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Pós-Graduação em Educação Módulo Básico Diversidade e Inclusão Educacional Juliana Simões Bolfe FAEL Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo Coordenador Pedagógico Francisco Carlos Pierin Mendes EDITORA FAEL Autoria Juliana Simões Bolfe Gerente Editorial William Marlos da Costa Projeto Gráfico e Capa Patrícia Librelato Rodrigues Revisão Marcela Mendonça Programação Visual e Diagramação Sandro Niemicz ATENÇÃO: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente, à opinião da Fael. É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo desse material, sem autorização prévia da Fael. EDITORA FAEL Av. Visconde de Guarapuava, 5.406 Batel | Curitiba | PR | CEP 80240-010 FAEL Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427 Lapa | PR | CEP 83.750-000 Todos os direitos reservados. 2012 Diversidade e Inclusão Educacional 1 . Diversidade cultural na escola: um grande desafio Vivemos na era da globalização da economia e das comunicações, em que o multiculturalismo vem sendo também discutido e debatido devido à necessidade de se compreender como a sociedade é constituída, com base na diversidade de raças, gênero, classe social, padrões linguísticos, culturais e religiosos. O homem enche de cultura os espaços geo- gráficos e históricos. Cultura é tudo o que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura consiste em recriar e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência capaz captar o mundo e transformá-lo (FREIRE, 1979, p. 30-31). Autores como Silva (2000), McLaren (2000) entre outros acreditam que o multiculturalismo vai além da valorização da identidade cultural em termos folclóricos ou exóticos para se poder questionar a construção de diferenças e, por conseguinte, dos estereótipos e pre- conceitos contra aqueles percebidos como “diferentes” no seio da sociedade desigual e excludente. No caso da educação, e da formação de professores em sociedades multiculturais e desiguais como o Brasil, adotar o multicul- turalismo crítico como horizonte norteador significa incorporar nos discursos curriculares e nas práticas discursivas, desafios a noções que tendem à essencialização das identidades, estendendo-as, ao contrário, como constru- ções sempre provisórias, contingentes e inaca- badas (CANEN; OLIVEIRA, 2002, p. 61-62). Diante disso, no âmbito do marxismo culturalista, existe a centralidade da cultura, que é constituída das relações com a vida cotidiana individual e coletiva. As transformações culturais se desenvolvem de forma bastante aguda no nível do microcosmo. A expressão “centralidade da cultura”, tal como empregada por Hall (1997), refere-se à forma como a cultura penetra em Resumo Este texto tem por objetivo analisar como a diversi- dade e o multiculturalismo têm sido abordados no âmbito social e educacional, principalmente em relação ao cur- rículo e às práticas pedagógicas. O multiculturalismo vem sendo debatido devido à necessidade da compre- ensão da sociedade como constituída de identidades plurais. A escola é uma instituição cultural e, por isso, as relações entre os seus membros (professores, alunos e sociedade) não devem ser pensadas como dois polos independentes, mas como uma rede construída com fios interligados pelas relações do cotidiano. Percebe-se que o tema da diferença e da identidade cultural apa- rece com muita força no campo da educação, pois é evidente a clara preocupação com o entendimento e o enfrentamento do estereótipo, preconceito, discrimina- ção e racismo, assim como dos processos de inclusão e exclusão social e institucional dos sujeitos diferen- tes. Constata-se que a cultura popular sempre esteve ausente dos currículos escolares, pois eles reafirmam a superioridade de uma cultura erudita, associada a uma determinada classe social. Em decorrência disso, os conhecimentos, valores e práticas dos alunos são, em geral, ignorados pela educação escolar. Portanto, a escola pensada como espaço sociocultural imprime marcas nas vidas de todos os atores educacionais que dela fazem parte, porque é neste espaço também que as experiências sociais são (re)significadas e (re)elabo- radas num devir constante. Criar novas possibilidades que estabeleçam respeito pela diferença, elegendo prá- ticas pedagógicas que atentem essas características são premissas para que a equidade se torne um eixo nortea- dor das relações socioeducacionais. A grande tarefa no campo da educação é a busca de caminhos e métodos para rever o que se ensina e como se ensinam, nas escolas públicas e privadas, as questões que dizem res- peito à diversidade cultural, pois há sequelas profundas de racismo e de discriminação na educação. Palavras-chave Diversidade. Multiculturalismo. Educação. Currículo. Práticas pedagógicas. MÓDULO BÁSICO 2. cada recanto social, tornando-se elemento fundamental no modo como o cotidiano é configurado e modificado. Desse modo, a cultura não pode ser estudada apenas como uma variável sem importância, ela deve ser vista como algo essencial, que determina a forma, o caráter e a vida interior desse movimento. De acordo com Hall (1997), as transformações culturais buscam privilegiar determinados temas na aná- lise dos fenômenos sociais. A cultura é colocada como condição indispensável para se compreender a vida e a organização da sociedade, estabelecendo-se a matriz intelectual que propiciou a eclosão dos estudos culturais, bem como modifica práticas acadêmicas hegemônicas. Porém, isso não significa que o posicionamento a favor da centralidade da cultural não implica considerar que nada exista a não ser ela. É preciso admitir que toda prática social tem uma dimensão cultural, já que toda prática social depende de significados e com eles está estreitamente associada. É dentro deste cenário da pós-modernidade que a escola precisa atuar, um cenário que coloca novos desafios. Dessa forma, não há educação que esteja apartada da vida social e, mais especificamente, do momento histórico em que se situa; pois não se pode conceber uma experiência pedagógica desculturalizada, sem que a referência cultural esteja presente. Segundo Gómez (1998), é necessário encarar a escola como um espaço de “cruzamento de culturas” e, para isso, é preciso que ocorra o desenvolvimento de um novo olhar, de uma nova postura, e que as pessoas sejam capazes de identificar as diferentes culturas que se entrelaçam no universo escolar, e que sejam capazes de reinventar a escola, reconhecendo o que a diferencia dos demais espaços de socialização: a “mediação refle- xiva” que realiza sobre as interações e o impacto que as diferentes culturas exercem continuamente em seu universo e seus atores. O responsável definitivo da natureza, sentido e consistência do que os alunos e alunas apren- dem na sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se pro- duz na escola entre as propostas de cultura crítica, que se situa nas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cul- tura acadêmica, que se refletem no currículo; as influências da cultura social; as pressões cotidianas da cultura institucional, presente nos papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social específica, e as características da cultura experiencial, adqui- rida por cada aluno através da experiência dos intercâmbios espontâneos no seu entorno (GÓMEZ, 1998, p. 17). Desse modo, o que caracteriza o universo escolar é a relação entre as culturas, relação essa atravessada por tensões e conflitos. Isso se acentua quando prevalece uma cultura em detrimento da outra. Teodoro (1987) entende que para o processo desocialização do homem é fundamental a afirmação de uma identidade positiva. Assim, essa afirmação é um fenômeno sociocultural. O contexto social é o responsável pelo pro- cesso de identificação. Logicamente, diferen- ças raciais, étnicas, fenotípicas e regionais não podem, ou não devem, impedir a realização da identificação positiva com a cultura nacional (TEODORO, 1987, p. 35). As identidades são forjadas nas relações sociais, e as representações e/ou impressões que são cons- truídas nessas relações são fundamentais para saber como o indivíduo se define e define o outro na socie- dade. Constitui-se um desafio em valorizar identidades que foram massificadas e aviltadas nos diversos espa- ços sociais (família, comunidade, igreja, trabalho, etc.), o que torna mais importante ainda pensar em movi- mentos de interação que deem visibilidade à cultura, aos valores, às crenças dos sujeitos que compõem a sociedade, delegando à escola e aos professores um papel fundamental. Ao partir dessas afirmações, ao aceitar a íntima associação entre escola e cultura, ao ver suas relações como intrinsecamente constitutivas do âmbito da edu- cação essa constatação parece se revestir de novidade, apesar de muitos autores tratarem de práticas pedagó- gicas desafiadoras. A escola é uma instituição construí da historicamente no contexto da modernidade, conside- rada como fundamental e apta a transmitir cultura, oferecer às gerações mais jovens a cultura e o saber produzidos pela humanidade. Conceber a dinâmica da escola nesta perspectiva supõe repensar seus diferentes componentes e romper com a tendência homogeneizadora e padronizadora que DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 3. impregna suas práticas. Para Candau (2005), a escola sempre teve dificuldade para lidar com a pluralidade e a diferença, assumindo uma visão monocultural. No entanto, para a autora, abrir espaços para a diversidade, para a diferença e para o cruzamento das culturas cons- titui um grande desafio a enfrentar. Segundo Sacristán: A educação contribuiu consideravelmente para fundamentar e para manter a ideia de progresso como processo de marcha ascendente na His- tória; assim, ajudou a sustentar a esperança em alguns indivíduos, em uma sociedade, em um mundo e em um porvir melhores. A fé na educação nutre-se da crença de que esta possa melhorar a qualidade de vida, a racionalidade, o desenvolvimento da sensibilidade, a compreen- são entre os seres humanos, o decréscimo da agressividade, o desenvolvimento econômico, ou o domínio da fatalidade e da natureza hostil pelo progresso das ciências e da tecnologia propaga- das e incrementadas pela educação. Graças a ela, tornou-se possível acreditar na possibilidade de que o projeto ilustrado pudesse triunfar devido ao desenvolvimento da inteligência, ao exercício da racionalidade, à utilização do conhecimento científico e à geração de uma nova ordem social mais racional (SACRISTÁN, 2001, p. 21). Essa é a utopia que impregnou e impregna ainda hoje a educação no âmbito escolar. Esse é o modelo cultural que vem perpetuando valores sociais de uma época. Tal modelo seleciona saberes e valores mais adequados ao seu desenvolvimento. Assenta-se sobre a ideia de igualdade e do direito de todos à educação e à escola. No entanto, inúmeros estudos têm evidenciado outros olhares que veiculam uma visão homogênea dos conteúdos e dos indivíduos relacionados ao processo educacional, assumindo uma visão monocultural do ensino. ”Os diferentes”, os de origem popular, os afro- descendentes, são excluídos do universo educacional, desestabilizando o seu padrão monocultural e propondo outra realidade sociocultural. Essa nova configuração das escolas gera mal-estar, tensões e conflitos denun- ciados por professores(as) e alunos e mostram a fragili- dade do mundo contemporâneo. Em vez de preservar uma tradição monocultural, os atores educacionais precisam aprender a trabalhar com a pluralidade de culturas, reconhecerem os diferentes sujeitos em seus espaços culturais e, ainda, valorizarem as diferenças. A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença, pois é mais cômodo trabalhar com a homogeneização e a padronização. O novo desafio está em possibilitar a presença da diver- sidade e da diferença para o cruzamento de culturas. Para isso devem ser construídas práticas educativas em que a diferença e o multiculturalismo se façam cada vez mais presentes, apesar deste se constituir o grande desafio da escola na atualidade. 1.1 A diversidade cultural na legislação brasileira Com o grande apelo que o paradigma do multi- culturalismo tem tido, muitas políticas públicas têm sido desenvolvidas, mas somente algumas são cumpridas. A promessa de que a educação multicultural está pre- sente no currículo e na prática diária, deve ser uma prioridade, já que faz parte dos currículos e programas oficiais do governo. Desde o início a educação multicultural prometeu tra- tar todos os grupos como iguais. Por exemplo, ao nível da educação o que precisa é não desenvolver novas filoso- fias, mas respeitar a cultura e, sobretudo, promover uma cultura de respeito. Nesse sentido, a pluralidade cultural é um tema que vem sendo estudado por várias áreas do conhecimento, visando à abordagem da diversidade e das várias manifestações culturais presentes na sociedade. O intercâmbio entre as várias culturas pode propiciar a troca e vivências sobre práticas, costumes, regras de conduta, formas de alimentação, artes, enfim, ampliar o repertório de conhecimentos entre municípios, estados e países. No Brasil, existe uma cultura afro-brasileira que faz parte da raiz histórica do país e que não pode ficar afastada do sistema educacional. Resgatar essa cul- tura significa valorizar e enriquecer o patrimônio cultural brasileiro, trazendo a pauta aos alunos toda constru- ção coletiva historicamente criada pela humanidade, de forma contextualizada e centrada na criticidade. A pluralidade cultural é um tema que vem sendo estudado por várias áreas do conhecimento. MÓDULO BÁSICO 4. A Constituição Federal de 1988 é a primeira, entre as constituições brasileiras, que inscreve de modo explí- cito o direito ao atendimento educacional especializado dos portadores de deficiência na rede regular de ensino (Art. 208, inciso III). Inúmeras leis foram publicadas no Brasil em defesa do atendimento educacional às pes- soas com necessidades educacionais especiais nas classes regulares. A essas mudanças correspondeu também uma nova estruturação do ensino, detalhada precisamente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ção Nacional – Lei n. 9.394/96. Essa lei, em seu Título V, estabelece que a educação escolar compõe-se da educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. O objetivo da educação básica “é assegurar a todos os brasileiros a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes os meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRA- SIL, 1996, Arts. 21 e 22). Reforçando os dispositivos supracitados, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069/90, Art. 55, determina que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino” (BRASIL, 1990). Em 1999, o Decreto n. 3.298 regulamenta a Lei n. 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular. Mesmo porque, para eliminar a cultura de exclusão escolar e efetivar os propósitos e as ações referentes à educação para todos, é necessário uma linguagem consensual, com base nos novosparadig- mas educacionais da atualidade, tendo como base uma escola inclusiva. Em 2003 foi sancionada a Lei n. 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9.394/1996) e tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira no ensino fundamental e Médio e dá outras providências, como incluir o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”; prevê expressamente no caput do Artigo 26-A que, “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e Médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasi- leira”. O parágrafo primeiro afirma que: O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil. No segundo parágrafo consta que: “Os conteú- dos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. Face à existência desta lei, faz-se necessário a pro- posição de atividades ou estratégias de ação para via- bilizar o incremento desta temática a partir de vivências dos alunos. A Lei n. 10.639/2003 traz a possibilidade de introdução de discussões desmistificadoras e conquista cada vez mais espaço, com práticas inovadoras acerca da questão racial, tirando-a da transversalidade, que beira ao descompromisso, e trazendo-a para um pata- mar maior, o da inserção dentro dos currículos escolares no dia a dia do professor/aluno. O ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas deve vir acompa- nhado de toda uma contextualização, que nos levará a discussão da questão racial no Brasil em seus diversos aspectos. Contudo, não basta, por exemplo, estudar a África pela África, é necessário desvendar a África que foi escondida desde os tempos do tráfico de escravos para se justificar a escravidão. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu- cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2003) colocam que o negro, como todos os outros cidadãos brasileiros, têm o direito de cursar cada um dos níveis de ensino em escolas devidamente instala- das e equipadas, orientados por docentes preparados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos, o que significa profissionais que saibam trabalhar com diferentes situa ções decorrentes das desigualdades raciais, racismo, discriminação, de forma a conduzir a reeducação das relações entre os diferentes grupos étnico-raciais. Desse modo o sancionamento Lei n. 10.639/03 contribuiu grandemente com esses objetivos, sendo considerado um grande passo na inserção da população DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 5. A educação se coloca como um grande desafio, o de romper com o racismo. negra na educação, com a intenção de resgatar a história e a contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira. É inegável a importância da Lei n. 10.639/03, não somente para a população negra, mas para toda a população brasileira, pois havia uma grande lacuna formada pela ausência de discussão sobre o tema, o que se refletia significativamente nas ações sociais e étnico-raciais dentro do ambiente escolar. Como se pode perceber a grande tarefa dos docen- tes é buscar caminhos e métodos para desconstruir e eliminar as mazelas deixadas pelo racismo e discrimina- ção, e a Lei n. 10.639/03 vem justamente oficializar a inclusão do tema em nossos currículos. O que antes era um tema transversal, agora é parte oficial e integrante do currículo, pois consta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não pode mais ser trabalhado por opção pessoal do educador ou apenas em datas pontuais. Isso só vem confirmar que na educação urge a tomada de posições e ações efetivas de promover políticas equalizadoras. Faz-se necessário a adoção de uma postura ética que possibilite a cidadania frente à cultura e identidade de cada povo. A Lei citada trouxe, ainda, a discussão sobre a urgente necessidade de mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos e formas de tratar a diver- sidade e de encarar as relações raciais. Entretanto, para enfrentar as dificuldades encontradas nesse pro- cesso, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), lançou o Plano Nacio- nal de Implementação do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, que vai ao encontro das orientações estabelecidas nas diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, definidas em 2004. Assim, em 2008, a edição da Lei n. 11.645/2008 veio complementar a legislação, reconhecendo que indí- genas e negros convivem com problemas da mesma natureza, embora em diferentes proporções. A Lei incor- pora a História e Cultura Afro-Brasileira Africana e Indígena nas escolas, tornando obrigatório no ensino fundamental e Médio, nas escolas brasileiras públicas e particulares, a análise da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. A nova legislação (que alterou a Lei n. 9.394/96) estabelece que o conteúdo programático incluirá diversos aspectos da história e da cultura que formaram a popula- ção brasileira, levando em consideração os índios e africa- nos. Aspectos como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas brasilei- ros, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política. A inclusão da temática na educação brasileira pre- cisa estar entrelaçada com os movimentos sociais e políticas públicas para haver uma real implementação da legislação. Como se vê na inferência de Gomes (2003), é grande a necessidade de a escola assumir uma postura contra toda e qualquer forma de discriminação. Posicio- namento este que deve levar a questionamentos mais profundos acerca das relações entre as diferenças e os diferentes que, apesar de passar necessariamente por uma postura político-individual, necessita do desenvolvi- mento de políticas e práticas voltadas para a diversidade étnico-cultural no âmbito desses espaços formadores. Diante desse quadro e da necessidade de mudan- ças na formação do povo brasileiro as políticas públicas vêm ganhando fôlego e legitimidade, haja vista a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial como órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial nos âmbitos federal, estadual e municipal. Eis, então, que a educação se coloca como um grande desafio, o de romper com o racismo, e um dos caminhos, segundo Candau (2005), para a superação dessa situação é uma reflexão profunda sobre o tema e investimento na busca de soluções para esse mal que afeta a sociedade brasileira. Entretanto, a grande a dificuldade apresentada pelos educadores é que tanto negros como não negros têm MÓDULO BÁSICO 6. dificuldades em lidar com a questão e identificar a sua pertinência racial. Isso porque a escola não pode estar desvinculada da realidade histórica, social e cultural em que está inserida. Faz-se necessário, então, que assuma uma postura de mudanças nos discursos, gestos , pos- turas, modos de encarar e tratar a diversidade. Isso significa, conforme Candau (2005), que em qualquer sociedade a problemática da diversidade assume contornos diferentesde acordo com o pro- cesso histórico, relações de poder imaginários e práticas de inclusão e exclusão que incidem sobre os diferentes sujeitos e grupos. Tem-se de desvendar a riqueza cultural e identitária de um povo que construiu as bases socioeconômicas, culturais e históricas do Brasil e não só atribuir meras contribuições, tais como o futebol, o samba, a capoeira, o candomblé. É preciso desvendar os mistérios de uma religiosidade calada e marginalizada. Embora a história ensine que a diversidade é um dos fatores primordiais para o progresso material e cul- tural da humanidade, isso não se reflete nas ações, prin- cipalmente nas que acontecem dentro da escola que buscam uma padronização de comportamentos, tidos como adequados para as diferentes realidades que compõem o universo escolar. A falta de valorização dada à questão leva a um cui- dado muito grande na abordagem e no desenvolvimento do mesmo. Observa-se por parte de muitos educadores uma tendência a desvalorizar e desqualificar o discurso colocado em questão de grupos individuais justificando assim a não inserção ou discussão mais aprofundada no currículo. Diante disso, a ausência de formação dos educa- dores e a falta de subsídios trazem prejuízos ao traba- lho pedagógico, ocasionando uma grande resistência em discutir a temática ou mesmo até em admitir a sua importância nas relações entre educandos e educadores, comprometendo o processo educativo como um todo. Torna-se, então, fundamental a desconstrução de discursos e conceitos firmemente arraigados que podem atravancar irremediavelmente o desenvolvimento dos educandos e empobrecer consideravelmente o trabalho dos educadores. Mediante essa problemática, o papel dos gestores públicos se torna fundamental no sentido de garantir que a questão racial, que já é parte componente do coti- diano escolar e tem grande relevância na prática peda- gógica, seja também inserida nos currículos oficiais, de modo que a prática pedagógica não esteja distanciada das relações sociais. O termo desconstrução foi introduzido pelo filosofo francês Jacques Derrida, indicando a necessidade de comportamentos críticos de confronto das formas tota- lizantes e absolutizantes de cada tradição cultural, par- ticularmente as do Ocidente. Na desconstrução existe sempre uma disponibilidade para a realização de uma experiência de descentramento, de se sair fora das pró- prias certezas (SOUZA; FLEURI, 2003, p. 53). Pelo que se percebe o sancionamento da Lei n. 11.645/2008 vem contribuir grandemente com esses propósitos, sendo um avanço na discussão da inserção da população negra na educação brasileira, com o intuito de resgatar historicamente a participação/ contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira. A escola como instituição é, ou deveria ser, um espaço privilegiado para a construção de relações inter- culturais, possibilitando a troca de experiência entre os diferentes, o que até então tem sido tolhido por conta de uma visão eurocêntrica, que ao privilegiar uns, exclui e minimiza o valor de outros, produzindo relações desi- guais e empobrecidas que estão retratadas em nossos currículos escolares. Isto só vem confirmar a necessidade de escolher posições e práticas efetivas de promoção e incentivo de políticas de reparação no que diz respeito à educa- ção. Mas para isso não basta apenas a teoria, é preciso estabelecer metodologias que permitam converter, na prática, as contribuições étnico-culturais em conteúdos educativos. 2 . Práticas discursivas da diversidade Atualmente, a diversidade tem sido discutida em grande escala. Entretanto, o tema não pode ser tratado como um “modismo” ou uma “doação” por parte das camadas favorecidas da população e/ou identidades étnicas, raciais, de gênero e outras que têm sido sis- tematicamente caladas em currículos monoculturais, DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 7. homogeneizadores, com sérias consequências para a formação de professores e para a educação de futu- ras gerações, conforme colocam Canen (2001); Pinto (1999); Boyle-Baise e Gillette (1998), entre outros. A educação multicultural, conforme os autores citados acima, possui uma dupla dimensão, pois de um lado existe a necessidade de se promover a equi- dade no espaço escolar, percebendo o contexto e a cultura dos alunos e colaborando para a superação do fracasso escolar. Por outro lado há a necessidade de se promover a quebra de preconceitos contra aqueles percebidos como “diferentes”, de modo que se formem futuras gerações nos valores de respeito e apreciação à pluralidade cultural, e de desafio a discursos preconcei- tuosos que constroem as diferenças. Contudo, o multiculturalismo apresenta uma polisse- mia, abarcando posturas epistemologicamente diversas, e mesmo conflitantes, porque existem os que o conce- bem apenas como valorização da diversidade cultural, entendida de forma essencializada e folclórica. Nesse sentido, o multiculturalismo é reduzido a um “adendo” ao currículo regular, definido como a memorização de datas especiais, como o Dia da Consciência Negra, ou o Dia do índio, o que tem gerado críticas. Vem daí a necessidade de se discutir sentidos mais engajados com posturas teórico-críticas de transformação social, conforme colocam Boyle-Baise e Gillette (1998). O chamado multiculturalismo liberal ou de relações humanas, segundo Grant (2000), McLaren (2000), Canen e Moreira (2001), Canen (1999-2001), preco- niza a valorização da diversidade cultural sem questionar a construção das diferenças e estereótipos, e por isso tem pouco a contribuir para a transformação da socie- dade desigual e preconceituosa. Mesmo que o fato de conhecer os ritos, tradições e formas de pensar de gru- pos contribua para uma valorização da pluralidade cul- tural, essa abordagem, por si só, tende a desconhecer mecanismos históricos, políticos e sociais pelos quais são construídos discursos que reforçam o silêncio de identidades e a marginalização de grupos. A luta atual é pela superação desta postura, subs- tituindo-se a visão do professor como “conhecedor cultural” pela de “trabalhador cultural”, ou seja, pelo de agente cultural, que busca transformar relações desiguais cruzando as fronteiras culturais em seus discursos e prá- ticas, como asseveram Boyle-Baise e Gillette (1998). Boyle-Baise e Gillette (1998) e Moreira e Macedo (2001) se referem à crítica cultural permanente dos dis- cursos como a possibilidade dada aos alunos de analisar identidades étnicas, criticar mitos sociais que os subjugam, gerar conhecimento baseado na pluralidade de verdades e construir solidariedade em torno dos princípios da liber- dade, da prática social e da democracia ativista. A crítica cultural permanente dos discursos implica ressignificar o próprio discurso pedagógico, levando à segunda categoria: a hibridação discursiva que, segundo McLaren (2000), cruza as fronteiras cultu- rais, incorporando discursos múltiplos, reconhecendo a pluralidade de tais discursos e visando uma rein- terpretação das culturas, buscando promover sínteses interculturais criativas. Para Bhabha (1998) a linguagem híbrida procura superar os congelamentos identitários e as metáforas preconceituosas como “o diabo não é tão negro como parece”, “hoje é dia de branco”, entre outros que levam a uma “descolonização” dos discursos. Nesse sentido, compreender a mobilidade das iden- tidades e o seu caráter múltiplo e híbrido implica em pro- piciar práticas discursivas que contemplem uma lingua- gem também híbrida, por meio de estratégias discursivas que possam ser ressignificadas em sínteses culturais criativas, singulares, locais, móveis e provisórias. De acordo com Grant e Wieczorek (2002), uma forma de hibridização discursiva é realizada por intermédio de uma estratégiadenominada ancoragem social (social mooring), que leva a conexões entre os discursos históricos, políti- cos, sociológicos, culturais e outros, nas práticas discursivas multiculturais concretas, tendo em vista o alargamento dos quadros de referência pelos quais se compreende as rela- ções entre conhecimento, pluralidade e poder. A miscigenação entre negros e brancos, exaltada por Gilberto Freyre como um embrião da “democracia racial” brasileira e base de nossa identidade nacional – “povo mestiço”, “moreno” – foi parte da escravidão colonial. Mas o cruzamento racial não foi um processo natural, e sim determinado pela violência e exploração do português de ultramar contra o africano sob o cati- veiro (CARONE, 2002, p. 14). A discriminação pode adquirir múltiplos rostos, refe- rindo-se tanto ao caráter étnico e social, como ao gênero, MÓDULO BÁSICO 8. Preconceitos e discriminações existem e precisam ser desvelados e extintos. orientação sexual, etapas da vida, regiões geográficas de origem, características físicas e relacionadas à aparência, grupos culturais específicos. Pode-se afirmar que esta- mos imersos em uma cultura da discriminação, na qual a marca entre “nós” e “os outros” é uma prática social permanente que se manifesta pelo não reconhe- cimento dos que consideramos não somente diferentes, mas, em muitos casos, “inferiores”, por diferentes carac- terísticas identitárias e de comportamentos. A escola é cada vez mais pautada pelo caráter padronizador da igualdade e, embora procure demons- trar que todos são tratados da mesma forma, preconcei- tos e discriminações existem e precisam ser desvelados e extintos para que não reproduzam os processos dis- criminadores presentes na sociedade. Os elementos discriminadores, portanto, afetam várias dimensões: o projeto político-pedagógico, o currículo oculto e o explícito, a dinâmica relacional, as atividades em sala de aula, o material didático, as comemorações, a avaliação, a forma de se lidar com as disciplinas, a linguagem oral e escrita (as piadas, os apelidos, os provérbios populares, etc.), os comporta- mentos não verbais (olhares, gestos, etc.) e os jogos e as brincadeiras. Isso ocorre, segundo Silva (2002c), porque as expressões fortemente arraigadas no sen- tido comum, que expressam juízos de valor sobre determinados grupos sociais e/ou culturais, bem como as brincadeiras, são sensíveis às manifestações de discriminação. Essa problemática deve remeter a uma grande dis- cussão que permeia a prática dos educadores sobre a teoria e a prática, que é a grande dicotomia entre o aluno ideal e o aluno real. O aluno ideal é aquele que está dentro dos padrões ditados pela sociedade e que se adapta perfeitamente aos currículos escolares, fecha- dos; já o aluno real, que traz para a sala de aula todos os problemas reais da sociedade, desafiam a escola e os educadores a adequar os currículos escolares, promo- vendo a diversidade que não tem como ser ignorada. Dessa forma, é necessário que as políticas edu- cacionais e as práticas pedagógicas promovam uma escola de qualidade para todos, com ações que deem conta de se pensar as implicações das relações humanas no processo de construção da identidade dos sujeitos, equacionando essa relação complexa para que todos desenvolvam a capacidade de analisar criticamente o legado e a diversidade cultural da sociedade. 2.1 A diferença na educação A diversidade marca a vida social brasileira, pois aqui se encontram diferentes características regionais, diferentes manifestações de cosmologias que orde- nam maneiras diferenciadas de apreensão do mundo, formas diversas de organização social nos diferentes grupos e regiões. A diferença e a diversidade de identidade cultural aparecem no campo da educação com mais ênfase porque existe uma grande preocupação com o enten- dimento e enfrentamento dos estereótipos, preconcei- tos, discriminações e racismos, bem como dos pro- cessos de inclusão e exclusão social e institucional das pessoas diferentes. Torla (1997, p. 31) coloca algumas das formas de discriminação dos sujeitos diferentes. Racismo – consiste em sustentar que existem x raças distintas, que certas raças são inferiores (normal, intelectual e tecnicamente), e que esta inferioridade não é social ou cultural (quer dizer adquirida), mas inata e biologicamente determinada. A explicitação do racismo em forma do juízo ajuda, conforme Torla (1997), na sustentação das ações discriminatórias que tenham como base as características étnicas. Portanto, dis- criminação racial significa todo ato destinado a inferiorizar um indivíduo ou um grupo, por ter uma determinada proveniência étnica. Igualdade, diversidade e diferença – a diversi- x dade cultural, para Bhabha (1998), refere-se à cultura como objeto de conhecimento empí- rico, reconhecendo conteúdos e costumes culturais pré-dados. A diversidade representa uma retórica radical da separação de culturas totalizadas, que se fundamentam na utopia de DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 9. uma memória mítica, de uma identidade cole- tiva única. Em contraposição a essa perspectiva essen- cialista, a diferença cultural se constitui como processo de enunciação da cultura, trata-se de um processo “de significação através do qual afirmações da cultura e sobre a cultura dife- renciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade” (BHABHA, 1998, p. 63). Diferenças étnicas – as relações interétnicas x focalizam as diferenças culturais, principal- mente entre populações indígenas e afro- descendentes, ressaltando questões relativas ao preconceito, desigualdade, processos de exclusão na escola e diversas representações negativas sobre essas populações historica- mente discriminadas. Sobre as populações indígenas é importante, segundo Torla (1997), discutir problemas rela- tivos à imposição da cultura nacional hegemô- nica, que coloca dilemas para a vida destes povos e para o futuro de suas próximas gera- ções. Nesse sentido, a valorização dos povos indígenas se faz tanto pela inclusão nos cur- rículos de conteúdos que informem sobre a riqueza de suas culturas e a influência delas sobre a sociedade como um todo quanto pela consolidação das escolas indígenas que devem destacar, conforme a Constituição, uma pedagogia que lhes é própria. O estudo da cultura da África de ontem e de hoje, numa perspectiva histórica, geográ- fica, cultural e política, poderá ajudar a acabar com o racismo no Brasil, vislumbrando sob o ponto de vista ético a escravidão, a mercantili- zação e as repercussões negativas que esses povos enfrentam. Diferenças de gênero – esta temática está x entre as questões que atualmente desafiam a perspectiva de um diálogo intercultural nas ações educativas. Para Scott (1999, p. 15), “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebi- das entre os sexos”. O gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder. Desse modo, segundo o autor, ao se propor uma educação intercultural, deve-se con- siderar o fator gênero como uma categoria primordial para se explicar as relações sociais mantidas e estabelecidas pela sociedade, pois a primeira distinção social é feita por meio do sexo dos indivíduos. Conforme Scott (1999, p. 56), o gênero não é percebido necessariamente como o masculino e feminino, mas o que é construído, sentido e conquistado durante as relações sociais, pois o gênero se constrói na relação com a diferença, que não é biológica. Necessidades educativas especiais – é uma x expressão que foi consagrada na Declaração de Salamanca (1994) e se refere a todas as crianças, jovens e adultos que durante a sua vida escolar apresentam alterações no pro- cesso de aprendizagem,temporárias ou per- manentes, que requerem das escolas decisões e atitudes diferenciadas daquelas que usual- mente ocorrem para o conjunto dos alunos. Também se refere a alunos que moram na rua, alunos que trabalham, alunos com altas habi- lidades ou superdotados, alunos procedentes de minorias linguísticas, éticas ou culturais e aos alunos com deficiência. Diferenças de gerações – segundo Dayrell x (1999), as diferenças geracionais foram muito discutidas e focalizaram a infância e a juven- tude por intermédio de uma pesquisa etno- gráfica da vida de jovens que participam de grupos diferentes, por exemplo, de rap e funk, buscando compreendê-los em sua totalidade como sujeitos sociais, que constroem um determinado modo de ser jovem. Porém, a escola muitas vezes não consegue envolvê-los, não se mostra sensível à realidade vivenciada por eles na sociedade e acaba sendo apon- tada por tais estudantes como um espaço de vivência de situações discriminatórias bem maior que o espaço da rua, do trabalho e da própria comunidade. Diversidade sexual – esse grupo é formado x por gays, lésbicas e travestis. O reconheci- mento desta diversidade e a promoção de uma sociedade inclusiva passam pela equi- valência de direitos e pelas escolhas de cada um. Contudo, o tema da diversidade sexual na educação e nas instituições de ensino ainda é restrito porque existe historicamente uma posi- ção hétero-normativa muito arraigada. MÓDULO BÁSICO 10. 2.2 Diversidade e currículo A cultura popular sempre esteve ausente dos currí- culos escolares porque eles atendem a uma minoria da população escolar, o que reafirma a superioridade da cul- tura erudita e, em decorrência disso, os conhecimentos, valores e práticas da cultura popular são, na maioria das vezes, ignorados pela escola. Assim, a diversidade cultural é um tema que vem despertando a atenção dos educadores. No entanto, os estudos sobre ela ainda não tiveram força suficiente para mudar práticas educativas dos professores. [...] o currículo da escola pública das classes populares tem sido um lugar da dissipação dessas identidades, operando um distancia- mento das origens familiares culturais, borrando a identidade de classe, em nome do acesso a uma identidade padrão classe média, ilustrada e meritocrática. As consequências disso todos nós conhecemos: um processo violento de homogeneização e simplificação que tem pra- ticamente nos imobilizado e impossibilitado de pensar alternativas para a dominação, a desi- gualdade e a exclusão (COSTA, 1999, p. 64). Diante disso, muitos alunos são discriminados e, na grande maioria, acabam sendo excluídos da escola. Isso porque a escola está voltada a padrões homogêneos, incorporando práticas, conhecimentos e valores diversos dos validados pela cultura escolar, de forma a considerar alunos com alguma deficiência ou com dificuldades de aprendizagem como incapazes. O currículo “fala” de alguns sujeitos e ignora outros; conta histórias e saberes que, embora parciais, se pretendem universais; as ciências, as artes e as teorias trazem a voz daqueles que se autoatribuíram a capacidade de eleger as perguntas e construir respostas que, suposta- mente, são de interesses de toda a sociedade (LOURO, 1999, p. 88). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 96-97) expressam que “a educação escolar deve considerar a diversidade dos alunos como elemento essencial a ser tratado para a melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem [...]”. A escola, ao considerar a diversidade cultural, valoriza o respeito às diferenças, pois essas não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa e sim, fator de enriquecimento. Por isso há de se enfatizar Bordieu e Passeron, citados por Silva (2002): A dinâmica da reprodução está centrada no processo de reprodução cultural. É através da reprodução cultural dominante que a reprodu- ção mais ampla da sociedade fica garantida. A cultura que tem prestígio e valor social é justamente a cultura das classes dominantes: seus valores, seus gostos, seus costumes, seus hábitos, seus modos de se comportar e agir. Na medida em que essa cultura tem valor em termos sociais; na medida em que ela vale alguma coisa; na medida em que ela faz com que a pessoa que a possui obtenha vantagens materiais e simbólicas, ela se constitui como capital cultural. [...] Finalmente, o capital cultu- ral manifesta-se de forma incorporada, introje- tada, internalizada (SILVA, 2002c, p. 34). Souza (2001) e Santos (2003) colocam que existe a necessidade de uma orientação multicultural, nas escolas e nos currículos, que se assente de forma dinâmica visando a superar as complexas políticas da igualdade e da diferença. “As versões emancipatórias do multiculturalismo baseiam-se no reconhecimento da diferença e do direito à diferença e da coexistência ou construção de uma vida em comum além de diferenças de vários tipos” (SANTOS, 2003, p. 33). Apple (1999), um renomado autor da teoria crítica do currículo, acredita que lutas e conflitos culturais são eventos reais e cruciais na luta pela hegemonia. Sendo por isso que as explicações centradas na cultura, na política e na ideo- logia assumem hoje papel de destaque no cenário social. As práticas que priorizam a homogeneidade cultural sempre estiveram presentes nas escolas, isso se deve em muitos casos, pela ausência de recursos e de apoio, à formação precária dos educadores e às condições desfavoráveis de trabalho que se constituem obstáculos para que a cultura e a pluralidade cultural sejam efetiva- das no cotidiano escolar. É por isso que construir um currículo com base na tensão entre as formas de se trabalhar a multiculturali- dade na escola não é tarefa fácil e requer do professor nova postura, novos saberes, novos objetivos, conteúdos, estratégias e novas formas de avaliação. É preciso que o docente se disponha a reformular o currículo e a prá- tica docente com base nas perspectivas, necessidades e identidades de classes e grupos subalternalizados. Um currículo e uma pedagogia democrática, segundo Aplle, citado por Silva (2002) devem começar pelo reconhecimento dos diferentes posicionamentos sociais e repertórios culturais nas salas de aula, assim DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 11. É preciso buscar o conhecimento nas diferentes raízes étnicas, ou seja, a partir da experiência de cada um. como as relações de poder entre eles se estiverem preo cu pados com tratamento realmente igual. “[...] devemos fundamentar o currículo no reconhecimento dessas diferenças que privilegiam nossos alunos de for- mas evidentes” (SILVA, 2002c, p. 34). Entretanto, uma ação docente multiculturalmente orientada, que enfrente os desafios provocados pela diversidade cultural na sociedade e nas salas de aula, necessita de uma postura ética e ampla do professor, diferente da presente nas escolas, para que se possa entender e valorizar a grande diversidade de culturas com a qual se precisa trabalhar. Para que isso seja colocado na prática cotidiana devem existir estratégias pedagógicas variadas para lidar com a diversidade cultural. É preciso buscar o conheci- mento nas diferentes raízes étnicas, ou seja, a partir da experiência de cada um. Nesse sentido, McCarth (1998) discute sobre o processo de hibridização cultural, colocando-o como essencial para que se situe, na prática pedagógica mul- ticultural, a visão das culturas como inter-relacionadas e/ou mutuamente geradas e influenciadas. McCarth acredita que é preciso desestabilizar o modo como o outro é mobilizado e representado através do currículo e, a partir dele, procurar sempre fazer o confronto de diferentes perspectivas, pontos de vista, obras literárias e interpretações dos eventos históricos, a fim de favo- recer o entendimento de como o conhecimentotem sido escrito e como o mesmo pode ser reescrito de outra forma. Isso proporcionará aos alunos a compre- ensão das relações existentes entre as culturas, as rela- ções de poder nas diferentes manifestações culturais e também das diversas leituras que podem ser feitas por distintos olhares. MacCarth (1998) defende que é preciso ser colo- cado com clareza no currículo a forma como foi cons- truído um dado conhecimento, como as raízes históricas e culturais desse processo são usualmente esquecidas e esse conhecimento é visto como indiscutível, neutro, universal, intemporal. O que se propõe não é a expansão dos conteúdos curriculares usuais para se incutir a crítica dos diferen- tes artefatos culturais que circundam o aluno, mas sim transformar a escola num espaço de crítica cultural, a fim de proporcionar ao estudante a compreensão de que tudo que passa por “natural” e “inevitável” precisa ser questionado e, consequentemente, transformado, como coloca Sarlo (1999). Logo, é preciso partir do princípio de que não é possí- vel fazer com que membros de uma minoria cultural sejam incluídos nos conteúdos e práticas dos currículos escolares se a cultura escolar, de modo geral, não tratar o currículo de forma multicultural, incluindo nele a questão da diversi- dade. Mas para isso é necessário trabalhar de forma dife- renciada do modelo dominante, engajando nela a direção da escola, a equipe pedagógica, professores, pais, alunos e demais agentes que fazem parte da instituição escolar. Isso porque a cultura escolar deve ser compreendida não apenas como uma discussão de conteúdos a serem colo- cados nos currículos, mas como algo real, pois ela é viven- ciada em práticas cotidianas da sala de aula. Segundo Sacristán (1995), os alunos já possuem um conhecimento de mundo, ou seja, de sua realidade, por isso a escola deve ressaltar a força de um currículo extraescolar que servirá como uma ponte para que os educadores exerçam o papel de mediadores e possam retratar a perspectiva multicultural a partir de uma rea- lidade mais ampla do que as do currículo escolar. Esse autor acredita que ao se aplicar no currículo a questão da diversidade cultural, é preciso fazer com que ela não se torne uma ameaça à preservação da própria identi- dade, seja da cultura dominante ou das minorias segre- gadas. Assim, a junção de diversas culturas deve levar em consideração as condições sociais e econômicas concretas de cada sociedade. Por isso, como estratégia, o autor coloca quatro pontos fundamentais para o sucesso na elaboração de um currículo que possibilite a diversidade cultural: 1) for- mação de professores; 2) planejamento de currículos; 3) desenvolvimento de materiais apropriados; 4) análise e revisão crítica das práticas vigentes. Uma outra questão que merece destaque no currículo é a avaliação escolar e suas relações com a problemática MÓDULO BÁSICO 12. da diversidade cultural e da diferença social. Não pode mais haver uma avaliação realizada de maneira arbitrária e descontextualizada. A avaliação tem de ser redimensionada para superar o autoritarismo, para deixar de ser instrumento de coerção, exclusão, controle e punição e se tornar parte do processo de construção do conhecimento. Esteban (2001, p. 16) assevera que “a avaliação que impede determinadas vozes é uma prática de exclu- são na medida em que vai selecionando o que pode e deve ser aceito na escola”. Nesse sentido, a avaliação construída a partir da classificação das respostas do aluno em erros ou acertos impede que o processo de ensino-aprendizagem incorpore a riqueza presente nas propostas escolares, e acaba por não valorizar a diver- sidade de conhecimentos e o processo de sua constru- ção e socialização. Na organização curricular é preciso ter em mente as várias ideologias: a da escola, do aluno e do professor, pois são elas que fomentarão subsídios na construção de um currículo que atenda a todas as culturas. O texto do documento sobre pluralidade cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais coloca: “saber discutir pluralidade a partir das diferenças dos próprios alunos é um modo de conduzir o tema de forma mais próxima da realidade brasileira” (BRASIL, 1997, p. 15). Assim, o trabalho com a questão da identidade nas escolas, mesmo hoje com a mudança de paradigmas, ainda não se faz presente em sua totalidade. Por isso os planejamentos pedagógicos, conteúdos, currículo, avaliação, etc. precisam ser reestruturados a fim de que sejam abandonadas as práticas educacionais tradicio- nais que descredenciam valores e invalidam os saberes e práticas sociais, levando, muitas vezes, à repetência e à evasão escolar. 3 . Estratégias para o trabalho em sala de aula A complexidade da questão racial no Brasil, nas diversas expressões e dimensões que constituem as desigualdades e que excluem quase que 50% da popu- lação brasileira, segundo dados do IBGE do ano 2000, composta de pretos e pardos, faz com que sejam neces- sárias diversas formas de ação e de luta para combater e eliminar o racismo e todas as suas consequências. Essas ações vão desde ações simples, indivi duais, cotidianas, passam pelo trabalho e mobilizações de ONGs grandes e pequenas, indo até a formulação de políticas públicas que possibilitarão a garantia da efetivação dos direitos. Segundo Morin (2001, p. 26), “a escola é um local formado por uma população com diversos grupos étnicos, com seus costumes e suas crenças”. Para o autor, a cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores e mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Diante disso, uma das questões fundamentais para serem trabalhadas no cotidiano escolar, na perspectiva da promoção de uma educação atenta à diversidade cultural e à diferença, diz respeito ao combate à dis- criminação e ao preconceito, tão presentes na nossa sociedade e nas escolas. Por isso, diante da grande diversidade de culturas é preciso que o professor saiba quais objetivos e resultados pretende alcançar com uma atividade para que os alunos tenham as mesmas opor- tunidades, mas com estratégias diferentes. O trabalho diversificado envolve atividades realizadas em grupos ou individualmente previamente planejadas ou de livre escolha por aluno e/ou professor. Diversifi- car, entretanto, não significa formar grupos homogêneos com as mesmas dificuldades, a diversidade existente no grupo favorecerá a troca de experiência e o crescimento de cada um. Para compreender o desenvolvimento das crianças é preciso considerar o espaço em que elas vivem e a maneira que constroem significados, pois mediante um mesmo grupo de formação, nem todos os aprendizes vivem a mesma experiência, nem todos os indivíduos pertencentes da mesma faixa etária seguem necessa- riamente o mesmo curso. Nem os alunos que seguem a escolaridade na classe vivem a mesma história de for- mação e saem com os mesmos conhecimentos. Perrenoud (2000) coloca que enfrentar o desafio de propor um ensino que respeite a cultura da comuni- dade significa constatar cada realidade social e cultural com a preocupação de traçar um projeto pedagógico para atender a todos sem exceção. Essa afirmativa está amparada pelo Art. 210 da Constituição Federal e na Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação: DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 13. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valo- res culturais e artísticos, nacionais e regionais. É por isso que a constante busca de alternativas para trabalhar e respeitar as diferenças pode levar à transformação das desigualdadesem aprendizagem e em êxito nos estudos. Na maioria das vezes os professores não estão preparados para lidar com as diferenças e muitos deles se mostram predispostos a não esperar o melhor resultado do estudante negro e pobre (MUNANGA, 2000, p. 14). As dificuldades dos professores começam, de um lado, quando o professor pelo total despreparo não sabe lidar com essa diversidade cultural e finge que conhece; e do outro, os alunos que não se enquadram nos padrões estabelecidos pelo professor de um “aluno ideal”, então, evadem da escola. Todos os preconceitos e discriminações que permeiam a sociedade brasileira são encon- trados na escola, cujo papel deve ser o de preparar futuros cidadãos para a diversidade, lutando contra todo o tipo de preconceito. Mas na prática, ela acaba é reforçando o racismo (MUNANGA, 2000, p. 14). Conforme Munanga (2000), pensar na dinamici- dade e complexidade do espaço escolar e da sala de aula é procurar perceber também a produção e repro- dução de práticas e ações discriminatórias que ocorrem quotidianamente. Segundo o autor, submeter a escola aos desígnios da promoção e integração dos indivíduos ao seu meio social leva a perceber que essa instituição exerce um papel diferenciado na vida de negros, pois as instituições pedagógicas são organizações elaboradoras e difusoras da concepção de mundo dominante. Silva (1995), entre outros, demonstra que a forma- ção docente apresenta sérias lacunas no que se refere à reflexão e discussão em torno das diferentes vozes que circulam no espaço escolar. Na escola, alguns alunos são “sacrificados” muitas vezes pela falta de formação e infor- mação dos professores ou, ainda, por assumir uma postura ideológica/educacional que não considere tais diferenças. Outros elementos relacionados tanto ao trabalho quanto à formação docente no que concerne às dife- renças e à diversidade cultural podem ser destaca- dos por Gomes apud Pinto (1999, p. 88), tais como: a) falta de um projeto pedagógico que contemple a diversidade do povo brasileiro; b) falta e insuficiência de material didático e paradidático que subsidiem o trabalho em que se torne visível e traga à tona as facetas do racismo no espaço escolar; c) desconexão existente entre as demandas dos sujeitos que com- põem a escola e os saberes e conhecimentos que lhe são destinados. Tais problemas configuram um cenário de descaso das identidades neste espaço, pois: “[...] os professores alegam pouco preparo para abordar questões que tra- tam de discriminação, preconceitos, diferenças culturais, em sala de aula” (GOMES apud PINTO, 1999, p. 89). Segundo Mrech (1999), há uma crença na exis- tência de um aluno ideal, que respeita as normas e consegue aprender e os que se afastam desse modelo são excluídos. As crianças chamadas “problemas” têm características baseadas em: fracas, lentas, agitadas, apáticas, indisciplinadas, agressivas, desatentas. Carre- gam durante a vida o sentimento de incapacidade de aprender e as culpa pelo próprio fracasso. As singulari- dades devem ser respeitadas e as diferenças trabalha- das para a mobilização social. Por isso, de acordo com Mrech (1999), após detectar as dificuldades para trabalhar a diversidade cul- tural é preciso: montar um projeto de intervenção para escola, x detectando junto com os alunos as necessida- des e os interesses reais deles para se traba- lhar a diversidade cultural; envolver os professores por meio de palestras x para que se motivem a trabalhar de forma interdisciplinar atividades diversificadas, num ambiente de cooperação, em que as decisões serão coletivas e comprometidas com os obje- tivos, as etapas do projeto e a avaliação; ter um espaço apropriado na escola para o x aluno demonstrar as suas habilidades, sua cultura, desenvolvendo uma aprendizagem significativa, numa perspectiva social (escola/ professor/aluno/pais/comunidade). transformar o ambiente escolar num local de x formação de alunos ativos, criativos, solidários e com uma consciência crítica do real papel do ser humano no ambiente em que vive. MÓDULO BÁSICO 14. As questões relativas às relações entre educação esco- lar e cultura são complexas e afetam diferentes dimensões das dinâmicas educativas. Consequentemente, o desenvol- vimento de um currículo multiculturalmente orientado não envolve unicamente introduzir algumas práticas pedagógi- cas ou agregar conteúdos, o que corresponderia apenas a uma abordagem que Banks (1999) intitula de “aditiva”. Não basta acrescentar temas, autores, celebrações etc. É necessária uma releitura da própria visão de educação. Também é indispensável desenvolver um novo olhar, uma sensibilidade diferente, pois o caráter monocultural está muito arraigado na educação escolar. Assim, ques- tionar, desnaturalizar e desestabilizar essa realidade é um passo fundamental para acabar com o preconceito e a discriminação às diferentes culturas. Contudo, reinventar a cultura escolar não é tarefa fácil; exige persistência, vontade política e acreditar na construção de uma sociedade demo- crática a partir da articulação entre igualdade e diferença, privilegiando-se o multiculturalismo no interior da escola. O primeiro aspecto a se considerar é partir de uma visão ampla dos desafios da sociedade globalizada, excludente e multicultural, contextualizando um olhar mais abrangente e menos excludente sobre a mesma. Outra questão importante, segundo Munanga (2000), é favorecer uma reflexão de cada educador sobre a sua própria identidade cultural: como é capaz de descrevê-la, como tem sido construída, que referentes têm sido privilegiados e por meio de que caminhos. Os níveis de autoconsciência da própria identidade cultural, na maior parte das vezes, não se encontram presentes e não costumam ser objeto de reflexão pessoal. Repensar os lugares comuns, as leituras hegemô- nicas da cultura e de suas características, como das relações entre os diferentes grupos sociais e étnicos, constitui outro aspecto que carece discutir e aprofundar. Outro ponto que precisa ser trabalhado na formação de professores, na visão de Munanga (2000), é a interação dos grupos culturais e étnicos, pois ao falar de identidade de uma cultura em um determinado tempo e espaço e no interior de um grupo, é preciso propiciar interação que incorpore uma sensibilidade antropológica e estimule a entrada no mundo do outro. Isso porque o que se espera é a formação de agentes sociais e culturais que estejam a serviço de uma sociedade mais democrática e justa. Todos esses aspectos são importantes na formação do professor para que sejam reavaliadas as questões curriculares e a dinâmica interna da escola. O principal propósito é que o docente venha a descobrir outra pers- pectiva, assentada na centralidade da cultura, no reco- nhecimento da diferença e na construção da igualdade. Atualmente, um dos grandes desafios da escola também consiste na dificuldade de se desenvolver um projeto político-pedagógico que estabeleça uma visão real da práxis pedagógica em relação à diversidade cul- tural para a mobilização das competências dos alunos. Se a escola tem um projeto pedagógico que não atende às diferenças individuais, gera um desprazer, indisciplina, agressividade e, consequentemente, a mar- ginalização e o fracasso. Por isso, o trabalho pedagógico deve ter uma visão democrática, admitindo as diferenças como um elemento fundamental no ensino-aprendiza- gem para vislumbrar o crescimento de um novo homem e uma nova sociedade. Como ressalta Barbosa (1991), muitas vezes, na atividade educacional, tem-se feito referência à interdis- ciplinaridade, principalmente por ocasião da elaboração dos planejamentos anuais, mas nunca se chega a um consenso de que modo fazê-lo. Barbosa (1991) resgata a ideia de totalidade para o conhecimentobuscando inter-relacionar as diversas dis- ciplinas para atingir a com preensão orgânica do conhe- cimento ou abarcar a globalidade do conhecimento no sentido de conduzir o comportamento humano. Morin (2001, p. 57) considera que “o homem é ao mesmo tempo singular e múltiplo”. Para ele existem duas tendências que envolvem essa afirmativa: os que veem que a diversidade das culturas tendem a minimizar ou ocultar a unidade humana; e os que veem que a unidade humana tendem a considerar como secundária a diversidade das culturas. Ao contrário, “é apropriado conceber a unidade que assegure e favoreça a diversi- dade, a diversidade que se inscreve na unidade [...]”. Assim sendo, na busca por uma mudança na área educacional, a interdisciplinaridade é imprescindível. A escola deve ser pensada como um local de pluralismo de culturas e pode fortalecer o seu trabalho com grupos e currículos multiculturais, impulsionando a valorização das diferentes culturas e promovendo a sua autonomia como uma escola que busca dialogar com todas as culturas e concepções de mundo, facilitando o trabalho com a diversidade cultural na escola. DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL 15. Portanto, a escola deve se reestruturar, rom- pendo com os mecanismos burocráticos e alienantes que caracterizam o processo educativo, como afirma Fazenda (1991, p. 57): a superação das barreiras entre as disciplinas consegue-se no momento em que instituições abandonem seus hábitos cristalizados e portam em busca de novos objetivos e no momento em que as ciências compreendam a limitação das barreiras de seus aportes. Mas a eliminação das barreiras entre as pessoas, produto de preconceitos, falta de formação adequada e comodismo complica sua aplicação e a tarefa deman- dará a superação de obstáculos psicossociológicos, cul- turais e materiais. Cabe, ainda, à gestão escolar acompanhar e fornercer subsídios para o trabalho pedagógico dos educadores, buscando uma necessária reflexão sobre o verdadeiro papel cumprido pela escola, direta e indi- retamente, no que tange a questão da diversidade. Outro fator importante também é a valorização da diversidade como quesito enriquecedor do trabalho pedagógico, passando pela discussão das influências pelo educador. Pelo que se percebe, um dos desafios da escola é encarar a diversidade cultural como meio de transformar a escola e a sala de aula num ambiente de “aprendiza- gem significativa”. Não é um processo simples; exige que a escola assuma uma postura de mudanças, de reinvenção, ou seja, exige uma nova escola, desde o planejamento curricular até a execução de novas estra- tégias, e de mudanças na estrutura física da escola. Frequentemente, a diversidade é utilizada como instru- mento de opressão, de exploração e mesmo de exter- mínio de grupos humanos. “A diferença – característica que constitui verdadeiro patrimônio da humanidade – acaba sendo manipulada, em prejuízo de certos grupos humanos” (BENTO, 2002, p. 15). Visando à implementação da diversidade cultural na escola, a Lei n. 11.645/2008, que alterou a Lei n. 10.639/2003, estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena e trouxe a possibilidade de introdução de discussões desmistificadoras e práticas inovadoras acerca da ques- tão racial, tirando-a da transversalidade e inserindo-a nos currículos escolares para que se efetive um com- promisso com a cidadania para todos e não apenas de grupos isolados. Para isso, o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena deve vir acompa- nhado de uma contextualização, que levará, consequen- temente, à discussão da questão racial no Brasil, em seus diversos aspectos. A sociedade tem se utilizado do conceito de diver- sidade como elemento fundamental para a convivência social, mas este muitas vezes é tratado como “singular”, como se fosse possível falar em uma única diversidade. Diante dessa problemática, o papel dos gestores públicos se torna primordial no sentido de garantir que a questão racial, que já é parte integrante do cotidiano esco- lar e tem influência relevante na prática pedagógica, seja também inserida nos currículos oficiais agrupando a outras discussões consideradas importantes, de modo que a prá- tica pedagógica não esteja separada das relações sociais, já que se pretende formar cidadãos de fato e de direito. Portanto, a escola pensada como espaço de plu- ralismo de culturas pode fortalecer seu trabalho com grupos e currículos multiculturais, impulsionando a valo- rização das diferentes culturas, criando novos mecanis- mos que possam estabelecer respeito pela diferença e elegendo práticas pedagógicas que atentem e não camuflem quaisquer discriminações. Referências APPLE, M. W. Power, meaning and identity: essays in cri- tical educational studies. New York: Peter Lang, 1999. In: SILVA, G. F. da. 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