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12/04/2017 Anemia Falciforme ­ Versão para Impressão
http://assinantes.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/6682/imprimir.aspm?codConteudo=6682 1/8
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Anemia Falciforme
Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico  Assistente  da  Disciplina  de  Emergências  Clínicas  do  Hospital  das  Clínicas  da  Faculdade  de
Medicina da USP
A primeira  descrição da anemia  falciforme ocorreu em 1910 por Herrick,  que  relatou a  formação
peculiar  em  foice  de  eritrócitos  em  pacientes  com  anemia  grave.  A  anemia  falciforme  é  uma  doença
autossômica recessiva hereditária na qual uma hemoglobina anormal leva à anemia hemolítica crônica com
inúmeras consequências clínicas. Uma única mudança de uma base de DNA no códon 6 do gene globina
Beta leva a uma substituição de aminoácidos de valina para glutamina na sexta posição na cadeia da globina
beta. A cadeia beta anormal   tem uma alteração em sua polimerização e o  tetrâmero  formado pelas duas
cadeias  betas  alteradas  e  as  duas  cadeias  alfa,  formam  a  hemoglobina  S.  A  hemoglobina  S  é  uma
hemoglobina  instável que é submetida à reação de polimerização na presença de vários  fatores,  incluindo
fatores  de  estresse  incluíndo  hipoxemia  e  acidose,  conduzindo  à  formação  de  eritrócitos  falciformes.  A
hemoglobina livre, após a hemólise pode causar disfunção endotelial, lesão vascular e hipertensão pulmonar.
A taxa de falcização é influenciada pela concentração intracelular de hemoglobina S e pela presença
de  outras  hemoglobinas  dentro  da  célula. Hemoglobina  F  não  participa  na  formação  de  polímeros,  e  sua
presença  diminui  acentuadamente  a  falcização.  Fatores  que  aumentam  a  reação  de  falcização  são  a
desidratação  de  hemácias  e  os  fatores  que  levam  à  formação  de  desoxi­hemoglobina  S,  por  exemplo,
acidose e hipoxemia, quer sistêmica ou localmente nos tecidos. Crises hemolíticas podem estar relacionada
com  sequestro  esplênico  de  células  falciformes    ou  com  outras  alterações  coexistentes,  tais  como
deficiência de G6PD.
Em  geral,  os  pais  são  portadores  assintomáticos  de  um  único  gene  afetado  (heterozigotos),
produzindo HbA e HbS (AS), transmitindo cada um deles o gene alterado para a criança, que assim recebe o
gene anormal em dose dupla (homozigoto SS). A denominação “anemia falciforme” é reservada para a forma
da doença que ocorre nesses homozigotos SS.
 
Epidemiologia
Existem diversos genótipos da doença, o mais prevalente é o genótipo HbSS, e o menos comum a
HbSß0­talassemia. Cerca de 70 a cada 100.000 pessoas nos Estados Unidos têm a doença falciforme, a
maioria  de  etnia  afro­americana.  Cerca  de  3,5  milhões  de  pessoas  nos  Estados  Unidos  são  portadores
heterozigotos da HbS, ou seja,  fenotipicamente apresentam traço falciforme. Na população afro­americana
nos EUA cerca de 8% são portadores do gene com 1 em cada 400 nascimentos com anemia falciforme.
 
Manifestações clínicas
As  manifestações  clínicas  em  pacientes  com  HbSS  têm  início  precoce,  geralmente  durante  o
primeiro ano de vida, quando os níveis de hemoglobina F caem e à medida que é  iniciada a produção de
beta­globinas.
O quadro de anemia hemolítica crônica produz icterícia, pigmentos q (bilirrubinato cálcio) que podem
levar à formação de cálculos biliares com muitas vezes colelítiase. A esplenomegalia ocorre precocemente e
o paciente pode cursar com episódios de sequestroes esplênicos, em pacientes sem a  forma da doença
com  HbSS,  a  esplenomagalia  pode  durar  por  toda  a  vida,  mas  nos  pacientes  homozigotos  a
autoesplenectomia  é  um  evento  esperado  devido  a  recorrentes  obstruções  de  capilares  com  infartos
esplênicos,  que  tornam  o  baço  um  órgão  residual  com  pouca  ou  nenhuma  função,  o  que  acarreta  a
diminuição da opsonização e um aumento da suscetibilidade a infecções por germes encapsulados como o
Streptococcos pneumoniae, Hemophylus influenzae e Salmonella.
O sequestro esplênico ocorre principalmente em crianças em idade pré­escolar e seu diagnóstico é
sugerido por queda abrupta dos níveis de hemoglobina com aumento do volume esplênico cursando com dor
em hipocôndrio esquerdo.
12/04/2017 Anemia Falciforme ­ Versão para Impressão
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Uma outra complicação frequente da anemia falciforme são as úlceras de membros inferiores que
ocorrem geralmente em região perimaleolar, eventualmente ocorrem também em região pré­tibial e em dorso
de pé. O  início pode ser espontâneo ou ocorre  secundário a  trauma, ou mesmo picadas de  inseto,  pode
ocorrer infecção secundária.
Anemia grave com risco de vida pode ocorrer durante as crises hemolíticas ou crises aplásticas,
essa última geralmente associada com a infecção viral pelo parvovírus B19 ou por deficiência de ácido fólico
causando diminuição da eritropoiese.
A manifestação característica da anemia  falciforme são as crises álgicas ou vaso­oclusivas. São
episódios  dolorosos  agudos  que  ocorrem  devido  à  vaso­oclusão  aguda  da  microcirculação  por  células
eritroides falcizadas que podem ocorrer espontaneamente, mas mais comumento são causadas por algum
fator precipitante como infecção, desidratação, ou hipóxia. A dor pode atingir qualquer lugar do corpo, mas os
locais mais comuns de episódios dolorosos agudos incluem os ossos (especialmente nas costas e ossos
longos) e no  tórax. Esses episódios demoram de algumas horas a dias e podem produzir  febre baixa. As
crises  podem  ter  um  padrão  específico  de  dores  em  certas  localizações  que  se  repetem  em  crises
posteriores.
Vaso­oclusão  aguda  pode  ocorrer  em  outros  locais,  podendo  provocar  acidentes  vasculares
cerebrais, que podem ocorrer em até 5% dos pacientes com anemia falciforme, devido à trombose do seio
sagittal ou isquemia arterial ou por acidente vascular cerebral hemorrágico e pode também causar priapismo.
Episódios  vaso­oclusivas  não  estão  associados  com  o  aumento  da  hemólise,  sendo  esses  episódios
distintos, de qualquer forma as crises hemolíticas também podem ser precipitadas por quadros infecciosos.
O priapismo é definido como uma ereção involuntária, sustentada e dolorosa, devido à vaso­oclusão
que obstrui a drenagem venosa do pênis, deve ser considerada uma emergência médica, principalmente se
não tem resolução espontânea em algumas horas.
Episódios repetidos de oclusão vascular podem causar comprometimento cardíaco, renal, pulmonar
e hepático. Necrose isquêmica do osso ocorre, tornando o osso suscetíveis à osteomielite por salmonela e
menos frequentemente por estafilococos, podendo causar ainda necrose avascular da cabeça de fêmur, que
pode cursar com dor e perda da funcionalidade significativa.
Podem  ocorrer  microinfartos  renais,  que  com  o  tempo  levam  à  perda  da  capacidade  de
concentração  da  urina,  portanto  isostenúria  e  acidose  tubular  renal,  além  de  hematúria  macroscópica,
paradoxalmente  essas  alterações  são  mais  frequentemente  encontradas  em  pacientes  com
hemoglobinopatia SC e no traço falciforme do que na anemia falciforme com HbSS.
Retinopatia  proliferativa  semelhante  à  observada  em  pacientes  com  diabetes  mellitus  está
frequentemente presente e pode levar à deficiência visual.
A hipertensão pulmonar pode desenvolver­se e está associada a um prognóstico pobre.
Os  pacientes  com  doença  falciforme  são  mais  propensos  a  terem  a    puberdade  atrasada.  Um
aumento da incidência de infecção é relacionada com o hipoesplenismo funcional, bem como por defeitos na
via alternativa do complemento.
No exame, os pacientes são muitas vezes doentes crônicos e têm icterícia. Há hepatomegalia, mas
não é o baço palpável na vida adulta. A área cardíaca  é aumentada, com um ictus hiperdinâmico e muitas
vezes com sopro sistólicoassociado.
Uma das complicações potencialmente mais perigosas é a síndrome torácica aguda (STA), que tem
critérios diagnósticos específicos que são especificados na tabela abaixo:
 
Tabela 1: Critérios diagnósticos para síndrome torácica aguda
 
1­Presença de infiltrado novo na
radiografia;
2­Dor torácica;
3­Febre com temperatura maior que 38,5
graus;
4­Taquipneia, tosse e sibilância.
 
A  STA  é  frequentemente  desencadeada  após  crise  vaso­oclusiva,  e  diversos  fatores  são
responsabilizados  como  infecção,  embolia  gordurosa,  hiper­hidratação, hipoxemia,  microatelectasias.  Sua
gravidade varia de acordo com a idade do paciente, sendo que em crianças a manifestação clínica é mais
branda,  mas  em  adultos  jovens  e  hipoxemia  é  comum  e  a  mortalidade  é  alta.  Sua  fisiopatologia  não  é
completamente compreendida e infecção ou quadros de embolia gordurosa causada por necrose óssea são
corresponsabilizados  por  seu  aparecimento,  quando  se  isolam  agentes  infecciosos  associados  é  mais
frequente encontrar o Mycoplasma Pneumoniae Chlamydia pneumoniae do que o pneumococo propriamente
dito.
12/04/2017 Anemia Falciforme ­ Versão para Impressão
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A  anemia  falciforme  é  uma  doença  crônica  com  acomentimento  de múltiplos  sistemas,  podendo
ocorrer  óbito  por  conta  de  suas  múltiplas  complicações  e  por  falência  de  órgãos.  Com  a  melhora  dos
cuidados de suporte e tratamento específico, hoje a expectativa média de vida é de 40 a 50 anos de idade.
 
Exames complementares
Anemia hemolítica crônica está presente, assim aumento de DHL, bilirrubina indireta e diminuição de
haptoglobina são esperados. O hematócrito é geralmente de 20­30%. O esfregaço de sangue periférico é
caracteristicamente  anormal,  com  células  falciformes  representando  de  5­50%  de  células  vermelhas  e
eritroblastos  podem  aparecer.  Outros  achados  incluem  reticulocitose  (10­25%),  glóbulos  vermelhos
nucleados,  e  achados  típicos  de  hipoesplenismo,  tais  como  corpos  de  Howell­Jolly  e  células­alvo.  A
contagem de glóbulos brancos é caracteristicamente elevada com 12,000–15,000 cels /mcL, e pode ocorrer
trombocitose reativa. Pode ocorrer aumento de bilirrubina direta e enzimas canaliculares, como a fosfatase
alcalina e gama glutamil transferase, se ocorrer litíase da árvore biliar.
Após  um  teste  de  triagem  para  a  hemoglobina  falciforme,  o  diagnóstico  de  anemia  falciforme  é
confirmada  pela  eletroforese  de  hemoglobina.  Hemoglobina  S  compreenderá  usualmente  85­98%  de
hemoglobina.  Na  doença  com  homozigose  SS,  nenhum  hemoglobina  A  estará  presente.  Os  níveis  de
Hemoglobina  F  são  variavelmente  aumentados,  e  os  níveis  de  hemoglobina  F  mais  elevados  estão
associados a um curso clínico mais benigno. Os pacientes com Beta­S talassemia e alfa­talassemia também
ter um curso clínico mais benigno do que a anemia falciforme.
Os  testes de  solubilidade da hemoglobina e prova de  falcização  são exames úteis  para  triagem,
mas pouco utilizados no momento.
 
Tabela: Genótipos da doença falciforme
 
GENÓTIPO FORMA HbA HbS HbA2 HbF
AA Normal 97­99% 0% 1­2% <1%
As Traço
falciforme
60% 40% 1­2% <1%
AS, alfa­
talassemia
Traço
falciforme e
talassemia
70­75% 25­30% 1­2% <1%
SS Doença
falciforme
0% 86­98% 1­3% 5­15%
SS, alfa­
talassemia
(3 genes)
S alfa­
talassemia
silente
0% 90% 3% 7­9%
SS alfa­
talassemia
(2 genes)
S alfa­
talassemia
traço
0% 80% 3% 11­21%
S beta 0
talassemia
Beta 0 S
talassemia
0% 70­80% 3­5% 10­20%
S beta
talassemia
Beta­S
talassemia
10­20% 60­75% 3­5% 10­20%
 
Manejo
O prognóstico da doença falciforme tem melhorado com as novas alternativas de tratamento, ainda
assim  em  estatísticas  norte­americanas  os  pacientes  com  doença  falciforme  têm  expectativa  de  vida  de
cerca  de  30  anos menor. O  único  tratamento  curativo  é  o  transplante. Quando  o  transplante  de  células­
tronco  hematopoéticas  alogênico  é  realizado  antes  do  início  da  idade  significativa,  danos  de  órgãos­alvo
podem curar mais de 80% das crianças com anemia  falciforme que  têm dadores com HLA compatível. O
transplante permanece sob investigação em adultos. O transplante entretanto tem alta morbidade e é limitado
para casos mais graves, de forma que o tratamento é principalmente de suporte e manejo das complicações.
A realização de eletrocardiograma de rotina não é indicada apesar da opinião de alguns autores.
A triagem para retinopatia deve ser realizada, o início do rastreamento deve ocorrer a partir dos dez
anos  de  idade,  sendo  indicada  repetição  de  rastreamento  a  cada  um  a  dois  anos,  alternativas  para
tratamento desses pacientes incluem a fotocoagulação com laser e vitrectomia, se necessário.
Caso  os  pacientes  apresentem  sintomas  de  disfunção  cognitiva  e  outros  deficits  neurológicos,
devem ser rastreados para microinfartos com ressonância magnética ou tomografia de crânio. A realização
12/04/2017 Anemia Falciforme ­ Versão para Impressão
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de  prova  de  função  pulmonar  de  rotina  não  é  recomendada,  mas  pode  ser  realizada  em  crianças  com
sintomas respiratórios.
Rastreamento  para  HAS  deve  ser  realizado  anualmente,  em  relação  ao  risco  de  AVC  o
rastreamento é indicado apenas em crianças com menos de 16 anos de idade com genótipo SS com Doppler
transcraniano,  quando  as  velocidades  forem  entre  170­199  cm/s,  ou  principalmente  >=200  cm/s,  é
recomendado  terapia  transfusional  com o  objetivo  de manter  os  níveis  de HbS< 30%,    o  rastreamento  é
realizado a cada um a dois anos.
Os pacientes podem apresentar complicações renais a partir dos 3­6 anos de idade e, em adultos, a
realização de função renal e exame de urina 1 procurando avaliar a presença de proteinúria, caso esta esteja
presente,  se  proteinúria  >  300  mg/24  horas  o  paciente  deve  ser  avaliado  quanto  a  outras  causas  de
alterações  renais  e  utilizarem  inibidores  da  enzima  conversora  de  angiotensina,  mesmo  na  presença  de
pressão arterial  normal. Doença renal crônica é descrita em 4% dos pacientes e seu manejo é similar ao de
outros pacientes com doença renal crônica. Em pacientes com insuficiência renal aguda com aumento dos
níveis  de  creatinina  >=0.3  mg  /  dL  em  48  horas,  é  recomendado  monitorar  a  função  renal  diariamente,
incluindo nível de creatinina sérica,  ingestão de líquidos e balanço hídrico; deve­se evitar potenciais drogas
nefrotóxicas  e  agentes  com  contraste  de  imagem;  e  avaliar  o  paciente  cuidadosamente  para  todas  as
etiologias potenciais de disfunção renal.
Recém­nascidos em que se sabe do diagnóstico de anemia falciforme têm recomendação do uso de
profilaxia de quadros infecciosos com uso de penicilina, com dose de 125 mg oral duas vezes ao dia antes
dos três anos e 250 mg duas vezes ao dia após os três anos, a penicilina profilática deve ser descontinuada
após os cinco anos de idade.
A vacinação para pneumococo deve ser realizada com vacina polissacáride (PCV 23) a partir dos
dois anos de idade com reforço em 3­5 anos e a vacina para pneumococo conjugada (PPSV 13 ou PPSV 7)
a partir  dos seis meses de  idade,  com quatro doses até os dois anos de  idade. Ainda é  recomendada a
vacinação  anual  para  infuenza  e  a  vacina meningocócica  é  recomendada  em  todas  crianças  asplênicas,
com duas doses entre 2 e 10 anos de idade.
Em pacientes submetidos a múltiplas transfusões é indicada a triagem para hepatite C.
As úlceras de membros inferiores são uma complicação frequente, ocorrendo em cerca de 25% dos
pacientes,  podendo  apresentar  complicaçõescomo  infecção  secundária  e  osteomielite,  são  mais
frequentemente maleolares medial, mas podem envolver maléola  lateral e são frequentemente bilaterais. O
risco  de  complicações  é maior  em homens,  em países  tropicais,  com baixo  hematócrito  e  com hemólise
significativa.  Na  sua  presença,  medidas  para  o  tratamento,  como  cuidados  com  as  feridas  com
debridamento, curativos e agentes tópicos opioides ou antibióticos, alguns estudos sugerem que apligraf, que
é  uma  membrana  artificial,  pode  acelerar  o  curso,  assim  como  bosentan  tópico,  já  foi  estudada  a
suplementação de óxido de zinco, sem evidências de benefício. Outras medidas incluem:
 
­avalie  pessoas  com  úlceras  de  perna  profundas  recalcitrantes  crônicas  para  a  possibilidade  de
osteomielite;
­avaliar possíveis etiologias de úlceras de perna para incluir insuficiência venosa e realizar a cultura
de ferida, se a infecção é suspeita ou se as úlceras se deterioram;
­tratar com antibióticos sistêmicos ou locais, se local da úlcera de perna é suspeito de infecção e
cultura da ferida é positiva e organismos são susceptíveis;
­deve­se  lembrar  que  a  osteomielite  nesses  pacientes  é  na  maioria  dos  casos  causada  por
Salmonella  e  cobertura  antibiótica  apropriada  com  ciprofloxacina,  por  exemplo,  deve  ser  incluída  no
tratamento.
 
Uma complicação frequente da anemia falciforme é a hipertensão pulmonar (HP), que é definida por
uma elevação da arterial pulmonar média> 25 mm Hg em repouso, conforme determinado pelo cateterismo
de coração direito. A hipertensão arterial pulmonar é um fator de risco para mortalidade em indivíduos com
doença  falciforme. Não  se  recomenda o  rastreamento  em assintomáticos, mas  a  pesquisa  é  indicada  se
presença de sintomas que podem indicar a presença de HP (por exemplo, intolerância ao exercício, fadiga,
edema  periférico,  dor  torácica),  o  exame  de  rastreamento  nesses  pacientes  é  o  ecocardiograma
transtorácico.
Além dos quadros de crises vaso­oclusivas ou álgicas, os pacientes podem apresentar quadro de
dor crônica, uma possibilidade para dores crônicas em membros inferiores nesses pacientes é a presença
de necrose avascular de cabeça de fêmur, assim em todas crianças e adultos com doença falciforme e dor
crônica ou internitente em quadril devem ser avaliados para a presença de necrose avascular de cabeça de
fêmur com história, exame  físico,  radiografia e  ressonância magnética, conforme necessidade. A necrose
avascular  também  é  conhecida  como  necrose  asséptica,  osteonecrose,  ou  necrose  isquêmica,  e  é  uma
síndrome de morte óssea devido comprometimento vascular que   provoca dor crônica severa e perda de
função. A terapia é geralmente conservadora, não cirúrgica até a substituição da articulação ser necessária,
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os pacientes podem ser  tratados com analgésicos e o seguimento do  tratamento deve ser  realizado com
fisioterapia e avaliação ortopédica. Em  pacientes com dor crônica, a anemia falciforme pode ser associada a
outras  morbidades,  incluindo  depressão,  ansiedade,  insônia,  solidão  e  dependência  de  medicamentos
analgésicos.
Outras modalidades terapêuticas modulam a gravidade da doença: a hidroxiuréia que é um agentes
citotóxico, pode aumentar os níveis de hemoglobina F (dose de 500­750 mg por via oral por dia) reduzindo a
frequência  de  crises  dolorosas  em  pacientes  cuja  qualidade  de  vida  é  prejudicada  por  crises  de  dor
frequentes. A absorção rápida e excelente biodisponibilidade permite ser usada apenas uma vez ao dia. O
aumento da concentração de hemoglobina fetal é o efeito primário e fornece o maior benefício para pessoas
com doença falciforme, mas outros mecanismos de ação e os benefícios existem. Por exemplo, hidroxiureia
reduz o número de leucócitos circulantes e reticulócitos e diminui a adesão de moléculas diminuíndo a vaso­
oclusão. São consideradas indicações para o tratamento com hidroxiureia:
 
­em adultos com anemia falciforme, que têm >=3 crises álgicas moderadas a graves de em um ano;
­em  adultos  com  antecedente  de  síndrome  torácica  aguda  (STA)  que  têm  dor  associada  que
interfere com as atividades diárias e qualidade de vida;
­em adultos com STA que têm um histórico de síndrome torácica aguda prévia ou grave;
­em adultos com STA que  têm anemia crônica grave sintomática que  interfere com as atividades
diárias ou qualidade de vida;
­em  lactentes  a  partir  dos  nove  meses  de  idade,  em  crianças  e  em  adolescentes  com  STA,
independentemente de gravidade clínica para reduzir as complicações;
­em adultos e crianças com anemia falciforme que têm doença renal crônica e usam eritropoietina;
­a terapia deve ser interrompida em mulheres que estejam grávidas ou amamentando.
 
As seguintes precauções devem ser realizadas ao se iniciar o tratamento com hidroxiureia:
 
­fazer hemograma completo,  contagem de reticulócitos,  contagem de plaquetas;
­eletroforese de Hb;
­função renal e hepática;
­teste de gravidez para as mulheres;
­precisa fazer contracepção, se for fazer uso;
­dose para adultos (cápsulas 500 mg): 15 mg/kg/dia; 5­10mg/kg/dia se o paciente tem IRC;
­dosagem para lactentes e crianças: 20 mg / kg / d;
­monitorar hemograma e contagem de reticulócitos a cada quatro semanas até ajustar dose, alvo de
neutrófilos 2000  cels/ mcL, contagem de plaquetas 80.000 cels/mcL.
 
Se neutropenia ou trombocitopenia ocorre:
 
­temporariamente parar a medicação, reiniciar em dose menor;
­a hidroxiureia deve ser continuada, se hospitalizações ou doenças agudas.
 
Os estudos mostram que em longo prazo a hidroxiureia aumenta a sobrevida e a qualidade de vida
com pouca evidência de aumento do risco de malignidade secundária. O uso de suplementação com ácidos
graxis  ômega­3  pode  reduzir  episódios  vaso­oclusivos  e  reduzir  as  necessidades  de  transfusão  em
pacientes com anemia falciforme. Outras medidas de suporte incluem a suplementação de ácido fólico (1 mg
por  via  oral  por  dia)  principalmente  em  pacientes  que  receberam  transfusões  de  crise  aplástica  ou
hemolíticas.
 
Complicações agudas
O  manejo  das  complicações  agudas  é  extremamente  importante,  pois  estão  associadas  à  alta
morbidade e mortalidade, com diminuição da expectativa de vida a cada episódio de complicação aguda.
Entre  as  complicações  agudas,  a mais  comum  são  as  crises  vaso­oclusivas  ou  crises  álgicas,
virtualmente todos os pacientes com doença falciforme apresentam pelo menos um episódio de crise álgica
durante a vida, os episódios podem ocorrer  tão precocemente quanto seis meses de  idade, muitas vezes
apresentando­se como dactilite, acometimento de extremidades, abdome e tórax, com frequência variável e
deve­se  avaliar  a  possibilidade  de  adicção,  que  é  rara  em  pacientes  que  não  usam  meperidina  (não
recomendada  para  o  tratamento).  As  crises  podem  durar  de  horas  a  dias  e  a  identificação  dos  fatores
precipitantes é importante no seu manejo, os pacientes com dor leve podem ser tratados com analgésicos
comuns e anti­inflamatórios não esteroidais, mas em pacientes com crises severas com dor maior ou igual a
8 (escala de 8 a 10), devem receber morfina 0,15 mg/Kg EV e repetir a medicação a cada 20 minutos em
dose de 0,05 mg/Kg até o controle adequado da dor, que permita espaçar a medicação analgésica, o uso de
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espirometria de incentivo pode diminuir o risco de desenvolver síndrome torácica aguda, mas a evidência de
benefício é pequena com a  intervenção. É  importante  identificar e  tratar qualquer  infecçãobacteriana que
seja precipitante da crise álgica, e febre, principalmente se acima de 38,5 graus é um indicador relativamente
confiável  de  infecção,  sendo  recomendado  tratamento  antibiótico  na  suspeita  utilizando  limiares  para  a
decisão  menores  que  em  outros  pacientes.  A  hidratação  é  realizada  a  critério  médico,  sendo  em  geral
recomendada  para  esses  pacientes  com  uma  solução  discretamente  hipotônica,  podendo  ser  com
combinação de 500 ml de soro fisiológico à 0,9% com 500 ml de solução glicosada à 5%, se o paciente está
hipovolêmico  a  solução  de  hidratação  de  escolha  é  a  solução  fisiológica  à  0,9%.  É  recomendado  para
pacientes com crises álgicas:
 
­uso de fármacos anti­inflamatórios não esteroidais (AINEs), em adultos e crianças com crises, na
ausência de contraindicações;
­rapidamente iniciar o tratamento com opioides parenterais potentes em adultos e crianças com uma
crise vaso­oclusiva associada com dor forte (>=8);
­analgesia  com  opioides  controlada  pelo  paciente  é  uma  opção  terapêutica  (fazer  supervisão
próxima);
­espirometria de incentivo durante a internação para crise álgica pode reduzir o risco de síndrome
torácica aguda;
­não administrar uma transfusão de sangue, a menos que hajam outras indicações para transfusão;
­hidratação discretamente hipotônica parcimoniosa;
­oxigênio  é  indicado  em  pacientes  com  saturação  de  oxigênio  <90%  ou  PaO2  <  60  mmHg
(gasometria arterial, mais confiável que oximetria de pulso).
 
A síndrome torácica aguda (STA) é uma complicação grave e relativamente frequente, pode ocorrer
rapidamente e em qualquer momento e  tipicamente  se manifesta  com dor  torácica,  dispneia,  estertores e
sibilância.  Em  crianças  é  frequente  febre  e  doença  unilobar  e  em  adultos mais  frequentemente  estão  na
apresentação afebril e com envolvimento multilobar. O tratamento inclui antibióticoterapia com expectro para
agentes atípicos como mycoplasma pneumoniae e  chlamydia pnemoniae e pneumococo, como macrolídeos
combinados com ceftriaxone, com terapia parenteral, a suplementação de oxigênio é indicada em todos os
pacientes com saturação de oxigênio <90%, assim como   hidratação  e  analgesia,  assim  como  indicados
para a crise álgica. São recomendações para o tratamento da STA:
 
­tratar  as  pessoas  com anemia  falciforme  que  têm STA  com uma  cefalosporina  intravenosa,  um
antibiótico  macrólideo  oral,  oxigênio  suplementar  (para  manter  a  saturação  de  oxigênio>  95%),  e
acompanhamento  de  broncoespasmo,    anemia  aguda  e  hipoxemia.  O  uso  de  inalação  é  benéfica  para
pacientes  com  broncoespasmo.  Em  pacientes  com  crise  hemolítica  a  cefotaxima  pode  ser  superior  ao
ceftriaxone, devido ao risco de hemólise com este último;
­transfusão de hemácias (10 mL/kg) em pacientes cuja concentração de hemoglobina é >1,0 g / dL
abaixo do basal, se os níveis basais de hemoglobina forem  >=9 g / dL, a transfusão não é necessária se
níveis de Hb> 7 g/dl. A transfusão está sempre indicada se níveis de Hb < 5g/dl. Considerar eritrocitoaférese
em casos refratários.
­se evolução rápida, com SaO2<92% ou PaO2< 70% apesar de oxigenioterapia, piora de infiltrados,
diminuição da hemoglobina Hb deve­se considerar a avaliação de um hematologista;
­espirometria de incentivo, enquanto acordado.
 
Em relação ao priapismo, as recomendações de tratamento também são semelhantes aos da crise
álgica,  a  avaliação  com  urologista  é  necessária  em  qualquer  episódio  que  dure mais  de  4  horas,  outras
medidas incluem:
 
­aspiração da sangue do corpo cavernoso, com instilação de salina e alfa­adrenérgico;
­eritrocitoaférese é indicada em todos os pacientes com mais de 12 horas de sintomas e em caso
sem resolução, tratamento cirúrgico é indicado;
­o uso de  terapia hormonal pode ser benéfico na prevenção do priapismo, mas diminui a  libido e
capacidade de ereção, assim deve ser balanceado riscos e benefícios, opções incluem a leuprolida e dietil­
bestrol o uso de anti­andrógenos como a finasterida também pode ser considerado.
 
Complicações hepatobiliares são frequentes nesses pacientes, as recomendações para o manejo
incluem:
 
­em  pacientes  com  cálculos  biliares  assintomáticos  a  observação  clínica  é  suficiente  sem
intervenção; em  todos aqueles que desenvolvem sintomas específicos de colelítiase, devem ser  tratados
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com colecistectomia (a abordagem laparoscópica é preferível se cirurgicamente viável e disponível).
 
O  sequestro  esplênico  agudo  é  outra  complicação  significativa,  o  seu manejo  inclui  as mesmas
intervenções  indicadas  para  a  crise  álgica,  mas  incluem  outras  medidas,  as  recomendações  são  as
seguintes:
 
­fornecer  reanimação  com  fluidos  intravenosos  imediata  em  pessoas  com  hipovolemia  devido  a
sequestro esplênico agudo grave;
­a  transfusão  é  indicada,  mas  deve  ser  realizada  parcimoniosamente,  em  geral  com  dose  50%
menor que a indicada em outras circunstâncias devido ao risco de hiperviscosidade;
­avaliação especializada;
­hidroxiureia para prevenir recorrências.
 
Os acidentes vasculares cerebrais agudos são uma das complicações mais temidas em pacientes
com anemia falciforme. Na ausência de medidas para prevenção primária do AVC, aproximadamente 10%
das crianças com HbSS desenvolvem acidente vascular cerebral e têm um risco adicional de 20% a 35% de
ter isquemia cerebral silenciosa, o que predispões a declínio cognitivo e declínio do desempenho escolar em
crianças.  Terapia  transfusional  regular  ou  quando  a  terapia  de  transfusional  não  é  possível,  o  uso  da
hidroxiureia  pode  impedir  AVCs  recorrentes.  Além  disso,  a  transfusão  pode  evitar  um  acidente  vascular
cerebral inicial em crianças com Doppler transcraniano anormal. É recomendado nesses pacientes:
 
­durante a  fase aguda de AVC isquêmico a  transfusão sanguínea pode melhorar o prognóstico, a
transfusão  de  sangue  tem  o  objetivo  de  manter  os  níveis  de  HbS  <  30%  e  os  níveis  de  hemoglobina
próximos, mas inferiores a 10 g/dl;
­preferência de realizar eritrocitoaférese, que cursa com menor risco de sobrecarga de volume;
­em  crianças  que  sofreram AVC,  se  recomenda  programar  transfusões mensais  para  diminuir  o
risco de recorrência de AVCs;
­quando não é possível  realizar o programa transfusional, o uso de hidroxiurías é indicado;
­avaliação para outras causas de isquemia cerebral;
­em  crianças  rastreadas  com  Doppler  transcraniano,  com  velocidade  de  fluxo  entre  170­200
cm/segundos,  o  rastreamento  deve  ser  repetido  em  três  meses,  se  velocidade  >  200  cm/seg  deve  ser
iniciado programa de transfusões de rotina.
 
A transfusão de sangue em pacientes com anemia falciforme, apesar de seu potencial terapêutico
pode cursar com riscos e complicações, incluindo hiperviscosidade, aloimunização, hemólise e sobrecarga
de ferro. Especificamente em pacientes que irão ser submetidos a procedimento cirúrgico, recomenda­se em
relação a transfusão de sangue em pacientes com doença falciforme:
 
­manter  a  Hb  em  nível  de  10  g  /  dL  em  procedimentos  cirúrgicos  de  alto  risco  (que  envolvem
anestesia geral). Em pacientes com doença  falciforme que não  recebem  transfusões em  longo prazo  têm
risco de hiperviscosidade, pois muitas têm um alto percentual de HbS circulante, não é necessário nestes
pacientes manter nível de hemoglobina > 10 g / dL para cirurgia;
­em  pessoas  que  recebem  terapia  de  transfusão  de  longo  prazo,  realizar  avaliação  seriada  da
sobrecarga de ferro, incluindo biópsia hepática, ressonância magnética a frequência ótima de avaliação não
foi estabelecida;­administrar  terapia  quelante  de  ferro  para  pessoas  com    sobrecarga  de  ferro  adquirida  por
transfusão;
­não  é  necessário  transfundir  pacientes  com  nível  de  hemoglobina  superior  a  8,5  g  /  dL  sem
transfusão, que estão recebendo terapia hidroxiureia de longo prazo, ou que necessitam de cirurgia de alto
risco.
 
Outras situações
Traço falciforme
Pessoas  com  o  genótipo  heterozigoto  (AS)  têm  o  traço  falciforme.  Essas  pessoas  são
hematologicamente normaIS, sem anemia e eritrócitos normais no esfregaço de sangue periférico. Um teste
de  rastreamento  para  a  anemia  falciforme  vai  ser  positivo,  e  a  eletroforese  de  hemoglobina  revela  que
aproximadamente 40% da hemoglobina é hemoglobina S. As pessoas com o traço falciforme podem evoluir
com morte súbita cardíaca e rabdomiólise durante exercício extenuante,  especialmente em altas altitudes.
Eles também estão em risco aumentado para tromboembolismo venoso. A falcização crônica das hemácias
na medula renal em pacientes com acidose tubular renal resulta em hematúria microscópica e macroscópica,
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hipostenúria  (pobre capacidade de concentração da urina), e doença  renal  crônica. Nenhum  tratamento é
necessário. O aconselhamento genético é recomendado.
 
Talassemia falciforme
Pacientes  com  anemia  falciforme  homozigótica  e  alfa  talassemia  têm  hemólise menos  intensa  e
apresentam níveis de hemoglobinas mais elevados do que pacientes com genótipo SS.  Os pacientes que
são  heterozigotos  para    e  beta­talassemia  são  clinicamente  afetados  com  doença  falciforme,  a    beta0­
talassemia é clinicamente muito semelhante à doença SS homozigota. Crises vaso­oclusivas podem ser um
pouco menos graves, e o baço nem sempre sofre infartos isquêmicos. O volume corpuscular médio é baixo,
em  contraste  com  o  VCM  normal  da  anemia  falciforme.  A  eletroforese  de  hemoglobina  não  revela
hemoglobina A, mas mostrará um aumento em hemoglobinas A2 e F.
A  beta  talassemia  falciforme    é  uma  doença  mais  branda  do  que  a  doença  falciforme  SS
homozigota, com menos crises. O baço é geralmente palpável. A anemia hemolítica é menos severa, e o
hematócrito é geralmente de 30­38%, com reticulócitos de 5­10%. A Eletroforese de hemoglobina mostra a
presença hemoglobina A, com hemoglobinas A2 e F elevadas. O VCM é baixo.
 
Referências
Bunn HF. Pathogenesis and treatment of sickle cell disease. N Engl J Med 1997; 337:762.
 
Rees DC, Williams TN, Gladwin MT. Sickle­cell disease. Lancet 2010; 376:2018.
 
Yawn BP, Buchanan GR, Afenyi‐Annan AN, et al. Management of sickle cell disease: summary of the 2014 evidence‐
based report by expert panel members. JAMA 2014; 312:1033.

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