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Josivan Gomes de Lima IInnttrroodduuççããoo medicina primitiva carecia obviamente de conhecimentos científicos e considerava a doença como um fenômeno sobrenatural, uma forma de castigo imposta por deuses devido a uma falta ou mesmo um ação dos demônios. Não havia medicamentos e as tentativas de cura eram feitas através de plantas e com a interseção de um xamã que pedia aos deuses para poupar e curar aquele doente, tribo ou população. Se observarmos atentamente, concluiremos que, mesmo passados vários séculos, ainda hoje temos resquícios de tal medicina nas pessoas de curandeiros e benzedoras e na utilização de plantas, chás, “garrafadas”, etc. com o intuito de curar. MMoommeennttoo HHiissttóórriiccoo Para situarmos e entendermos a medicina primitiva, precisamos relembrar os vários períodos da pré-história, bem como quem e como viviam nestes períodos. Os períodos são divididos didaticamente em paleolítico, mesolítico e neolítico, iniciando um milhão de anos e terminando 3000 anos antes de Cristo (a.C.). O paleolítico pode ser subdividido em três outros períodos. No paleolítico inferior (um milhão de anos a 350.000 anos a.C.) viviam os hominídeos, ou grandes primatas, que incluíam os chimpanzés, os gorilas os orangotangos e os primeiros homens (homo). No paleolítico médio (350.000-75.000 anos a.C.) viveu o homem de Neandertal (Homo neanderthalensis), descoberto no vale de Neander, na Alemanha. Durante algum tempo, acredita-se que ele tenha coexistido com o Homo sapiens que aparece no paleolítico superior (75.000-15.000 mil anos A.C). A menor inteligência do homem de Neandertal, bem como sua menor variabilidade genética (consanguinidade) e baixa mobilidade podem ter contribuído para sua extinção. Durante todo o paleolítico, a técnica mais utilizada era da pedra lascada: a partir de uma pedra núcleo, tiravam-se pedaços (lascas) até se formar instrumentos de utilização diária, como machados, A lanças, etc. Os homens eram essencialmente caçadores e coletores, com tais hábitos herdados dos demais primatas, no mundo animal. Não tinham ainda a possibilidade de plantar (agricultura), que só apareceria milhares de anos depois, no neolítico. Já dominavam o fogo, faziam objetos de pedra e armas de arremesso. Viviam em grutas e passaram a utilizar os primeiros túmulos. Figura 1 – Nomadismo no paleolítico. Caça e pesca. O período mesolítico (15.000-10.000 anos a.C.) existiu em algumas regiões do mundo e serviu como transição do período da pedra lascada (paleolítico) para a pedra polida (neolítico). Os hábitos eram nômades, preferindo fazer assentamentos durante períodos de inverno e acampamentos temporários no verão. Com o fim do último período glacial, os grandes mamíferos se extinguiram e os homens do mesolítico tiveram que começar a se adequar a caçar pequenos mamíferos e aves, domesticar animais e coletar frutos e raízes. Já era uma preparação para se tornarem sedentários no período seguinte, o neolítico. O neolítico (10.000 a 3.000 a.C.) corresponde ao período da pedra polida. Uma mudança fundamental iniciada no mesolítico se afirma neste período: a passagem de hábitos nômades, com deslocamentos constantes em busca de alimentos, para sedentários. Figura 2 – Mudanças de hábitos no neolítico Os grupos que antes eram de não mais que 50 a 100 pessoas aumentam muito e as populações passam a viver em aldeias nas margens dos rios, usufruindo da terra fértil e tirando sua subsistência da agricultura e pecuária. A economia essencialmente coletora do paleolítico é substituída por uma economia produtora. Este período termina com a descoberta da escrita, iniciando-se a idade antiga. FFaattooss IInntteerreessssaanntteess Não há médicos nestes períodos iniciais, mas as doenças são parcialmente conhecidas. As mudanças de hábitos refletem também mudanças no adoecer. Os pequenos grupos nômades do paleolítico evitavam doenças virais e bacterianas. Como estavam em constante deslocamento, não poluíam rios. Ainda não tinham animais domesticados e por isso as zoonoses eram adquiridas apenas de uma caça contaminada. Tétano, esquistossomose e leptospirose não eram raras, bem como salmonela, treponema, malária e febre amarela. Pelo fato de serem nômades, fraturas eram frequentes. A carência de alimentos agia como controle natural do crescimento populacional e a taxa de mortalidade infantil era elevada, tanto por doenças como por infanticídio. Em contraste com o paleolítico, no neolítico, as maiores aldeias/cidades chegavam até uma população de 50.000 habitantes e com a domesticação de animais (cabras, bois, cachorros, etc.), as águas dos rios eram utilizadas igualmente pelos homens e animais, contribuindo para a insalubridade e consequente aparecimento das doenças. Os homens, ainda hoje, dividem doenças com cachorros, gatos, cavalos, ovelhas, porcos e aves. A varíola humana veio inicialmente da varíola bovina e várias gripes têm origem em animais. A taxa de natalidade aumentou, mas foi seguida também por um aumento na taxa de mortalidade infantil. Os nutrientes obtidos principalmente da agricultura nem sempre eram suficientes, contribuindo para o aparecimento de desnutrição. Já na idade antiga, no Egito, por exemplo, a utilização das águas do Nilo era uma forma de disseminação de doenças. Com as enchentes do Nilo, vinham também os caramujos portadores de schistosoma e sinais de esquistossomose são encontrados em múmias egípcias. O povo trabalhava nas margens dos rios, o que não acontecia com a classe dos guerreiros. Assim, estes, que já eram mais fortes fisicamente, se mantinham vigorosos por não adquirirem as doenças, enquanto que o povo ficava cada vez mais fraco, perpetuando esta diferença e permitindo a cobrança de impostos. Eram as doenças interferindo na economia e na estratificação social de um povo. Tuberculose óssea, doença de Paget óssea e mastoidites já foram descritas em múmias. Próteses também foram encontradas, mas não se sabe se serviam como um potencial tratamento antes de morrer ou se seriam utilizados após a morte, já que eles tinham a crença em uma vida futura pós-morte. Além do acúmulo populacional em cidades, indivíduos que tinham um intenso fluxo por diversas regiões, como mercantes, missionários, exércitos e saqueadores, contribuíram também para a disseminação das doenças entre diferentes povos. Durante a guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta (431-404 a.C.) os soldados disseminaram doenças como influenza, difteria, malária e tuberculose. De certa forma, era uma maneira de evitar superpopulações em locais inadequados para tal. PPeerrssoonnaaggeennss ddaa hhiissttóórriiaa Nas tribos o Xamã era sacerdote, com funções diversas na tribo. Era, ao mesmo tempo, médico primitivo, curandeiro, conselheiro, líder espiritual, vidente, etc. A palavra xamã significa “aquele que ver no escuro”, indicando que ele tinha poderes e conhecimentos que iam além da média da tribo e era considerado um “organizador do caos”. Após entrar em um estado de êxtase, recebiam orientações dos espíritos e, com tais informações, ajudavam e interferiam na vida social, bem como na saúde da tribo. Como a doença era considerada um castigo dos deuses ou uma ação dos demônios, nada mais sensato de que utilizar os poderes do Xamã para curá-la. Eles precisavam ter habilidades especiais que eram adquiridas através de treinamentos ou de aprendizado de uma geração para outra. Tinham conhecimentos sobre plantas e ervas medicinais, destreza manual e habilidade para se comunicarem com forças superiores que causavam as doenças. Utilizavam preces, cantos, ritosmágicos e dança. Figura 3 – Xamã em ritual de cura CCoonncclluussõõeess.. Interessantemente, apesar do termo “medicina primitiva”, após vários séculos, ainda hoje podemos observar resquícios muito fortes de tal medicina no cotidiano de muitas populações. Os xamãs ainda existem em várias tribos. Os curandeiros e as benzedoras podem ser facilmente encontrados em várias cidades pequenas. Não é raro encontrar em feiras plantas com potenciais efeitos medicinais que são utilizadas mesmo na ausência de evidências científicas razoáveis. Toda a evolução da medicina ocorrida nos últimos séculos não foi, e talvez nunca seja, capaz de extinguir tais costumes que são passados de geração para geração, baseando-se em crenças e no conceito de doença como um castigo por uma falta cometida. As dificuldades frequentes de se chegar a um médico ou mesmo o baixo poder aquisitivo para se adquirir uma medicação prescrita, bem como a disponibilidade de benzedeiras e curandeiros, são fatores que certamente contribuem para a perpetuação de hábitos da medicina primitiva. LLeeiittuurraa ccoommpplleemmeennttaarr ssuuggeerriiddaa The History of medicine – early civilization. Kate Kelly. 2009
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