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aula 05 - citogenetica - texto

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Citogenética 
 
 
A QUÍMICA E O EMPACOTAMENTO DOS CROMOSSOMOS 
 
Microscopistas do final do século XIX observaram que o 
material no núcleo e nos cromossomos coravam-se 
intensamente com certos corantes, a este material foi 
dado o nome de cromatina. Cromatina é uma estrutura 
altamente complexa composta por DNA e diversas 
proteínas histônicas e não-histônicas, estas últimas 
incluem um tipo insolúvel de proteínas do arcabouço 
cromossômico. Os métodos analíticos de biologia 
molecular e a descoberta de organismos modelos 
possibilitaram o estudo da função dos cromossomos e 
tem ampliado significativamente a nossa compreensão 
acerca da organização estrutural da cromatina e dos 
cromossomos. 
 
 
Conteúdo de DNA e o número estimado de pares de 
base no genoma 
 
Medidas da quantidade de DNA na cabeça dos 
espermatozóides fornecem as melhores estimativas do 
tamanho do genoma nuclear haplóide, pois as células 
somáticas contêm centenas de mitocôndrias 
citoplasmáticas, cada uma contendo uma ou mais 
moléculas de DNA circular com mais de 18 kb de 
tamanho, enquanto na cabeça dos espermatozóides não 
existem mitocôndrias. O genoma nuclear haplóide de 
uma célula humana é constituído de cerca de 3,65 
picogramas de DNA, o que equivale a cerca de 3,4 
bilhões de pares base (3,4 milhões kb, ou 3.400 Mb). Um 
vez que 3 kb do DNA corresponde a cerca de 1 μm de 
comprimento, uma célula diplóide contém 
aproximadamente 2 metros de DNA e uma média de 5 
cm de DNA por cromossomo. O comprimento médio de 
uma cromátides em uma célula humana é de cerca de 5 
μm e contém uma única e contínua dupla hélice do DNA. 
Duas questões centrais relativas à estrutura dos 
cromossomos são (1) como uma estrutura com 5 cm de 
comprimento de DNA é compactada em um cromossomo 
metafásico 10.000 vezes menor que o cromossomo 
inicial, e (2) como estes cromossomos se desdobram de 
modo seletivo para permitir que centenas, e por vezes 
milhares, de genes sejam expressos em um determinado 
tipo de célula. Estes mecanismos parecem ser mediados 
por uma variedade de proteínas cromossômicas, como 
descrito a seguir. 
 
As histonas são proteínas básicas de baixo peso 
molecular que tem uma alta afinidade pelo DNA. Existem 
cinco tipos principais de histonas, chamadas H1, H2A, 
H2B, H3 e H4. Estas proteínas são de fundamental 
importância no empacotamento do grande comprimento 
do DNA no núcleo da célula, de forma que os seus genes 
podem ser ligados ou desligados e de forma que o 
genoma possa ser distribuído com precisão para as 
células filhas. 
 
As histonas, especialmente as H3 e H4, demonstram 
uma notável semelhança de estrutura em todos os 
organismos eucariontes. Esta conservação evolutiva 
reflete as restrições impostas às substituições de 
aminoácidos em qualquer uma dessas proteínas pelas 
interações tridimensionais da estrutura de cada uma 
delas com outras proteínas e com o DNA na cromatina. 
 
O componente mais bem caracterizado da estrutura da 
cromatina é o nucleossomo, que representa o primeiro 
nível de empacotamento dos cromossomos. O DNA é 
enrolado em volta de um disco composto de proteínas 
histônicas H2A, H2B, H3 e H4. O disco em si é uma 
espécie de “sanduíche”, onde o centro é composto de 
duas moléculas de H3 e duas de H4 e cada uma das 
faces externas é composta de um complexo H2A-H2B. O 
DNA é enrolado em torno de um octâmero de histonas 
para formar um nucleossomo central. As duas voltas de 
DNA contém 146 pb, portanto, são compactados em um 
comprimento de 5,7 nm, o que representa a espessura 
do disco de histonas. Este mecanismo produz uma 
compactação de cerca de nove vezes do DNA 
cromossômico. Entre os nucleossomo estão os DNA 
linkers, ou DNA de ligação, de 90-100 pares de 
nucleotídeos. O comprimento dos DNA de ligação varia 
dependendo do tecido a partir do qual a cromatina é 
extraída. Quando a cromatina está dispersa, a fita 
cromossômica aparece em micrografias eletrônicas como 
contas de 11 nm (ou 10 nm como preferem alguns 
autores) arrumadas em um barbante de DNA (colar de 
contas). 
 
No próximo nível de compactação da cromatina, 
moléculas únicas de histonas 1 (H1) se ligam aos 
nucleossomos na posição dos DNA de ligação (DNA 
linkers). Este mecanismo reúne sucessivos 
nucleossomos e os torce em uma fibra de 30 nm, 
aumentando em mais seis vezes a compactação do 
DNA. A exata estrutura da fita de 30 nm ainda necessita 
ser determinada. Uma grande possibilidade é que esta 
fibra possa ser um solenóide, um simples rolo helicoidal 
de sucessivos nucleossomos organizados de modo que 
cada volta contenha cerca de seis discos de 
nucleossomos. 
 
O próximo nível de compactação leva à formação de uma 
espessa fibra de 130-300 nm de diâmetro. A estrutura 
contorcida desta fibra ainda é desconhecida, porém 
sabe-se que é composta de alças, chamada de domínios, 
que estão ancoradas em um arcabouço de proteínas 
cromossômicas, por um mecanismo descrito adiante. 
 
Miller e Therman. Human Chromosomes. 4ª ed. Springer. 2000 Capítulo 5 
 
 2 
 
O arcabouço cromossômico e as alças de cromatina 
 
O DNA e as proteínas histônicas perfazem cerca de dois 
terços da massa cromossômica, enquanto que proteínas 
não-histônicas compõem a maior parte do restante. Estas 
últimas incluem várias proteínas do tipo HMG 
(highmobility-group, grupo de alta mobilidade), nomeado 
assim pela a sua rápida migração eletroforética, e 
algumas proteínas bastante insolúveis, que representam 
cerca de 5% da massa cromossômica. As proteínas do 
arcabouço formam uma única estrutura denominada de 
núcleo cromossômico, ou simplesmente arcabouço 
cromossômico, que desempenha um papel crítico na 
estrutura final de compactação da cromatina. 
 
Acima do nível de compactação da fibra 30 nm, a 
cromatina é emaranhada por proteínas do arcabouço em 
alças com domínios de cerca de 50-150 kb de 
comprimento, que podem ser visualizadas através da 
eliminação das proteínas cromossômicas solúveis. O 
resultado desta degradação enzimática é surpreendente. 
O DNA se espalha para fora do cromossomo para formar 
um halo de fibras de DNA. Quando isto ocorre, no centro 
pode ser visualizada uma densa estrutura que é uma 
sombra da metáfase original do cromossomo: o 
arcabouço cromossômico. Esta estrutura é composta 
principalmente de três proteínas: a topoisomerase II 
(TOPO II), a SCII (uma ATPase), e a HMG1/Y (high 
mobility group 1/Y, proteína de alta mobilidade do grupo 
1/Y). 
 
A enzima mais abundante é a TOPO II. Tratamento com 
anticorpos fluorescentes contra TOPO II em 
cromossomos que tiveram suas histonas removidas por 
enzimas resulta em manchas brilhantes nos 
cromossomos mitóticos e meióticos, bem como no 
arcabouço cromossômico. TOPO II pode catalisar a 
passagem de uma molécula de dupla fita de DNA através 
de uma outra. Pode, portanto, vincular e desvincular 
círculos de DNA. Mais importante, esta enzima pode 
diminuir ou aumentar a quantidade de super-hélices 
dentro de uma única molécula de DNA torcida e assim 
aliviar o stress dentro da alças que são geradas durante 
alterações na condensação da cromatina. A TOPO II está 
envolvida nas fases finais da condensação 
cromossômica e na descondensação que se segue na 
telófase. 
 
A SCII é a segunda proteína mais abundante no 
arcabouço cromossômico, onde forma complexos com a 
TOPO II, mas está ausente na matriz nuclear interfásica. 
A SCII parece ser essencial para condensação do 
cromossomo mitótico e para a separação das cromátides 
irmãs. 
 
A proteína menos abundante do arcabouço é a HMG 1/Y, 
no entanto sua função ainda não é compreendida. 
 
Outras proteínas ligam-se ao arcabouço, por exemplo, a 
proteína cromossômica metafásica do tipo 1 (MCP1, 
metaphase chromosome protein 1). Seu nome foi dado 
porque durante a mitose a MCP1 liga-se exclusivamente 
aos cromossomos condensados,sugerindo que pode ter 
um papel na condensação cromossômica. 
 
Proteínas menos abundantes encontradas no arcabouço 
incluem as CENP-C e CENP-E, que são necessárias 
para a função do cinetócoro, e as INCENPs (proteínas 
centroméricas interiores), que desempenham um papel 
na manutenção da adesão das cromátides até o início da 
anáfase. 
 
As alças da cromatina são ligadas ao arcabouço em 
regiões especialmente ricas em AT, as regiões de ligação 
ao arcabouço (SARs, scaffold attachment regions). 
 
 
A matriz nuclear: complexos de replicação e 
transcrição 
 
Os núcleos de células interfásicas contêm inúmeras 
proteínas que são insolúveis em solução salina a 2M. A 
esta fração dá-se o nome de matriz nuclear. A matriz 
nuclear contém lamininas (proteínas do envelope 
nuclear), proteínas nucleolares, e ribonucleoproteínas, 
que não são encontradas no arcabouço cromossômico. A 
matriz nuclear desempenha um papel importante na 
organização das funções nucleares. 
 
A primeira evidência da compartimentação das funções 
nucleares foi dada pela descoberta de que a transcrição 
e processamento do RNA ribossomal (rRNA) e a 
montagem de ribossomos acontecia exclusivamente nos 
nucléolos. Outras funções nucleares também são 
compartimentadas, como, por exemplo, a replicação e a 
transcrição do DNA. 
 
 
Regiões controladoras de lócus e domínios 
funcionais 
 
A expressão dos genes no cluster de β-globina está sob 
o controle de um segmento de 20 kb de DNA chamado 
de região controladora de lócus (LCR, locus control 
region), que está localizada a cerca de 60 kb acima do 
gene da β-globina (na extremidade 5’ do gene). Esta LCR 
é necessária, e suficiente, para manter todo o cluster em 
uma configuração cromatínica aberta nas hemácias, as 
únicas células que expressam os genes de globina. Uma 
deleção deste LCR provoca uma grande alteração na 
estrutura da cromatina e no tempo de replicação ao longo 
do cluster de β-globina. 
 
 
Eucromatina e heterocromatina: regulação da função 
gênica 
 
Regiões do cromossomo em que genes podem ser 
transcritos diferem estruturalmente de regiões inativas. 
Durante muitos anos, é sabido que a transcrição ocorre a 
partir da eucromatina, não da heterocromatina. Além 
disso, o DNA de regiões ativas é mais sensível à 
digestão com DNase 1 que é o DNA de regiões inativas. 
Acreditasse que esta acessibilidade ao ataque das 
nucleases seja resultado de uma conformação aberta 
maior de cromatina contendo genes ativos. 
 
Os fatores de transcrição não podem se ligar em 
seqüências de DNA em nucleossomos compactados, por 
este motivo não ocorre transcrição nestes locais. As 
alças de DNA em domínios ativos ou indutíves (que 
podem se tornar ativos) parecem assumir uma 
conformação aberta. Isto faz com que o DNA fique 
disponível para os fatores de transcrição, RNA 
polimerases e, até mesmo, para a DNase 1 – como no 
caso do experimento descrito acima. 
 
A ativação de genes pode exigir a interação de proteínas 
reguladoras com o DNA imediatamente após a sua 
Miller e Therman. Human Chromosomes. 4ª ed. Springer. 2000 Capítulo 5 
 
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síntese, ou seja, no curto intervalo entre replicação e 
união de histonas. Regiões cromatínicas altamente 
conservadas que contêm genes inativos, mas que são 
potencialmente ativos (ou indutíveis), é chamada de 
heterocromatina facultativa. A Tabela 5.1 demonstra a 
comparação entre heterocromatina facultativa e 
constitutiva. 
 
Table 5.1. Comparação entre heterocromatina 
constitutiva e facultativa 
Constitutiva Facultativa 
Principalmente DNAs satélites Todos os tipos de DNA 
Positiva para o bandeamento C Negativa para o bandeamento C 
Sempre replicação tardia Replicação tardia 
Nunca transcrita Não transcrita 
Sem crossing over meiótico Com crossing over meiótico 
 
 
Modificação das histonas, metilação do DNA, e 
condensação cromossômica 
 
Durante o ciclo celular ocorrem alterações marcantes na 
cromatina ou na condensação dos cromossomos. A 
adição de grupos fosfato (fosforilação) na histona H1 foi 
durante muito tempo considerada ponto chave para a 
condensação cromossômica e a sua remoção 
(desfosforilação) para a descondensação. No entanto, a 
TOPO II também é necessária para as alterações na 
condensação do cromossomo devido à necessidade de 
se aliviar a tensão das torções na molécula do DNA. 
Além disso, tornou-se cada vez mais claro que a adição 
ou remoção de grupos acetil das histonas (acetilação ou 
desacetilação) desempenham um papel importante na 
regulação da condensação do cromossomo e da 
expressão gênica. 
 
As histonas são geralmente hiperacetiladas em regiões 
cromatínicas ativas transcricionalmente e hipoacetiladas 
em regiões transcricionalmente silenciosas. As porções 
amino terminais de cada molécula de histona H3 e H4 se 
estendem para fora do núcleo do nucleossomo e são 
modificadas por enzimas acetiltransferase e desacetilase 
durante o ciclo celular. As caudas desacetiladas desviam 
os fatores de transcrição e, assim, bloqueiam transcrição. 
Um complexo protéico contendo histonas desacetilase e 
muitas outras proteínas medeiam a repressão da 
transcrição. 
 
Uma questão crítica é, o que guia as enzimas acetil 
transferases ou as histonas desacetilases para 
seqüências de DNA específicas ou para os genes que 
devem ser ativados ou silenciados? Pouco a esse 
respeito se sabe para as acetiltransferases. No entanto, 
novas descobertas tem fornecido uma resposta 
inesperada e muito interessante para as histonas 
deacetilases. Em 1998, pesquisadores demonstraram 
que um complexo multi-protéico contendo uma histona 
deacetilases também contém uma proteína chamada de 
proteína de ligação à citosina metilada 2 (MeCP2, 
methyl-cytosine binding protein 2), proteína que se liga à 
seletivamente seqüência metilada de DNA. A metilação 
do DNA envolve a adição de grupos metil no carbono 5’ 
de uma citosina adjacente a uma guanina, ou seja, em 
sítios CpG. 
 
A metilação do DNA há muito tem sido associada com o 
silenciamento transcricional, tanto ao nível dos genes, 
quanto em um cromossomo inteiro, como é o caso da 
inativação do cromossomo X. Duas proteínas, MeCP1 e 
MeCP2, se ligam especificamente ao DNA metilado. No 
entanto, em 1991, pesquisadores demonstraram que a 
metilação do DNA inibia o processo de transcrição 
apenas se a MeCP1 estivesse presente. Atualmente, o 
papel da MeCP2 na inativação gênica é igualmente 
conhecida. As histonas desacetilases são direcionadas 
para os domínios cromatínicos em que o DNA é metilado, 
e através da remoção de grupos acetil das histonas, elas 
alteram a estrutura da cromatina nestes sítios, resultando 
no seu silenciamento transcricional. Deste modo, ficou 
claro que o mecanismo de inativação metilação-
dependente é mediado pela desacetilação das histonas. 
Resultados de experimentos com cristalografia de raios-X 
sugerem que a remoção dos grupos acetil das histonas 
altera a estrutura da cromatina, levando à compactação 
dos nucleossomos adjacentes. 
 
As mutações do gene MECP2 em Xq28 produz a 
síndrome de Rett, doença neurológica progressiva 
severa caracterizada por perda da fala, convulsões, 
ataxia, movimentos estereotipados das mãos e 
microcefalia secundária. A síndrome de Rett é uma das 
causas mais comuns de retardo mental acentuado em 
mulheres e é herdada como uma doença dominante 
ligada ao X, que é letal no sexo masculino. A proteína 
MeCP2 é expressa por todo o corpo, por isso, ainda não 
é clara a razão pela qual na síndrome de Rett as 
anormalidades fenotípicas são principalmente 
observadas no cérebro.

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