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Labra, Daniela. Arte e política da performance à arquitetura

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Arte e política da performance à arquitetura 
Vito Acconci 
Por Daniela Labra (publicado na Revista Dasartes, Nº7, 12/2009) 
Em setembro de 2009, por ocasião da segunda edição do evento Performance Presente Futuro, no 
Oi Futuro, Rio de Janeiro, o artista e hoje arquiteto Vito Acconci deu uma palestra sobre sua 
trajetória profissional. Conhecido no meio da arte como um dos precursores da body art nos anos 
1970, nos Estados Unidos, suas performances e videos da época constituem um referencial 
importantíssimo para as gerações subseqüentes que discutiram e ainda discutem questões 
relacionadas à crítica institucional, à arte como ferramenta ativista e sua aproximação com a vida. 
Nesta conversa, realizada num bar carioca à beira-mar, Acconci mostra-se o mesmo homem 
crítico e lúcido – embora tenha trocado, nos anos 1990, a arte conceitual de veia política por 
projetos arquitetônicos arrojadamente lúdicos, frequentemente financiados por fundos de Estado 
ou grandes corporações. Entretanto, o seu discurso ainda se apóia na mesma crença que move 
seu trabalho desde o início: de que a arte deve tocar o outro e impedir a banalização da 
existência. 
À seguir, o artista fala sobre alguns pontos de sua trajetória, incluindo o mal-estar que cercou a 
execução de uma versão não-autorizada do projeto idealizado para o evento paulista Arte/Cidade, 
em 2002. 
Você participou do projeto Arte Cidade, em São Paulo, e houve discussões sobre sua proposta 
(uma construção translúcida, suspensa por uma marquise central, instalada sob o viaduto do 
Largo do Glicério, com acesso feito por 3 escadas, sendo uma delas a partir do alto do viaduto. A 
obra era destinada aos sem-teto e possuía instalações para higiene pessoal e lazer. Ao fim, a 
produção do evento executou, sem o consentimento do Studio Acconci, uma espécie de contêiner 
adaptado). O que ocorreu? 
Na época da mostra, Nelson (Brissac Peixoto, curador do Arte Cidade) e eu passeamos pela cidade 
e vimos muitas pessoas morando embaixo de viadutos. Pensamos que nosso projeto poderia dar 
casas a estas pessoas, mas que elas também precisavam de entretenimento. Então desenhamos 
uma espécie de casa invertida, em que um lado do teto se estendia até o chão e servia de escada 
para que as pessoas subissem e entrassem neste prédio de cabeça para baixo, que não precisava 
de teto porque teria a autopista do viaduto como um. Propusemos diferentes usos para aquilo: 
poderia haver uma tela de televisão e os pisos diagonais poderia servir como arquibancadas de 
um anfiteatro, ou poderia haver um playground para crianças… Enquanto projetávamos, Nelson se 
perguntava se teriam dinheiro para construir este prédio, mas quisemos apresentar o projeto 
independentemente disto. Fiquei muito surpreso quando ele me enviou um jornal noticiando nosso 
projeto. A figura mostrada no jornal era uma espécie de caixa, que foi chamada de “studio para os 
sem-teto”. Escrevi ao Nelson imediatamente dizendo que aquele não era nosso projeto, que não 
era nada diferente de qualquer construção para programas habitacionais, e que toda a idéia da 
recreação tinha desaparecido, e ele me respondeu que era o único modo pelo qual poderíamos ter 
nossa obra realizada. Não me opunha que ele fizesse isto, mas não poderia chamar este projeto 
de “nossa obra” porque não era. Às vezes a imagem de um projeto é mais eficaz que um projeto 
real, porque funciona melhor como uma espécie de ensaio. Quando você está dentro de um 
projeto você está perto demais para conhecer sua teoria. Nunca entendi porque Nelson insistiu 
em fazer aquilo. 
Você via este projeto como algo para ser aplicado nas ruas ou apenas um projeto artístico, 
conceitual? 
Nada do que fazemos agora é projeto artístico. Fazemos arquitetura, fazemos design,… Mas não 
queremos ser apenas “uso”; queremos uso e algo mais. Se a utilidade fosse o único objetivo, 
aceitaria o que Nelson fez, pois era um lugar útil. Mas queremos um lugar que as pessoas usem e 
onde ocorram mudanças de pensamentos. Para o Arte Cidade, precisávamos da ajuda de Nelson, 
porque não conhecemos São Paulo, nem esse bairro. Teríamos adorado conversar com alguns 
desabrigados, porque de outro modo, nós estaríamos vindo de fora e dizendo “vocês querem 
isso”; sem saber o que realmente querem. Nunca nos encontramos com os sem-teto porque 
nunca soubemos que o projeto iria acontecer. 
Algo admirável neste projeto é que ele valoriza os sem-teto. Em geral, projetos para a população 
pobre dão a ela o pior: o pior material, o desenho mais básico. 
Em primeiro lugar, sabíamos que as pessoas geralmente não querem entrar em locais públicos 
fechados porque; quem sabe o que pode acontecer ali? Então usamos lâminas de plásticos de 
modo que se pudesse ver o interior. Havia luz no interior, porque aquela vizinhança não era muito 
freqüentada a noite, então pensamos que a luz poderia trazer as pessoas para o seu redor, não 
teriam medo deste local. E isso pareceu realmente importante para nós. 
Saberia precisar quando fez a transição da arte para a arquitetura? 
Foi no início dos anos 1980, mas foi no final dos anos 1990 que comecei a trabalhar com 
arquitetos. Eu pensei que, se eu quisesse trabalhar com espaços públicos, não poderia fazê-lo 
sozinho. Não apenas porque eu não sabia como fazer arquitetura, mas também porque algo 
público deve ser resultado de uma discussão. Quando temos pessoas de diferentes nacionalidades 
e gêneros em conversa, todos têm uma idéia diferente de “público”, e unindo estas idéias 
podemos chegar a uma noção válida. Então, desde o final dos anos 80, todos os projetos vêm de 
um Studio de arquitetura. 
E qual o motivo desta transição? 
Eu apenas não sabia mais o que eu queria fazer em uma galeria ou em um museu. Assim como 
outras pessoas da minha geração, lá pelos anos 1970 vimos que os museus estavam mudando, 
mas não como pensávamos que deveriam, não em resposta a nossas perguntas: “por que os 
museus não têm janelas?”. “A arte é frágil? É tudo isso?”. Eu não sabia que significados as coisas 
poderiam ter além do básico: isto dá às pessoas um lugar para sentar, isto dá às pessoas um 
espaço mais fechado ou mais aberto. Comecei a me interessar por esta linha de pensamento, 
apesar de não buscar significados, pois acho que eles surgem quando as pessoas estão no meio de 
uma atividade. Acho que faz sentido que eu tenha vido de um histórico de performance, eu não 
quero que a arquitetura seja essa coisa imóvel, quieta… Espero que o trabalho de todo mundo 
venha de algum tipo de sistema de pensamento e que resulte do modo como eles vêem o mundo. 
É bom saber que não existe apenas um modo de se ver o mundo, se todos vissem o mundo ao 
meu modo, seria um mundo muito chato. Por isto não posso dizer que, com meus projetos, esteja 
mostrando às pessoas como pensar, mas aqui está um exemplo. 
Você sente que, a partir dos anos 1990, a arquitetura deixou de ser uma combinação entre o 
artístico e o prático e tornou-se algo apenas prático? 
Bem, até pior que isso. Nos anos 80, acho que muitos arquitetos pensavam de modo artístico, em 
uma versão de “vamos fazer uma casa na qual a porta se pareça com uma boca e as janelas se 
pareçam com olhos; vamos fazer uma casa com o teto furado…”. É quase como se a Disneylândia 
tivesse chegado à arquitetura. . Então começamos uma arquitetura muito chata e formal. 
Tínhamos Bauhaus, algo que deveria ser muito funcional mas tinha uma preocupação estética; 
mas daí nos anos 1990, havia apenas o funcional e chato: você tem a Sexta Avenida em Nova 
York, onde há apenas essas caixas, seguidos de caixas e mais caixas,…Os projetos com influência 
da Bauhaus eram ótimos, mas uma vez que foram repetidos ao redor de todo o planeta, 
tornaram-se chatos. Não acho queestes criadores sejam preguiçosos, eles apenas pensaram 
“esse é um meio de construir mais barato do que construíamos antes”. As corporações têm seus 
próprios programas, que não consideram a convivencia social dos empregados ou a noção de 
espaço público. Como os shopping centers, onde o espaço é para o público, mas não é público. 
Mas há pessoas pensando diferente. Recentemente, fomos procurados por um corretor de uma 
empresa que está comprando vários centros comerciais (strip malls) nos Estados Unidos e queria 
que os reformássemos. Estes aglomerados de lojas, geralmente nos subúrbios ou entre as 
cidades, são muito comuns nos Estados Unidos e são todos iguais, como caixas. Este investidor 
queria que 60% ou 70% desta estrutura fosse mantida e que, para os resto, propuséssemos algo 
surpreendente. Tinham interesse em fazer espaços modificáveis, para que a pessoa que alugasse 
uma loja pudesse aumentá-la ou reduzi-la, então sugerimos postes curváveis para fazer cada loja, 
um sistema muito maleável, que pode inclusive ser usado no lado de fora, para se fazer um 
jardim coberto. Eles ficaram muito interessados, mas ainda não sei se isto vai acontecer. 
É possível imaginar que a extrvagância atual de alguns artistas esteja relacionada ao mercado, 
que sempre busca o novo. Com sua arquitetura, você parece entender que o novo está dentro de 
si, de cada indivíduo, e que é necessário respeitar a própria forma de pensar fora do senso-
comum. É assim que você pensa sua arquitetura? 
Me questiono se a arte pode algum dia ser separada do sistema monetário. Os trabalhos da minha 
geração, por exemplo, só foram possíveis porque as galerias de Nova Iorque começaram a mudar 
de bairro, para o então afastado Soho, e em suas primeiras mostras não podiam pensar em 
ganhar dinheiro, mas em chamar a atenção. Não foi um mistério o motivo pelo qual a Sonnabend 
expôs Seedbed, as esculturas cantoras (singing sculptures) de Gilbert & George, a mostra de 
Dennis Oppenheim. Nenhuma delas gerou dinheiro, mas trouxeram as pessoas para dentro das 
galerias, e havia sempre uma sala dos fundos onde se vendia as obras que elas queriam. Não dar 
nada para as galerias venderem foi motivo de frustração para minha geração, mas o que não 
entendíamos era que fornecíamos algo decorativo, e as galerias precisam do decorativo tanto 
quanto precisam do atraente; ou até mais. Quando eu fiz Seedbed, a dona da galeria me ligou 
dizendo que tinha ouvido que eu faria algo muito notável em sua galeria e que fizesse o que eu 
quisesse. Quatro ou cinco anos depois, o Soho já havia se consolidado como uma região de 
galerias de arte e os telefonemas eram muito diferentes: “precisamos ter alguma coisa pra 
vender”; “precisa ser documentado”. Ou seja, as coisa mudaram. Ela era com certeza a 
negociante mais interessante com qual eu já expus. Em uma entrevista, perguntaram a ela o que 
a fazia continuar, e sua resposta foi “curiosidade e ganância”. (Risos) O problema da maioria dos 
marchands agora é que estão focados mais na parte da ganância… Arte é um meio de ganhar 
dinheiro, e isso não é contra a arte. Em um momento ela serviu à religião, a maioria dos artistas 
que faziam pinturas religiosas não se importavam com a religião em suas pinturas; eles queriam 
as sombras e as luzes da arte. Mas deveria haver um equilíbrio. 
Em sua trajetória você passou da escrita para a arte e da arte para a arquitetura, sempre 
encorajando a se alcançar o outro. No entanto, em sua palestra, você parece tentar alcançar o 
outro e ao mesmo tempo, começa a se esconder. Você está negando o artista em você? 
Eu me escondo porque quando eu era uma pessoa conhecida por fazer performances, eu já não 
era mais apenas uma pessoa; eu estava me tornando uma estrela. Isto começou a me incomodar 
tanto que pensei em me disfarçar. No início dos anos 1970, eu lancei uma pequena revista – 
sempre falei da importância das pequenas revistas -insistindo que ela não teria nenhum critico de 
arte, apenas entrevistas com os artistas e textos deles, e todas as capas teriam o rosto de um 
artista. A idéia era mostrar que o artista é uma pessoa como qualquer outra, mas uma vez que a 
pessoa está na capa da revista, ela não o é mais, é como que tirada da multidão e tornada 
especial, um mito. 
Você não pode fazer uma nova versão de Seedbed… 
Não posso. Eu nunca fui capaz de repetir uma performance, porque pra mim a performance era 
uma prova de que eu conseguia fazer algo, portanto não faria sentido repetir algo que eu já sei 
que sou capaz de fazer. Minha noção de performance era quase como uma habilidade política, 
como executar um contrato, e isto era importante pra mim. “Eu não sei se realmente posso fazer 
isso, mas eu vou conversar comigo sobre isso”. E por isso muitas de minhas performances tinham 
eu conversando comigo mesmo: “eu quero ficar sozinho aqui no porão, eu não quero que ninguém 
desça ao porão comigo” (em Claim, 1971, o artista se postou na escada de acesso ao porão da 
galeria, segurando uma barra de ferro com os olhos vendados e reagindo à aproximação das 
pessoas). E é verdade que, da primeira vez que eu executei uma performance, na primeira hora, 
tudo o que eu queria fazer era fugir. Eu não queria que as pessoas me vissem me fazendo de 
bobo. Mas eu não pude. Tive que dar de ombros e achar um modo de ficar. À medida que 
prosseguiu, foi se tornando cada vez melhor, porque eu estava me hipnotizando. Mas aquilo foi 
quebrado de modo muito fácil também. Porque todas as performances têm histórias engraçadas. 
Inclusive, em Seedbed, eu tinha que urinar em uma garrafa. Eu também poderia ter matado 
alguém (em Claim); estava dizendo para as pessoas “eu vou te matar”, “eu vou te matar”, e em 
um dado momento eu estava balançando o corrimão, que estava frouxo, alguém disse: “Meu Deus 
ele está falando sério!”. Eu estava tão enfurecido que arranquei fora o corrimão; Perdi a cabeça. 
Esse projeto era sobre os americanos na guerra do Vietnã. Eu nasci em 1940, nasci e cresci em 
um tempo que os EUA deveriam ser essa nação heróica. Nós salvamos a Europa. Mais tarde 
percebi que os EUA eram um país criminoso. 
Tradução: Geraldo Alves Teixeira Júnior

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