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Aula sobre Foco Narrativo e o Personagem

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1 
 
 
INSTITUTO DE HUMANIDADES E LETRAS – IHL 
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DISCIPLINA: TEORIA DA LITERATURA II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEXTOS1: 
 
O NARRADOR: FOCO NARRATIVO E PONTOS DE VISTA 
 
E 
 
A PERSONAGEM NA NARRATIVA FICCIONAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROFESSOR: JOÃO BATISTA PEREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 Reprodução de material elaborado por Analice Pereira e Marta Célia Feitosa 
 
2 
 
 
INSTITUTO DE HUMANIDADES E LETRAS – IHL 
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS 
 
 
DISCIPLINA: TEORIA DA LITERATURA II 
PROFESSOR: João Batista Pereira 
 
 
O NARRADOR: FOCO NARRATIVO E PONTOS DE VISTA 
 
 
Se Deus pudesse contar a estória do Universo, 
o Universo se tornaria fictício. 
 E. M. Forster 
 
 A posição do narrador pode variar dentro da narrativa e, conforme o raciocínio de Theodor 
Adorno (1980), essa postura do narrador caracteriza, em certa medida, a narrativa moderna. É 
importante lembrar que esse raciocínio recupera uma ideia de Walter Benjamin (1994), quando ele 
declara no artigo O narrador. Observações sobre a obra de Nikolai Leskow que a narração está 
em vias de extinção; não se pode mais narrar como antigamente, devido às novas condições de 
vida próprias da modernidade e à barbárie em que vive o ser humano no século XX. 
 
 São muitas as teorias acerca do narrador, condição que impõe a necessidade de lembrar 
que elas não devem ser encaradas como instrumentos de aplicabilidade, sob o risco de o crítico 
cair em arbitrariedades. A teoria deve ser encarada como um instrumento de reflexão a partir do 
qual, ou em cujo amparo, podemos justificar nossas interpretações. Reiteramos, também, que o 
narrador é parte inerente da narrativa, a voz e/ou olhar que direciona a narração, capaz de 
mobilizar-se numa relação intrínseca com outras categorias narrativas, a exemplo do personagem, 
da ação, do enredo, do espaço e do tempo. É ele quem comanda a narração; é sob sua ótica que 
a narração se dá; sua mobilidade é resultado de técnica narrativa criada pelo escritor. Podemos 
citar vários exemplos de narrativas, sobretudo de romances, em que a inovação do escritor está 
justamente na criação de uma figura de narrador que deixa o leitor impactado mediante o que lê. 
Dom Casmurro, de Machado de Assis, é um exemplo clássico do que tentamos explicar aqui. Mas 
temos muitos outros. Dois irmãos, de Milton Hatoum, também é um excelente exemplo. Agora 
contextualizemos: o primeiro é do início do século XX e o segundo é do início do século XXI. 
Ambos escritos no Brasil e por escritores brasileiros. 
 
1. Autor > Autor-implícito > Narrador 
 
Pode-se encontrar diversas terminologias acerca do narrador que são, de alguma 
maneira, sinônimas: “ponto de vista”; “foco narrativo”; “visão”; “ângulo de visão” etc. sempre se 
referindo ao olhar do narrador (ou mesmo à sua voz) sob o qual a história é contada. Destacamos 
o estudo de Dal Farra (1978), que discute um aspecto importante que amplia as discussões 
acerca dos pontos de vista narrativos. A autora nos apresenta em seu texto a categoria do “autor-
implícito”, do crítico americano Wayne Booth, que, nas considerações sobre o narrador, insere a 
tese de que os pontos de vista narrativos devem ser considerados em sua relação de dependência 
com o “autor-implícito”, espécie de uma persona que nem é o escritor, nem é o narrador, mas uma 
espécie de “porta-voz”. Para Wayne Booth, segundo Dal Farra (1978, p. 20-21), 
 
[...] não há, na verdade diferença radical entre o romance de primeira e o de 
terceira pessoa, porque ambos os romances comportam um narrador como 
máscara do autor. [...] Quando ele [o autor] escreve, não cria somente um man in 
general ideal e impessoal, mas cria juntamente com sua obra uma versão 
implícita de si mesmo: o seu ‘autor-implícito’. Esse ‘eu’ raramente ou nunca é 
idêntico à imagem do narrador, porque assegura a função crítica através da 
distância que mantém em relação a este. Caleidoscópio formado pelo mesmo 
número de elementos constitutivos, o autor reflete uma imagem específica em 
cada trabalho que assina. (grifos da autora). 
 
3 
 
Considerar a categoria do “autor-implícito” ajuda a entender porque um mesmo escritor 
pode compor obras tão diferentes entre si no que se refere ao foco narrativo, ou seja, transitar 
entre os vários tipos de narradores e seus respectivos focos. O romancista brasileiro, Milton 
Hatoum, é mestre nisso: seus romances são bastante diferentes em se tratando desse recurso, o 
que podemos afirmar que, para cada romance há uma técnica narrativa diferente, intrinsecamente 
ligada ao enredo que se deseja narrar e que isso se deve à ótica do “autor-implícito”, ou seja, esse 
ser que “[...] não é nem o autor e nem o narrador, mas a versão superior do autor que o criou. Ele 
é a própria teia na qual o narrador se movimenta, tecido e fluido que lhe dão vida. (DAL FARRA, 
1978, P. 21). 
 
Assim sendo, podemos dizer que a escolha por este ou aquele foco narrativo está 
intimamente ligada a essa entidade categorizada como “autor-implícito” e que considerá-lo em 
nossas análises-interpretações nos permite entender que, mesmo em se tratando de obras que se 
queiram autobiográficas, a realidade nelas prestadas é discutível e, por isso, uma confissão pode 
também ser considerada ficção, tomando aqui por empréstimo termos de Antonio Candido (2006) 
quando da análise de algumas obras de Graciliano Ramos, a partir das quais o crítico levanta 
questões que dizem respeito ao grau de realidade (sobretudo da vida pessoal) impressa na obra 
do escritor alagoano. 
 
2. Ponto de vista narrativo: uma questão de predominância e não de exclusividade 
 
Para ressaltar a mobilidade do narrador dentro da narrativa, que o ponto de vista narrativo, 
em determinadas obras, deve ser analisado no sentido de entender a sua predominância e não, 
apenas, como um ponto exclusivo, principalmente em se tratando de narradores modernos, 
resgatamos o romance Dois irmãos, de Milton Hatoum. Quem conta a história é o narrador Nael, 
que também é personagem, portanto seu ponto de vista é, a princípio, de primeira pessoa. No 
entanto, a narração sob o seu comando também se alimenta de outras narrações por outros 
narradores: seu avô, Halim, e sua mãe, Domingas. Além disso, Nael conta a história de outros 
personagens, história que também é sua. O ponto de vista narrativo nesse romance, portanto, 
varia: ora é de primeira pessoa, ora é de terceira. A isso também podemos dar o nome de foco 
narrativo. Importante lembrar que o foco narrativo designa quem narra os fatos ou acontecimentos 
do enredo seja em conto, crônica, novela ou romance. 
 
Ao retomar a discussão sobre os pontos de vistas do narrador, uma referência importante, 
o livro O foco narrativo, de Lígia Chiappini Leite. A autora toma como ponto de partida Platão e 
Aristóteles e suas teses sobre a imitação e a narração, para chegar à tipologia de Norman 
Friedman (2002), cuja elaboração se baseou em outras teorias. Essa escolha se deve ao fato de 
ele considerar as diversas possibilidades de o narrador trafegar pela narrativa assumindo, ora um 
foco de primeira pessoa, quando ele é, também, personagem da história, podendo ser nominado 
de narrador-personagem, ora um foco de terceira pessoa, quando o narrador não participa da 
história, podendo ser denominado de narrador-observador. Para ampliar essa tipologia de foco 
narrativo, acrescentemos mais um: o da onisciência. Teremos, assim, o seguinte quadro: 
 
 
 
 
Narrador-personagem 
(em primeira pessoa) 
 
 
Narrador-observador 
(em terceira pessoa) 
 
Narrador-onisciente 
(em terceira pessoa, podendotambém adotar o foco de 
primeira pessoa) 
 
 
Narra a história na 1ª pessoa, 
porque também é personagem, 
participando das ações. E, pelo 
fato de também vivenciar o 
enredo, o narrador de primeira 
pessoa apresenta uma relação 
bastante próxima com os 
demais elementos da narrativa, 
revelando questões que só ele 
conhece. 
 
 
Narra a história na 3ª pessoa, 
sem participar das ações. 
Diferentemente do narrador 
de primeira pessoa, o 
narrador-observador narra 
com certa distância e, até, 
imparcialidade. Por seu 
distanciamento, não conhece 
intimamente os personagens 
nem as ações vivenciadas. 
 
Narra em 3ª pessoa, podendo, 
também, adotar o foco de 1ª 
pessoa. O narrador onisciente 
tem esse nome porque conhece 
tudo que envolve os 
personagens: sentimentos, 
emoções e pensamentos, 
podendo revelar vozes que vêm 
do interior dos personagens 
(monólogo interior). 
 
4 
 
Tendo por base essas três maneiras de se contar uma história no reino da ficção, 
Friedman (2002) considera as possibilidades de focos narrativos e/ou pontos de vista abaixo. 
 
� Autor onisciente intruso 
� Narrador onisciente neutro 
� “Eu” como testemunha 
� Narrador-protagonista 
� Onisciência seletiva múltipla 
� Onisciência seletiva 
� Modo dramático 
� Câmera 
 
É importante destacar que em suas categorizações o crítico preconiza a questão do foco 
narrativo como algo que pode estar predominando na obra e não em seu estado puro. Em uma 
mesma obra pode acontecer de o narrador adotar diversos focos narrativos, o que não significa 
dizer que, necessariamente, o narrador, a partir de seu foco, apareça em seu estado puro, ou seja, 
adotando um único e exclusivo ponto de vista. 
 
 
� Autor Onisciente intruso 
 
Trata-se de uma categoria de narrador, cujo foco demonstra onisciência, conhecimento e 
domínio das ações, sentimentos e pensamentos dos personagens e que, além disso, ou mesmo 
justamente por isso, intromete-se na narração. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Vejamos um exemplo de um trecho extraído do romance Memórias póstumas de Brás 
Cubas, de Machado de Assis (2008, p, 111): 
 
 “Há aí, entre as cinco ou dez pessoas que me lêem, há aí uma alma sensível, que está 
decerto um tanto agastada com o capítulo anterior, começa a tremer pela sorte de 
Eugênia, e talvez... sim, talvez, lá no fundo de si mesma, me chame cínico. Eu cínico, 
alma sensível?” 
 
 Neste excerto do romance machadiano narrador, de forma indiscriminada, remete o 
discurso aos seus possíveis leitores, faz digressões sobre o que acontecera no capítulo anterior, o 
que provocará alguma reviravolta na sorte de Eugênia e, ainda, se compraz em fazer uma reflexão 
a respeito do próprio comportamento e caráter. 
 
 
� Narrador onisciente neutro 
 
Basicamente, a diferença entre esse tipo de narrador e o anterior está na ausência das 
intromissões que faz, inclusive, junto ao leitor. 
 
 
 
 
 
Onisciência significa literalmente, aqui, um ponto de vista totalmente ilimitado – e, 
logo, difícil de controlar. A estória pode ser vista de um ou de todos os ângulos, à 
vontade: de um vantajoso e como que divino ponto além do tempo e do espaço, 
do centro, da periferia, ou frontalmente. Não há nada que impeça o autor de 
escolher qualquer deles ou de alternar de um a outro o muito ou pouco que lhe 
aprouver. A marca característica, então, do Autor Onisciente Intruso é a presença 
das intromissões e generalizações autorais sobre a vida, os modos e as morais, 
que podem ou não estar explicitamente relacionadas com a estória à mão. 
(FRIEDMAN, 2002, p. 173) 
[...] a distância entre a estória e o leitor pode ser longa ou curta, e pode mudar a 
seu bel-prazer – com frequência por capricho e sem desígnio aparente. A 
característica predominante da onisciência, todavia, é que o autor está sempre 
pronto a intervir entre o leitor e a estória e, mesmo quando ele estabelece uma 
cena, ele a escreverá como a vê, não como a vêem seus personagens. 
(FRIEDMAN, 2002, p. 175) 
 
5 
 
 Há, na literatura brasileira, exemplos de escritores que se utilizam desse tipo de narrador. 
Observemos um trecho extraído do conto “O primeiro beijo”, de Clarice Lispector (1996): 
 
“E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na 
boca ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e 
não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o 
corpo todo. 
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao 
penetrar pelo nariz secava ainda mais a saliva que pacientemente juntava. 
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou 
por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos 
apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos.” 
 
 Percebe-se nessas passagens que se trata de um narrador em terceira pessoa onisciente, 
pois sabe tudo o que sente e pensa o personagem. Além de repassar ao leitor as suas sensações 
físicas, reações corporais e impressões sobre o mundo, ele deixa que o que leitor tome 
conhecimentos até mesmo dos seus pensamentos. 
 
 
� “Eu” como testemunha 
 
Esse tipo de narrador leva essa nomenclatura porque vivencia as ações e, por isso, 
também pode testemunhar as ações dos personagens sobre os quais narra. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Sendo vários os romances da literatura brasileira em que predomina esse tipo de narrador, 
citamos abaixo um trecho de Dom Casmurro, de Machado de Assis (2008, p. 39): 
 
 “Uma noite dessas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central 
um rapaz aqui no bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, 
sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A 
viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, 
porém, que como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou 
para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.” 
 
 Ao trazer esse trecho como exemplo desse tipo de narrador, reforçamos os postulados 
críticos frente à obra machadiana, na qual se apresenta como qualidade incontestável o fato de 
ser uma história contada em primeira pessoa, incorrendo no desenvolvimento de uma técnica 
narrativa a que se deve muito do seu sucesso: manter, até o final, a dubiedade da traição de 
Capitu. 
 
 
� Narrador-protagonista 
 
Assim como o tipo de narrador apresentado anteriormente, o “narrador-protagonista” 
também vivencia as ações que narra. A diferença está em o narrador-testemunha ter muito mais 
mobilidade, pois o seu papel está subordinado à história que conta, devendo, assim, ampliar sua 
visão para “testemunhar” o que ocorre com os demais personagens, enquanto que o narrador-
protagonista 
 
 
 
 
Muito embora o narrador seja uma criação do autor, a este último, de agora em 
diante, será negada qualquer voz direta nos procedimentos. O narrador-
testemunha é um personagem em seu próprio direito dentro da estória, mais ou 
menos envolvido na ação, mais ou menos familiarizado com os personagens 
principais, que fala ao leitor na primeira pessoa. (FRIEDMAN, 2002, p. 175-176) 
se encontra centralmente envolvido na ação. O narrador-protagonista, portanto, 
encontra-se quase que inteiramente limitado a seus próprios pensamentos, 
sentimentos e percepções. De maneira semelhante, o ângulo de visão é aquele do 
centro fixo. (FRIEDMAN, 2002, p. 175-176) 
 
6 
 
Selecionamos, para ilustrar esse tipo de narrador, o romance Estorvo, de Chico Buarque 
(1991, p, 11): 
 
“Para mim é muito cedo, fui deitar dia claro, não consigo definir aquele sujeitoatravés do 
olho mágico. Estou zonzo, não entendo o sujeito ali parado de terno e gravata, seu rosto 
intumescido pela lente. Deve ser importante, pois ouvi a campainha tocar várias vezes, 
uma a caminho da porta e pelo menos três dentro do sonho.” 
 
Verifica-se pelo trecho aqui apresentado que esse narrador também conta a história em 
primeira pessoa, mas, diferentemente de Dom Casmurro, em Estorvo, a narrativa é centrada nas 
ações desse personagem que é protagonista e, também, o narrador da história. Seu ângulo de 
visão é fixo, assim como o olho mágico, do qual ele inicia e pelo qual desenvolve sua trama. 
 
 
� Onisciência seletiva múltipla 
 
Nesse tipo de foco narrativo, a presença do narrador é ofuscada, pois a narrativa passa a 
acontecer a partir do que contam os próprios personagens. Eles apresentam seus sentimentos, 
pensamentos, ações etc. no interior da narrativa e diretamente ao leitor, sem a intermediação da 
voz do narrador. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Vejamos como exemplo um trecho Benjamim, romance de Chico Buarque (1995, p. 63): 
 
 “Sentada no último banco, Ariela vê Benjamim Zambraia na calçada do seu edifício de 
cimento escurecido. Entende que gente de mais idade não se adapte a uma casa de vidro, 
ou a um apartamento cor de gelo, ou a um flat metálico com painéis vermelhos. Entre 
paredes toscas, cortinas de brocado [...] de certa forma um velho se camufla. Se bem que 
Benjamim Zambraia seja um senhor bastante conservado. Melhor: um rapaz recém-
envelhecido, e talvez ele nem more ali.” 
 
 Existe certa dificuldade para se ilustrar esse tipo de narrador, porque ao analisar apenas 
um trecho isolado pode-se confundir a onisciência de que falamos aqui com uma voz meramente 
narrativa de um narrador. É importante dizer que a onisciência seletiva múltipla assim se 
denomina porque tal onisciência é compartilhada por dois ou mais personagens, ao contrário da 
apenas “seletiva” que fixa num único personagem, conforme veremos a seguir. 
 
 
� Onisciência seletiva 
 
A diferença central entre esse tipo de foco narrativo e o anterior é que, aqui, o foco fica 
limitado somente a uma personagem. 
 
 
 
 
 
 
Poderíamos questionar de que maneira, exatamente, este modo de 
apresentação, em que o autor nos mostra estados internos, difere da 
onisciência normal, em que o autor perscruta as mentes de seus personagens 
e conta-nos o que está se passando lá. A diferença essencial é que um 
transmite pensamentos, percepções e sentimentos à medida que eles ocorrem 
consecutivamente e em detalhe, passando através da mente (cena), ao passo 
que o outro os sumariza e explica depois que ocorrem (narrativa). (FRIEDMAN, 
2002, p. 177) 
Aqui o leitor fica limitado à mente de apenas um dos personagens. Logo, em 
vez de ser-lhe permitida uma composição de diversos ângulos de visão, ele 
encontra-se no centro fixo. As demais questões têm as mesmas respostas 
dadas nas categorias anteriores. (FRIEDMAN, 2002, p. 178) 
 
7 
 
 Apresentamos, como exemplo, trecho do conto “Primeiro de Maio”, de Mário de Andrade 
(1980, p. 35-37): 
 
 “No grande dia do Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, 
afobado, estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação 
da Luz que queria celebrar e havia de celebrar. [...] Pouca gente na rua. Deviam de estar 
almoçando já, pra chegar cedo no maravilhoso jogo de futebol escolhido para celebrar o 
grande dia. Tinha mas era polícia, polícia em qualquer esquina, em qualquer porta 
cerrada de bar e de café, nas joalherias, quem pensava em roubar! nos bancos, nas 
casas de loteria. O 35 teve raiva dos polícias outra vez.” 
 
 O conto em questão traz 35 como personagem principal. A narrativa se dá praticamente 
por seu intermédio, mesmo com a existência de um narrador de terceira pessoa. A passagem em 
destaque no trecho ilustra pensamentos do personagem 35 emitidos diretamente ao leitor e numa 
relação de cumplicidade com o narrador. 
 
 
� Modo dramático 
 
Nesse tipo de foco narrativo a função do narrador não ultrapassa a mera apresentação de 
cenas, deixando a narrativa em poder dos personagens, dos seus diálogos. Assemelha-se em 
certa medida ao texto dramático, tendo como diferença básica o fato de que a narrativa é 
construída primordialmente para ser lida, enquanto que o texto dramático é para ser encenado, ou 
seja, visto e ouvido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Um exemplo desse tipo de foco narrativo é o livro Bóris e Dóris, de Luiz Vilela (2006, p. 7) 
que, da primeira à última linha, apresenta-se em forma do diálogo entre os dois personagens que 
dão nome ao livro. Vejamos o início do livro: 
 
 “− Muito bem – ele disse, pegando o garfo e a faca. 
 − Você vai comer só isso? – ela perguntou. 
 − É claro que não – ele respondeu, olhando para o pratinho com a fatia de melão. 
 − Coma um pedaço do bolo de chocolate – ela disse. – O bolo está uma delícia.” 
 
 O livro todo é um diálogo. Dentre as formas narrativas, é considerado uma novela. E, 
como pudemos verificar no trecho citado, às falas dos personagens seguem-se apresentações 
que o narrador faz da cena, sem intervir no diálogo, ou seja, apenas apresentando-as como se 
verifica nas passagens destacadas. 
 
 
� Câmera 
 
Este tipo de foco narrativo praticamente exclui o autor. Ao adotar esse ponto de vista, o 
narrador, ao mesmo tempo, exclui-se e se distancia dos personagens, passando a, apenas, narrar 
as ações. 
 
 
 
 
As informações disponíveis ao leitor no Modo Dramático limitam-se em grande 
parte ao que os personagens fazem e falam; suas aparências e o cenário devem 
ser dados pelo autor como que em direções de cena: nunca há, entretanto, 
nenhuma indicação direta sobre o que eles percebem (um personagem pode 
olhar pela janela – um ato objetivo – mas o que ele vê é da conta dele), o que 
pensam ou sentem. Isso não significa dizer, claro, que os estados mentais não 
possam ser inferidos a partir da ação e do diálogo. (FRIEDMAN, 2002, p. 178) 
 
8 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como exemplo desse ponto de vista narrativo, apresentaremos um trecho de O Evangelho 
segundo Jesus Cristo, do escritor português José Saramago (2005, p 7): 
 
 “O sol mostra-se num dos cantos superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda 
de quem olha, representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de 
aguda luz e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos 
lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado de uma 
dor que não remite, lançando pela boca aberta um grito que não poderemos ouvir, pois 
nenhuma destas coisas é real, o que temos diante de nós é papel e tinta, mais nada”. 
 
 O trecho ilustra o ponto de vista narrativo no modo câmera, porém é importante considerar 
que não se trata de uma predominância nesse romance de José Saramago e, talvez, em nenhum 
outro romance desse autor. Os narradores de Saramago não são distanciados, não se comportam 
como câmeras, ainda que possamos encontrar trechos como esse, ilustrativos de tal procedimento 
narrativo. 
 
 
3. Uma questão de ponto de vista 
 
 
Para falar de foco narrativo e/ou ponto de vista, colocamos em questão a tipologia de 
Norman Friedman por ele considerar tantas e variadas possibilidades de focos narrativos em sua 
teorização. Uma questão crucial de sua tipologia diz respeito ao fato de as categorias por ele 
apresentadas seguirem uma gradação no sentido de mostrarem as possibilidades de focos 
narrativos, partindo daqueles em que o narrador é figura central na narrativa, por terem domínio 
das ações dos personagens, ou seja, os narradores oniscientes, até chegar aos tipos de narradorcuja objetivação e distanciamento são suas principais características, os narradores dos modos 
dramático e câmera. Noutras palavras, Friedman nos encaminha, em sua tipologia, para o que ele 
chama de ausência do autor/narrador. 
Lembramos que analisar o foco narrativo exige do leitor o cuidado em, ao classificá-lo, de 
acordo com as categorias aqui apresentadas, verificar a sua predominância, pois o narrador pode 
se comportar de maneiras bastante diferentes, adotando diversos focos; ele depende única e 
exclusivamente do que o autor deseja expressar e a melhor maneira, o melhor foco, pelo qual a 
história deve ser contada. Para Norman Friedman (2002, p. 180), 
 
[...] a escolha de um ponto de vista ao escrever ficção é, no mínimo, tão crucial 
quanto a escolha da forma do verso ao se compor um poema; da mesma forma 
como há coisas que não se consegue que sejam ditas em um soneto, cada uma 
das categorias que detalhamos possui uma amplitude provável de funções que 
consegue desenvolver dentro de seus limites. A questão da eficácia, portanto, diz 
respeito à adequação de uma dada técnica para se conseguir certos tipos de 
efeitos, pois cada tipo de estória requer o estabelecimento de um tipo particular 
de ilusão que a sustente. 
 
 Cabe ao narrador, portanto, figura primordial da narrativa, independente de seu grau de 
participação na história, criar essa ilusão de que fala Friedman e, assim, assumir este ou aquele 
ponto de vista é uma questão de técnica, de estética e, por que não dizer, de ética. 
 
 
 
[...] o objetivo é transmitir, sem seleção ou organização aparente, um ‘pedaço da 
vida’ da maneira como ela acontece diante do medium de registro: ‘Sou uma 
câmera’, diz o narrador de Isherwood na abertura de Adeus a Berlim (1945), 
‘com o obturador aberto, bem passiva, que registra, não pensa. Que registra o 
homem se barbeando na janela em frente e a mulher de quimono lavando o 
cabelo. Algum dia, tudo isto precisará ser revelado, cuidadosamente copiado, 
fixado’. (FRIEDMAN, 2002, p. 179) 
 
9 
 
 
A PERSONAGEM NA NARRATIVA FICCIONAL 
 
 
O que constitui o caráter de ficcionalidade de um texto? Esta é uma pergunta que, desde a 
Antiguidade Clássica impulsionou pensadores a se debruçarem sobre a definição de literatura. 
Desde Aristóteles a concepção de mimesis é o recurso mais utilizado para conceber a relação 
entre realidade e ficção, ou, entre realidade e literatura. Nessa imitação, enquanto imitatio da 
natureza, entram em ação componentes como a subjetividade, a imaginação, a criação. O 
conceito de mimesis foi, ao longo do tempo, alargado e a ele incorporados outros tantos conceitos. 
Paul Ricouer, por exemplo, a concebe como imitação criadora, exatamente por ser compreendida 
como uma ação humana, engendrada através da linguagem. 
 
Utilizando esse mesmo conceito e alargando-o ainda mais, Anatol Rosenfeld (2004, p. 21-
23) destaca como característica ontológica da ficcionalidade, a intencionalidade, tanto dos seres 
quanto do mundo. Para Rosenfeld, enquanto os textos considerados históricos, científicos, textos-
reportagem voltam seu raio de intenção diretamente para o próprio objeto, também intencional, no 
texto ficcional, o raio de intenção detém-se nos seres puramente intencionais. 
 
 
1. E a ficção se torna viva: a inserção da personagem 
 
Para Anatol Rosenfeld o elemento que transforma um texto em ficção é a personagem, 
pois é ela que “com mais nitidez torna patente a ficção e, através dela, a camada imaginária se 
adensa e se cristaliza.” Uma vez que Aristóteles relaciona a mímesis à história, encontra como elo 
exatamente a ação humana, Rosenfeld desenvolve esse pensamento quando afirma: 
 
É geralmente com o surgir de um ser humano que se declara o caráter fictício 
(ou não-fictício) do texto, por resultar daí a totalidade de uma situação concreta 
em que o acréscimo de qualquer detalhe pode revelar a elaboração imaginária. 
 
Enquanto nos deparamos somente com o espaço, o tempo, a ação, temos algo concreto, 
mas imóvel. É como se observássemos uma fotografia, um quadro estático, revelados por meio do 
ponto de vista, pelo apelo descritivo. Com a inserção das personagens, a ação toma vida e o 
quadro, antes imóvel, se reveste de movimento, caracterizando e transfigurando as ações 
humanas. É da arte de conduzir os personagens, de fazê-los aflorar na narrativa que resulta o 
trabalho de bons e maus escritores. É tarefa difícil, mais elaborada, movimentar uma personagem, 
tirá-la de uma cena estática, para definir-lhe os movimentos, para dar-lhe vida. Isso exige uma 
capacidade e uma percepção aguçadas do escritor. 
 
James Wood (2011) afirma que a tarefa de dar vida a um retrato imóvel é exatamente 
aquilo que distingue os bons escritores, e a dificuldade de tal tarefa se dá, exatamente, porque ela 
não pode ser concebida isolada de seu contexto social porque representa o lado humano do ser 
que, como tal, vive situações e conflitos morais, religiosos, éticos e políticos que definem suas 
atitudes diante desses mesmos valores. Sem inferir ao personagem um caráter de essencialidade 
– sabe-se que o valor estético de uma obra se dá pela confluência de suas partes constitutivas e 
na perfeita integração dos aspectos contextuais que engendram a sua construção –, apoiados no 
pensamento de Aristóteles e de Rosenfeld, a personagem se destaca como aquele que confere à 
narrativa o caráter de vivacidade. Para Antonio Candido (2004, p. 69), a percepção da similitude 
entre as cenas fictícias e as reais, projetadas pela e na personagem, é o que na verdade 
representa a verossimilhança. 
 
 
2. O processo de criação da personagem 
 
Para Candido, a personagem é um ser fictício, criado a partir dos recursos de 
caracterização de cada escritor e que, por mais que almeje representar um ser vivo real, será 
sempre inventada. Veja o que diz o próprio Candido: 
 
só há um tipo eficaz de personagem, a inventada; mas que esta invenção 
mantém vínculos necessários com uma realidade matriz, seja a realidade 
 
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individual do romancista, seja a o do mundo que o cerca; e que a realidade 
básica pode aparecer mais ou menos elaborada, transformada, modificada, 
segundo a concepção do escritor, a sua tendência estética, as suas 
possibilidades criadoras. 
 
Arrematando o pensamento de Antonio Candido, lembramos que estamos tratando de 
ficcionalidade e, enquanto tal, entra em cena um elemento imprescindível: a imaginação. No 
entanto essa imaginação criadora não surge a partir do nada e como elemento solitário. Ela se 
ancora em uma realidade, ela se utiliza de uma realidade, a sua base de constituição é uma 
realidade posta que, a partir dela, de acordo com a intenção e as subjetividades presentes na obra 
será transformada, redimensionada. 
 
Os recursos de caracterização aos quais Antonio Candido se reporta são os elementos de 
que o romancista se utiliza para descrever e definir a personagem, a fim de dar a ela a impressão 
de um ser vivo. Essa impressão vai refletir o lado humano do ser: um sujeito incoerente, ilimitado, 
contraditório, infinito na sua riqueza. Desse modo, a personagem não é vista apenas sob uma 
perspectiva mimética, como uma cópia da realidade, uma mera interação homem/mundo, mas 
como uma forma de expressão que abarca um universo múltiplo, incluindo-se a interioridade do 
autor. 
 
Contextualizemos essas informações a partir do personagem Fabiano, em Vidas Secas, 
romance de Graciliano Ramos. O romance se passa em um curto espaço de tempo e narra o 
cotidiano de uma família de retirantes que foge da seca no Nordeste brasileiro (o pai Fabiano, a 
esposa Sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia). Em meio a sua jornada, Fabiano, ao 
consolidar-se como vaqueiro de uma fazenda abandonada, desfruta de um período de 
estabilidade provisório, após o qualvê seus sonhos se frustrarem. Com o retorno da seca, a 
família volta a sua rotina migratória em busca de sobrevivência. Fabiano é descrito ora como 
humano, ora como bicho, dadas as suas ações e reações e, nessa descrição, o autor destitui-lhe a 
palavra: Fabiano é incapaz de se expressar, de traduzir para a linguagem qualquer pensamento 
de revolta ou de reflexão, porque incapaz de refletir sobre sua própria condição. Se árido é o 
sertão, se dura é a vida, se ressequida é a paisagem, o personagem assim se assemelha. É o 
retrato dessa condição que retira do ser o caráter de humanidade para apresentá-lo muitas vezes 
como um animal. Na vida de Fabiano tudo lhe falta, inclusive a linguagem. 
 
Considerando a complexidade na construção da personagem, George Lukács, em A 
Teoria do Romance (2003) ressignifica o problema destituindo-lhe do lugar de entidade abstrata, 
para compreendê-la como “base de formas sociais peculiares, portanto de estruturas que, 
implicando umas às outras, só podem ser definidas no seu conjunto.” Ou seja, o trabalho de 
criação do personagem exige uma combinação de elementos capaz de criar uma variedade e 
complexidade que o distancia da ideia de esquema fixo, de ente delimitado. Essa complexidade é 
possível porque o romancista combina esses elementos, cujos números são limitados, se, no dizer 
de Antonio Candido, os compararmos com a infinidade de traços humanos. 
 
O pensamento de Candido é importante, na medida em que traz à tona uma discussão 
conceitual entre personagem e pessoa. Procurando desfazer qualquer semelhança que possa 
haver na definição desses dois termos, Forster afirma que todo romance que pretende uma 
reprodução de uma realidade, passa a ser memória e, se é memória, é história. Enquanto 
memória ou história, nós teríamos, então, a presença de pessoas. Contudo, a utilização de fatos e 
a sua reprodução deve levar em conta o temperamento do romancista. Assim sendo, eles, os 
fatos, serão sempre modificados e muitas vezes, transformados inteiramente. Se há a interferência 
da subjetividade do romancista, as pessoas passam a ser criações literárias, ou personagens. 
 
Forster afirma ainda, na distinção dessas duas categorias, que há fatos que são 
intrínsecos ao ser humano como o nascimento, a alimentação, o sono, o amor e a morte. 
Enquanto pessoas, esses fatos, sobretudo o nascimento e a morte, os acometem sem representar 
experiências verdadeiras, pois sabemos deles somente através de informações. Todos nós 
nascemos, mas não sabemos como foi. Da mesma maneira acontece com a morte. Ao 
romancista, no entanto, é permitido lembrar e compreender e explicar tudo, ele conhece toda a 
vida oculta. 
 
 
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Desse modo, a personagem se assemelha a uma marionete na mão de seu criador. É ele, 
o escritor, aquele que tudo sabe, que vai orientar e definir os passos da personagem. Citemos o 
romance A hora da estrela, de Clarice Lispector. Rodrigo S.M, o narrador, é também uma 
personagem do romance, que cria outra personagem: Macabéa. Enquanto narrador, Rodrigo S. M 
é uma espécie de ser onipotente que vai direcionando as ações de Macabéa e interferindo, o 
tempo inteiro, no seu destino. Mas, observa-se também que a condução de Rodrigo S. M, suas 
ações e palavras devem-se a um outro narrador. Rodrigo é também uma personagem que cria 
personagens. Temos, portanto, uma espécie de mise en abyme, uma construção literária em 
múltiplas camadas, a exemplo da representação das matrioskas russas, que comportam uma 
boneca dentro de outra boneca, dentro de outra boneca... 
 
A introdução das personagens e sua construção ficcional representa, como diz Antonio 
Candido (2004, p. 54), “a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor, pelos mecanismos 
de identificações, projeção, transferência etc.” Impossível não sentir comiseração com a 
ingenuidade tocante de Macabéa, raiva da ausência de ações, impossível não sentir o desejo de 
se por em seu lugar, de por palavras em sua boca. Sentimo-la viva diante de nós. Mas apesar de 
nos indignarmos com sua falta de palavras e ações, compreendemo-na e a aceitamos, porque ela 
não pode ser entendida deslocada de seu contexto, pobre que é, nordestina que é, retirante que é. 
 
Outro famoso personagem da literatura brasileira, Paulo Honório, narrador-personagem do 
romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, servirá como exemplo para alongamor um pouco 
mais o assunto. Da leitura do romance, vemos, desde logo, o surgimento de um personagem 
altivo, ambicioso, rude, materialista, que elege o trabalho e a riqueza como os bens que devem ser 
cultivados, imune a todo e qualquer traço de emotividade, de expressão de seus sentimentos. E 
acompanhamos o romance nutrindo um certo asco, uma reprovação veemente as suas ações, 
uma eterna divergência com suas posturas e suas atitudes. Mas é o próprio personagem que, num 
exercício de autorreflexão, compreende e nos explica, após a morte da esposa, a sua 
caracterização: 
 
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de 
uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. 
A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu 
uma alma agreste (p. 100) 
 
O próprio personagem reconhece as suas fraquezas e as relativiza. Há que se perceber 
que esse personagem não possui essas características porque o escritor do romance assim o 
desejou. Ele não se desloca do seu meio social, do seu contexto, da aridez física, concreta de sua 
vida. Quando dizemos que a caracterização das personagens considera o seu contexto social, 
evidenciamos, consoante ao pensamento de Candido, que essa caracterização conferida a priori, 
determina uma marca, aproximando a personagem de uma caricatura. Para além dessas marcas, 
a construção da personagem traz consigo um arcabouço de influência, seja do meio, seja do 
próprio escritor. Ao optarmos pela palavra “construção” entendemos que a criação é um processo 
que se desenrola pari passo ao desenvolvimento da narrativa e essa criação é também do leitor 
que, aos poucos, a partir das frestas, das insinuações, dos deslizes do narrador, vai participando 
ativamente desse processo de construção e acompanhando as suas mudanças. 
 
Com essas menções não se afirma que a criação do personagem depende unicamente da 
perspectiva do leitor. O que estamos afirmando é que o leitor tem um papel importante nessa 
construção, a partir das pistas e possibilidades que o texto fornece. Se a personagem se constrói 
a partir de um conjunto de elementos que permeia a obra, seus movimentos e suas ações vão se 
moldando ao sabor das circunstâncias, do meio, de sua genética e até de determinados pontos de 
vista do narrador. 
 
E. M. Foster (1974, p. 55), pensando nessa dificuldade do escritor em conciliar todos 
esses elementos na configuração da personagem, classificou-as em dois tipos: planas e redondas. 
O crítico chama de planas aquelas construídas em torno de uma única ideia ou qualidade, que 
mantêm um pensamento único ao longo de toda a narrativa. O teórico aponta como vantagem 
desse tipo de personagem o fato de serem reconhecidas com facilidade pelo leitor sempre que 
aparecem e facilmente lembradas. Do ponto de vista do autor, outra vantagem é que elas não 
precisam ser constantemente apresentadas, nem suas qualidades serem avultadas a todo 
 
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momento, já que elas permanecem em sua própria atmosfera. As personagens planas são, no 
dizer de Beth Brait (2011, p. 41), aquelas que estão imunes à evolução no transcorrer da narrativa, 
negando ao leitor qualquer tipo de surpresa. Embora não haja uma clareza na definição das 
personagens redondas, Forster (1974, p. 61) as considera como aquelas capazes de nos 
surpreender de modo convincente. Veja o que o próprio autor nos diz: 
 
O teste para uma personagem redonda está nela ser capaz de surpreender de 
modo convincente.Se ela nunca surpreende, é plana. Se não convence, é plana 
pretendendo ser redonda. Possui a incalculabilidade da vida – a vida dentro das 
páginas de um livro. 
 
Forster não é tão explícito em seu texto, mas deixa entrever que o personagem bom é o 
esférico, por apresentar um maior grau de desenvolvimento, por prender, com suas ações e 
pensamentos contraditórios a atenção do leitor. O que dizer de uma personagem como Macabéa 
que, do começo ao fim do romance, mantém uma mesma linha de ação e de pensamento, incapaz 
de surpreender o leitor, mesmo quando este, ao final, conjectura uma reviravolta com as previsões 
da cartomante. Nem assim, as surpresas vêm. Enquanto criamos a expectativa de que um alemão 
entre na vida de Macabéa para lhe dar um sentido, ela é atropelada por um Mercedes, ou seja, 
nada mais prosaico, nada mais previsível a essa vida linear de Macabéa. Não se percebe 
nenhuma evolução em Macabéa, nenhuma reflexão sobre sua vida, a vida é cumprida, 
simplesmente, sem queixas, sem sofrimentos, sem reflexões, cumpre-se o destino até a última 
hora. Poderíamos, por isso, pensar que Macabéa não é uma boa personagem? Quando Forster 
classifica as personagens como “redondas” ele está se referindo ao fato de essas personagens se 
deixarem influenciar pelo meio, deixarem-se transformar por um outro elemento da narração. De 
certa forma, acontece uma espécie de adaptação. 
 
 
Referências 
 
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Paulo: Abril Cultural, 1980. 
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Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas, v. 1). 
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CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. 3 ed. Rio de Janeiro: 
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DAL FARRA, Maria Lúcia. O narrador ensimesmado: o foco narrativo em Vergílio Ferreira. São 
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FRIEDMAN, Norman. O ponto de vista na ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico. 
Trad. Fábio Fonseca de Melo. Revista USP, São Paulo, n. 53. Mar./maio, 2002. Disponível em: 
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LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 6 ed. São Paulo: Ática, 1993. 
LISPECTOR, Clarice. O primeiro beijo e outros contos. 12 ed. São Paulo: Ática, 1996. 
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance. Rio de Janeiro: Editora 34, 2003. 
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