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A LINGUAGEM CARCERÁRIA NA ÓTICA DE DRAUZIO VARELLA

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ESTAÇÃO CARANDIRU: A LINGUAGEM CARCERÁRIA NA ÓTICA DE DRAUZIO VARELLA
Jean Carlos Peixoto da Silva�
RESUMO: Este artigo tem como objetivo principal tratar da linguagem dos apenados tendo como base principal a obra Estação Carandiru de Drauzio Varella. A perspectiva que baseia este trabalho é a sociolingüística variacionista iniciada nos Estados Unidos por William Labov e que, atualmente, encontra em inúmeros países, pesquisadores empenhados em compreender o funcionamento da linguagem na sociedade em razão de sua variabilidade. Justifica-se este por conter poucos trabalhos que tem como foco a linguagem carcerária e embora este se restrinja a uma análise de uma obra, visa dar respaldo para aqueles que encontram na linguagem um amplo foco de estudos. Busca-se em Bagno, Gnerre, Mollica, Oliveira e Preti, entre outros, o respaldo teórico que irá constituir as reflexões em questão.
PALAVRAS-CHAVE: Carandiru. Comunidade Carcerária. Linguagem. Sociolingüística.
1. INTRODUÇÃO
	Ao se refletir sobre a linguagem, cuja função não é apenas informar, mas também “[...] comunicar ao ouvinte a posição que o falante ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive”; tem-se a certeza que na sociedade “ [...] as pessoas falam para serem ‘ouvidas’, às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no ambiente em que realizam os atos lingüísticos” (GNERRE, 1998, p. 5).
	As línguas apresentam um certo dinamismo que lhes são próprias e, por isso, são heterogêneas, diversificadas. Para confirmar isso basta ir a várias partes do país ou mesmo em várias localidades de um mesmo estado, de uma mesma cidade. Há ainda, como exemplo, as diferenças lingüísticas estabelecidas nos vários níveis sociais, nas diferentes profissões. Em razão destas diferenciações no falar e, em alguns casos, também levados à escrita, ocorre a chamada estigmatização lingüística. Conforme Mollica (2004), o que ocorre inicialmente é que;
[...] estruturas de maior valor de mercado que recebem avaliação positiva parametrizam-se com grau alto de monitoramento e de regra, pré-condição à produção das formas de prestígio e disposição adequada para eliminarem-se estigmas sociolingüísticos na fala ou na escrita (p. 13)
	A língua é, por natureza, um fato social e a sociedade é mais do que a simples soma de indivíduos que a ela pertencem e é organizada através de princípios e regras que condicionam o comportamento dos indivíduos. Segundo Aléong (2001) “[...] O princípio de base é o da regulação social que impõe normas sociais ou esquemas de comportamento.” (p. 147). Para o autor, quando se deseja explicar as regularidades do comportamento lingüístico em sociedade, tem-se alguns pontos para se refletir:
I – A organização social de toda sociedade funciona com o auxílio de instituição que estão no princípio da estrutura social. Pensamos particularmente nas formas de enquadramento que são a família, a escola, o direito, a divisão do trabalho entre outras.
II – A vida social é constituída de interações constantes entre indivíduos. Ora, a identidade do indivíduo compreende ao mesmo tempo sua pessoa própria e uma identidade social conforme seu pertencimento a camadas ou, antes, a grupos sociais definidos segundo critérios tais como profissão, origem étnica, raça, religião, sexo etc. O fato de pertencer a um grupo ou de possuir certas características distintivas confere ao indivíduo um status, isto é, uma categoria ou uma posição numa estrutura hierárquica. [...]
III- Se a consciência ou a percepção de si, dos outros e da situação é um elemento essencial no funcionamento do humano, não se deve esquecer que o estado dessa consciência, em particular sua veracidade, é largamente condicionado pela situação objetiva na qual se encontram os indivíduos. (p. 148)
	Pensar na linguagem carcerária é, especialmente, refletir sobre as condições sociais que propiciam seu surgimento e seu status dentro do sistema em que é empregada. É refletir ainda que essa linguagem diferenciada representa a marca identitária desse indivíduo e esta pode servir para mostrar uma distinção social ou mesmo uma ‘solidariedade’ entre uns em relação a outros. Assim,
O alargamento do enfoque das relações sociedade/língua, consideradas profundamente interdependentes, conduz ao estudo das estruturas do pensamento de certas comunidades e à forma como estas articulam lingüisticamente sua realidade, em consonância com sua cultura e sistema de vida (assim, por exemplo, a relação entre o sentimento de posse em certas comunidades e a sintaxe dos possessivos; a ocorrência maior de verbos de movimento na vida dos povos nômades; a presença de certas expressões de tratamento, de fundo afetivo, ligadas à tradicional – e nem sempre verdadeira – cortesia francesa etc.) [...] (Preti, 1997, p. 14)
	Ao se questionar sobre as variedades lingüísticas e a norma e os fatores de unificação lingüística de uma comunidade, faz-se necessário compreender como estas se instalam nos grupos sociais de forma isolada, identificando-os e diferenciando-os de outros grupos. Então, como surgem e se mantêm essas normas no que se refere à língua? Preti (1997) responde esta interrogação afirmando que essas leis são fruto “de comportamentos lingüísticos que guardam sua unidade através das gerações e se revelam como ideais para atender às necessidades de comunicação dos grupos sociais” (p. 47).
	No entanto, ao refletir sobre o fato de que a língua é social e tem por função a comunicação, então, observa-se uma contradição que se faz presente, dado ao fato de que por esta mesma razão ela, a língua, é um fenômeno de grande diversidade que procura manter a unidade dentro do grupo social que a fala. Essa diversidade é mais fortemente verificada no léxico e na fonologia – basta observar as diferenças entre a região norte e a região sul do Brasil, por exemplo – enquanto, na morfossintaxe sua tendência é manter a tradição.
	
2. O CONTEXTO DA OBRA PESQUISADA
	A pesquisa aqui abordada parte da obra Estação Carandiru de Drauzio Varella e tem como objetivo ressaltar a linguagem carcerária sob a ótica do escritor. Destacando que essa é uma linguagem diferenciada e que se restringe a um determinado grupo em um local específico, pois das pesquisas realizadas em outros trabalhos percebeu-se que cada prisão mantém um ‘código’. Mas, percebe-se que são poucas as pesquisas na área, por esta razão escolheu-se o tema. 
	Assim, partindo-se do livro, retrata-se o sistema e analisa-se a linguagem como vista pelo escritor Drauzio Varella.
2.1 LOCALIDADE
A casa de detenção de São Paulo, mais conhecida como “Carandiru”, quando em atividade, foi considerado o maior complexo prisional da América Latina com capacidade para 3200 detentos chegou a comportar mais de 7000 homens sob condições desumanas. No entanto, não foi este número que despertou a atenção da sociedade, e sim a exposição dos corpos nus dos 111 detentos mortos pela tropa de choque da polícia militar (segundo fontes oficiais) no dia 02 de Outubro de 1992.
Esta tragédia amplamente divulgada pelos meios de comunicação, denunciou as atrocidades ali cometidas e a precariedade do sistema carcerário brasileiro através de relatos autobiográficos de sobreviventes e profissionais que atuavam no complexo do Carandiru.
As obras que tratam sobre o massacre do Carandiru estimularam o crescimento da Literatura Marginal (ou periférica) que busca a produção de obras focadas na realidade dos grupos sociais que estão à margem da sociedade relatando, tanto a violência, o submundo do crime, a desestruturação familiar e o descaso do poder público, quanto os pontos positivos desta comunidade, O resultado deste segmento contraria os modelos de produção tradicionais, poéticos e ficcionais, utilizando-se de uma linguagem não formal, por meio de um vocabulário especifico com propriedades lingüísticas especificas (TAUFER, 2007).
2.2. A SOCIEDADE CARCERÁRIA SEGUNDO VARELLA
Para ALKMIM (2004): “linguagem e sociedade estão ligadas entre si demodo inquestionável, Mais do que isso, podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser humano. A história da humanidade é a história de seres organizados em sociedades e detentores de um sistema de comunicação oral” (p. 21). Assim, faz-se necessário que para uma avaliação da linguagem praticada em “Estação Carandiru”, se compreenda a organização social da casa de Detenção de São Paulo pela ótica de Drauzio Varella. 
O médico Cancerologista Drauzio Varella durante dez anos desenvolveu um trabalho de prevenção a AIDS na Casa de Detenção e relatou essa experiência quase em forma de diário no livro Estação Carandiru. É fruto do relacionamento com detentos e funcionários do complexo com os quais o escritor se propôs a tratar de forma pessoal, individualizada, mesmo em condições insalubres muito próximas à violenta realidade da prisão.
Estação Carandiru relata os aspectos sociológicos da vida nas prisões denunciando a degradação do sistema carcerário da década de 90 trazendo como enredo as histórias de vida e dramas pessoais dos detentos, demonstra também que a privação da liberdade em um ambiente superlotado, gera no lugar do caos, uma sociedade paralela, dotada de uma identidade peculiar e detentora de uma cultura própria. 
Em cativeiro, os homens, como os demais grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos), criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. VARELLA 1999, p. 10.
A TRIAGEM
Ao dar início a sua narrativa, Varella faz uma apresentação da Casa de Detenção ao leitor, introduzindo-o pelos portões do complexo prisional, traçando uma relação sociogeográfica entre os pavilhões e sua respectiva população, enfatizando que a distribuição interna dos presos obedece a um sistema de classificação social que, muito embora seja preconizado pela administração também é absorvida pela comunidade carcerária.
O critério de distribuição não é rígido, mas obedece às regras básicas. Por exemplo, artigo 213_ estupro_ normalmente é encaminhado para o pavilhão cinco; reincidentes, no Oito; primários Nove; e os universitários vão morar nas celas individuais do pavilhão quatro. (p. 23)
 O COTIDIANO NA PRISÃO
A vida dentro da penitenciária se comporta como um universo paralelo à sociedade ocupada pelos cidadãos livres. As drogas têm presênça constante naquele contexto, funcionando como válvula de escape da realidade, causando forte influência no contexto social. A violência crônica está encravada no sistema, sendo usada como arma para a conquista e manutenção do poder. 
O detendo assimila naturalmente as normas e costumes da prisão como forma de adaptação e sobrevivência ao meio. Este fenômeno e chamado de “prisionalização” ou “institucionalização” e proporciona ao indivíduo a adoção de novos hábitos e atitudes embasados por valores recém adquiridos e/ou impostos pela cultura carcerária. (BITENCOURT, 1993).
De forma clara, o autor denuncia a degradação do indivíduo, enquanto ser humano, privado de sua individualidade; ao ser inserido sob o duro regime carcerário “Despersonalizado, o novato é recolhido na Triagem Um no térreo” (p.22), e caba sendo consumido pelo desprezo, o descaso, a crueldade dentre outros adjetivos. “Num final de ano, notei que seu comportamento se alterou, o riso espontâneo desapareceu; andava agitado e tenso...” (p. 211). 
 A ÉTICA PRISIONAL
Ali existem normas vigentes, tanto por força da segurança e da lei, às quais visam a manutenção da ordem interna, quanto outras criadas pelos próprios presidiários formuladas sob um código ético extremamente rigoroso e singular. Tais normas devem ser fielmente seguidas e quando transgredidas, trazem como conseqüência punições violentas e até mesmo a pena de morte, de acordo com a gravidade do “delito” em questão.
As punições são julgadas por uma espécie de conselho, composto pelo grupo da faxina que também delega a responsabilidade de aplicação da pena estabelecida.
Ao meio dia, os companheiros revoltados reuniram-se com a faxina do cinco, num “debate” como eles dizem, que envolveu mais de quarenta pessoas. Resolveram que um grupo aguardaria nas imediações da entrada e pavilhão e outro bloquearia a escada[...] Seu corpo foi levado para o quatro num carrinho de transportar comida (p. 200)
 O MASSACRE
Os três últimos capítulos são destinados aos relatos dos fatos ocorridos no dia 02 de Outubro de 1992, dia em que a tropa de choque paulistana invadiu o presídio. Para dar vida à tragédia, o autor embasou-se na versão dos sobreviventes, através de suas impressões pessoais com o objetivo de esclarecer a verdade dos fatos que até hoje se encontra obscura por não ter outras testemunhas além dos presos e da tropa; “... como diz o dr. Pedrosa: - A PM, os presos e Deus.” (p.285)
3. A LINGUAGEM CARCERÁRIA
De acordo com ALKMIM (2001, p. 21); “a história da humanidade é formada por seres organizados em sociedade e detentores de uma língua”. Neste contexto compreende-se que de igual forma, sociedade e processo comunicativo estão em constante evolução. A linguagem se comporta como um organismo vivo, sujeito a mudanças contínuas que, além de herdar a origem e cultura de uma sociedade é livre para agregar novos signos e significados. Portanto a língua não é um acontecimento uniforme e homogêneo, subordinado a um padrão fixo de linguagem, e sim um espaço aberto à diversidade lingüística e a heterogeneidade - “é um processo permanente e nunca concluído” (BAGNO, 2007, p.36). Há também que se refletir no que afirma Macedo (2004), ao informar que o estudo sobre uso da linguagem realizado sob o âmbito do contexto social visa descobrir as normas que regem o sistema de determinado grupo, pois o falante muda sua linguagem de acordo com o contexto em que está inserido.
Os códigos de fala que compõem o processo comunicativo entre os apenados possuem signos multiformes que configuram juntos uma interação verbal de características únicas e peculiares à comunidade sociocarcerária.
3.1 VARIAÇÕES NA OBRA DE DRAUZIO VARELLA 
 Drauzio Varella faz uma mescla entre uma linguagem formal para a elaboração dos elementos narrativos no texto e uma linguagem informal ou coloquial, livre dos padrões gramaticais para dar voz aos detentos. Tal recurso serve como instrumento validador para o discurso, conferindo maior autenticidade, enfatizando a realidade do sistema carcerário e tornando possível encontrar uma diversidade de palavras e expressões usadas pelos detentos tanto para transmitir idéias de posição social, atitude, sentimentos, adaptação ao meio quanto para definir situações específicas relacionadas ao mundo das prisões, compondo assim, um conjunto de variedades lingüísticas. 
A narrativa será Interrompida pelos interlocutores, para que o leitor possa apreciar-lhes a fluência da linguagem, as figuras de estilo e as gírias que mais tarde ganham as ruas. Por razões éticas, os casos descritos nem sempre se passaram com os personagens a que foram atribuídos. ( VARELLA, 1999 p.11)
Estas variações produtos da pluralidade de sua sociedade, configurando um fenômeno universal de elaboração de novas formas alternativas de fala de modo organizado e normativo tendo como base os seus aspectos históricos, geográficos, sociais e culturais. (MOLLICA, 2007)
Faz-se necessário afirmar, portanto que essas variações não podem ser consideradas isoladamente, pois suas manifestações estão interligadas, ou seja, as variações devem se analisadas dentro do contexto em que estão inseridas quanto ao tempo, espaço e grupo que as utilizam.
Tarallo (l997, p. 8) enfatiza que variantes lingüísticas são, "[...] diversas maneiras de dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade". A esse conjunto de variantes citado pelo autor dá-se o nome de "variável lingüística".
 AS VARIAÇÕES ENQUANTO CÓDIGO FECHADO X GÍRIA 
Em resposta ao processo de prisionalização, a massa carcerária formula códigos lingüísticos próprios como instrumentode autoafirmação e preservação. Uma vez interiorizado esse processo o indivíduo passa a assimilar novos padrões de fala.
 Considerando o fato de que a comunicação é quase sempre parcial e coibida pela repressão do sistema carcerário, observam-se o fenômeno de reformulação de palavras já existentes no cotidiano, atribuindo-lhes novos significados. Esta codificação torna - se quase indecifrável para aqueles que estão fora do grupo.
De acordo com Costa (2002), quando se sentem ameaçados os presos tratam de atribuir novos significados às palavras e expressões, afirma ainda que na visão dos profissionais que atuam no sistema prisional a linguagem usada pelos detentos com mudança de sentido funciona como estratégia para encobrir suas verdadeiras intenções, desta forma as variações lingüísticas são utilizadas sob a forma de código. 
Cabello (1991) reforça essa idéia quando afirma que a gíria acontece para ocultar algo, exigindo um processo de renovação constante para que lhe seja assegurada esta característica.
 Rodrigues (2001), por outro lado, afirma que, algumas expressões utilizadas na cadeia são integradas em nossa cultura popular que por influência principalmente da música, extrapolam as grades e alcança a sociedade extra-muro.
Preti(1996) reforça tal idéia quando diz que, mesmo surgindo em determinado grupo social, pelo fato deste não se encontrar totalmente isolado, a gíria é passada para a linguagem da sociedade tornando-se vulgar, sob a forma de gíria comum.
Sendo usado como código ou ganhando liberdade expressiva no meio social, o processo de criação da linguagem carcerária tem a mesma característica formadora, utilizando-se de novos significados para palavras comumente compartilhadas na sociedade, resultando desde uma simples mudança de sentido, até a uma nova interpretação de todo o discurso. São as chamadas variações semânticas.
Em “Estação Carandiru” as variações semânticas são apresentadas sob a forma de metáforas e metonímias originadas das situações comuns ao ambiente das prisões, como, por exemplo, as drogas, violência e o sexo (REMENCHE, 2003).
É valido afirmar, portanto, que o fenômeno construtivo das variações lingüísticas carcerária tem como instrumento as situações a que estão submetidos os indivíduos que se encontram sob o sistema prisional.
Oliveira (apud MUSSALIN & BENTES, 2001) descreve que, de acordo com o raciocínio do alemão Gottlob Frege (1848-1925) “À semântica cabe o estudo dos aspectos objetivos do significado, isto é, aqueles que estão abertos à inspeção pública. Sua objetividade é garantida pela uniformidade de assentimento entre os membros de uma comunidade” (p. 20). Afirma ainda que a semântica está inserida no contexto de linguagem, baseando-se na concepção de Ducrot (1979-1987) que diz: “A linguagem é um jogo de argumentação enredado em si mesmo; não falamos sobre o mundo, falamos para construir um mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade, verdade criada pelas e nossas interlocuções.” (p. 28). 
	De acordo com Tamasello (apud CARVALHO, 2003), quando o recurso vocábulo se torna insuficiente para transmitir a expressão de uma determinada idéia, os indivíduos lançam mão de figuras de linguagem para atender a esta demanda com o uso de signos existentes no seu meio cultural, afirma o autor que segundo Gibbs (1999, p. 153) o processo de criação destas metáforas refletem o modelo cultural de representação da visão que estes indivíduos têm do mundo, da sociedade e de suas experiências próprias.
A construção de tais expressões emprega palavras que estão fora do seu sentido comum, porém, semelhantes, produzindo uma forma subentendida fazendo-se valer do uso de personificação, simbolismo e atribuição de qualidade e sentimentos humanos a seres inanimados, segundo o que informa D’Agord (2003). Para Varella (1999), “Quem chega por último rói o pescoço”. Não tem o que perguntar, já vai se aninhando do lado do boi. Só sai dali no dia que entrar um mais recruta (p.121).
Alguns signos são substituídos por outros devido à associação de seu significado. O uso expressões carregadas de metonímias muitas vêzes empresta um tom de ironia ao discurso.
O Amarelo nunca foi pintado dessa cor: a denominação deriva do desbotamento da pele de seus ocupantes privados do sol ( VARELLA, 1999, p.121)
3.2 AS VARIAÇÕES COMO ELEMENTO IDENTIFICADOR 
Preti (1984, p.23) afirma que o fenômeno de formulação das linguagens de grupo, devido a sua originalidade se transforma em marca deste grupo. Segundo La Page (apud TELES, 2005) ‘todo ato de fala é um ato de identidade’. No sistema prisional as variações lingüísticas cumprem o papel de elemento identificador do grupo sendo classificada como uma forma de linguagem especial utilizada pelos detentos lhe conferindo identidade social dentro da comunidade.
Para Gnerre (1998) as linguagens especiais de igual forma possuem função social para identificar determinado grupo social e simultaneamente servem como instrumento delimitador deste grupo em relação ao meio externo. O indivíduo, para se comunicar, com o meio carcerário precisa ser conhecedor da linguagem praticada ou será reconhecido como um elemento estranho ao grupo. 
Porque geralmente é nas conversa, o preso chega e troca uma idéia. Se ver que o cara é pacato a respeito do crime, que não tem conhecimento do crime ai então eles se aproveitam. Mas se eles vê que o cara tem explicação, então passa liso (RAMALHO 1983,p.43)
O emprego de certas palavras e expressões no presídio também faz referência as “posições hierárquicas” existentes na massa carcerária, identificando assim a posição social que o indivíduo ocupa dentro da pirâmide social.
“A Faxina tem hierarquia militar”. Os recém-admitidos recebem ordem dos mais velhos e em cada andar há um encarregado que presta contas ao encarregado geral do pavilhão (VARELLA, 1999 p. 99).
3.3 AS VARIAÇÕES COMO INSTRUMENTO DE PRECONCEITO
A Variação estilística está manifestada na obra quando os indivíduos passam a utilizar um vocabulário mais formal e menos carregado de gírias com o propósito de não serem reconhecidos como parte integrante da massa carcerária pelo uso da linguagem.
É possível observar que de acordo com o ambiente ou a necessidade o sujeito faz uma nova dimensão do uso da linguagem em busca de uma adaptação momentânea, o que pode ser chamando de variação estilística ou registros (ALKIMIN, 2002, p.36) 
Já não usava mais gíria nem palavra torta e não tinha mais perversidade na alma. Estava num plano de Deus, era Jesus abreviando na minha vida, elegendo eu para continuar vivo no seu Reino, porque dois dias depois que eu saí, a PM invadiu o nove, com cachorro e metralhadora (VARELLA, 1999, p. 278)
No trecho acima fica também explícito o preconceito relacionado ao uso da linguagem carcerária, praticado não somente pela sociedade, mas também pelos próprios detentos, que não vêem com naturalidade o uso das gírias em outro meio social e que o abandono do seu uso é sinônimo de recuperação. Tal atitude reforça a idealização de que o uso da norma culta é uma fonte de prestígio, e posição social em que estas normas são as únicas formas corretas de expressão oral de determinada língua, ou seja, preconceito lingüístico associado ao preconceito social. 
 Esta visão não condiz com a realidade vivida pelos apenados, pois uma simples adequação do vocabulário aos padrões da classe dominante não é o suficiente para a integração deste indivíduo a sociedade. (BAGNO 1999)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente ao exposto, constata-se que, o processo de elaboração do discurso que Drauzio Varella usou em “Estação Carandiru”, privilegiou a análise da linguagem oral dos apenados da Casa de Detenção de São Paulo por utilizar várias expressões singulares ao meio carcerário, a chamada “linguagem do crime”. Enquanto linguagem de grupo esta se apresenta de forma viva, criativa e expressiva tendo como ferramenta fundamental as variações lingüísticas.
Tais variações cumprem um importante papel nestecontexto, com o intuito de transmitir uma realidade particular das prisões, com seus códigos e conceitos próprios.
A linguagem aqui exposta tem múltiplas funções, no entanto é salientada a função de elemento identificador do grupo, que influência tanto a organização interna quanto a relação deste com o meio externo. 
Por não manter-se completamente isolada no grupo social a qual pertence, este tipo de linguagem configura um interessante campo de estudos sociolingüísticos e necessita ser analisada com maior atenção, para desvendar a sua dinâmica de formação, finalidade do seu uso no grupo social e qual o impacto causado na sociedade. Portanto, este trabalho deixa ainda muito a ser acrescentado visto que este tema tem muito a ser explorado.
ABSTRACT:
KEYWORDS:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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� Acadêmico do 8º período do Curso de Letras. 
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