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A Industrialização Brasileira

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Sonia Regina
de Mendonça
A
industrialização
brasileira
11!! impressão
Sumário
INTRODUÇÃO 6
1.A EraColonial 8
É proibido instalar manufaturas 8
A indústria está a caminho 15
2. Construindo a grande indústria 19
Do café nasce a indústria 19
E surge a classe operária 26
Superexploração , miséria e doença 30
A classe operária organiza-se 35
A reação empresarial 40
3. Entra em cena o Estado 44
o Brasil e o mundo nos anos de 1930 44
Nacionalismo e desenvolvimento 49
Sociedade de massas: controle redobrado 54
Empresário e Estado na Era Vargas 59
4. Desenvolvimentismo e internacionalização 62
A industrialização na gangorra 62
A civilização do automóvel 67
Quem são as classes produtoras? 74
Indústria moderna, país dependente 76
5. Um modelo perverso 80
Os anos críticos 80
Depois da tempestade, vem o "milagre" 84
As classes trabalhadoras "pagam o pato" 94
O "milagre" se desfez " 97
6. Desnacionalização e desindustrialização 10S
Neoliberalismo e globalização avançam lOS
A desindustrialização brasileira............................................... 110
Desnacionalizando a economia....... .. 114
Desemprego e pobreza no Brasil do Real 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS 127
GLOSSÁRIO 129
CRONOLOGIA 132
BIBLIOGRAFIA 135
5
POLÊMICA
Introdução
Ninguém melhor do que nós, brasileiros do século XXI, sabe 6 que
é sentir na pele a vida confusa e agitada que marca o nosso dia-a-dia e o
das nossas famílias. Quem não vive a realidade do país, a cada início de
mês, fazendo contas e mais contas, apertando daqui e cortando dali,
para ver se a receita vai bastar para todas as necessidades, até mesmo em
conjunturas de inflação controlada?
Claro que a indignação com esse estado de coisas é geral e procura-
mos sempre o "bode expiatório" mais próximo para desabafar as nossas
insatisfações. Ora é esse ou aquele governante o escolhido como o judas
da situação; ora culpamos as várias greves que pipocam aqui e acolá; ora
ouvimos alguém dizer que a tal "campanha de privatização" das empresas
estatais é a causadora desse caos econômico que o país atravessa.
A situação é sombria. Assim é que, no "calor da hora" em que recebe-
mos cada nova conta de luz ou de telefone, só há espaço, dentro das nossas
casas, para um sentimento de revolta, ou mesmo de desesperança.
Mas o que poucas pessoas procuram fazer, em meio a essa confu-
são, é refletir sobre as razões do que está acontecendo. E não se trata
aqui apenas das razões recentes. Trata-se daquelas causas mais profun-
das, com origens mais distantes no tempo, e que podem nos ajudar a
entender o que está se passando no momento atual.
Uma dessas razões é, sem dúvida, a forma como se processou a in-
dustrialização brasileira e os rumos por ela tomados nos diferentes mo-
mentos da nossa história. Somente mergulhando nesse passado é que
6
poderemos compreender alguns dos motivos de um presente tão difícil
como o nosso.
É a história dessa industrialização - as suas origens, fases e carac-
terísticas - que este livro conta. Mas não se tem aqui uma daquelas
histórias cheias de heróis e datas importantes. O que vamos descrever é
um longo processo, em que a ação dos grupos sociais - com as suas dis-
putas, as suas lutas e os seus acordos - foi determinante para definir os
passos dessa indústria, que só deslanchou em pleno século XX, com mais
de cem anos de atraso em relação à Europa e aos Estados Unidos.
Para se chegar até esse ponto, no entanto, é preciso "passear" pelo
túnel do tempo, passando pelo século XIX, quando no Brasil ainda havia
escravidão e monarquia, e recuando até o século XVI, quando começou
a exploração colonial.
7
1. A EraColonial
As LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA METRÓPOLE NOS PRIMÓRDIOS
DA AGROINDÚSTRIA AÇUCAREIRA NO NORDESTE RETARDARAM
O SURGIMENTO DAS MANUFATURAS, CONSOLIDANDO A COLÔNIA
BRASIL APENAS COMO FORNECEDORA DE MATÉRIAS-PRIMAS.
É proibido instalar manufaturas
Para se conhecer a história da industrialização brasileira, é preciso vol-
tar ao tempo da não-industrialização, por mais estranho que possa pare-
cer. E o tempo da não-industrialização foi aquele em que o Brasil ainda
era uma colônia de Portugal, presa a este país pelo pacto colonial.
De acordo com o pacto colonial, a metrópole portuguesa tinha to-
tal exclusividade para comercializar os poucos gêneros tropicais, de alto
valor no mercado europeu, que daqui eram extraídos, ou produzidos
em larga escala, tais como pau-brasil, açúcar, ouro ou drogas do sertão
(especiarias). A produção extensiva, no caso particular do açúcar, justi-
ficava-se pela necessidade de lucros cada vez maiores por parte da Co-
roa, que comandava os destinos do "país". O Brasil era, assim, uma colô-
nia de exploração.
Pela lógica do sistema colonial, todos os recursos disponíveis na colô-
nia, desde terras e dinheiro até mão-de-obra - africana, de preferência,
8
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Pequena moendo portátil.
por ser ela também uma mercadoria comercializável-, deveriam ser ca-
nalizados para a produção extensiva, da qual a chamada agroindústria açuca-
reira nordestina dos séculos XVI e XVII foi o principal exemplo.
Logo, todos os grandes senhores de engenho da colônia subme-
tiam-se ao monopólio exercido por Portugal, tal como acontecia com
os demais colonos ligados a outras atividades. O açúcar produzido só
podia ser vendido a comerciantes portugueses - ou outros autorizados
pela Coroa - pelo preço que lhes era imposto.
O outro lado do pacto colonial consistia no igual exclusivismo dos
negociantes lusitanos em venderem à colônia tudo aquilo de que os seus
habitantes necessitassem. E, conseqüentemente, esse "tudo" consistia em
artigos manufaturados que Portugal, sem condições de produzir, adqui-
ria de fornecedores europeus.
Assim, como colônia de exploração, o Brasil representava para a
Coroa portuguesa uma dupla fonte de lucros: os que ganhava, ao reven-
der na Europa toda a produção aqui comprada a baixos preços; e os que
obtinha, com a venda aos colonos, a preços altos, dos manufaturados
9
POL~MICA
utilizados no seu dia-a-dia - ainda que para isso contasse com alguns
aliados, como os holandeses, que, entre os séculos XVI e XVII, em troca
do fornecimento de recursos a Portugal, tinham autorização para trans-
portar e redistribuir o açúcar no continente europeu.
Até que ocorresse a junção das duas Coroas - Portugal e Espanha
-, ante os problemas dinásticos sucessórios durante a chamada União
Ibérica (1580-1640), a Holanda foi a principal aliada de Portugal nessa
fase de consolidação da agroindústria açucare ira colonial. A partir desse
momento, no entanto, tal quadro seria revertido, já que a Holanda, em
luta com a Espanha, seria proibida de comercializar o açúcar brasileiro,
ao que reagiu de forma radical: as invasões holandesas do Nordeste
(Bahia e Pernambuco) foram o seu corolário. Entre 1624 e 1654, os
pólos açucareiros da Colônia Brasil viveriam sob domínio flamengo.
Descontentes com a cobrança dos empréstimos que lhes tinham sido
feitos pelos invasores - que, além do mais, não eram católicos -,
os senhores de engenho dariam início à luta contra o jugo holandês, con-
tando para tal com os demais habitantes da região, integrando assim
a Insurreição Pernambucana. Por volta de 1650, os flamengos estavam
derrotados e, com o fim da União Ibérica, em 1640, o monopólio portu-
guês restabeleceu-se na colônia.
Esta, por sua vez, teria as suas atividades econômicas ampliadas,
entre os séculos XVII e XVIII, com a exploração das especiarias (drogas
do sertão) obtidas na Floresta Amazônica, a expansão pastoril no inte-
rior nordestino e a mineração nas Gerais.
Em virtude da sua extrema importância como fator de sustentação da
Coroa portuguesa, que saíra depauperada da União Ibérica, a atividade mi-
neradora provocaria uma forte centralização administrativana colônia, am-
pliando-se os mecanismos de controle da atividade extrativa e, por exten-
são, da própria população colonial da região. E para que servia tanto ouro?
Parte expressiva desse ouro revertia para Portugal sob a forma de
impostos, servindo não apenas para o sustento da Corte, como também
para saldar as inúmeras dívidas que o Reino português contraíra ao lon-
go do tempo. Assim, o ouro brasileiro não ficava somente em Portugal,
10
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
tornando-se importante para outros países da Europa, visto que, além da
quitação das dívidas, o Reino não produzia a maioria dos produtos manu-
faturados necessários à revenda na colônia. O Tratado de Methuen, nego-
ciado com a Inglaterra em 1703, é um bom exemplo desse mecanismo.
Por ele, a Inglaterra comprometia-se a comprar vinhos apenas de Portu-
gal, enquanto este, por seu turno, iria adquirir tecidos somente da Ingla-
terra. Como o Reino português adquiria mais tecidos do que vendia vi-
nhos - isso sem contar a desigualdade de preços das mercadorias troca-
das -, logo se veria endividado junto à Inglaterra.
Foi justamente nesse contexto do século XVIII que a Inglaterra come-
çou a afirmar-se como grande potência mundial da época, em face do seu
pioneirismo no desenvolvimento da Revolução Industrial, sobretudo a par-
tir de 1760. A instalação do sistema fabril, impulsionado, nessa primeira
fase, pelo aperfeiçoamento das máquinas de fiação e tecelagem e, num se-
gundo momento, pela substituição da energia hidráulica pelo vapor, garan-
tiria aos britânicos a primazia na difusão do capitalismo pelo mundo.
AAIlil;YC~,,~lWl
Alvará de D, Maria I proibindo fábricas
e manufaturas no Brasil [Usboo, 17851,
11
POLÊMICA
Enquanto tal processo se verificava na Inglaterra, Portugal, a despei-
to do monopólio colonial, pouco a pouco se transformava em mero inter-
mediário comercial entre a colônia e a Europa, carente que era de ativida-
des manufatureiras expressivas e com sólidas raÍzes na produção agrária.
Já a Colônia Brasil, uma vez que a sua população crescia e começava a
diversificar as suas ocupações, seria alvo de uma severa política de restri-
ções econômicas por parte da metrópole, dentre as quais se destacou o
Alvará de 1785, mandando fechar as manufaturas - poucas - aqui exis-
tentes, tais como as de fabricação de tecidos e as de construção naval. A
rigor, é possível afirmar que durante o longo período colonial as ativida-
des "industriais" desenvolvidas no Brasil contavam com um caráter estri-
tamente acessório e secundário no conjunto da economia.
Mesmo assim, a proibição de manufaturas na Colônia Brasil teria
como principal beneficiária justamente a Inglaterra, que continuava a
fornecer produtos manufaturados a Portugal e, por essa razão, não pos-
suía qualquer interesse em que as áreas coloniais se industrializassem.
Pelo contrário, interessava-lhe tirar proveito do pacto colonial lusitano,
por intermédio do seu principal instrumento: o monopólio.
Mas se o sistema colonial funcionou com razoável eficiência até finais
do século XVIII, o mesmo não se pode dizer dos anos subseqüentes. Impli-
cado nas disputas européias que marcaram a chamada "era napoleônica", em
inícios do século XIX, Portugal se veria forçado a fazer uma opção política de
importantes conseqüências para a Colônia Brasil. Napoleão Bonaparte, im-
perador francês e senhor de quase toda a Europa Ocidental, ao impor o
Bloqueio Continental de 1806, interditando qualquer país europeu de co-
merciar com a sua grande rival, a Inglaterra, colocaria a Coroa lusitana numa
encruzilhada ante o confronto das duas potências. Contando com a agricul-
tura como a sua principal atividade econômica, Portugal viu-se impedido
de cumprir a ordem napoleônica, expondo-se à invasão francesa.
A solução para o impasse deu-se com a vinda, em 1808, da família
real portuguesa para o Brasil, mediante apoio da Inglaterra, que passa-
ria a comercializar livremente com a Colônia Brasil. A Corte, desse
momento em diante, trocava de lugar, passando de Lisboa para o Rio de
12
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Janeiro. E o Brasil, por sua vez, também se veria numa ambígua condi-
ção: a de colônia e de sede da Monarquia, ao mesmo tempo. Esse novo
quadro marcaria o início do fim da situação colonial brasileira.
É em meio a todas essas mudanças que podemos situar os antece-
dentes da história da indústria brasileira, pois, nesse momento, como
sede da Monarquia, a Colônia Brasil precisava ter a sua condição forço-
samente redefinida. Por um lado, porque seria preciso responder às no-
vas necessidades que a Corte trouxera consigo. Por outro, porque a pre-
sença da Corte em solo brasileiro dificultava, e muito, a manutenção do
tradicional monopólio, que tinha sido, até o momento, a chave da domi-
nação econômica e política de Portugal. Afinal, a Coroa estava aqui!
Diante da nova realidade, o príncipe regente D. João revogaria as
proibições do regime colonial no tocante à indústria pelo Alvará de 12de
abril de 1808. Isso incentivaria alguns empreendimentos manufaturei-
ros - como a construção naval e a produção de cordames, velas e teci-
dos em geral-, num esforço tênue para imitar as manufaturas reais do
ministro francês Colbert, pelo fato de estarem elas sob a tutela do Esta-
do, que as fiscalizaria, sem, no entanto, tomá-Ias sob a sua direção.
Mas o destino dessas iniciativas "industrializantes" estava condenado ao
insucesso desde o seu nascimento. Isso porque, para consolidar a aliança
com a Inglaterra, premiando-a pelo seu apoio político, alguns acordos fo-
ram selados nessa época, a começar pela Carta Régia de 28 de janeiro de
1808, que redundou no que conhecemos como a abertura dos portos brasi-
leiros às"nações em paz e harmonia" com Portugal, excluindo-se a França, é
claro. A partir daí, estava extinto o monopólio comercial lusitano, bem
como o privilégio até então desfrutado pelos comerciantes do Reino, po-
dendo os negociantes brasileiros e de outras nacionalidades comerciar livre-
mente no Brasil. Certamente, seriam os pioneiros da Revolução Industrial
os que mais contribuiriam para o aumento do fluxo comercial com o Brasil,
invadindo o seu mercado com produtos manufaturados os mais diversos.
A preponderância inglesa no Brasil- bem como o destino das ma-
nufaturas brasileiras, é claro - foi selada mediante dois tratados, ambos
em 1810. Um deles, o de Aliança eAmizade, referia-se, no fundamental, a
13
POL~MICA
compromissos políticos entre os dois países. Já o outro, o de Comércio e
Nave8ação, garantia aos produtos ingleses o direito de entrar no Brasil
em condições mais vantajosas do que aqueles procedentes de outros
países, inclusive os de Portugal: enquanto os artigos vindos da Inglater-
ra pagariam apenas 15% ad valotetn nas alfândegas, os produtos portu-
gueses pagariam 16%, e os de outras nacionalidades, 24%. Semelhante
privilegio iria prolongar-se por alguns anos, com exclusividade.
Dessa forma, não fica difícil imaginar por que as tímidas iniciativas
"industrializantes" inauguradas por D. João se veriam sufocadas no seu
próprio nasce douro. Com técnicas ainda rudimentares e mão-de-obra
pouco especializada, as manufaturas brasileiras não tinham condições de
competir com os produtos ingleses, de melhor qualidade e preços bem
menores do que os aqui fabricados.
Mas a concorrência britânica não foi o único empecilho para o de-
senvolvimento da indústria no Brasil nesse período. O regime escravis-
ta, vigente desde primórdios da montagem do sistema colonial até a
Abolição, em 1888, seria outro poderoso obstáculo, posto que dificul-
tava o desenvolvimento da técnica, cerne da expansão industrial, bem
como o crescimento do número de consumidores ativos. Alem disso,
com uma população dispersa e predominantemente rural, com grau in-
cipiente de urbanização, só era possível configurar-se um mercado in-
terno restrito ealtamente fragmentado, em nada estimulante para uma
efetiva industrialização.
Apesar desse quadro pouco favorável à industrialização, algumas
manufaturas conseguiram florescer, sobretudo no ramo dos tecidos. Foi
o caso da primeira tecelagem do Rio de Janeiro, criada em 1819; de
uma outra, em Minas Gerais, fundada no ano de 1824; além da "primei-
ra fábrica regular de fiação e tecidos de algodão fundada em Pernambu-
co logo depois da Independência", como assinalou um relatório apre-
sentado pela Comissão de Inquérito Industrial em 1882.
Na década de 1840, já havia um importante núcleo de indústrias
têxteis no país, situado na Bahia, em torno da fábrica Todos os Santos.
Esse núcleo, que empregava maquinaria importada e trabalhadores livres,
14
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
produzia anualmente 1 milhão de metros de tecidos diversos. No Rio
de Janeiro, nessa mesma década, a presença de "fábricas" - modernas
para a época - também é registrada, como, por exemplo, a do Anda-
raí Pequeno, com 22 operários livres e 459 fusos, e a de Santa Tereza,
no município fluminense de Parati, que produzia 500 mil metros de
tecidos por ano.
Como se pode perceber, até meados do século XIX, mesmo com O
fim do pacto colonial e após a independência política, o ritmo da cria-
ção das indústrias era ainda bastante lento. O regime escravocrata con-
tinuaria a ser um entrave à formação do mercado interno e ao desenvol-
vimento industrial.
A indústria está a caminho
Somente a partir de 1850 vai se observar um maior dinamismo no
desenvolvimento econômico do país em geral e das suas manufaturas,
em particular. O crescimento do número de indústrias dar-se-ia com
relativa rapidez.
Mas o que provocaria essas mudanças? A principal razão de todo
esse processo foi o fim do tráfico de africanos para o Brasil, estipulado
pela Lei Eusébio de Queirós, fruto das pressões britânicas, em 1850.
Com ela, inúmeros capitais, até então empatados na compra de escra-
vos, seriam desviados para outras atividades, tais como serviços urba-
nos, bancos e também a indústria.
Porém, o maior e mais duradouro impulso ao desenvolvimento
industrial do país viria da própria agricultura. Mais exatamente, de
uma nova atividade de exportação, que se expandia na Província do
Rio de Janeiro desde fins da primeira metade do século XIX - a
economia cafeeira. Com os altos lucros obtidos, os cafeicultores não
só reinvestiam na própria agricultura, como também aplicavam os
seus capitais em manufaturas ou no melhoramento dos serviços do
município da Corte, como os transportes, a iluminação e os servi-
ços portuários.
15
POLÊMICA
As indústrias - aspecto que mais nos interessa neste livro -
começariam a se diversificar pouco a pouco. Assim, se em 1850 o
país contava com apenas cinqüenta estabelecimentos industriais -
aí incluindo-se inúmeras unidades que não eram industriais no sen-
tido estrito do termo, como as salineiras, por exemplo -, entre
1860 e 1880 várias novas manufaturas seriam implantadas. Enquan-
to naquele primeiro ano, do total apontado, há referências a dez fá-
bricas do ramo alimentício, nove do têxtil e cinco do de pequena
metalurgia - sendo uma destas o estaleiro da Ponta da Areia, em
Niterói, pertencente ao famoso Barão de Mauá e que chegou a con-
centrar duzentos trabalhadores, entre escravos e assalariados -, nos
anos posteriores, os ramos industriais existentes no Império seriam
de muitos outros tipos.
Dentre esses novos ramos estabelecidos ao longo das décadas de
1850, 1860 e 1870, destacaram-se os do couro, dos calçados, das ma-
las, da chapelaria e do mobiliário, espalhados por todo o país. Tam-
bém no ramo gráfico, novas unidades seriam implantadas, sendo re-
gistrada a existência, em inícios da década de 1880, de 25 tipografias,
catorze litografias e dezenove oficinas de encadernação, todas no Rio
de Janeiro. O problema dessas novas empresas é que elas dependiam,
na sua grande maioria, de certas matérias-primas ou maquinarias im-
portadas, tal como no caso das fábricas de mobília: enquanto a madei-
ra empregada era quase que totalmente brasileira, os espelhos e as fer-
ragens, por exemplo, vinham de fora.
Para completar essa breve visão global da atividade industrial e
manufatureira verificada no Brasil da segunda metade do século XIX,
resta acrescentar ainda a existência de um enorme número de pequenas
fabriquetas de fundo de quintal, nas quais, com reduzido número de
máquinas, patrões e empregados trabalhavam lado a lado, como ocorria
nos ramos mecânico, da produção de massas alimentícias, de sabão etc.
Ao mesmo tempo, algumas mudanças importantes começaram,
pouco a pouco, a ocorrer nesse processo de diversificação da estru-
tura industrial brasileira. Foi o caso da utilização da máquina a vapor,
16
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
pela primeira vez, numa fábrica de tecidos situada em Itu (SP), no
ano de 1869.
Até fins do século XIX, a maior concentração do capital industrial
no Brasil deu-se na cidade do Rio de Janeiro, que só perderia tal posição
na segunda década do século XX, quando seria suplantada por São Pau-
lo. Quanto ao resto do país, no período compreendido entre 1850 e
1870, outros centros industriais merecem ser considerados, embora em
grau menor do que os dois pólos do Sudeste. Dentre eles, podemos ci-
tar o núcleo industrial de Salvador (BA), bem como o de Recife (PE) e
o de Blumenau (SC), todos eles do setor têxtil. Em Porto Alegre (RS),
por sua vez, as indústrias concentraram-se na produção de charutos, de
conservas e nos curtumes, com preponderância dos estabelecimentos
de pequeno porte. Todos esses ramos beneficiavam-se da proximidade
física dos pólos de fornecimento das suas matérias-primas essenciais, o
que barateava os custos da sua produção.
Deve-se esclarecer, no entanto, que muitas dessas unidades, cha-
madas por conveniência didática de "industriais", surgidas antes da im-
plantação da grande indústria propriamente dita - que se daria nas
décadas de 1880 e 1890 -, não passavam de pequenos empreendimen-
tos. Em sua maioria eram manufaturas, ou seja, estabelecimentos em
que o trabalho é desempenhado por grande número de operários (tal
corno na fábrica), mas com técnica de produção ainda pouco mecaniza-
da (no que se diferenciava da indústria).
Por falta de proteção tarifária, bem como por todas as dificuldades
já apontadas em relação aos obstáculos para a configuração de um efeti-
vo mercado interno, esses estabelecimentos (sobretudo os menores)
sofriam a brutal concorrência estrangeira, o que atrapalhava ainda mais
o seu crescimento.
Até a penúltima década do século XIX, a urbanização brasileira se-
ria ainda incipiente, e a industrialização, como vimos, não faria propri-
amente jus ao nome. Isso porque, quer pelo grande número de artesa-
natos e manufaturas, quer pelo pequeno vulto dos capitais investidos,
bem como pelo tipo de força motriz predominante, não podíamos ainda
17
POLÊMICA
falar de um predomínio da grande indústria fabril. Somente entre 1880
e 1900 é que esta última se faria presente na estrutura industrial brasi-
leira como uma realidade concreta, congregando, ao mesmo tempo,
grande número de trabalhadores, alta mecanização e investimentos de
capitais mais elevados.
Etiqueta para tecidos, registrada par 50-
muel, Irmãos & Cio. (Rio de Janeiro, 1888).
18
2. Construindo a grande indústria
A ORIGEM DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA REMETE À EXPANSÃO
DA LAVOURA CAFEEIRA, SENDO MARCADA PELA PREPONDERÂNCIA
, " ADOS RAMOS ALIMENTICIO E TEXTIL. O MESMO TEMPO, A FORTE
PRESENÇA DE IMIGRANTES E DE EX-ESCRAVOS ENTRE O OPERARIADO
EMERGENTE SUBORDINOU-O À SUPEREXPLORAÇÃÓ, A PÉSSIMAS
CONDIÇÕES DE VIDA E À AUSÊNCIA DE DIREITOS TRABALHISTAS.
Do café nasce a indústria
O período compreendido entre 1880 e 1900 -correspondente ao
final do Império e início do regime republicano - foi aquele em que se
verificoua consolidação da industrialização brasileira. Devemos enten-
der como industrialização, nesse momento, o começo de um processo
no qual a unidade fabril, altamente mecanizada, afirmou-se como pre-
dominante na nossa economia urbana.
Isso não aconteceu em todos os grandes centros do país. Po-
rém, foi um dado patente numa das suas regiões: o Sudeste. Basta
lembrar que as empresas paulistas e as fluminenses daquela época
que possuíam mais de cem trabalhadores e investimentos acima de
mil contos de r éis - que é um critério para caracterizarmos a gran-
de indústria - representavam, respectivamente, 85% e 75% de todo
19
POLÊMICA
Etiqueta para tecidos, registrada pela Companhia Petrapolitana (Ria
de Janeiro, 1888).
o capital industrial aplicado na área! Mas o que explica tal diferen-
ça? O que teria o Sudeste de tão especial?
Dentre os fatores dessa "especialidade", destacou-se a avassaladora
expansão da lavoura cafeeira ocorrida, a partir de 1870, na Província de
São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro a cafeicultura ainda tinha desta-
que. A existência de abundantes terras virgens na região do chamado
Oeste Paulista, juntamente com a alta dos preços do café no exterior,
determinou uma verdadeira "corrida" para o interior paulista, fazendo
com que extensas regiões de matas logo se transformassem num mar de
cafezais. Em ·decorrência dessa expansão, um novo dinamismo acalen-
tou a nossa economia e a sociedade, que passaram a experimentar trans-
formações num ritmo nunca antes atingido.
Em função da nova "onda verde", uma ampla infra-estrutura de ser-
viços, transportes, casas comerciais e bancárias fez-se presente para sus-
tentar o crescimento da cafeicultura, A renovada economia cafeeira deu
vazão ao crescimento de uma rede de grandes estabelecimentos expor-
tadores e importadores estrangeiros (ingleses, sobretudo), os quais não
só controlavam a comercialização das safras de café, mas também tudo o
que vendiam e compravam das várias praças comerciais do país.
20
A I DUSTRIALlZAÇÃO BRASILEIRA
Com esse crescimento da rede de estabelecimentos, multiplicaram-se
também os serviços integrantes do setor tetciário * da economia do Sudeste,
numa escala muito maior do que aquela verificada no Rio de Janeiro em
meados do século XIX. Em conseqüência, a concentração populacíonal nas
cidades também se ampliou, determinando o surgimento de mercados lo-
caisbem maiores do que antes, com novos consumidores, o que não deixava
de ser um forte estímulo à multiplicação da grande indústria.
Outro aspecto importante do funcionamento da economia cafeeira
nesse período foi a presença marcante do capital estrangeiro nos seto-
res-chave da nossa economia, em particular no ferroviário e no bancá-
rio. No caso deste último, o predomínio do capital forâneo era muito
importante, já que os bancos eram responsáveis pelo financiamento dos
cafeicultores, que investiam mais e mais na formação ou ampliação das
suas fazendas.
O capital estrangeiro - britânico, sobretudo - passou também
a controlar uma atividade vital para a expansão cafeeira: o transporte
ferroviário, com o qual a penetração do café nas terras virgens do
interior e a chegada das novas safras aos portos de embarque poderiam
ser feitas de forma mais rápida. No ano de 1880, por exemplo, eram
onze as ferrovias inglesas existentes no Brasil. Esse número passaria
para 25, quinze anos depois, incluindo-se as redes implantadas
também no Nordeste. Mas o surto de ferrovias da época concentrou-
se mesmo no Sudeste, onde se localizavam 63% do total existente no
país, em 1899.
Diante de todos esses fatores, não é difícil entender por que o Su-
deste afirmou-se como pólo inicial da industrialização brasileira, e tor-
na-se clara a metáfora deste subtítulo: "Do café nasce a indústria".
Todas as características do funcionamento da atividade cafeeira
apontavam numa mesma direção: o complexo cafeeiro se diversificava e
urbanizava. Os centros de comercio da região - Rio de Janeiro,.San-
tos ou São Paulo - tornavam-se poderosos elos de ligação entre os
·As palavras assinaladas com asterisco ao longo do texto constam do Glossário, no final do livro.
21
POLÊMICA
cafeicultores brasileiros e os consumidores internacionais e funciona-
vam também como núcleos de concentração dos recursos materiais,
humanos e financeiros capazes de sustentar o desenvolvimento de uma
nova atividade: a grande indústria.
Dessa forma, surge como primeira caiacteristica da industrialização
brasileira, nessa fase inicial, a sua subordinação ao capital co[eeiro, A gran-
de indústria não só dependeu da diversificação desse complexo agrário-
exportador, como dele beneficiou-se em vários aspectos essenciais.
Em primeiro lugar, toda a infra-estrutura urbana e de transportes
desenvolvida em função da cafeicultura também favoreceu a industriali-
zação, quer pelos serviços já implantados - como o de energia elétri-
ca, por exemplo -, quer pela concentração de consumidores urbanos
em número considerável para a época.
Um segundo - e talvez mais importante - aspecto da subordina-
ção da indústria à cafeicultura foi o fato de que esta última proporcio-
nou um Brande fluxo de mão-de-obra do interior para as cidades. Esses
migrantes iriam engajar-se na dupla condição de trabalhadores urbanos
e consumidores industriais. Mas, para se entender melhor tal mecanis-
mo, é necessário recuar até inícios da década de 1870.
Nessa época, quando já se manifestava a crise do escravismo, os fazendei-
ros do Novo Oeste Paulista começaram a buscar alternativas para a falta de
braços na sua lavoura. Antevendo o fim do trabalho escravo, esses cafeiculto-
res conseguiram impor ao governo da Província de São Paulo o seu projeto
de imigração subvencionada pelo Estado, que foi responsável pela entrada
em massa de imigrantes - sobretudo italianos - em território paulista.
A introdução maciça de um novo tipo de mão-de-obra na lavoura
do café gerou, porém, uma conseqüência inesperada: a quantidade de
imigrantes destinados à cafeicultura excedia a oferta de empregos. So-
mente no período compreendido entre 1891 e 1910, 1.769.892 imi-
grantes vieram para o Brasil, integrando-se a uma população total de
22.042.800 habitantes. Além disso, os maus-tratos de muitos fazendei-
ros acostumados com o regime escravista desestimulavam a permanên-
cia dos imigrantes nas fazendas. Com isso, inúmeros deles dirigiam-se
22
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
às cidades em busca de melhores chances, constituindo-se num "esto-
que" de trabalho para a industrialização emergente.
A grande disponibilidade de trabalhadores em cidades como São
Paulo, por exemplo, permitiria aos industriais o pagamento de baixíssi-
mos salários. A Abolição, ao possibilitar a vinda de contingentes de li-
bertos (ex-escravos) do interior para as cidades, principalmente para a
Capital Federal, também fez crescer o número de trabalhadores pouco
qualificados e disponíveis para o trabalho urbano em geral.
É dessa oferta abundante de mão-de-obra que decorre uma sequtula
característica da industrialização brasileira na sua etapa inicial: o predomí-
nio das indústrias de bens de consumo correntes, tais como tecidos, vestuá-
rio, alimentos etc. Concentrando-se nas cidades maiores, os operários
de fábricas e os demais trabalhadores urbanos de baixa renda formavam
o principal mercado consumidor desse tipo de produto.
Um outro fator foi responsável pela predominância desse tipo de
produção industrial: as indústrias de bens de consumo correntes ade-
quavam-se à disponibilidade de capitais e de tecnologia então existentes
no país. A grande indústria brasileira desenvolveu-se, assim, nos seus
primórdios, voltada para o consumo popular.
Os dados apresentados pelo primeiro censo nacional de produção, rea-
lizado no país em 1920, demonstram como era a nossa estrutura industrial
no período: as indústrias alimentícias constituíam30,7% do valor produzi-
do; as indústrias têxteis, 29,3%; as fábricas de bebidas e de cigarros, 6,3%;
e apenas 4,7% representavam as indústrias metalúrgicas e mecânicas.
Da observação desses números, extraímos uma terceira característi-
ca estrutural da nossa industrialização nessa época, que é, em parte, tam-
bém uma decorrência da segunda: a inexistência de indústrias pesadas no
Brasil. Como a presença desse tipo de empresa é condição indispensável
para o pleno desenvolvimento econômico de um país, fica fácil perce-
ber o ponto fraco da industrialização brasileira no período analisado,
isto é, a sua enorme dependência de tectioloqia importada. A produção de
"máquinas que produzem máquinas" ainda não constituía um ramo ex-
pressivo da nossa estrutura industrial.
23
POLÊMICA
Um terceiro aspecto da subordinação da indústria à cafeicultura refe-
re-se ao fato de que muitos dos primeiros industriais brasileiros eram os
próprios fazendeiros de café, interessados em investir os seus grandes
lucros em novos setores da economia. A maioria dessas fábricas eram im-
plantadas com os seus próprios capitais, mas, quando necessário, faziam-se
empréstimos com importadores ou bancos estrangeiros. Nesse caso, era co-
mum os financiadores tornarem-se sócios nos novos empreendimentos.
Dentre os principais industriais brasileiros do período, podemos ci-
tar: Antônio Prado (fábrica de vidros Santa Marina), o coronel Rodovalho
(fundador da primeira fábrica de cimento Portland no país, em 1897), o
coronel Anhaia (introdutor da primeira máquina a vapor em uma tecela-
gem, a fábrica São Luiz, em Itu), os Álvares Penteado (donos de curtumes
e tecelagens) e Eugênio de Oliveira (diretor da tecelagem Votorantim).
Os cafeicultores não foram, contudo, os únicos a investir em indús-
trias nessa época. Outros grupos também o fizeram, sobretudo donos de
bancos ou empresas estrangeiras, além de um considerável número de
imigrantes, que já chegavam da sua terra natal dotados de um razoável
volume de capitais. Vindos na qualidade de diretores de bancos e! ou ou-
tras empresas estrangeiras, esses imigrantes endinheirados não podem ser
confundidos com aqueles que vinham "para a lavoura", como mão-de-
obra, subsidiados pelas verbas do governo do Estado de São Paulo.
Ficaram famosos, desde a primeira década do século XX, investi-
dores como Francisco Matarazzo (proprietário de moinhos, tecelagens,
fábrica de botões), Alexandre Siciliano (máquinas agrícolas), Klabin (in-
dústria de papel) e Nicolau Scarpa (tecelagem), cujos sobrenomes até
hoje freqüentam os noticiários do país. No entanto, muitos autores cos-
tumam tomar esses nomes como exemplares da trajetória do que se
poderia chamar de se!f-made men, ou seja, homens que da pobreza da sua
condição de imigrante estrangeiro conseguiram subir na vida, tornan-
do-se empresários industriais. Nada mais falso do que isso, como o de-
monstram pesquisas mais recentes. Todos os nomes citados, insistimos,
já aportaram no Brasil como imigrantes com dinheiro, jamais tendo pas-
sado pela experiência do trabalho pesado na lavoura.
24
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Além desses imigrantes, ligados à industrialização paulista, outros
merecem destaque, como Domingos Bebiano, fundador da Companhia
América Fabril deTecidos, no Rio de Janeiro; Hermann Lundgren, dono
de fábricas têxteis em Pernambuco e fundador da famosa rede de lojas
Casas Perriambucanas; ou ainda o alemão Hering, de Santa Catarina,
também ligado à tecelagem e, posteriormente, à malharia.
Caracteriza-se assim, como um quarto aspecto básico das relações
entre café e indústria no Brasil, a paulatina diferenciação de uma nova
classe social que começava a despontar no país: a burguesia * industrial,
composta pelos proprietários do capital aplicado nas indústrias e que
viviam dos rendimentos por ele gerados.
Devido à íntima relação entre a atividade cafeeira e a industrial, a
formação dessa nova classe foi marcada, por um lado, pela duplícidade
dos papéis e das funções econômicas representados por um mesmo
agente social, como no caso, por exemplo, do cafeicultor que se trans-
formava em industrial. Por outro lado, a constituição da burguesia in-
dustrial brasileira também se caracterizou por Um grande entrosamen-
to entre famílias de cafeicultores e de empresários imigrantes, sobretu-
do por meio de casamentos.
Por ambos os processos, criava-se uma razoável afinidade entre os
interesses agrários e os industriais, afinidade essa que - mesmo em
conjunturas econômicas específicas que, simultaneamente, desfavoreci-
am a uns e beneficiavam a outros, como no caso da desvalorização da
moeda, favorável ao cafeicultor mas não ao industrial - impediu a
emergência de conflitos abertos entre ambos, principalmente quando
se tratava de discutir o protecionismo* à indústria ou a questão da taxa
cambial* .
O alto grau de concentração urbana, de capitais, de mão-de-obra e
de indústrias no Sudeste foi a principal razão do desenvolvimento de
um parque industrial nessa região, fato que não ocorria ainda no restan-
te do país. A disparidade do crescimento industrial entre o Centro-Sul e
as demais regiões já era uma realidade nessa época. Segundo o censo de
1920, a participação de alguns estados na produção total do Brasil era a
25
POL~MICA
seguinte: São Paulo, 31,5%; Distrito Federal/Rio de Janeiro, 28,2%;
Rio Grande do Sul, 11,1 %; Pernambuco, 6,8%; Minas Gerais, 5,6%;
Região Norte, 1,3%; Goiás e Mato Grosso, 0,4%.
Vale a pena destacar que, até o parque industrial paulista se afir-
mar, na década de 1920, o Rio de Janeiro foi o palco da concentração de
grandes indústrias na República Velha - período compreendido entre a
Proclamação da República e a Revolução de 1930 -, com ênfase nos
ramos de alimentos, bebidas, vestuário e, sobretudo, produtos têxteis.
Foi aí que primeiro surgiram grandes tecelagens, como a eia. Progresso
Industrial, a Aliança e a Confiança, algumas delas devido ao investimen-
to de empresários ligados à atividade bancária.
Esurge a classe operária
Os primeiros operários brasileiros surgiram ainda em plena socieda-
de escravista. Muitas das nossas primeiras empresas industriais caracteri-
zavam-se pelo trabalho conjunto de operários livres e escravos. Somente
Oficina de ferraria e fundição da Escola de Aprendizes e Artífices da Estado da Espírita
Santo, 1910.
26
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
com aAbolição, tal quadro mudaria. Até lá, porém, essa coexistência atra-
palharia muito a afirmação do operariado como classe entre nós.
Esses primeiros operários originavam-se das camadas mais pobres
da população urbana, sendo muitos deles menores de idade, retirados
de asilos ou de casas de caridade diretamente para o regime das fábri-
cas. As condições de trabalho e de vida desses aprendizes não eram me-
lhores do que as de muitos escravos, formando um contingente signifi-
cativo de trabalhadores não-especializados. Adultos e crianças chegavam
a trabalhar até dezesseis horas por dia, sem folga semanal ou qualquer
outro direito.
Já os operários qualificados, necessários ao desenvolvimento indus-
trial, eram contratados quase sempre na Inglaterra e sofriam muitas di-
ficuldades de adaptação ao clima do país, além de saírem bem mais ca-
ros para os primeiros industriais, que eram obrigados a pagar-lhes salá-
rios maiores do que os que estavam acostumados a pagar.
A entrada em massa de imigrantes no Brasil, a partir de 1870-
1880, começou a alterar a composição do operariado brasileiro. Os
estrangeiros - italianos, portugueses, espanhóis - aos poucos se tor-
naram maioria nas fábricas do Rio de Janeiro e de São Paulo, situação
que se manteve mesmo após a Abolição. Somente nos centros indus-
triais menos dinâmicos, como aqueles situados na Bahia, em Pernam-
buco ou no Pará, predominou o emprego de mão-de-obra nacional na
indústria.
O crescimento da grande indústria,verificado na virada do século
XIX para o XX, pouco contribuiu para melhorar as condições de vida dos
operários. A superexploração do trabalho industrial não só se manteria,
como seria agravada, em função de um novo fato: a incorporação maciça
de mulheres e crianças no trabalho fabril. É bom lembrar que as crianças
recebiam salários ainda menores do que os trabalhadores adultos.
Outro fator que favorecia a superexploração do trabalhador industrial
era a ameaça do desemprego ou da diminuição temporária das frentes de
trabalho. Com a chegada de novos imigrantes às cidades, a oferta de mão-
de-obra aumentava, provocando demissões e desvalorização dos salários.
27
POLÊMICA
Hospedaria do Imigrante (Sãa Paulo, início do século XXI.
Nos períodos de crise econômica - como a de 1897 a 1900 ou aquela
ocorrida durante a pc. Guerra Mundial (1914-1918) -, a situação
piorava ainda mais, inexistindo qualquer garantia de estabilidade no
emprego.
Não devemos supor, entretanto, que o peso numérico e social
do proletariado* dessa época fosse considerável. No ano de 1900, o
total da população ocupada no Brasil era de 9.5 O3.000 indivíduos,
dos quais apenas 321 mil trabalhavam na indústria. Em 1920, esse
número aumentaria, porém continuaria modesto; os empregados na
indústria eram apenas 1,3 milhão. Com isso, temos como caracterís-
ticas iniciais da formação do operariado no Brasil o seu peso numé-
rico e social relativamente baixo, bem como a sua grande divisão
interna na disputa por empregos, em que os homens eram preteri-
dos em favor das mulheres e das crianças, que representavam meno-
res gastos com a folha de pagamento.
Outra característica da formação do operariado brasileiro foi a sua
extrema dispersão espacial. Somente no Rio de Janeiro e em São Paulo
havia grandes concentrações operárias, como resultado do desenvolvi-
28
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
mento industrial aí verificado. Espalhada pelo país, era difícil à catego-
ria mobilizar-se em torno de causas comuns.
Também no tocante à sua composição étnica, a classe operária em for-
mação apresentou diversidades. Enquanto os estrangeiros representavam
68% da mão-de-obra empregada nas indústrias paulistas (1893) e 45,5%
nas fábricas do Rio de Janeiro, bem menores eram, em igual período, as
oportunidades de colocação para o trabalhador brasileiro na estrutura in-
dustrial, o que chegou a gerar alguns conflitos, como aquele registrado em
São Paulo contra os "italianinhos", no ano de 1896.
Em síntese, a classe operária brasileira caracterizou-se, na sua fase
de formação, não apenas por um pequeno peso numérico e social, mas
também por uma composição muito heterogênea. E não só devido à
questão étnica. O aspecto técnico da sua composição era igualInente
bem variado: o proletariado abrangia desde trabalhadores dos pequenos
artesanatos, sem nenhuma habilidade particular, até operários de fábri-
ca, com maior qualificação e experiência de trabalho.
Diante desse quadro, compreende-se as dificuldades enfrentadas
pelo operariado para organizar-se politicamente, com tantas diferenças
Tecelagem Votorantim [Sôo Paulo, início do século XX).
29
POL~MICA
a serem superadas. Isso iria interferir diretamente no seu cotidiano en-
quanto classe, uma vez que, mal organizadas, as suas reivindicações pou-
co ecoariam junto aos patrões ou ao próprio governo.
Superexp'loraçâo, miséria e doença
Pressionado pela abundante oferta da força de trabalho e pela di-
versidade da sua composição, o operariado brasileiro atravessou o perío-
do da República Velha (1889-1930) padecendo de péssimas condições
de vida e de trabalho. A começar pela violência exercida pelos chefes e
pelos mestres de fábrica contra os trabalhadores, sobretudo mulheres e
crianças.
Para aumentar a produtividade fabril, empregavam-se vários mé-
todos, desde castigos corporais até cobranças de multas; desde ameaças
de desemprego até o uso da brutalidade explícita. As condições de hi-
giene das fábricas também não deixavam de ser verdadeiros castigos,
pois muitas delas não possuíam sequer água potável ou mesmo janelas
para ventilação. No ramo da vidraria, por exemplo, o ar era infestado
pela poeira de vidro, enquanto o chão ficava cheio de cacos.
Nessas condições, eram comuns os casos de alcoolismo e de doen-
ças como a tuberculose ou a sífilis. Sem qualquer proteção oficial por
parte do Estado, o proletariado era matéria da competência exclusiva dos
empresàrios. Eram estes que determinavam, ao seu critério, o regime do
trabalho fabril. Sem contar com dispositivos previdenciários que a re-
gessem, tais como indenizações, aposentadorias ou pensões, a industria-
lização brasileira inaugurava, desde essa época, a sua tradição de recor-
dista em acidentes de trabalho, posição que continua a ocupar até os
dias atuais.
Mas o pior lado das condições de trabalho do proletariado eram as
extensas jornadas impostas pelos patrões. No setor têxtil, no qual predomi-
nava a grande indústria, era comum trabalhar-se até quinze horas diárias, o
que costumava repetir-se em outros setores industriais. O jornal operário
Avantil , em 1907, denunciava a situação vivida na indústria têxtil paulista:
30
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Grupo de operários da fábrica Bangu IRia de Janeiro, 18921
As fábricas de tecidos de São Paulo são verdadeiras galeras
que fazem vergonha à civilização brasileira. Nesses antros se ex-
plora, a sangue, centenas de meninos e meninas que arruínam
sua saúde para guardar poucos tostões que os patrões Ihes dão
como esmola e que vão acabar, quase sempre, nos bolsos de
seus pais sem coração que, quase piores que os ferozes industri-
ais, não se envergonham de fazer o papel de aigozes para o san-
gue de seu próprio sangue. (In Hali & Pinheiro, A classe operária
no Brasil - Condições de vida e de trabalho, relações com os
empresários e Estado, São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 47.)
Já as condições de vida do operariado na época consistiam num
misto de superexploração - dentro da fábrica - e de repressão poli-
cial e ideológica - fora dela. O proletário era visto como um marginal
ou agitador em potencial. Na melhor das hipóteses, era tomado como
um ignorante que dependia da benevolência dos seus patrões. Tanto num
31
POLÊMICA
caso como no outro, apontava-se para a necessidade de reprimi-Ia e
viBiá-ia em qualquer circunstância. Esse comportamento pode ser ex-
plicado por uma postura herdada do nosso passado escravista, que via
com preconceito o trabalho manual, tido como "aviltante" ou
"d I 1"esprezlve .
Por isso mesmo, os industriais estimularam a concentração BeoBréifica
do operariado em bairros ou vilas proletárias, de modo a facilitar o seu
controle. Dentre os bairros cariocas tipicamente operários, destacaram-
se Bangu, São Cristóvão, Gamboa, Laranjeiras e Gávea. Já em São Pau-
lo, tal concentração realizou-se no Bexiga, na Lapa, na Mooca e na Bar-
ra Funda. Mesmo os centros urbanos fora do Sudeste com alguma ativi-
dade industrial- como Recife, por exemplo - tinham os seus bairros
operários, como Jaboatão ou Afogados.
A criação desses bairros foi uma tentativa de controlar o proletari-
ado, impedindo-o de "contagiar" outros segmentos sociais. Ao mesmo
tempo, entretanto, tais bairros revelaram um aspecto altamente positi-
vo: o fortalecimento dos laços de solidariedade no próprio seio da clas-
se operária. De uma certa maneira, o tiro saíra pela culatra ...
Escola pertencente à Vila Operária Maria Zélío (São Paulo, início do século XX).
32
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Outro método de controle do operariado foi a iniciativa de alguns
empresários de construir vilas operárias junto às suas próprias fábricas. Foi
o caso daVila Maria Zélia, erguida pelo industrial paulista Jorge Street ao
lado da sua indústria têxtil.
A vida dos trabalhadores nessas vilas era uma espécie de prolonga-
mentoda rigorosa disciplina fabril, sem chance para uma efetiva liber-
dade para eles e suas famílias. Em troca de moradia, submetiam-se às
mais duras regras: o controle da entrada e saída das pessoas, a fixação de
horários para ir e vir, o policiamento dos costumes dos moradores, com a
proibição do alcoolismo e a vigilância dos namoros de portão (fechado às 21
horas) etc. Muitas vezes, o controle social se fazia sob a capa das ''boas ações"
dos empresários, que construíam escolas, creches, cinemas e até mesmo
igrejas no interior das vilas, demonstrando que até o lazer era vigiado.
Além dos bairros e das vilas operárias, as formas mais comuns de
habitação do proletariado eram asfavelas (no Rio de Janeiro) e os cortiços
(mais freqüentes em São Paulo), marcados por péssimas condições de
higiene e salubridade. Outro jornal operário, o Farifulla, da capital pau-
lista, fez, em 1913, um veemente protesto contra esse estado de coisas:
A cidade se veste, se enriquece, põe roupa nova no centro,
mas, ai de nós! Nos bairros populares é a mesma coisa de dez
anos atrás. (... ) Percorremos muitas ruas e constatamos de visu
que os cortiços não são raros entre nós e regurgitam de habitan-
tes, agora que a capital não tem casas suficientes para abrigar a
população pobre e o proletariado. Antigamente o aluguéis das
pequenas habitações era baixo. Agora não. Os aluguéis aumen-
taram o dobro e os cortiços têm, como sempre, a mesma popula-
ção heterogênea, sem a mais leve noção de respeito, sem a mí-
nima idéia de moral. .. (Ibid. p. 97.)
O nível de consumo dos proletários era determinado pelos baixos
salários recebidos, enfrentando eles inúmeras dificuldades. Era, no en-
tanto, nos períodos de crise - como durante a l' Guerra Mundial -
33
POLÊMICA
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Aspecto de um cortiço carioca em 1906.
que a situação piorava. Nesses momentos, o empresariado buscava di-
minuir as suas perdas por meio do achatamento salarial ou das demis-
sões em massa, tal como acontece ainda hoje. Estabelecia-se, então, um
círculo vicioso entre a alta do custo de vida, a queda do poder aquisitivo
dos trabalhadores e a sua pauperizaçâo crescente .
.Ao pauperismo associaram-se tanto o aparecimento de uma massa
urbana de desocupados, quanto a multiplicação de várias epidemias,
dentre elas as de tuberculose, peste bubônica e febre amarela. O avilta-
mento das condições de vida da classe operária brasileira atingiria um
clímax nos anos da Grande Guerra. Para tentar amenizar a situação, fo-
ram criadas asfeiras livres, que, ao propiciarem a venda direta de gêneros
de subsistência aos consumidores, sem intermediários, barateavam um
pouco certos itens da cesta básica da população.
Porém, expedientes como esse não conseguiram impedir aquilo
que os empresários mais temiam: os protestos operários e os seus movi-
mentos grevistas, cujo apogeu verificou-se, durante a República Velha,
entre 1917 e 1920.
34
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
A classe operária organiza-se
o grau de exploração que se abateu sobre o operariado brasileiro
desde as suas origens fez com que ele procurasse organizar coletivamente
os seus protestos e as suas ações, que, isolados, a nada levariam. Assim,
entre 1850 e 1880, surgiram as primeiras organizações proletárias no
país: as associações mutualistas. Sem qualquer caráter político, eram insti-
tuições voltadas para o auxílio mútuo entre os seus membros nos casos
de doenças, enterros, acidentes etc., a partir da iniciativa exclusiva dos
próprios trabalhadores.
O mutualismo, entretanto, não era um veículo de resistência à explora-
ção patronal. Para tanto, foram criadas, a partir de 1870, as ligas operárias,
bem mais politizadas que as associações anteriores e que dariam origem
aos primeiros sindicatos operários brasileiros em inícios do século XX.
O objetivo das ligas, diversamente das agremiações mutualistas, era
cobrar direitos, preconizando-se a greve como instrumento de ação. A partir
desse momento, as reivindicações proletárias iriam concentrar-se sobre três
pontos-chave: a redução da jornada de trabalho, o aumento salarial e a
Passeata de operários em greve (São Paulo, 1917).
35
POLÊMICA
melhoria das condições de trabalho. Ainda assim, as ligas foram ineficientes
para mobilizar a classe, uma vez que esbarravam em vários obstáculos, como
a presença de escravos no interior das empresas, a dispersão destas últimas
pelo território nacional e a pequena concentração industrial desse período.
Todos esses fatores dificultavam a militância política, tornando frágil esse
primeiro momento da organização do operariado.
Já o segundo momento apresentaria sinais distintos, sobretudo depois
de abolida a escravidão. Concentrada em torno dos sindicatos, esta nova fase
teve como principal característica a total desvinculação dos sindicatos de traba-
lhadores com relação ao Estado, qualidade que desapareceu da história da classe
operária brasileira a partir de 1937, vigorando até os nossos dias. Ao longo
desse período em que o movimento operário gozou de total liberdade asso-
ciativa - correspondendo à República Velha -, três correntes disputaram
entre si a liderança da classe: a socialista, a trabalhista e a anarco-sindicalista.
Vejamos no que consistiu a atuação de cada uma delas.
A presença do socialismo no movimento operário brasileiro da época
foi a história de um pequeno grupo, com escassa penetração nos meios
populares. Encabeçados por elementos intelectualizados de classe média, os
sindicatos socialistas estiveram muito mais preocupados em difundir as idéias
de Marx e Engels - figuras de proa do socialismo europeu - no Brasil.
Sua proposta de aliar os setores médios urbanos ao operariado,
como estratégia revolucionária, desfavorecia o seu poder de penetração
no movimento dos trabalhadores. Além do que, condenava a greve como
instrumento de luta, distanciando-se cada vez mais de um público pro-
letário, propriamente dito, como se pode depreender da leitura de um
trecho do seu jornal Avanti!, datado de 12 de outubro de 1901:
A formação de sindicatos - e tenham isto presente tam-
bém os industriais - é um remédio preventivo das greves, para
torná-Ias menos freqüentes, menos impulsivas, sempre mais ra-
zoáveis e pacíficas, pois a organização forte e compacta impõe,
por si só, muitas vezes mais do que cem greves. (In B. Fausto,
Trabalho urbano e conflito social, São Paulo, Ditei, 1976, p. 100.)
36
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Já a corrente denominada trabalhismo teve por principais caracterís-
ticas o fato de ser um movimento tipicamente carioca e de contar com
líderes dispostos a colaborar tanto com o empresariado quanto com o
Estado. Tal como no caso do socialismo, as lideranças trabalhistas também
eram integradas por elementos de classe média, em busca de aliança com
o proletariado. Mesmo assim, a corrente gozava de muito prestígio no
operariado do Rio de Janeiro, por inúmeras razões.
Em primeiro lugar, sendo a Capital Federal, a cidade contava com uma
base social bem diversificada, composta por grandes contingentes de profis-
sionais liberais e de funcionários públicos. Além disso, existia no Rio um
significativo núcleo de trabalhadores em segmentos vitais do setor de servi-
ços, sobretudo portuários, ferroviários e doqueiros. Como todos estes eram
operários de empresas públicas - o que significavaserem brasileiros e elei-
tores -, tornaram-se um alvo cobiçado por certos políticos, interessados
na formação de partidos operários, com fins meramente "eleitoreiros". Até
1917-1920, o trabalhismo continuaria como a corrente de maior penetra-
ção no meio proletário carioca, sendo então superado pelo anarco-sindica-
lismo, tal como já ocorria em São Paulo há algum tempo.
O anarquismo é quase sempre associado à grande presença de imigran-
tes italianos no meio proletárioe foi a corrente de maior prestígio entre a
classe operária brasileira da época. Diversamente das duas primeiras, os seus
líderes eram todos operários, voltados com exclusividade às reivindicações
da classe. Dentre os seus princípios básicos, destacavam-se: a negação da
autoridade do Estado; a ênfase na ação direta, em lugar da luta política; e a
escolha do sindicato como principal instrumento de organização da classe.
Em função deste último aspecto, convencionou-se chamar de anar-
co-suidicalismo a esta corrente que rejeitava tudo quanto se parecesse,
embora vagamente, com um partido que visasse à conquista do poder.
Para os anarco-sindicalistas, a única estratégia capaz de fazer nascer no
país um "novo mundo", mais livre e igualitário para a classe operária,
era a ação direta, entendida por eles como greve (geral ou parcial), boi-
cote, sabotagem ou manifestação pública de qualquer tipo. Como sinali-
zava o seu mais importante jornal, A Plebe, no ano de 1920:
37
POLÊMICA
o Brasil não pertence à população que o habita. O Brasil
pertence a algumas dúzias de sindicatos industriais e financeiros,
a algumas dezenas de fazendeiros e latifundiários ... Contra esses
nos revoltamos! Contra esses nos batemos nós! ... E O Brasil novo,
o Brasil de amanhã, terra de liberdade e bem-estar, ( ...) só se
tornará realidade concreta quando, sacudida pelo furacão reno-
vador, arremessar para o lixo da história todas essas castas mal-
ditas de parasitas e sugadores que a infestam ... (In Hall & Pinhei-
ro, A classe operária no Brasil. 1889-1930. O movimento operá-
rio, São Paulo, Alfa-Ômega, 1979, pp. 246-247.)
o sucesso do anarco-sindicalismo no movimento operário bra-
sileiro deveu-se também a outros fatores, sobretudo ao seu esforço
no sentido de organizar uma cultura operária própria, marcada pela
prática de várias atividades. Estas iam desde o lazer coletivo - com
piqueniques, passeios e bailes - até o teatro, além de festivais de
todos os tipos, inclusive os de poesia, todos eles com forte conotação
social:
Heroes do Novo Mundo, profetas da Anarquia.
Rasgae todas as leis, falae aos operários;
Havemos de acabar com toda a hipocrizia
E derribar de vez os miseros salários! (In Kocher & Lobo,
"Ouve meu grito". Antologia de poesia operária (1894-1923), Rio
de Janeiro, Marco Zero/UFRJ, 1991.)
Conforme já dito anteriormente, o período compreendido entre
1917 e 1920 correspondeu ao apogeu do movimento operário no país:
mais de duzentas greves ocorreram, apenas no eixo Rio-São Paulo, en-
volvendo a participação de cerca de 300 mil trabalhadores dos mais
diversos ramos industriais, todas elas com forte presença do anarco-
sindicalismo. Entretanto, após 1920, o movimento operário entraria em
franco declínio.
38
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Greve com repressão policial (São Paulo, 1920).
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Agitação em Votorantim manter
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A decisão dos operarios lá vae Os operarioa: continuam firmes em vel qt
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de que O referido explorador persiste rendado a outros argcn tarios. Con
trte,' o em não attender ás .reclamacões Precisando receber os seus sa- nreiud
Notícia sobre a greve geral de 1917, publicado no jornal A Plebe (São Paulo, outu-
bro de 1917)
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A AGlTAÇAO PROlETARIAESTENDE-SE
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A primeira razão para tanto foi a forte repressão policial e empresa-
rial imposta ao movimento. Ao mesmo tempo, ocorreram outras mobili-
zações políticas de enorme importância nessa década da nossa história,
dentre elas o tenentismo - rebelião armada dos oficiais do Exército de
baixa patente, descontentes com a sua condição como militares e com a
situação política do país em geral - e o primeiro grande "racha" entre
Novas gréves-Manifestações publicas- Boicotagem
Accõrdo geral
A grêve dos tecelões
-«o»-=-
39
POLÊMICA
as oliqarouias" dominantes no país. A ordem republicana via-se questio-
nada de todos os lados: quer pelos militares (os tenentes), quer pelos
grandes proprietários rurais que eram excluídos da "dobradinha" São
Paulo-Minas Gerais, que, desde a Proclamação da República, revezara-
se na indicação dos presidentes do país.
Os anarco-sindicalistas, embora ainda presentes no meio operário
até 1935, seriam pouco a pouco obscurecidos. E para isso muito contri-
buiu a fundação, em 1922, do Partido Comunista Brasileiro (PCB); que
com aqueles disputou a primazia na liderança do movimento organiza-
do das classes trabalhadoras. Apesar de ser posto na ilegalidade no ano
da sua criação, o PCB continuou atuante, publicando um jornal de am-
plo alcance - o Movimento Operário - e ocupando, paulatinamente,
redutos que, até então, eram dos anarquistas. A recusa destes últimos
em constituir-se num partido político foi a principal razão do sucesso
comunista no meio operário.
A reação empresarial
Ao declínio do movimento operário após 1920 correspondeu oJor-
talecimento da burquesia industrial brasileira, empenhada, com muita de-
terminação, em organizar-se. Além de prestar apoio irrestrito à repres-
são policial ao proletariado, o empresariado passou a fortalecer as suas
principais entidades de classe, como o Centro dos Industriais de Fiação
e Tecelagem de São Paulo, o Centro dos Industriais de Fiação e Tecela-
gem de Algodão do Rio de Janeiro e o Centro Industrial do Brasil, den-
tre outros. Em 1928, a fundação do Centro das Indústrias do Estado de
São Paulo (Ciesp) - futura Fiesp, tão nossa conhecida até hoje - seria
o coroamento desse tipo de iniciativa, ao congregar representantes da
totalidade das indústrias paulistas da época.
Superado o período mais agitado das relações entre empresários e
trabalhadores, as lutas entre as duas classes passariam a desenvolver-se
de forma indireta, entre os anos de 1925 e 1928. Seu palco se deslocava
das ruas para a Câmara dos Deputados, que passou a elaborar projetos
40
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
de lei regulamentando o trabalho fabril. O objetivo dessas leis era ten-
tar evitar novos confrontos abertos, já que o patronato nem sequer res-
pondia às reivindicações do operariado. Surgiram, assim, as primeiras
normas trabalhistas do país, merecendo destaque: a Lei de Acidentes de
Trabalho (1919), a Lei de Férias (1926) e o Código do Menor (1929).
No entanto, embora tenha sido essa legislação aprovada pelo Con-
gresso Nacional, os empresários conseguiram transformá-Ia, na prática, em
NA HORAEMQUESOARO JUIZOflNAtDAS REIVINDlGAC EStlBERTARIA ; ,
CONSEGUIRMOS REBENTAR PARA SEMPRE'AS HUMILHANTESGAOEIAS QUE NOS'
OPPRIMEM··QUE ESTE SEMEADOR DE DESGRAÇAS COLHA O CASTIGO QUE MERECEn._. .....•....~_ "':~.:::::~
Charge de Enrique Figueroo,
retratando Francisco
Matarazzo (Crítica, Rio de
Janeiro, 13 [on. 1929),
Conde Francisco Matarazzo.
41
POLÊMICA
letra morta. Para eles, o fato de a chamada "questão social" estar deixando
de ser uma "questão de polícia" - como tinha sido tratada até então -
para tornar-se uma "questão de política" não era visto com simpatia, pois
isso significava uma intromissão do Estado nas suas relações com os traba-
1hadores. A resposta do empresariado a tais leis foi a sua total desobediên-
cia, sem que fosse ele cobrado por parte das autoridades competentes. Bas-
ta ver o que a elite industrial brasileira pensava, por exemplo, quanto à lei
que concedia quinze dias de férias anuais remuneradas aos trabalhadores:o empregado de escritório, durante suas férias, não modifi-
ca fundamentalmente o seu viver de todos os dias, pelo menos
do lado moral. (... ) Mas o mesmo não ocorreria com o proletaria-
do, isto é, com o homem do povo, cujas faculdades morais e
intelectuais não foram afinadas pela educação e pelo meio. (... )
Que fará um trabalhador braçal durante quinze dias de ócio, ten-
do tomado férias (... ) compelido por uma lei? Ele não tem o culto
ao lar (... ) e procurará matar suas longas horas de inanição na
rua. (... ) O proletariado é, pois, um elemento da coletividade que
as férias estragarão. (M. Leme, A ideologia dos industriais brasi-
leiros. 1920-1945, Petrópolis, Vozes, 1978, p. 117.)
Outro exemplo do caráter autoritário do pensamento da burguesia
industrial brasileira estava na sua posição quanto ao Código do Menor, que
proibia a exploração dos menores de 14 anos nas fábricas, limitando a
sua jornada a seis horas diárias e acabando com o seu trabalho noturno:
Os menores de ambos os sexos, contando de 13 a 18 anos,
somam cerca de 60% de todo o operariado de uma fiação. (... )
Dependendo de tal forma do trabalho do menor, torna-se impos-
sível para os industriais (... ) a adoção da lei. (Ibid. p. 121.)
A oposição dos empresários à legislação trabalhista da década de 1920
é um bom indício do quanto a nossa produção industrial baseou-se, nessa
42
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
época, na exploração intensiva da mão-de-obra. Enquanto as leis se li-
mitassem a fixar e cobrar contribuições monetárias - como no caso da
de acidentes de trabalho -, o empresariado as toleraria. O que ele não
admitia era qualquer legislação que inteiferisse no ritmo do trabalho fa-
bril, diminuindo o seu grau de controle sobre esse trabalho.
Mas a atuação do empresariado industrial brasileiro ao longo da
República Velha não se restringiu à recusa da legislação social. Ela tam-
bém pautou-se, desde inícios do século XX, por uma grande campanha
em prol do protecionismo alfande8ário. Uma vez que consideravam muito
baixas as tarifas cobradas sobre os manufaturados importados, o que os
tornava mais baratos do que os produtos similares já produzidos no país,
os empresários passaram a reivindicar uma política tarifária realmente
protecionista às indústrias.
Para atingir os seus objetivos, eles dirigiram-se ao Estado, tido
como o único agente capaz de atender aos seus reclamos. A ele seriam
encaminhadas sucessivas propostas de revisão tarifária, sem que grandes
vitórias fossem alcançadas. E isto porque, nessa matéria, os seus inte-
resses divergiam daqueles dos grandes fazendeiros e importadores, que
se beneficiavam das baixas tarifas em vigor. A questão do protecionismo
alfandegário permaneceria um impasse na República Velha.
Não deixa de ser interessante, no entanto, chamar a atenção para a
contradição existente na atuação dos empresários brasileiros do perío-
do. Em suas relações com o operariado, eles assumiam uma postura con-
trária à intervenção do Estado; já no tocante à política tarifária, pleitea-
vam o intervencionismo deste último, colocando-se como "carentes da
ação pública".
Somente com a Revolução de 1930 tal impasse seria superado, medi-
ante a redefinição dos rumos da economia e da industrialização brasileiras.
43
3. Entra em cena o Estado
A PARTIR DE 1930, o ESTADO INVESTIU DIRETAMENTE NA PRODUÇÃO,
NA TENTATIVA DE CONSOLIDAR UM PARQUE INDUSTRIAL BASEADO
NO FORTALECIMENTO DO SETOR DE BENS DE PRODUÇÃO.
ESSA "INTERFERÊNCIA ESTATAL" TAMBÉM SE ESTENDEU SOBRE
OS TRABALHADORES URBANOS, QUE, DORAVANTE, TIVERAM
OS SEUS SINDICATOS ATRELADOS AO MINISTÉRIO DO TRABALHO.
o Brasil e o mundo nos anos de 1930
Após o termino da l ' Guerra Mundial, em 1918, a Europa encontra-
va-se arrasada. Sua supremacia sobre o resto do mundo viu-se também
profundamente abalada. Apesar de vitoriosa no conflito, a Inglaterra -
que tinha sido a principal exportadora de capitais e tecnologia para os
países do Ocidente, incluindo o Brasil - começava a dar sinais do seu
declínio.
Em face dessa nova situação, o jogo das forças econômicas e políticas
internacionais passou por grandes mudanças. Dentre elas, destacou-se o
surgimento de uma nova potência mundial: os Estados Unidos da Améri-
ca. Desde então, os Estados Unidos passaram a ocupar o lugar da Inglater-
ra como centro do capitalismo, a começar pela própria reconstrução eu-
ropéia, que foi financiada por capitais e recursos norte-americanos.
44
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Pouco a pouco, os capitais e a técnica ianques invadiriam os países
menos desenvolvidos, gerando uma dependência muito maior do que
aquela que tinham mantido com relação à Inglaterra. Logo, a partir do
pós-guerra, o Tio Sam consolidou a sua vertiginosa escalada internacional.
Claro que tudo isso tinha a ver com o Brasil. Antes de mais nada, é
bom recordar que, se a grande indústria fora implantada no país duran-
te a República Velha, a nossa economia não era, ainda, predominantemente
industrial. Muito pelo contrário. A grande fonte de reservas-ouro* da eco-
nomia brasileira (representadas pela libra e, agora, pelo dólar) continu-
ava a ser o café - era ele, ainda, o principal produto da nossa exporta-
ção, do qual dependia fortemente a nossa economia como um todo.
Assim, a nossa economia, a despeito da industrialização nascente,
continuava a depender dos bons preços do café no exterior para man-
ter-se em situação estável. Como a indústria, por sua vez, também de-
pendia da economia cafeeira, o ritmo do nosso desenvolvimento fabril
igualmente ficava ao sabor das flutuações do preço externo do produto.
Era esse, talvez, um dos pontos mais frágeis da industrialização brasileira,
45
POLÊMICA
vindo a influir decisivamente nas relações de dependência econômica
do Brasil diante dos Estados Unidos.
No ano de 1929, a nova grande potência internacional sofreu um
enorme abalo, conhecido como a Grande Depressão ou Crise de 29. Essa
crise consistiu na quebra da Bolsa de Nova York, devido à superprodu-
ção da indústria americana. Isso levou não só à desvalorização dos seus
produtos, como também do seu mercado financeiro e da sua moeda.
Devido à dependência econômica da maioria dos países ocidentais com
relação aos Estados Unidos, esta crise, que a princípio era só americana,
transformou-se numa crise mundial.
A economia brasileira também não escapou ilesa das conseqüências
da Grande Depressão. Por um lado, porque o nosso café, que já vinha
sendo produzido em excesso desde a década de 1910, perdia, com a crise
americana, o seu maior mercado consumidor, fazendo com que os seus
preços declinassem assustadoramente. Quem iria comprar um produto
supérfluo como o café, em meio a tantos desastres e falências? Por ou-
tro lado, porque os abundantes capitais americanos, que até aquele mo-
mento eram facilmente obtidos pelo Brasil, fecharam-se dentro das fron-
teiras do seu próprio país, buscando prioritariamente a recuperação da
própria economia norte-americana.
Para avaliar os efeitos da Crise de 29 sobre a cafeicultura e a eco-
nomia brasileira, basta dizer que o valor das nossas exportações dimi-
nuiu de 95 milhões de libras, em 1929, para 38 milhões, em 1931. En-
quanto isso, o preço do café caía, em 1931, para um terço do que fora
em 1929. A situação ficava ainda mais complicada devido aos próprios
mecanismos da superprodução cafeeira. Isso porque, como um cafezal
recém-plantado demora de quatro a cinco anos para começar a produzir
comercialmente, sabia-se que os novos pés - plantados em 1930, por
exemplo - somente iriam florar por volta de 1935. Era, portanto, ex-
tremamente difícil controlar a própria oferta brasileira, que se agigan-
tava, contribuindo para baixar cada vez mais os preços do produto.
Enquanto tudo isso acontecia, ameaçando diretamente o café e
os grandes cafeicultores (paulistas, sobretudo), um novofato político
46
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
ocorreria no Brasil: a Revolução de 1930. Esta consistiu num movimen-
to encabeçado pelos políticos dos Estados da Federação brasileira que,
ao longo de toda a República Velha, viram-se permanentemente ex-
cluídos de uma maior participação no poder central. Além disso, o
fato de por quase toda a década de 1920 o governo federal ter dedica-
do boa parte dos seus recursos à proteção do café só fizera aumentar o
descontentamento desses grupos. Como, em fins dos anos de 1920, a
velha aliança política entre São Paulo e Minas Gerais - conhecida
como política do "café-com-leite" - chegara ao fim, a situação tor-
nou-se favorável a esses políticos descontentes que promoveram a re-
volução, tendo à sua frente o gaúcho Getúlio Vargas.
Mesmo após a Revolução de 1930, a cafeicultura de exportação
continuava a ser a principal atividade produtiva do país, dela dependen-
do diversos setores da nossa economia. Em conseqüência, a desvaloriza-
ção dos preços do produto no exterior permanecia como um dos nossos
principais problemas. As enormes safras colhidas em 1929 e 1930, sem
nenhuma possibilidade de venda a curto prazo, avolumavam-se nos por-
tos de embarque. Algo deveria ser feito para que a economia brasileira
não naufragasse.
47
POLÊMICA
Várias alternativas foram pensadas na época, porém nenhuma de-
las era otimista: ou se abandonava a safra de 1930 e 1931, deixando-a
apodrecer para não aumentar ainda mais a oferta, diminuindo, assim,
cada vez mais os preços (o que seria a ruína imediata dos produtores),
ou partia-se para a destruição dos estoques excedentes, de modo a ten-
tar valorizar o produto, encolhendo a sua oferta.
Essa última foi a solução escolhida pelo governo de Getúlio Vargas.
Entre 1931 e 1938, milhões de sacas de café foram queimadas, visando
conter a superoferta brasileira. Mas, concomitante a essa medida, ou-
tras também foram tomadas para não deixar os cafeicultores em total
desamparo. Criou-se o Departamento Nacional do Café (mais tarde cha-
mado Instituto Brasileiro do Café e extinto no governo Collor), que
controlava as safras e as suas saídas para o exterior, numa tentativa de
socorrer, igualmente, a todos os produtores de café.
Ao mesmo tempo, criaram-se mecanismos de contenção das des-
pesas em geral, dentre eles a suspensão do pagamento da dívida externa
brasileira. Tal decisão visava produzir uma certa sobra de recursos inter-
nos, para que a economia pudesse "respirar" um pouco. Isso foi necessá-
rio porque, em meio aos efeitos da Crise de 29, era difícil conseguir
empréstimos estrangeiros e, quando eram obtidos, esses empréstimos
representavam o pagamento de taxas de juros elevadíssimas.
Por outro lado, o Banco do Brasil passou a controlar a taxa cambial,
que, na República Velha, ficava ao sabor das especulações dos vários ban-
cos e das casas exportadoras. Com essa medida, nada do que fosse expor-
tado ou importado pelo país escapava do controle do Estado.
Ainda que todas essas providências não tenham provocado a recupe-
ração imediata da economia nacional - o que seria impossível em tão
pouco tempo -, pelo menos estavam criadas as bases para uma tímida
reabilitação econômica do país. O apoio à cafeicultura, por exemplo, per-
mitiu que se mantivesse o nível de empregos e de renda de todos os seto-
res ligados a ela, o que significou preservar o mercado consumidor interno.
Toda essa política, no entanto, apesar de voltada para o café, trouxe
uma novidade importante para a história da industrialização brasileira.
48
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Com os preços do café em baixa e as dificuldades de importar bens manu-
faturados (muito caros desde a Crise de 29), mas com o poder de consu-
mo interno preservado, inaugurou-se um período bastante favorável à
expansão da indústria brasileira. Pela primeira vez na nossa história, os
preços dos produtos industriais aqui fabricados eram mais vantajosos do
que os dos importados.
Nacionalismo e desenvolvimento
Diante da nova situação favorável, a indústria assumiria o papel de
personagem central da recuperação e expansão da economia brasileira.
Outros fatores, além dos apresentados, beneficiaram ainda mais essa
expansão. Um deles foi o pleno aproveitamento da capacidade das in-
dústrias já existentes, o que aumentou a produção. Outro foi a facilida-
de de se adquirir, no mercado mundial, equipamentos de segunda mão,
mais baratos e ainda perfeitamente utilizáveis - com a economia de
guerra na Europa, esses equipamentos eram subutilizados, podendo ser
comprados a preços compensadores.
Finalmente, vale a pena apontar um terceiro fator: o poder de pres-
são dos empresários industriais brasileiros mais organizados. Estes exi-
giram e conseguiram que o governo proibisse a importação de máqui-
nas para as indústrias já totalmente implantadas no país, como era o
caso das têxteis, por exemplo. Isso significava que, num quadro de difi-
culdades, buscava-se utilizar bem os poucos recursos existentes, favore-
cendo os setores de fato mais necessitados.
Esta última medida, aliás, mostrava uma nova tendência: o desejo
de diversificar os ramos industriais até então existentes; não era apenas o
crescimento do parque industrial já instalado que se pretendia agora.
Essa segunda etapa do processo de industrialização brasileira teve
como primeira característica a ocorrência de mudanças consideráveis na pró-
pria estrutura industrial, com o surgimento de novos setores produtivos.
No lugar dos tradicionais ramos de tecido, vestuário e produtos alimentí-
cios, cresceriam, doravante, setores como os de metalurgia, mecânica,
49
POLÊMICA
cimento, material elétrico e transportes, além das indústrias químicas e
farmacêuticas.
Uma série de bens industriais que até aquele momento eram im-
portados passariam, daí por diante, a ser produzidos internamente. A
esse processo damos o nome de substituição das importações. Esta seria a
"marca registrada" da história da industrialização brasileira até meados
da década de 1950.
A segunda característica da industrialização brasileira na chamada Era
Vargas (1930-1945) foi o crescimento do ritmo da expansão industrial no
período. Pela primeira vez na nossa história, o crescimento das indústrias
superou o da agricultura, como se pode perceber a partir do Quadro 1.
QUADRO 1.
MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA ECONOMIA BRASILEIRA
I TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO (%)
I Anos I Agricultura I Indústria
1920-1929 I 4,1 I 2,8
1933-1939 I 1,7 I 11,2
1939-1945 I 1,7 I 5,4
Fonte: Eli Diniz, Empresário, Estado e capitalismo no Brasil (1930·1945), Rio de
Janeiro, Paz e Terra, J 978, p. 67.
Para se ter uma idéia ainda mais concreta das transformações ocor-
ridas na estrutura industrial brasileira do período, basta citar que a subs-
tituição de importações nos setores básicos, isto é, na indústria pesada, já
fazia com que um ramo como o do cimento, por exemplo, atendesse,
em 1937, a quase 90% do consumo interno. Outros, como o do ferro-
gusa, abastecia o mercado nacional em 99% das suas necessidades, as-
sim como o do aço em lingotes e o dos laminados já preenchiam, res-
pectivamente, 75% e 14% do mesmo mercado.
50
A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Ao mesmo tempo, o Estado de São Paulo consolidou-se como palco da
concentração industrial iniciada na Primeira República, o que podemos con-
siderar como a terceira característica da industrialização brasileira dessa fase.
Só nesse estado, a taxa anual de crescimento do conjunto das indústrias foi
de 14%, ao passo que setores como o metalúrgico e o químico-farmacêuti-
co chegaram a crescer, respectivamente, 24% e 30% ao ano.
Todas as mudanças até agora apresentadas não teriam sido possí-
veis, entretanto, sem a participação daquele que foi o elemento-chave
da industrialização brasileira do período: o Estado. Se o Brasil entrava
na década de 1930 deixando de ser,

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