas são de fundamental importância no empacotamento do grande comprimento do DNA no núcleo da célula, de forma que os seus genes podem ser ligados ou desligados e de forma que o genoma possa ser distribuído com precisão para as células filhas. As histonas, especialmente as H3 e H4, demonstram uma notável semelhança de estrutura em todos os organismos eucariontes. Esta conservação evolutiva reflete as restrições impostas às substituições de aminoácidos em qualquer uma dessas proteínas pelas interações tridimensionais da estrutura de cada uma delas com outras proteínas e com o DNA na cromatina. O componente mais bem caracterizado da estrutura da cromatina é o nucleossomo, que representa o primeiro nível de empacotamento dos cromossomos. O DNA é enrolado em volta de um disco composto de proteínas histônicas H2A, H2B, H3 e H4. O disco em si é uma espécie de “sanduíche”, onde o centro é composto de duas moléculas de H3 e duas de H4 e cada uma das faces externas é composta de um complexo H2A-H2B. O DNA é enrolado em torno de um octâmero de histonas para formar um nucleossomo central. As duas voltas de DNA contém 146 pb, portanto, são compactados em um comprimento de 5,7 nm, o que representa a espessura do disco de histonas. Este mecanismo produz uma compactação de cerca de nove vezes do DNA cromossômico. Entre os nucleossomo estão os DNA linkers, ou DNA de ligação, de 90-100 pares de nucleotídeos. O comprimento dos DNA de ligação varia dependendo do tecido a partir do qual a cromatina é extraída. Quando a cromatina está dispersa, a fita cromossômica aparece em micrografias eletrônicas como contas de 11 nm (ou 10 nm como preferem alguns autores) arrumadas em um barbante de DNA (colar de contas). No próximo nível de compactação da cromatina, moléculas únicas de histonas 1 (H1) se ligam aos nucleossomos na posição dos DNA de ligação (DNA linkers). Este mecanismo reúne sucessivos nucleossomos e os torce em uma fibra de 30 nm, aumentando em mais seis vezes a compactação do DNA. A exata estrutura da fita de 30 nm ainda necessita ser determinada. Uma grande possibilidade é que esta fibra possa ser um solenóide, um simples rolo helicoidal de sucessivos nucleossomos organizados de modo que cada volta contenha cerca de seis discos de nucleossomos. O próximo nível de compactação leva à formação de uma espessa fibra de 130-300 nm de diâmetro. A estrutura contorcida desta fibra ainda é desconhecida, porém sabe-se que é composta de alças, chamada de domínios, que estão ancoradas em um arcabouço de proteínas cromossômicas, por um mecanismo descrito adiante. Miller e Therman. Human Chromosomes. 4ª ed. Springer. 2000 Capítulo 5 2 O arcabouço cromossômico e as alças de cromatina O DNA e as proteínas histônicas perfazem cerca de dois terços da massa cromossômica, enquanto que proteínas não-histônicas compõem a maior parte do restante. Estas últimas incluem várias proteínas do tipo HMG (highmobility-group, grupo de alta mobilidade), nomeado assim pela a sua rápida migração eletroforética, e algumas proteínas bastante insolúveis, que representam cerca de 5% da massa cromossômica. As proteínas do arcabouço formam uma única estrutura denominada de núcleo cromossômico, ou simplesmente arcabouço cromossômico, que desempenha um papel crítico na estrutura final de compactação da cromatina. Acima do nível de compactação da fibra 30 nm, a cromatina é emaranhada por proteínas do arcabouço em alças com domínios de cerca de 50-150 kb de comprimento, que podem ser visualizadas através da eliminação das proteínas cromossômicas solúveis. O resultado desta degradação enzimática é surpreendente. O DNA se espalha para fora do cromossomo para formar um halo de fibras de DNA. Quando isto ocorre, no centro pode ser visualizada uma densa estrutura que é uma sombra da metáfase original do cromossomo: o arcabouço cromossômico. Esta estrutura é composta principalmente de três proteínas: a topoisomerase II (TOPO II), a SCII (uma ATPase), e a HMG1/Y (high mobility group 1/Y, proteína de alta mobilidade do grupo 1/Y). A enzima mais abundante é a TOPO II. Tratamento com anticorpos fluorescentes contra TOPO II em cromossomos que tiveram suas histonas removidas por enzimas resulta em manchas brilhantes nos cromossomos mitóticos e meióticos, bem como no arcabouço cromossômico. TOPO II pode catalisar a passagem de uma molécula de dupla fita de DNA através de uma outra. Pode, portanto, vincular e desvincular círculos de DNA. Mais importante, esta enzima pode diminuir ou aumentar a quantidade de super-hélices dentro de uma única molécula de DNA torcida e assim aliviar o stress dentro da alças que são geradas durante alterações na condensação da cromatina. A TOPO II está envolvida nas fases finais da condensação cromossômica e na descondensação que se segue na telófase. A SCII é a segunda proteína mais abundante no arcabouço cromossômico, onde forma complexos com a TOPO II, mas está ausente na matriz nuclear interfásica. A SCII parece ser essencial para condensação do cromossomo mitótico e para a separação das cromátides irmãs. A proteína menos abundante do arcabouço é a HMG 1/Y, no entanto sua função ainda não é compreendida. Outras proteínas ligam-se ao arcabouço, por exemplo, a proteína cromossômica metafásica do tipo 1 (MCP1, metaphase chromosome protein 1). Seu nome foi dado porque durante a mitose a MCP1 liga-se exclusivamente aos cromossomos condensados,sugerindo que pode ter um papel na condensação cromossômica. Proteínas menos abundantes encontradas no arcabouço incluem as CENP-C e CENP-E, que são necessárias para a função do cinetócoro, e as INCENPs (proteínas centroméricas interiores), que desempenham um papel na manutenção da adesão das cromátides até o início da anáfase. As alças da cromatina são ligadas ao arcabouço em regiões especialmente ricas em AT, as regiões de ligação ao arcabouço (SARs, scaffold attachment regions). A matriz nuclear: complexos de replicação e transcrição Os núcleos de células interfásicas contêm inúmeras proteínas que são insolúveis em solução salina a 2M. A esta fração dá-se o nome de matriz nuclear. A matriz nuclear contém lamininas (proteínas do envelope nuclear), proteínas nucleolares, e ribonucleoproteínas, que não são encontradas no arcabouço cromossômico. A matriz nuclear desempenha um papel importante na organização das funções nucleares. A primeira evidência da compartimentação das funções nucleares foi dada pela descoberta de que a transcrição e processamento do RNA ribossomal (rRNA) e a montagem de ribossomos acontecia exclusivamente nos nucléolos. Outras funções nucleares também são compartimentadas, como, por exemplo, a replicação e a transcrição do DNA. Regiões controladoras de lócus e domínios funcionais A expressão dos genes no cluster de β-globina está sob o controle de um segmento de 20 kb de DNA chamado de região controladora de lócus (LCR, locus control region), que está localizada a cerca de 60 kb acima do gene da β-globina (na extremidade 5’ do gene). Esta LCR é necessária, e suficiente, para manter todo o cluster em uma configuração cromatínica aberta nas hemácias, as únicas células que expressam os genes de globina. Uma deleção deste LCR provoca uma grande alteração na estrutura da cromatina e no tempo de replicação ao longo do cluster de β-globina. Eucromatina e heterocromatina: regulação da função gênica Regiões do cromossomo em que genes podem ser transcritos diferem estruturalmente de regiões inativas. Durante muitos anos, é sabido que a transcrição ocorre a partir da eucromatina, não da heterocromatina. Além disso, o DNA de regiões ativas é mais sensível à digestão com DNase 1 que é o DNA de regiões inativas. Acreditasse que esta acessibilidade ao ataque das nucleases seja resultado de uma conformação aberta maior de cromatina contendo genes ativos. Os fatores de transcrição não podem se ligar em seqüências de DNA em nucleossomos compactados, por este motivo não ocorre transcrição nestes locais. As alças de DNA em domínios ativos ou indutíves (que podem se tornar ativos) parecem assumir uma conformação aberta. Isto faz com que o DNA fique disponível para os fatores de transcrição, RNA polimerases e, até mesmo, para a DNase 1 – como no caso do experimento descrito acima. A ativação de genes pode exigir a interação de proteínas reguladoras com o DNA imediatamente após a sua Miller e Therman. Human Chromosomes. 4ª ed. Springer. 2000 Capítulo 5 3 síntese, ou seja, no curto intervalo entre replicação e união de histonas. Regiões cromatínicas altamente conservadas que contêm genes inativos, mas que são potencialmente ativos (ou indutíveis), é chamada de heterocromatina facultativa. A Tabela 5.1 demonstra a comparação entre heterocromatina facultativa e constitutiva. Table 5.1. Comparação entre heterocromatina constitutiva e facultativa Constitutiva Facultativa Principalmente DNAs satélites Todos os tipos de DNA Positiva para o bandeamento C Negativa para o bandeamento C Sempre replicação tardia Replicação tardia Nunca transcrita Não transcrita Sem crossing over meiótico Com crossing over meiótico Modificação das histonas, metilação do DNA, e condensação cromossômica Durante o ciclo celular ocorrem alterações marcantes na cromatina ou na condensação dos cromossomos. A adição de grupos fosfato (fosforilação) na histona H1 foi durante muito tempo considerada ponto chave para a condensação cromossômica e a sua remoção (desfosforilação) para a descondensação. No entanto, a TOPO II também é necessária para as alterações na condensação do cromossomo devido à necessidade de se aliviar a tensão das torções na molécula do DNA. Além disso, tornou-se cada vez mais claro que a adição ou remoção de grupos acetil das histonas (acetilação ou desacetilação) desempenham um papel importante na regulação da condensação do cromossomo e da expressão gênica. As histonas são geralmente hiperacetiladas em regiões cromatínicas ativas transcricionalmente e hipoacetiladas em regiões transcricionalmente silenciosas. As porções amino terminais de cada molécula de histona H3 e H4 se estendem para fora do núcleo do nucleossomo e são modificadas por enzimas acetiltransferase e desacetilase durante o ciclo celular. As caudas desacetiladas desviam os fatores de transcrição e, assim, bloqueiam transcrição. Um complexo protéico contendo histonas desacetilase e muitas outras proteínas medeiam a repressão da transcrição. Uma questão crítica é, o que guia as enzimas acetil transferases ou as histonas desacetilases para seqüências de DNA específicas ou para os genes que devem ser ativados ou silenciados? Pouco a esse respeito se sabe para as acetiltransferases. No entanto, novas descobertas tem fornecido uma resposta inesperada e muito interessante para as histonas deacetilases. Em 1998, pesquisadores demonstraram que um complexo multi-protéico contendo uma histona deacetilases também contém uma proteína chamada de proteína de ligação à citosina metilada 2 (MeCP2, methyl-cytosine binding protein 2), proteína que se liga à seletivamente seqüência metilada de DNA. A metilação do DNA envolve a adição de grupos metil no carbono 5’ de uma citosina adjacente a uma guanina, ou seja, em sítios CpG. A metilação do DNA há muito tem sido associada com o silenciamento transcricional, tanto ao nível dos genes, quanto em um cromossomo inteiro, como é o caso da inativação do cromossomo X. Duas proteínas, MeCP1 e MeCP2, se ligam especificamente ao DNA metilado. No entanto, em 1991, pesquisadores demonstraram que a metilação do DNA inibia o processo de transcrição apenas se a MeCP1 estivesse presente. Atualmente, o papel da MeCP2 na inativação gênica é igualmente conhecida. As histonas desacetilases são direcionadas para os domínios cromatínicos em que o DNA é metilado, e através da remoção de grupos acetil das histonas, elas alteram a estrutura da cromatina nestes sítios, resultando no seu silenciamento transcricional. Deste modo, ficou claro que o mecanismo de inativação metilação- dependente é mediado pela desacetilação das histonas. Resultados de experimentos com cristalografia de raios-X sugerem que a remoção dos grupos acetil das histonas altera a estrutura da cromatina, levando à compactação dos nucleossomos adjacentes. As mutações do gene MECP2 em Xq28 produz a síndrome de Rett, doença neurológica progressiva severa caracterizada por perda da fala, convulsões, ataxia, movimentos estereotipados das mãos e microcefalia secundária. A síndrome de Rett é uma das causas mais comuns de retardo mental acentuado em mulheres e é herdada como uma doença dominante ligada ao X, que é letal no sexo masculino. A proteína MeCP2 é expressa por todo o corpo, por isso, ainda não é clara a razão pela qual na síndrome de Rett as anormalidades fenotípicas são principalmente observadas no cérebro.
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