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Sonia Regina de Mendonça A industrialização brasileira 11!! impressão Sumário INTRODUÇÃO 6 1.A EraColonial 8 É proibido instalar manufaturas 8 A indústria está a caminho 15 2. Construindo a grande indústria 19 Do café nasce a indústria 19 E surge a classe operária 26 Superexploração , miséria e doença 30 A classe operária organiza-se 35 A reação empresarial 40 3. Entra em cena o Estado 44 o Brasil e o mundo nos anos de 1930 44 Nacionalismo e desenvolvimento 49 Sociedade de massas: controle redobrado 54 Empresário e Estado na Era Vargas 59 4. Desenvolvimentismo e internacionalização 62 A industrialização na gangorra 62 A civilização do automóvel 67 Quem são as classes produtoras? 74 Indústria moderna, país dependente 76 5. Um modelo perverso 80 Os anos críticos 80 Depois da tempestade, vem o "milagre" 84 As classes trabalhadoras "pagam o pato" 94 O "milagre" se desfez " 97 6. Desnacionalização e desindustrialização 10S Neoliberalismo e globalização avançam lOS A desindustrialização brasileira............................................... 110 Desnacionalizando a economia....... .. 114 Desemprego e pobreza no Brasil do Real 119 CONSIDERAÇÕES FINAIS 127 GLOSSÁRIO 129 CRONOLOGIA 132 BIBLIOGRAFIA 135 5 POLÊMICA Introdução Ninguém melhor do que nós, brasileiros do século XXI, sabe 6 que é sentir na pele a vida confusa e agitada que marca o nosso dia-a-dia e o das nossas famílias. Quem não vive a realidade do país, a cada início de mês, fazendo contas e mais contas, apertando daqui e cortando dali, para ver se a receita vai bastar para todas as necessidades, até mesmo em conjunturas de inflação controlada? Claro que a indignação com esse estado de coisas é geral e procura- mos sempre o "bode expiatório" mais próximo para desabafar as nossas insatisfações. Ora é esse ou aquele governante o escolhido como o judas da situação; ora culpamos as várias greves que pipocam aqui e acolá; ora ouvimos alguém dizer que a tal "campanha de privatização" das empresas estatais é a causadora desse caos econômico que o país atravessa. A situação é sombria. Assim é que, no "calor da hora" em que recebe- mos cada nova conta de luz ou de telefone, só há espaço, dentro das nossas casas, para um sentimento de revolta, ou mesmo de desesperança. Mas o que poucas pessoas procuram fazer, em meio a essa confu- são, é refletir sobre as razões do que está acontecendo. E não se trata aqui apenas das razões recentes. Trata-se daquelas causas mais profun- das, com origens mais distantes no tempo, e que podem nos ajudar a entender o que está se passando no momento atual. Uma dessas razões é, sem dúvida, a forma como se processou a in- dustrialização brasileira e os rumos por ela tomados nos diferentes mo- mentos da nossa história. Somente mergulhando nesse passado é que 6 poderemos compreender alguns dos motivos de um presente tão difícil como o nosso. É a história dessa industrialização - as suas origens, fases e carac- terísticas - que este livro conta. Mas não se tem aqui uma daquelas histórias cheias de heróis e datas importantes. O que vamos descrever é um longo processo, em que a ação dos grupos sociais - com as suas dis- putas, as suas lutas e os seus acordos - foi determinante para definir os passos dessa indústria, que só deslanchou em pleno século XX, com mais de cem anos de atraso em relação à Europa e aos Estados Unidos. Para se chegar até esse ponto, no entanto, é preciso "passear" pelo túnel do tempo, passando pelo século XIX, quando no Brasil ainda havia escravidão e monarquia, e recuando até o século XVI, quando começou a exploração colonial. 7 1. A EraColonial As LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA METRÓPOLE NOS PRIMÓRDIOS DA AGROINDÚSTRIA AÇUCAREIRA NO NORDESTE RETARDARAM O SURGIMENTO DAS MANUFATURAS, CONSOLIDANDO A COLÔNIA BRASIL APENAS COMO FORNECEDORA DE MATÉRIAS-PRIMAS. É proibido instalar manufaturas Para se conhecer a história da industrialização brasileira, é preciso vol- tar ao tempo da não-industrialização, por mais estranho que possa pare- cer. E o tempo da não-industrialização foi aquele em que o Brasil ainda era uma colônia de Portugal, presa a este país pelo pacto colonial. De acordo com o pacto colonial, a metrópole portuguesa tinha to- tal exclusividade para comercializar os poucos gêneros tropicais, de alto valor no mercado europeu, que daqui eram extraídos, ou produzidos em larga escala, tais como pau-brasil, açúcar, ouro ou drogas do sertão (especiarias). A produção extensiva, no caso particular do açúcar, justi- ficava-se pela necessidade de lucros cada vez maiores por parte da Co- roa, que comandava os destinos do "país". O Brasil era, assim, uma colô- nia de exploração. Pela lógica do sistema colonial, todos os recursos disponíveis na colô- nia, desde terras e dinheiro até mão-de-obra - africana, de preferência, 8 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Pequena moendo portátil. por ser ela também uma mercadoria comercializável-, deveriam ser ca- nalizados para a produção extensiva, da qual a chamada agroindústria açuca- reira nordestina dos séculos XVI e XVII foi o principal exemplo. Logo, todos os grandes senhores de engenho da colônia subme- tiam-se ao monopólio exercido por Portugal, tal como acontecia com os demais colonos ligados a outras atividades. O açúcar produzido só podia ser vendido a comerciantes portugueses - ou outros autorizados pela Coroa - pelo preço que lhes era imposto. O outro lado do pacto colonial consistia no igual exclusivismo dos negociantes lusitanos em venderem à colônia tudo aquilo de que os seus habitantes necessitassem. E, conseqüentemente, esse "tudo" consistia em artigos manufaturados que Portugal, sem condições de produzir, adqui- ria de fornecedores europeus. Assim, como colônia de exploração, o Brasil representava para a Coroa portuguesa uma dupla fonte de lucros: os que ganhava, ao reven- der na Europa toda a produção aqui comprada a baixos preços; e os que obtinha, com a venda aos colonos, a preços altos, dos manufaturados 9 POL~MICA utilizados no seu dia-a-dia - ainda que para isso contasse com alguns aliados, como os holandeses, que, entre os séculos XVI e XVII, em troca do fornecimento de recursos a Portugal, tinham autorização para trans- portar e redistribuir o açúcar no continente europeu. Até que ocorresse a junção das duas Coroas - Portugal e Espanha -, ante os problemas dinásticos sucessórios durante a chamada União Ibérica (1580-1640), a Holanda foi a principal aliada de Portugal nessa fase de consolidação da agroindústria açucare ira colonial. A partir desse momento, no entanto, tal quadro seria revertido, já que a Holanda, em luta com a Espanha, seria proibida de comercializar o açúcar brasileiro, ao que reagiu de forma radical: as invasões holandesas do Nordeste (Bahia e Pernambuco) foram o seu corolário. Entre 1624 e 1654, os pólos açucareiros da Colônia Brasil viveriam sob domínio flamengo. Descontentes com a cobrança dos empréstimos que lhes tinham sido feitos pelos invasores - que, além do mais, não eram católicos -, os senhores de engenho dariam início à luta contra o jugo holandês, con- tando para tal com os demais habitantes da região, integrando assim a Insurreição Pernambucana. Por volta de 1650, os flamengos estavam derrotados e, com o fim da União Ibérica, em 1640, o monopólio portu- guês restabeleceu-se na colônia. Esta, por sua vez, teria as suas atividades econômicas ampliadas, entre os séculos XVII e XVIII, com a exploração das especiarias (drogas do sertão) obtidas na Floresta Amazônica, a expansão pastoril no inte- rior nordestino e a mineração nas Gerais. Em virtude da sua extrema importância como fator de sustentação da Coroa portuguesa, que saíra depauperada da União Ibérica, a atividade mi- neradora provocaria uma forte centralização administrativana colônia, am- pliando-se os mecanismos de controle da atividade extrativa e, por exten- são, da própria população colonial da região. E para que servia tanto ouro? Parte expressiva desse ouro revertia para Portugal sob a forma de impostos, servindo não apenas para o sustento da Corte, como também para saldar as inúmeras dívidas que o Reino português contraíra ao lon- go do tempo. Assim, o ouro brasileiro não ficava somente em Portugal, 10 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA tornando-se importante para outros países da Europa, visto que, além da quitação das dívidas, o Reino não produzia a maioria dos produtos manu- faturados necessários à revenda na colônia. O Tratado de Methuen, nego- ciado com a Inglaterra em 1703, é um bom exemplo desse mecanismo. Por ele, a Inglaterra comprometia-se a comprar vinhos apenas de Portu- gal, enquanto este, por seu turno, iria adquirir tecidos somente da Ingla- terra. Como o Reino português adquiria mais tecidos do que vendia vi- nhos - isso sem contar a desigualdade de preços das mercadorias troca- das -, logo se veria endividado junto à Inglaterra. Foi justamente nesse contexto do século XVIII que a Inglaterra come- çou a afirmar-se como grande potência mundial da época, em face do seu pioneirismo no desenvolvimento da Revolução Industrial, sobretudo a par- tir de 1760. A instalação do sistema fabril, impulsionado, nessa primeira fase, pelo aperfeiçoamento das máquinas de fiação e tecelagem e, num se- gundo momento, pela substituição da energia hidráulica pelo vapor, garan- tiria aos britânicos a primazia na difusão do capitalismo pelo mundo. AAIlil;YC~,,~lWl Alvará de D, Maria I proibindo fábricas e manufaturas no Brasil [Usboo, 17851, 11 POLÊMICA Enquanto tal processo se verificava na Inglaterra, Portugal, a despei- to do monopólio colonial, pouco a pouco se transformava em mero inter- mediário comercial entre a colônia e a Europa, carente que era de ativida- des manufatureiras expressivas e com sólidas raÍzes na produção agrária. Já a Colônia Brasil, uma vez que a sua população crescia e começava a diversificar as suas ocupações, seria alvo de uma severa política de restri- ções econômicas por parte da metrópole, dentre as quais se destacou o Alvará de 1785, mandando fechar as manufaturas - poucas - aqui exis- tentes, tais como as de fabricação de tecidos e as de construção naval. A rigor, é possível afirmar que durante o longo período colonial as ativida- des "industriais" desenvolvidas no Brasil contavam com um caráter estri- tamente acessório e secundário no conjunto da economia. Mesmo assim, a proibição de manufaturas na Colônia Brasil teria como principal beneficiária justamente a Inglaterra, que continuava a fornecer produtos manufaturados a Portugal e, por essa razão, não pos- suía qualquer interesse em que as áreas coloniais se industrializassem. Pelo contrário, interessava-lhe tirar proveito do pacto colonial lusitano, por intermédio do seu principal instrumento: o monopólio. Mas se o sistema colonial funcionou com razoável eficiência até finais do século XVIII, o mesmo não se pode dizer dos anos subseqüentes. Impli- cado nas disputas européias que marcaram a chamada "era napoleônica", em inícios do século XIX, Portugal se veria forçado a fazer uma opção política de importantes conseqüências para a Colônia Brasil. Napoleão Bonaparte, im- perador francês e senhor de quase toda a Europa Ocidental, ao impor o Bloqueio Continental de 1806, interditando qualquer país europeu de co- merciar com a sua grande rival, a Inglaterra, colocaria a Coroa lusitana numa encruzilhada ante o confronto das duas potências. Contando com a agricul- tura como a sua principal atividade econômica, Portugal viu-se impedido de cumprir a ordem napoleônica, expondo-se à invasão francesa. A solução para o impasse deu-se com a vinda, em 1808, da família real portuguesa para o Brasil, mediante apoio da Inglaterra, que passa- ria a comercializar livremente com a Colônia Brasil. A Corte, desse momento em diante, trocava de lugar, passando de Lisboa para o Rio de 12 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Janeiro. E o Brasil, por sua vez, também se veria numa ambígua condi- ção: a de colônia e de sede da Monarquia, ao mesmo tempo. Esse novo quadro marcaria o início do fim da situação colonial brasileira. É em meio a todas essas mudanças que podemos situar os antece- dentes da história da indústria brasileira, pois, nesse momento, como sede da Monarquia, a Colônia Brasil precisava ter a sua condição forço- samente redefinida. Por um lado, porque seria preciso responder às no- vas necessidades que a Corte trouxera consigo. Por outro, porque a pre- sença da Corte em solo brasileiro dificultava, e muito, a manutenção do tradicional monopólio, que tinha sido, até o momento, a chave da domi- nação econômica e política de Portugal. Afinal, a Coroa estava aqui! Diante da nova realidade, o príncipe regente D. João revogaria as proibições do regime colonial no tocante à indústria pelo Alvará de 12de abril de 1808. Isso incentivaria alguns empreendimentos manufaturei- ros - como a construção naval e a produção de cordames, velas e teci- dos em geral-, num esforço tênue para imitar as manufaturas reais do ministro francês Colbert, pelo fato de estarem elas sob a tutela do Esta- do, que as fiscalizaria, sem, no entanto, tomá-Ias sob a sua direção. Mas o destino dessas iniciativas "industrializantes" estava condenado ao insucesso desde o seu nascimento. Isso porque, para consolidar a aliança com a Inglaterra, premiando-a pelo seu apoio político, alguns acordos fo- ram selados nessa época, a começar pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, que redundou no que conhecemos como a abertura dos portos brasi- leiros às"nações em paz e harmonia" com Portugal, excluindo-se a França, é claro. A partir daí, estava extinto o monopólio comercial lusitano, bem como o privilégio até então desfrutado pelos comerciantes do Reino, po- dendo os negociantes brasileiros e de outras nacionalidades comerciar livre- mente no Brasil. Certamente, seriam os pioneiros da Revolução Industrial os que mais contribuiriam para o aumento do fluxo comercial com o Brasil, invadindo o seu mercado com produtos manufaturados os mais diversos. A preponderância inglesa no Brasil- bem como o destino das ma- nufaturas brasileiras, é claro - foi selada mediante dois tratados, ambos em 1810. Um deles, o de Aliança eAmizade, referia-se, no fundamental, a 13 POL~MICA compromissos políticos entre os dois países. Já o outro, o de Comércio e Nave8ação, garantia aos produtos ingleses o direito de entrar no Brasil em condições mais vantajosas do que aqueles procedentes de outros países, inclusive os de Portugal: enquanto os artigos vindos da Inglater- ra pagariam apenas 15% ad valotetn nas alfândegas, os produtos portu- gueses pagariam 16%, e os de outras nacionalidades, 24%. Semelhante privilegio iria prolongar-se por alguns anos, com exclusividade. Dessa forma, não fica difícil imaginar por que as tímidas iniciativas "industrializantes" inauguradas por D. João se veriam sufocadas no seu próprio nasce douro. Com técnicas ainda rudimentares e mão-de-obra pouco especializada, as manufaturas brasileiras não tinham condições de competir com os produtos ingleses, de melhor qualidade e preços bem menores do que os aqui fabricados. Mas a concorrência britânica não foi o único empecilho para o de- senvolvimento da indústria no Brasil nesse período. O regime escravis- ta, vigente desde primórdios da montagem do sistema colonial até a Abolição, em 1888, seria outro poderoso obstáculo, posto que dificul- tava o desenvolvimento da técnica, cerne da expansão industrial, bem como o crescimento do número de consumidores ativos. Alem disso, com uma população dispersa e predominantemente rural, com grau in- cipiente de urbanização, só era possível configurar-se um mercado in- terno restrito ealtamente fragmentado, em nada estimulante para uma efetiva industrialização. Apesar desse quadro pouco favorável à industrialização, algumas manufaturas conseguiram florescer, sobretudo no ramo dos tecidos. Foi o caso da primeira tecelagem do Rio de Janeiro, criada em 1819; de uma outra, em Minas Gerais, fundada no ano de 1824; além da "primei- ra fábrica regular de fiação e tecidos de algodão fundada em Pernambu- co logo depois da Independência", como assinalou um relatório apre- sentado pela Comissão de Inquérito Industrial em 1882. Na década de 1840, já havia um importante núcleo de indústrias têxteis no país, situado na Bahia, em torno da fábrica Todos os Santos. Esse núcleo, que empregava maquinaria importada e trabalhadores livres, 14 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA produzia anualmente 1 milhão de metros de tecidos diversos. No Rio de Janeiro, nessa mesma década, a presença de "fábricas" - modernas para a época - também é registrada, como, por exemplo, a do Anda- raí Pequeno, com 22 operários livres e 459 fusos, e a de Santa Tereza, no município fluminense de Parati, que produzia 500 mil metros de tecidos por ano. Como se pode perceber, até meados do século XIX, mesmo com O fim do pacto colonial e após a independência política, o ritmo da cria- ção das indústrias era ainda bastante lento. O regime escravocrata con- tinuaria a ser um entrave à formação do mercado interno e ao desenvol- vimento industrial. A indústria está a caminho Somente a partir de 1850 vai se observar um maior dinamismo no desenvolvimento econômico do país em geral e das suas manufaturas, em particular. O crescimento do número de indústrias dar-se-ia com relativa rapidez. Mas o que provocaria essas mudanças? A principal razão de todo esse processo foi o fim do tráfico de africanos para o Brasil, estipulado pela Lei Eusébio de Queirós, fruto das pressões britânicas, em 1850. Com ela, inúmeros capitais, até então empatados na compra de escra- vos, seriam desviados para outras atividades, tais como serviços urba- nos, bancos e também a indústria. Porém, o maior e mais duradouro impulso ao desenvolvimento industrial do país viria da própria agricultura. Mais exatamente, de uma nova atividade de exportação, que se expandia na Província do Rio de Janeiro desde fins da primeira metade do século XIX - a economia cafeeira. Com os altos lucros obtidos, os cafeicultores não só reinvestiam na própria agricultura, como também aplicavam os seus capitais em manufaturas ou no melhoramento dos serviços do município da Corte, como os transportes, a iluminação e os servi- ços portuários. 15 POLÊMICA As indústrias - aspecto que mais nos interessa neste livro - começariam a se diversificar pouco a pouco. Assim, se em 1850 o país contava com apenas cinqüenta estabelecimentos industriais - aí incluindo-se inúmeras unidades que não eram industriais no sen- tido estrito do termo, como as salineiras, por exemplo -, entre 1860 e 1880 várias novas manufaturas seriam implantadas. Enquan- to naquele primeiro ano, do total apontado, há referências a dez fá- bricas do ramo alimentício, nove do têxtil e cinco do de pequena metalurgia - sendo uma destas o estaleiro da Ponta da Areia, em Niterói, pertencente ao famoso Barão de Mauá e que chegou a con- centrar duzentos trabalhadores, entre escravos e assalariados -, nos anos posteriores, os ramos industriais existentes no Império seriam de muitos outros tipos. Dentre esses novos ramos estabelecidos ao longo das décadas de 1850, 1860 e 1870, destacaram-se os do couro, dos calçados, das ma- las, da chapelaria e do mobiliário, espalhados por todo o país. Tam- bém no ramo gráfico, novas unidades seriam implantadas, sendo re- gistrada a existência, em inícios da década de 1880, de 25 tipografias, catorze litografias e dezenove oficinas de encadernação, todas no Rio de Janeiro. O problema dessas novas empresas é que elas dependiam, na sua grande maioria, de certas matérias-primas ou maquinarias im- portadas, tal como no caso das fábricas de mobília: enquanto a madei- ra empregada era quase que totalmente brasileira, os espelhos e as fer- ragens, por exemplo, vinham de fora. Para completar essa breve visão global da atividade industrial e manufatureira verificada no Brasil da segunda metade do século XIX, resta acrescentar ainda a existência de um enorme número de pequenas fabriquetas de fundo de quintal, nas quais, com reduzido número de máquinas, patrões e empregados trabalhavam lado a lado, como ocorria nos ramos mecânico, da produção de massas alimentícias, de sabão etc. Ao mesmo tempo, algumas mudanças importantes começaram, pouco a pouco, a ocorrer nesse processo de diversificação da estru- tura industrial brasileira. Foi o caso da utilização da máquina a vapor, 16 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA pela primeira vez, numa fábrica de tecidos situada em Itu (SP), no ano de 1869. Até fins do século XIX, a maior concentração do capital industrial no Brasil deu-se na cidade do Rio de Janeiro, que só perderia tal posição na segunda década do século XX, quando seria suplantada por São Pau- lo. Quanto ao resto do país, no período compreendido entre 1850 e 1870, outros centros industriais merecem ser considerados, embora em grau menor do que os dois pólos do Sudeste. Dentre eles, podemos ci- tar o núcleo industrial de Salvador (BA), bem como o de Recife (PE) e o de Blumenau (SC), todos eles do setor têxtil. Em Porto Alegre (RS), por sua vez, as indústrias concentraram-se na produção de charutos, de conservas e nos curtumes, com preponderância dos estabelecimentos de pequeno porte. Todos esses ramos beneficiavam-se da proximidade física dos pólos de fornecimento das suas matérias-primas essenciais, o que barateava os custos da sua produção. Deve-se esclarecer, no entanto, que muitas dessas unidades, cha- madas por conveniência didática de "industriais", surgidas antes da im- plantação da grande indústria propriamente dita - que se daria nas décadas de 1880 e 1890 -, não passavam de pequenos empreendimen- tos. Em sua maioria eram manufaturas, ou seja, estabelecimentos em que o trabalho é desempenhado por grande número de operários (tal corno na fábrica), mas com técnica de produção ainda pouco mecaniza- da (no que se diferenciava da indústria). Por falta de proteção tarifária, bem como por todas as dificuldades já apontadas em relação aos obstáculos para a configuração de um efeti- vo mercado interno, esses estabelecimentos (sobretudo os menores) sofriam a brutal concorrência estrangeira, o que atrapalhava ainda mais o seu crescimento. Até a penúltima década do século XIX, a urbanização brasileira se- ria ainda incipiente, e a industrialização, como vimos, não faria propri- amente jus ao nome. Isso porque, quer pelo grande número de artesa- natos e manufaturas, quer pelo pequeno vulto dos capitais investidos, bem como pelo tipo de força motriz predominante, não podíamos ainda 17 POLÊMICA falar de um predomínio da grande indústria fabril. Somente entre 1880 e 1900 é que esta última se faria presente na estrutura industrial brasi- leira como uma realidade concreta, congregando, ao mesmo tempo, grande número de trabalhadores, alta mecanização e investimentos de capitais mais elevados. Etiqueta para tecidos, registrada par 50- muel, Irmãos & Cio. (Rio de Janeiro, 1888). 18 2. Construindo a grande indústria A ORIGEM DA INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA REMETE À EXPANSÃO DA LAVOURA CAFEEIRA, SENDO MARCADA PELA PREPONDERÂNCIA , " ADOS RAMOS ALIMENTICIO E TEXTIL. O MESMO TEMPO, A FORTE PRESENÇA DE IMIGRANTES E DE EX-ESCRAVOS ENTRE O OPERARIADO EMERGENTE SUBORDINOU-O À SUPEREXPLORAÇÃÓ, A PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE VIDA E À AUSÊNCIA DE DIREITOS TRABALHISTAS. Do café nasce a indústria O período compreendido entre 1880 e 1900 -correspondente ao final do Império e início do regime republicano - foi aquele em que se verificoua consolidação da industrialização brasileira. Devemos enten- der como industrialização, nesse momento, o começo de um processo no qual a unidade fabril, altamente mecanizada, afirmou-se como pre- dominante na nossa economia urbana. Isso não aconteceu em todos os grandes centros do país. Po- rém, foi um dado patente numa das suas regiões: o Sudeste. Basta lembrar que as empresas paulistas e as fluminenses daquela época que possuíam mais de cem trabalhadores e investimentos acima de mil contos de r éis - que é um critério para caracterizarmos a gran- de indústria - representavam, respectivamente, 85% e 75% de todo 19 POLÊMICA Etiqueta para tecidos, registrada pela Companhia Petrapolitana (Ria de Janeiro, 1888). o capital industrial aplicado na área! Mas o que explica tal diferen- ça? O que teria o Sudeste de tão especial? Dentre os fatores dessa "especialidade", destacou-se a avassaladora expansão da lavoura cafeeira ocorrida, a partir de 1870, na Província de São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro a cafeicultura ainda tinha desta- que. A existência de abundantes terras virgens na região do chamado Oeste Paulista, juntamente com a alta dos preços do café no exterior, determinou uma verdadeira "corrida" para o interior paulista, fazendo com que extensas regiões de matas logo se transformassem num mar de cafezais. Em ·decorrência dessa expansão, um novo dinamismo acalen- tou a nossa economia e a sociedade, que passaram a experimentar trans- formações num ritmo nunca antes atingido. Em função da nova "onda verde", uma ampla infra-estrutura de ser- viços, transportes, casas comerciais e bancárias fez-se presente para sus- tentar o crescimento da cafeicultura, A renovada economia cafeeira deu vazão ao crescimento de uma rede de grandes estabelecimentos expor- tadores e importadores estrangeiros (ingleses, sobretudo), os quais não só controlavam a comercialização das safras de café, mas também tudo o que vendiam e compravam das várias praças comerciais do país. 20 A I DUSTRIALlZAÇÃO BRASILEIRA Com esse crescimento da rede de estabelecimentos, multiplicaram-se também os serviços integrantes do setor tetciário * da economia do Sudeste, numa escala muito maior do que aquela verificada no Rio de Janeiro em meados do século XIX. Em conseqüência, a concentração populacíonal nas cidades também se ampliou, determinando o surgimento de mercados lo- caisbem maiores do que antes, com novos consumidores, o que não deixava de ser um forte estímulo à multiplicação da grande indústria. Outro aspecto importante do funcionamento da economia cafeeira nesse período foi a presença marcante do capital estrangeiro nos seto- res-chave da nossa economia, em particular no ferroviário e no bancá- rio. No caso deste último, o predomínio do capital forâneo era muito importante, já que os bancos eram responsáveis pelo financiamento dos cafeicultores, que investiam mais e mais na formação ou ampliação das suas fazendas. O capital estrangeiro - britânico, sobretudo - passou também a controlar uma atividade vital para a expansão cafeeira: o transporte ferroviário, com o qual a penetração do café nas terras virgens do interior e a chegada das novas safras aos portos de embarque poderiam ser feitas de forma mais rápida. No ano de 1880, por exemplo, eram onze as ferrovias inglesas existentes no Brasil. Esse número passaria para 25, quinze anos depois, incluindo-se as redes implantadas também no Nordeste. Mas o surto de ferrovias da época concentrou- se mesmo no Sudeste, onde se localizavam 63% do total existente no país, em 1899. Diante de todos esses fatores, não é difícil entender por que o Su- deste afirmou-se como pólo inicial da industrialização brasileira, e tor- na-se clara a metáfora deste subtítulo: "Do café nasce a indústria". Todas as características do funcionamento da atividade cafeeira apontavam numa mesma direção: o complexo cafeeiro se diversificava e urbanizava. Os centros de comercio da região - Rio de Janeiro,.San- tos ou São Paulo - tornavam-se poderosos elos de ligação entre os ·As palavras assinaladas com asterisco ao longo do texto constam do Glossário, no final do livro. 21 POLÊMICA cafeicultores brasileiros e os consumidores internacionais e funciona- vam também como núcleos de concentração dos recursos materiais, humanos e financeiros capazes de sustentar o desenvolvimento de uma nova atividade: a grande indústria. Dessa forma, surge como primeira caiacteristica da industrialização brasileira, nessa fase inicial, a sua subordinação ao capital co[eeiro, A gran- de indústria não só dependeu da diversificação desse complexo agrário- exportador, como dele beneficiou-se em vários aspectos essenciais. Em primeiro lugar, toda a infra-estrutura urbana e de transportes desenvolvida em função da cafeicultura também favoreceu a industriali- zação, quer pelos serviços já implantados - como o de energia elétri- ca, por exemplo -, quer pela concentração de consumidores urbanos em número considerável para a época. Um segundo - e talvez mais importante - aspecto da subordina- ção da indústria à cafeicultura foi o fato de que esta última proporcio- nou um Brande fluxo de mão-de-obra do interior para as cidades. Esses migrantes iriam engajar-se na dupla condição de trabalhadores urbanos e consumidores industriais. Mas, para se entender melhor tal mecanis- mo, é necessário recuar até inícios da década de 1870. Nessa época, quando já se manifestava a crise do escravismo, os fazendei- ros do Novo Oeste Paulista começaram a buscar alternativas para a falta de braços na sua lavoura. Antevendo o fim do trabalho escravo, esses cafeiculto- res conseguiram impor ao governo da Província de São Paulo o seu projeto de imigração subvencionada pelo Estado, que foi responsável pela entrada em massa de imigrantes - sobretudo italianos - em território paulista. A introdução maciça de um novo tipo de mão-de-obra na lavoura do café gerou, porém, uma conseqüência inesperada: a quantidade de imigrantes destinados à cafeicultura excedia a oferta de empregos. So- mente no período compreendido entre 1891 e 1910, 1.769.892 imi- grantes vieram para o Brasil, integrando-se a uma população total de 22.042.800 habitantes. Além disso, os maus-tratos de muitos fazendei- ros acostumados com o regime escravista desestimulavam a permanên- cia dos imigrantes nas fazendas. Com isso, inúmeros deles dirigiam-se 22 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA às cidades em busca de melhores chances, constituindo-se num "esto- que" de trabalho para a industrialização emergente. A grande disponibilidade de trabalhadores em cidades como São Paulo, por exemplo, permitiria aos industriais o pagamento de baixíssi- mos salários. A Abolição, ao possibilitar a vinda de contingentes de li- bertos (ex-escravos) do interior para as cidades, principalmente para a Capital Federal, também fez crescer o número de trabalhadores pouco qualificados e disponíveis para o trabalho urbano em geral. É dessa oferta abundante de mão-de-obra que decorre uma sequtula característica da industrialização brasileira na sua etapa inicial: o predomí- nio das indústrias de bens de consumo correntes, tais como tecidos, vestuá- rio, alimentos etc. Concentrando-se nas cidades maiores, os operários de fábricas e os demais trabalhadores urbanos de baixa renda formavam o principal mercado consumidor desse tipo de produto. Um outro fator foi responsável pela predominância desse tipo de produção industrial: as indústrias de bens de consumo correntes ade- quavam-se à disponibilidade de capitais e de tecnologia então existentes no país. A grande indústria brasileira desenvolveu-se, assim, nos seus primórdios, voltada para o consumo popular. Os dados apresentados pelo primeiro censo nacional de produção, rea- lizado no país em 1920, demonstram como era a nossa estrutura industrial no período: as indústrias alimentícias constituíam30,7% do valor produzi- do; as indústrias têxteis, 29,3%; as fábricas de bebidas e de cigarros, 6,3%; e apenas 4,7% representavam as indústrias metalúrgicas e mecânicas. Da observação desses números, extraímos uma terceira característi- ca estrutural da nossa industrialização nessa época, que é, em parte, tam- bém uma decorrência da segunda: a inexistência de indústrias pesadas no Brasil. Como a presença desse tipo de empresa é condição indispensável para o pleno desenvolvimento econômico de um país, fica fácil perce- ber o ponto fraco da industrialização brasileira no período analisado, isto é, a sua enorme dependência de tectioloqia importada. A produção de "máquinas que produzem máquinas" ainda não constituía um ramo ex- pressivo da nossa estrutura industrial. 23 POLÊMICA Um terceiro aspecto da subordinação da indústria à cafeicultura refe- re-se ao fato de que muitos dos primeiros industriais brasileiros eram os próprios fazendeiros de café, interessados em investir os seus grandes lucros em novos setores da economia. A maioria dessas fábricas eram im- plantadas com os seus próprios capitais, mas, quando necessário, faziam-se empréstimos com importadores ou bancos estrangeiros. Nesse caso, era co- mum os financiadores tornarem-se sócios nos novos empreendimentos. Dentre os principais industriais brasileiros do período, podemos ci- tar: Antônio Prado (fábrica de vidros Santa Marina), o coronel Rodovalho (fundador da primeira fábrica de cimento Portland no país, em 1897), o coronel Anhaia (introdutor da primeira máquina a vapor em uma tecela- gem, a fábrica São Luiz, em Itu), os Álvares Penteado (donos de curtumes e tecelagens) e Eugênio de Oliveira (diretor da tecelagem Votorantim). Os cafeicultores não foram, contudo, os únicos a investir em indús- trias nessa época. Outros grupos também o fizeram, sobretudo donos de bancos ou empresas estrangeiras, além de um considerável número de imigrantes, que já chegavam da sua terra natal dotados de um razoável volume de capitais. Vindos na qualidade de diretores de bancos e! ou ou- tras empresas estrangeiras, esses imigrantes endinheirados não podem ser confundidos com aqueles que vinham "para a lavoura", como mão-de- obra, subsidiados pelas verbas do governo do Estado de São Paulo. Ficaram famosos, desde a primeira década do século XX, investi- dores como Francisco Matarazzo (proprietário de moinhos, tecelagens, fábrica de botões), Alexandre Siciliano (máquinas agrícolas), Klabin (in- dústria de papel) e Nicolau Scarpa (tecelagem), cujos sobrenomes até hoje freqüentam os noticiários do país. No entanto, muitos autores cos- tumam tomar esses nomes como exemplares da trajetória do que se poderia chamar de se!f-made men, ou seja, homens que da pobreza da sua condição de imigrante estrangeiro conseguiram subir na vida, tornan- do-se empresários industriais. Nada mais falso do que isso, como o de- monstram pesquisas mais recentes. Todos os nomes citados, insistimos, já aportaram no Brasil como imigrantes com dinheiro, jamais tendo pas- sado pela experiência do trabalho pesado na lavoura. 24 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Além desses imigrantes, ligados à industrialização paulista, outros merecem destaque, como Domingos Bebiano, fundador da Companhia América Fabril deTecidos, no Rio de Janeiro; Hermann Lundgren, dono de fábricas têxteis em Pernambuco e fundador da famosa rede de lojas Casas Perriambucanas; ou ainda o alemão Hering, de Santa Catarina, também ligado à tecelagem e, posteriormente, à malharia. Caracteriza-se assim, como um quarto aspecto básico das relações entre café e indústria no Brasil, a paulatina diferenciação de uma nova classe social que começava a despontar no país: a burguesia * industrial, composta pelos proprietários do capital aplicado nas indústrias e que viviam dos rendimentos por ele gerados. Devido à íntima relação entre a atividade cafeeira e a industrial, a formação dessa nova classe foi marcada, por um lado, pela duplícidade dos papéis e das funções econômicas representados por um mesmo agente social, como no caso, por exemplo, do cafeicultor que se trans- formava em industrial. Por outro lado, a constituição da burguesia in- dustrial brasileira também se caracterizou por Um grande entrosamen- to entre famílias de cafeicultores e de empresários imigrantes, sobretu- do por meio de casamentos. Por ambos os processos, criava-se uma razoável afinidade entre os interesses agrários e os industriais, afinidade essa que - mesmo em conjunturas econômicas específicas que, simultaneamente, desfavoreci- am a uns e beneficiavam a outros, como no caso da desvalorização da moeda, favorável ao cafeicultor mas não ao industrial - impediu a emergência de conflitos abertos entre ambos, principalmente quando se tratava de discutir o protecionismo* à indústria ou a questão da taxa cambial* . O alto grau de concentração urbana, de capitais, de mão-de-obra e de indústrias no Sudeste foi a principal razão do desenvolvimento de um parque industrial nessa região, fato que não ocorria ainda no restan- te do país. A disparidade do crescimento industrial entre o Centro-Sul e as demais regiões já era uma realidade nessa época. Segundo o censo de 1920, a participação de alguns estados na produção total do Brasil era a 25 POL~MICA seguinte: São Paulo, 31,5%; Distrito Federal/Rio de Janeiro, 28,2%; Rio Grande do Sul, 11,1 %; Pernambuco, 6,8%; Minas Gerais, 5,6%; Região Norte, 1,3%; Goiás e Mato Grosso, 0,4%. Vale a pena destacar que, até o parque industrial paulista se afir- mar, na década de 1920, o Rio de Janeiro foi o palco da concentração de grandes indústrias na República Velha - período compreendido entre a Proclamação da República e a Revolução de 1930 -, com ênfase nos ramos de alimentos, bebidas, vestuário e, sobretudo, produtos têxteis. Foi aí que primeiro surgiram grandes tecelagens, como a eia. Progresso Industrial, a Aliança e a Confiança, algumas delas devido ao investimen- to de empresários ligados à atividade bancária. Esurge a classe operária Os primeiros operários brasileiros surgiram ainda em plena socieda- de escravista. Muitas das nossas primeiras empresas industriais caracteri- zavam-se pelo trabalho conjunto de operários livres e escravos. Somente Oficina de ferraria e fundição da Escola de Aprendizes e Artífices da Estado da Espírita Santo, 1910. 26 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA com aAbolição, tal quadro mudaria. Até lá, porém, essa coexistência atra- palharia muito a afirmação do operariado como classe entre nós. Esses primeiros operários originavam-se das camadas mais pobres da população urbana, sendo muitos deles menores de idade, retirados de asilos ou de casas de caridade diretamente para o regime das fábri- cas. As condições de trabalho e de vida desses aprendizes não eram me- lhores do que as de muitos escravos, formando um contingente signifi- cativo de trabalhadores não-especializados. Adultos e crianças chegavam a trabalhar até dezesseis horas por dia, sem folga semanal ou qualquer outro direito. Já os operários qualificados, necessários ao desenvolvimento indus- trial, eram contratados quase sempre na Inglaterra e sofriam muitas di- ficuldades de adaptação ao clima do país, além de saírem bem mais ca- ros para os primeiros industriais, que eram obrigados a pagar-lhes salá- rios maiores do que os que estavam acostumados a pagar. A entrada em massa de imigrantes no Brasil, a partir de 1870- 1880, começou a alterar a composição do operariado brasileiro. Os estrangeiros - italianos, portugueses, espanhóis - aos poucos se tor- naram maioria nas fábricas do Rio de Janeiro e de São Paulo, situação que se manteve mesmo após a Abolição. Somente nos centros indus- triais menos dinâmicos, como aqueles situados na Bahia, em Pernam- buco ou no Pará, predominou o emprego de mão-de-obra nacional na indústria. O crescimento da grande indústria,verificado na virada do século XIX para o XX, pouco contribuiu para melhorar as condições de vida dos operários. A superexploração do trabalho industrial não só se manteria, como seria agravada, em função de um novo fato: a incorporação maciça de mulheres e crianças no trabalho fabril. É bom lembrar que as crianças recebiam salários ainda menores do que os trabalhadores adultos. Outro fator que favorecia a superexploração do trabalhador industrial era a ameaça do desemprego ou da diminuição temporária das frentes de trabalho. Com a chegada de novos imigrantes às cidades, a oferta de mão- de-obra aumentava, provocando demissões e desvalorização dos salários. 27 POLÊMICA Hospedaria do Imigrante (Sãa Paulo, início do século XXI. Nos períodos de crise econômica - como a de 1897 a 1900 ou aquela ocorrida durante a pc. Guerra Mundial (1914-1918) -, a situação piorava ainda mais, inexistindo qualquer garantia de estabilidade no emprego. Não devemos supor, entretanto, que o peso numérico e social do proletariado* dessa época fosse considerável. No ano de 1900, o total da população ocupada no Brasil era de 9.5 O3.000 indivíduos, dos quais apenas 321 mil trabalhavam na indústria. Em 1920, esse número aumentaria, porém continuaria modesto; os empregados na indústria eram apenas 1,3 milhão. Com isso, temos como caracterís- ticas iniciais da formação do operariado no Brasil o seu peso numé- rico e social relativamente baixo, bem como a sua grande divisão interna na disputa por empregos, em que os homens eram preteri- dos em favor das mulheres e das crianças, que representavam meno- res gastos com a folha de pagamento. Outra característica da formação do operariado brasileiro foi a sua extrema dispersão espacial. Somente no Rio de Janeiro e em São Paulo havia grandes concentrações operárias, como resultado do desenvolvi- 28 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA mento industrial aí verificado. Espalhada pelo país, era difícil à catego- ria mobilizar-se em torno de causas comuns. Também no tocante à sua composição étnica, a classe operária em for- mação apresentou diversidades. Enquanto os estrangeiros representavam 68% da mão-de-obra empregada nas indústrias paulistas (1893) e 45,5% nas fábricas do Rio de Janeiro, bem menores eram, em igual período, as oportunidades de colocação para o trabalhador brasileiro na estrutura in- dustrial, o que chegou a gerar alguns conflitos, como aquele registrado em São Paulo contra os "italianinhos", no ano de 1896. Em síntese, a classe operária brasileira caracterizou-se, na sua fase de formação, não apenas por um pequeno peso numérico e social, mas também por uma composição muito heterogênea. E não só devido à questão étnica. O aspecto técnico da sua composição era igualInente bem variado: o proletariado abrangia desde trabalhadores dos pequenos artesanatos, sem nenhuma habilidade particular, até operários de fábri- ca, com maior qualificação e experiência de trabalho. Diante desse quadro, compreende-se as dificuldades enfrentadas pelo operariado para organizar-se politicamente, com tantas diferenças Tecelagem Votorantim [Sôo Paulo, início do século XX). 29 POL~MICA a serem superadas. Isso iria interferir diretamente no seu cotidiano en- quanto classe, uma vez que, mal organizadas, as suas reivindicações pou- co ecoariam junto aos patrões ou ao próprio governo. Superexp'loraçâo, miséria e doença Pressionado pela abundante oferta da força de trabalho e pela di- versidade da sua composição, o operariado brasileiro atravessou o perío- do da República Velha (1889-1930) padecendo de péssimas condições de vida e de trabalho. A começar pela violência exercida pelos chefes e pelos mestres de fábrica contra os trabalhadores, sobretudo mulheres e crianças. Para aumentar a produtividade fabril, empregavam-se vários mé- todos, desde castigos corporais até cobranças de multas; desde ameaças de desemprego até o uso da brutalidade explícita. As condições de hi- giene das fábricas também não deixavam de ser verdadeiros castigos, pois muitas delas não possuíam sequer água potável ou mesmo janelas para ventilação. No ramo da vidraria, por exemplo, o ar era infestado pela poeira de vidro, enquanto o chão ficava cheio de cacos. Nessas condições, eram comuns os casos de alcoolismo e de doen- ças como a tuberculose ou a sífilis. Sem qualquer proteção oficial por parte do Estado, o proletariado era matéria da competência exclusiva dos empresàrios. Eram estes que determinavam, ao seu critério, o regime do trabalho fabril. Sem contar com dispositivos previdenciários que a re- gessem, tais como indenizações, aposentadorias ou pensões, a industria- lização brasileira inaugurava, desde essa época, a sua tradição de recor- dista em acidentes de trabalho, posição que continua a ocupar até os dias atuais. Mas o pior lado das condições de trabalho do proletariado eram as extensas jornadas impostas pelos patrões. No setor têxtil, no qual predomi- nava a grande indústria, era comum trabalhar-se até quinze horas diárias, o que costumava repetir-se em outros setores industriais. O jornal operário Avantil , em 1907, denunciava a situação vivida na indústria têxtil paulista: 30 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Grupo de operários da fábrica Bangu IRia de Janeiro, 18921 As fábricas de tecidos de São Paulo são verdadeiras galeras que fazem vergonha à civilização brasileira. Nesses antros se ex- plora, a sangue, centenas de meninos e meninas que arruínam sua saúde para guardar poucos tostões que os patrões Ihes dão como esmola e que vão acabar, quase sempre, nos bolsos de seus pais sem coração que, quase piores que os ferozes industri- ais, não se envergonham de fazer o papel de aigozes para o san- gue de seu próprio sangue. (In Hali & Pinheiro, A classe operária no Brasil - Condições de vida e de trabalho, relações com os empresários e Estado, São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 47.) Já as condições de vida do operariado na época consistiam num misto de superexploração - dentro da fábrica - e de repressão poli- cial e ideológica - fora dela. O proletário era visto como um marginal ou agitador em potencial. Na melhor das hipóteses, era tomado como um ignorante que dependia da benevolência dos seus patrões. Tanto num 31 POLÊMICA caso como no outro, apontava-se para a necessidade de reprimi-Ia e viBiá-ia em qualquer circunstância. Esse comportamento pode ser ex- plicado por uma postura herdada do nosso passado escravista, que via com preconceito o trabalho manual, tido como "aviltante" ou "d I 1"esprezlve . Por isso mesmo, os industriais estimularam a concentração BeoBréifica do operariado em bairros ou vilas proletárias, de modo a facilitar o seu controle. Dentre os bairros cariocas tipicamente operários, destacaram- se Bangu, São Cristóvão, Gamboa, Laranjeiras e Gávea. Já em São Pau- lo, tal concentração realizou-se no Bexiga, na Lapa, na Mooca e na Bar- ra Funda. Mesmo os centros urbanos fora do Sudeste com alguma ativi- dade industrial- como Recife, por exemplo - tinham os seus bairros operários, como Jaboatão ou Afogados. A criação desses bairros foi uma tentativa de controlar o proletari- ado, impedindo-o de "contagiar" outros segmentos sociais. Ao mesmo tempo, entretanto, tais bairros revelaram um aspecto altamente positi- vo: o fortalecimento dos laços de solidariedade no próprio seio da clas- se operária. De uma certa maneira, o tiro saíra pela culatra ... Escola pertencente à Vila Operária Maria Zélío (São Paulo, início do século XX). 32 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Outro método de controle do operariado foi a iniciativa de alguns empresários de construir vilas operárias junto às suas próprias fábricas. Foi o caso daVila Maria Zélia, erguida pelo industrial paulista Jorge Street ao lado da sua indústria têxtil. A vida dos trabalhadores nessas vilas era uma espécie de prolonga- mentoda rigorosa disciplina fabril, sem chance para uma efetiva liber- dade para eles e suas famílias. Em troca de moradia, submetiam-se às mais duras regras: o controle da entrada e saída das pessoas, a fixação de horários para ir e vir, o policiamento dos costumes dos moradores, com a proibição do alcoolismo e a vigilância dos namoros de portão (fechado às 21 horas) etc. Muitas vezes, o controle social se fazia sob a capa das ''boas ações" dos empresários, que construíam escolas, creches, cinemas e até mesmo igrejas no interior das vilas, demonstrando que até o lazer era vigiado. Além dos bairros e das vilas operárias, as formas mais comuns de habitação do proletariado eram asfavelas (no Rio de Janeiro) e os cortiços (mais freqüentes em São Paulo), marcados por péssimas condições de higiene e salubridade. Outro jornal operário, o Farifulla, da capital pau- lista, fez, em 1913, um veemente protesto contra esse estado de coisas: A cidade se veste, se enriquece, põe roupa nova no centro, mas, ai de nós! Nos bairros populares é a mesma coisa de dez anos atrás. (... ) Percorremos muitas ruas e constatamos de visu que os cortiços não são raros entre nós e regurgitam de habitan- tes, agora que a capital não tem casas suficientes para abrigar a população pobre e o proletariado. Antigamente o aluguéis das pequenas habitações era baixo. Agora não. Os aluguéis aumen- taram o dobro e os cortiços têm, como sempre, a mesma popula- ção heterogênea, sem a mais leve noção de respeito, sem a mí- nima idéia de moral. .. (Ibid. p. 97.) O nível de consumo dos proletários era determinado pelos baixos salários recebidos, enfrentando eles inúmeras dificuldades. Era, no en- tanto, nos períodos de crise - como durante a l' Guerra Mundial - 33 POLÊMICA '"'"ü ,~ o '"Z ~ a:<i: ~.• a: 8z 8; ~ t\ í O~~ --- => <!J => '" Aspecto de um cortiço carioca em 1906. que a situação piorava. Nesses momentos, o empresariado buscava di- minuir as suas perdas por meio do achatamento salarial ou das demis- sões em massa, tal como acontece ainda hoje. Estabelecia-se, então, um círculo vicioso entre a alta do custo de vida, a queda do poder aquisitivo dos trabalhadores e a sua pauperizaçâo crescente . .Ao pauperismo associaram-se tanto o aparecimento de uma massa urbana de desocupados, quanto a multiplicação de várias epidemias, dentre elas as de tuberculose, peste bubônica e febre amarela. O avilta- mento das condições de vida da classe operária brasileira atingiria um clímax nos anos da Grande Guerra. Para tentar amenizar a situação, fo- ram criadas asfeiras livres, que, ao propiciarem a venda direta de gêneros de subsistência aos consumidores, sem intermediários, barateavam um pouco certos itens da cesta básica da população. Porém, expedientes como esse não conseguiram impedir aquilo que os empresários mais temiam: os protestos operários e os seus movi- mentos grevistas, cujo apogeu verificou-se, durante a República Velha, entre 1917 e 1920. 34 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA A classe operária organiza-se o grau de exploração que se abateu sobre o operariado brasileiro desde as suas origens fez com que ele procurasse organizar coletivamente os seus protestos e as suas ações, que, isolados, a nada levariam. Assim, entre 1850 e 1880, surgiram as primeiras organizações proletárias no país: as associações mutualistas. Sem qualquer caráter político, eram insti- tuições voltadas para o auxílio mútuo entre os seus membros nos casos de doenças, enterros, acidentes etc., a partir da iniciativa exclusiva dos próprios trabalhadores. O mutualismo, entretanto, não era um veículo de resistência à explora- ção patronal. Para tanto, foram criadas, a partir de 1870, as ligas operárias, bem mais politizadas que as associações anteriores e que dariam origem aos primeiros sindicatos operários brasileiros em inícios do século XX. O objetivo das ligas, diversamente das agremiações mutualistas, era cobrar direitos, preconizando-se a greve como instrumento de ação. A partir desse momento, as reivindicações proletárias iriam concentrar-se sobre três pontos-chave: a redução da jornada de trabalho, o aumento salarial e a Passeata de operários em greve (São Paulo, 1917). 35 POLÊMICA melhoria das condições de trabalho. Ainda assim, as ligas foram ineficientes para mobilizar a classe, uma vez que esbarravam em vários obstáculos, como a presença de escravos no interior das empresas, a dispersão destas últimas pelo território nacional e a pequena concentração industrial desse período. Todos esses fatores dificultavam a militância política, tornando frágil esse primeiro momento da organização do operariado. Já o segundo momento apresentaria sinais distintos, sobretudo depois de abolida a escravidão. Concentrada em torno dos sindicatos, esta nova fase teve como principal característica a total desvinculação dos sindicatos de traba- lhadores com relação ao Estado, qualidade que desapareceu da história da classe operária brasileira a partir de 1937, vigorando até os nossos dias. Ao longo desse período em que o movimento operário gozou de total liberdade asso- ciativa - correspondendo à República Velha -, três correntes disputaram entre si a liderança da classe: a socialista, a trabalhista e a anarco-sindicalista. Vejamos no que consistiu a atuação de cada uma delas. A presença do socialismo no movimento operário brasileiro da época foi a história de um pequeno grupo, com escassa penetração nos meios populares. Encabeçados por elementos intelectualizados de classe média, os sindicatos socialistas estiveram muito mais preocupados em difundir as idéias de Marx e Engels - figuras de proa do socialismo europeu - no Brasil. Sua proposta de aliar os setores médios urbanos ao operariado, como estratégia revolucionária, desfavorecia o seu poder de penetração no movimento dos trabalhadores. Além do que, condenava a greve como instrumento de luta, distanciando-se cada vez mais de um público pro- letário, propriamente dito, como se pode depreender da leitura de um trecho do seu jornal Avanti!, datado de 12 de outubro de 1901: A formação de sindicatos - e tenham isto presente tam- bém os industriais - é um remédio preventivo das greves, para torná-Ias menos freqüentes, menos impulsivas, sempre mais ra- zoáveis e pacíficas, pois a organização forte e compacta impõe, por si só, muitas vezes mais do que cem greves. (In B. Fausto, Trabalho urbano e conflito social, São Paulo, Ditei, 1976, p. 100.) 36 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Já a corrente denominada trabalhismo teve por principais caracterís- ticas o fato de ser um movimento tipicamente carioca e de contar com líderes dispostos a colaborar tanto com o empresariado quanto com o Estado. Tal como no caso do socialismo, as lideranças trabalhistas também eram integradas por elementos de classe média, em busca de aliança com o proletariado. Mesmo assim, a corrente gozava de muito prestígio no operariado do Rio de Janeiro, por inúmeras razões. Em primeiro lugar, sendo a Capital Federal, a cidade contava com uma base social bem diversificada, composta por grandes contingentes de profis- sionais liberais e de funcionários públicos. Além disso, existia no Rio um significativo núcleo de trabalhadores em segmentos vitais do setor de servi- ços, sobretudo portuários, ferroviários e doqueiros. Como todos estes eram operários de empresas públicas - o que significavaserem brasileiros e elei- tores -, tornaram-se um alvo cobiçado por certos políticos, interessados na formação de partidos operários, com fins meramente "eleitoreiros". Até 1917-1920, o trabalhismo continuaria como a corrente de maior penetra- ção no meio proletário carioca, sendo então superado pelo anarco-sindica- lismo, tal como já ocorria em São Paulo há algum tempo. O anarquismo é quase sempre associado à grande presença de imigran- tes italianos no meio proletárioe foi a corrente de maior prestígio entre a classe operária brasileira da época. Diversamente das duas primeiras, os seus líderes eram todos operários, voltados com exclusividade às reivindicações da classe. Dentre os seus princípios básicos, destacavam-se: a negação da autoridade do Estado; a ênfase na ação direta, em lugar da luta política; e a escolha do sindicato como principal instrumento de organização da classe. Em função deste último aspecto, convencionou-se chamar de anar- co-suidicalismo a esta corrente que rejeitava tudo quanto se parecesse, embora vagamente, com um partido que visasse à conquista do poder. Para os anarco-sindicalistas, a única estratégia capaz de fazer nascer no país um "novo mundo", mais livre e igualitário para a classe operária, era a ação direta, entendida por eles como greve (geral ou parcial), boi- cote, sabotagem ou manifestação pública de qualquer tipo. Como sinali- zava o seu mais importante jornal, A Plebe, no ano de 1920: 37 POLÊMICA o Brasil não pertence à população que o habita. O Brasil pertence a algumas dúzias de sindicatos industriais e financeiros, a algumas dezenas de fazendeiros e latifundiários ... Contra esses nos revoltamos! Contra esses nos batemos nós! ... E O Brasil novo, o Brasil de amanhã, terra de liberdade e bem-estar, ( ...) só se tornará realidade concreta quando, sacudida pelo furacão reno- vador, arremessar para o lixo da história todas essas castas mal- ditas de parasitas e sugadores que a infestam ... (In Hall & Pinhei- ro, A classe operária no Brasil. 1889-1930. O movimento operá- rio, São Paulo, Alfa-Ômega, 1979, pp. 246-247.) o sucesso do anarco-sindicalismo no movimento operário bra- sileiro deveu-se também a outros fatores, sobretudo ao seu esforço no sentido de organizar uma cultura operária própria, marcada pela prática de várias atividades. Estas iam desde o lazer coletivo - com piqueniques, passeios e bailes - até o teatro, além de festivais de todos os tipos, inclusive os de poesia, todos eles com forte conotação social: Heroes do Novo Mundo, profetas da Anarquia. Rasgae todas as leis, falae aos operários; Havemos de acabar com toda a hipocrizia E derribar de vez os miseros salários! (In Kocher & Lobo, "Ouve meu grito". Antologia de poesia operária (1894-1923), Rio de Janeiro, Marco Zero/UFRJ, 1991.) Conforme já dito anteriormente, o período compreendido entre 1917 e 1920 correspondeu ao apogeu do movimento operário no país: mais de duzentas greves ocorreram, apenas no eixo Rio-São Paulo, en- volvendo a participação de cerca de 300 mil trabalhadores dos mais diversos ramos industriais, todas elas com forte presença do anarco- sindicalismo. Entretanto, após 1920, o movimento operário entraria em franco declínio. 38 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Greve com repressão policial (São Paulo, 1920). vam a produc obreirc arrnaze por pr zes en não 5( reducç Hão os OJl' Agitação em Votorantim manter a ag-ir t', A decisão dos operarios lá vae Os operarioa: continuam firmes em vel qt desnorteando 08 b\lrguezes seu movimento reivindicador na pec -rijo c Encontra-se no mesmo pé o mo- Ainda não cessou a agitação panhei vimento dos operarios do «Colo- dos tecelões 'lu" trab:J!ha\'am no que el nificio Rodolpho Crespi», feudo do Banco União, .igo •.a ar- si tuaçã de que O referido explorador persiste rendado a outros argcn tarios. Con trte,' o em não attender ás .reclamacões Precisando receber os seus sa- nreiud Notícia sobre a greve geral de 1917, publicado no jornal A Plebe (São Paulo, outu- bro de 1917) m, que os ou- cio da a mais , gra- :10 sal- aros e .erceiro 'oltnnte outros ler no le, jus- iulou o IS reco- iobrcza : calma CO~TRA A 1'YRANNIA INDU8'l'RIAí~ A AGlTAÇAO PROlETARIAESTENDE-SE tenuar seria. Os A primeira razão para tanto foi a forte repressão policial e empresa- rial imposta ao movimento. Ao mesmo tempo, ocorreram outras mobili- zações políticas de enorme importância nessa década da nossa história, dentre elas o tenentismo - rebelião armada dos oficiais do Exército de baixa patente, descontentes com a sua condição como militares e com a situação política do país em geral - e o primeiro grande "racha" entre Novas gréves-Manifestações publicas- Boicotagem Accõrdo geral A grêve dos tecelões -«o»-=- 39 POLÊMICA as oliqarouias" dominantes no país. A ordem republicana via-se questio- nada de todos os lados: quer pelos militares (os tenentes), quer pelos grandes proprietários rurais que eram excluídos da "dobradinha" São Paulo-Minas Gerais, que, desde a Proclamação da República, revezara- se na indicação dos presidentes do país. Os anarco-sindicalistas, embora ainda presentes no meio operário até 1935, seriam pouco a pouco obscurecidos. E para isso muito contri- buiu a fundação, em 1922, do Partido Comunista Brasileiro (PCB); que com aqueles disputou a primazia na liderança do movimento organiza- do das classes trabalhadoras. Apesar de ser posto na ilegalidade no ano da sua criação, o PCB continuou atuante, publicando um jornal de am- plo alcance - o Movimento Operário - e ocupando, paulatinamente, redutos que, até então, eram dos anarquistas. A recusa destes últimos em constituir-se num partido político foi a principal razão do sucesso comunista no meio operário. A reação empresarial Ao declínio do movimento operário após 1920 correspondeu oJor- talecimento da burquesia industrial brasileira, empenhada, com muita de- terminação, em organizar-se. Além de prestar apoio irrestrito à repres- são policial ao proletariado, o empresariado passou a fortalecer as suas principais entidades de classe, como o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo, o Centro dos Industriais de Fiação e Tecela- gem de Algodão do Rio de Janeiro e o Centro Industrial do Brasil, den- tre outros. Em 1928, a fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) - futura Fiesp, tão nossa conhecida até hoje - seria o coroamento desse tipo de iniciativa, ao congregar representantes da totalidade das indústrias paulistas da época. Superado o período mais agitado das relações entre empresários e trabalhadores, as lutas entre as duas classes passariam a desenvolver-se de forma indireta, entre os anos de 1925 e 1928. Seu palco se deslocava das ruas para a Câmara dos Deputados, que passou a elaborar projetos 40 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA de lei regulamentando o trabalho fabril. O objetivo dessas leis era ten- tar evitar novos confrontos abertos, já que o patronato nem sequer res- pondia às reivindicações do operariado. Surgiram, assim, as primeiras normas trabalhistas do país, merecendo destaque: a Lei de Acidentes de Trabalho (1919), a Lei de Férias (1926) e o Código do Menor (1929). No entanto, embora tenha sido essa legislação aprovada pelo Con- gresso Nacional, os empresários conseguiram transformá-Ia, na prática, em NA HORAEMQUESOARO JUIZOflNAtDAS REIVINDlGAC EStlBERTARIA ; , CONSEGUIRMOS REBENTAR PARA SEMPRE'AS HUMILHANTESGAOEIAS QUE NOS' OPPRIMEM··QUE ESTE SEMEADOR DE DESGRAÇAS COLHA O CASTIGO QUE MERECEn._. .....•....~_ "':~.:::::~ Charge de Enrique Figueroo, retratando Francisco Matarazzo (Crítica, Rio de Janeiro, 13 [on. 1929), Conde Francisco Matarazzo. 41 POLÊMICA letra morta. Para eles, o fato de a chamada "questão social" estar deixando de ser uma "questão de polícia" - como tinha sido tratada até então - para tornar-se uma "questão de política" não era visto com simpatia, pois isso significava uma intromissão do Estado nas suas relações com os traba- 1hadores. A resposta do empresariado a tais leis foi a sua total desobediên- cia, sem que fosse ele cobrado por parte das autoridades competentes. Bas- ta ver o que a elite industrial brasileira pensava, por exemplo, quanto à lei que concedia quinze dias de férias anuais remuneradas aos trabalhadores:o empregado de escritório, durante suas férias, não modifi- ca fundamentalmente o seu viver de todos os dias, pelo menos do lado moral. (... ) Mas o mesmo não ocorreria com o proletaria- do, isto é, com o homem do povo, cujas faculdades morais e intelectuais não foram afinadas pela educação e pelo meio. (... ) Que fará um trabalhador braçal durante quinze dias de ócio, ten- do tomado férias (... ) compelido por uma lei? Ele não tem o culto ao lar (... ) e procurará matar suas longas horas de inanição na rua. (... ) O proletariado é, pois, um elemento da coletividade que as férias estragarão. (M. Leme, A ideologia dos industriais brasi- leiros. 1920-1945, Petrópolis, Vozes, 1978, p. 117.) Outro exemplo do caráter autoritário do pensamento da burguesia industrial brasileira estava na sua posição quanto ao Código do Menor, que proibia a exploração dos menores de 14 anos nas fábricas, limitando a sua jornada a seis horas diárias e acabando com o seu trabalho noturno: Os menores de ambos os sexos, contando de 13 a 18 anos, somam cerca de 60% de todo o operariado de uma fiação. (... ) Dependendo de tal forma do trabalho do menor, torna-se impos- sível para os industriais (... ) a adoção da lei. (Ibid. p. 121.) A oposição dos empresários à legislação trabalhista da década de 1920 é um bom indício do quanto a nossa produção industrial baseou-se, nessa 42 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA época, na exploração intensiva da mão-de-obra. Enquanto as leis se li- mitassem a fixar e cobrar contribuições monetárias - como no caso da de acidentes de trabalho -, o empresariado as toleraria. O que ele não admitia era qualquer legislação que inteiferisse no ritmo do trabalho fa- bril, diminuindo o seu grau de controle sobre esse trabalho. Mas a atuação do empresariado industrial brasileiro ao longo da República Velha não se restringiu à recusa da legislação social. Ela tam- bém pautou-se, desde inícios do século XX, por uma grande campanha em prol do protecionismo alfande8ário. Uma vez que consideravam muito baixas as tarifas cobradas sobre os manufaturados importados, o que os tornava mais baratos do que os produtos similares já produzidos no país, os empresários passaram a reivindicar uma política tarifária realmente protecionista às indústrias. Para atingir os seus objetivos, eles dirigiram-se ao Estado, tido como o único agente capaz de atender aos seus reclamos. A ele seriam encaminhadas sucessivas propostas de revisão tarifária, sem que grandes vitórias fossem alcançadas. E isto porque, nessa matéria, os seus inte- resses divergiam daqueles dos grandes fazendeiros e importadores, que se beneficiavam das baixas tarifas em vigor. A questão do protecionismo alfandegário permaneceria um impasse na República Velha. Não deixa de ser interessante, no entanto, chamar a atenção para a contradição existente na atuação dos empresários brasileiros do perío- do. Em suas relações com o operariado, eles assumiam uma postura con- trária à intervenção do Estado; já no tocante à política tarifária, pleitea- vam o intervencionismo deste último, colocando-se como "carentes da ação pública". Somente com a Revolução de 1930 tal impasse seria superado, medi- ante a redefinição dos rumos da economia e da industrialização brasileiras. 43 3. Entra em cena o Estado A PARTIR DE 1930, o ESTADO INVESTIU DIRETAMENTE NA PRODUÇÃO, NA TENTATIVA DE CONSOLIDAR UM PARQUE INDUSTRIAL BASEADO NO FORTALECIMENTO DO SETOR DE BENS DE PRODUÇÃO. ESSA "INTERFERÊNCIA ESTATAL" TAMBÉM SE ESTENDEU SOBRE OS TRABALHADORES URBANOS, QUE, DORAVANTE, TIVERAM OS SEUS SINDICATOS ATRELADOS AO MINISTÉRIO DO TRABALHO. o Brasil e o mundo nos anos de 1930 Após o termino da l ' Guerra Mundial, em 1918, a Europa encontra- va-se arrasada. Sua supremacia sobre o resto do mundo viu-se também profundamente abalada. Apesar de vitoriosa no conflito, a Inglaterra - que tinha sido a principal exportadora de capitais e tecnologia para os países do Ocidente, incluindo o Brasil - começava a dar sinais do seu declínio. Em face dessa nova situação, o jogo das forças econômicas e políticas internacionais passou por grandes mudanças. Dentre elas, destacou-se o surgimento de uma nova potência mundial: os Estados Unidos da Améri- ca. Desde então, os Estados Unidos passaram a ocupar o lugar da Inglater- ra como centro do capitalismo, a começar pela própria reconstrução eu- ropéia, que foi financiada por capitais e recursos norte-americanos. 44 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Pouco a pouco, os capitais e a técnica ianques invadiriam os países menos desenvolvidos, gerando uma dependência muito maior do que aquela que tinham mantido com relação à Inglaterra. Logo, a partir do pós-guerra, o Tio Sam consolidou a sua vertiginosa escalada internacional. Claro que tudo isso tinha a ver com o Brasil. Antes de mais nada, é bom recordar que, se a grande indústria fora implantada no país duran- te a República Velha, a nossa economia não era, ainda, predominantemente industrial. Muito pelo contrário. A grande fonte de reservas-ouro* da eco- nomia brasileira (representadas pela libra e, agora, pelo dólar) continu- ava a ser o café - era ele, ainda, o principal produto da nossa exporta- ção, do qual dependia fortemente a nossa economia como um todo. Assim, a nossa economia, a despeito da industrialização nascente, continuava a depender dos bons preços do café no exterior para man- ter-se em situação estável. Como a indústria, por sua vez, também de- pendia da economia cafeeira, o ritmo do nosso desenvolvimento fabril igualmente ficava ao sabor das flutuações do preço externo do produto. Era esse, talvez, um dos pontos mais frágeis da industrialização brasileira, 45 POLÊMICA vindo a influir decisivamente nas relações de dependência econômica do Brasil diante dos Estados Unidos. No ano de 1929, a nova grande potência internacional sofreu um enorme abalo, conhecido como a Grande Depressão ou Crise de 29. Essa crise consistiu na quebra da Bolsa de Nova York, devido à superprodu- ção da indústria americana. Isso levou não só à desvalorização dos seus produtos, como também do seu mercado financeiro e da sua moeda. Devido à dependência econômica da maioria dos países ocidentais com relação aos Estados Unidos, esta crise, que a princípio era só americana, transformou-se numa crise mundial. A economia brasileira também não escapou ilesa das conseqüências da Grande Depressão. Por um lado, porque o nosso café, que já vinha sendo produzido em excesso desde a década de 1910, perdia, com a crise americana, o seu maior mercado consumidor, fazendo com que os seus preços declinassem assustadoramente. Quem iria comprar um produto supérfluo como o café, em meio a tantos desastres e falências? Por ou- tro lado, porque os abundantes capitais americanos, que até aquele mo- mento eram facilmente obtidos pelo Brasil, fecharam-se dentro das fron- teiras do seu próprio país, buscando prioritariamente a recuperação da própria economia norte-americana. Para avaliar os efeitos da Crise de 29 sobre a cafeicultura e a eco- nomia brasileira, basta dizer que o valor das nossas exportações dimi- nuiu de 95 milhões de libras, em 1929, para 38 milhões, em 1931. En- quanto isso, o preço do café caía, em 1931, para um terço do que fora em 1929. A situação ficava ainda mais complicada devido aos próprios mecanismos da superprodução cafeeira. Isso porque, como um cafezal recém-plantado demora de quatro a cinco anos para começar a produzir comercialmente, sabia-se que os novos pés - plantados em 1930, por exemplo - somente iriam florar por volta de 1935. Era, portanto, ex- tremamente difícil controlar a própria oferta brasileira, que se agigan- tava, contribuindo para baixar cada vez mais os preços do produto. Enquanto tudo isso acontecia, ameaçando diretamente o café e os grandes cafeicultores (paulistas, sobretudo), um novofato político 46 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA ocorreria no Brasil: a Revolução de 1930. Esta consistiu num movimen- to encabeçado pelos políticos dos Estados da Federação brasileira que, ao longo de toda a República Velha, viram-se permanentemente ex- cluídos de uma maior participação no poder central. Além disso, o fato de por quase toda a década de 1920 o governo federal ter dedica- do boa parte dos seus recursos à proteção do café só fizera aumentar o descontentamento desses grupos. Como, em fins dos anos de 1920, a velha aliança política entre São Paulo e Minas Gerais - conhecida como política do "café-com-leite" - chegara ao fim, a situação tor- nou-se favorável a esses políticos descontentes que promoveram a re- volução, tendo à sua frente o gaúcho Getúlio Vargas. Mesmo após a Revolução de 1930, a cafeicultura de exportação continuava a ser a principal atividade produtiva do país, dela dependen- do diversos setores da nossa economia. Em conseqüência, a desvaloriza- ção dos preços do produto no exterior permanecia como um dos nossos principais problemas. As enormes safras colhidas em 1929 e 1930, sem nenhuma possibilidade de venda a curto prazo, avolumavam-se nos por- tos de embarque. Algo deveria ser feito para que a economia brasileira não naufragasse. 47 POLÊMICA Várias alternativas foram pensadas na época, porém nenhuma de- las era otimista: ou se abandonava a safra de 1930 e 1931, deixando-a apodrecer para não aumentar ainda mais a oferta, diminuindo, assim, cada vez mais os preços (o que seria a ruína imediata dos produtores), ou partia-se para a destruição dos estoques excedentes, de modo a ten- tar valorizar o produto, encolhendo a sua oferta. Essa última foi a solução escolhida pelo governo de Getúlio Vargas. Entre 1931 e 1938, milhões de sacas de café foram queimadas, visando conter a superoferta brasileira. Mas, concomitante a essa medida, ou- tras também foram tomadas para não deixar os cafeicultores em total desamparo. Criou-se o Departamento Nacional do Café (mais tarde cha- mado Instituto Brasileiro do Café e extinto no governo Collor), que controlava as safras e as suas saídas para o exterior, numa tentativa de socorrer, igualmente, a todos os produtores de café. Ao mesmo tempo, criaram-se mecanismos de contenção das des- pesas em geral, dentre eles a suspensão do pagamento da dívida externa brasileira. Tal decisão visava produzir uma certa sobra de recursos inter- nos, para que a economia pudesse "respirar" um pouco. Isso foi necessá- rio porque, em meio aos efeitos da Crise de 29, era difícil conseguir empréstimos estrangeiros e, quando eram obtidos, esses empréstimos representavam o pagamento de taxas de juros elevadíssimas. Por outro lado, o Banco do Brasil passou a controlar a taxa cambial, que, na República Velha, ficava ao sabor das especulações dos vários ban- cos e das casas exportadoras. Com essa medida, nada do que fosse expor- tado ou importado pelo país escapava do controle do Estado. Ainda que todas essas providências não tenham provocado a recupe- ração imediata da economia nacional - o que seria impossível em tão pouco tempo -, pelo menos estavam criadas as bases para uma tímida reabilitação econômica do país. O apoio à cafeicultura, por exemplo, per- mitiu que se mantivesse o nível de empregos e de renda de todos os seto- res ligados a ela, o que significou preservar o mercado consumidor interno. Toda essa política, no entanto, apesar de voltada para o café, trouxe uma novidade importante para a história da industrialização brasileira. 48 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Com os preços do café em baixa e as dificuldades de importar bens manu- faturados (muito caros desde a Crise de 29), mas com o poder de consu- mo interno preservado, inaugurou-se um período bastante favorável à expansão da indústria brasileira. Pela primeira vez na nossa história, os preços dos produtos industriais aqui fabricados eram mais vantajosos do que os dos importados. Nacionalismo e desenvolvimento Diante da nova situação favorável, a indústria assumiria o papel de personagem central da recuperação e expansão da economia brasileira. Outros fatores, além dos apresentados, beneficiaram ainda mais essa expansão. Um deles foi o pleno aproveitamento da capacidade das in- dústrias já existentes, o que aumentou a produção. Outro foi a facilida- de de se adquirir, no mercado mundial, equipamentos de segunda mão, mais baratos e ainda perfeitamente utilizáveis - com a economia de guerra na Europa, esses equipamentos eram subutilizados, podendo ser comprados a preços compensadores. Finalmente, vale a pena apontar um terceiro fator: o poder de pres- são dos empresários industriais brasileiros mais organizados. Estes exi- giram e conseguiram que o governo proibisse a importação de máqui- nas para as indústrias já totalmente implantadas no país, como era o caso das têxteis, por exemplo. Isso significava que, num quadro de difi- culdades, buscava-se utilizar bem os poucos recursos existentes, favore- cendo os setores de fato mais necessitados. Esta última medida, aliás, mostrava uma nova tendência: o desejo de diversificar os ramos industriais até então existentes; não era apenas o crescimento do parque industrial já instalado que se pretendia agora. Essa segunda etapa do processo de industrialização brasileira teve como primeira característica a ocorrência de mudanças consideráveis na pró- pria estrutura industrial, com o surgimento de novos setores produtivos. No lugar dos tradicionais ramos de tecido, vestuário e produtos alimentí- cios, cresceriam, doravante, setores como os de metalurgia, mecânica, 49 POLÊMICA cimento, material elétrico e transportes, além das indústrias químicas e farmacêuticas. Uma série de bens industriais que até aquele momento eram im- portados passariam, daí por diante, a ser produzidos internamente. A esse processo damos o nome de substituição das importações. Esta seria a "marca registrada" da história da industrialização brasileira até meados da década de 1950. A segunda característica da industrialização brasileira na chamada Era Vargas (1930-1945) foi o crescimento do ritmo da expansão industrial no período. Pela primeira vez na nossa história, o crescimento das indústrias superou o da agricultura, como se pode perceber a partir do Quadro 1. QUADRO 1. MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA ECONOMIA BRASILEIRA I TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO (%) I Anos I Agricultura I Indústria 1920-1929 I 4,1 I 2,8 1933-1939 I 1,7 I 11,2 1939-1945 I 1,7 I 5,4 Fonte: Eli Diniz, Empresário, Estado e capitalismo no Brasil (1930·1945), Rio de Janeiro, Paz e Terra, J 978, p. 67. Para se ter uma idéia ainda mais concreta das transformações ocor- ridas na estrutura industrial brasileira do período, basta citar que a subs- tituição de importações nos setores básicos, isto é, na indústria pesada, já fazia com que um ramo como o do cimento, por exemplo, atendesse, em 1937, a quase 90% do consumo interno. Outros, como o do ferro- gusa, abastecia o mercado nacional em 99% das suas necessidades, as- sim como o do aço em lingotes e o dos laminados já preenchiam, res- pectivamente, 75% e 14% do mesmo mercado. 50 A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA Ao mesmo tempo, o Estado de São Paulo consolidou-se como palco da concentração industrial iniciada na Primeira República, o que podemos con- siderar como a terceira característica da industrialização brasileira dessa fase. Só nesse estado, a taxa anual de crescimento do conjunto das indústrias foi de 14%, ao passo que setores como o metalúrgico e o químico-farmacêuti- co chegaram a crescer, respectivamente, 24% e 30% ao ano. Todas as mudanças até agora apresentadas não teriam sido possí- veis, entretanto, sem a participação daquele que foi o elemento-chave da industrialização brasileira do período: o Estado. Se o Brasil entrava na década de 1930 deixando de ser,
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