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SOCIOLOGIASOCIOLOGIA GERALGERAL ALESSAALESSANDRO EZIQUINDRO EZIQUIEL DA PEL DA PAIXAIXÃOÃO Série Fundamentos da Sociologia Sociologia geral [Alessandro Eziquiel da Paixão][Alessandro Eziquiel da Paixão] Série Fundamentos da Sociologia Sociologia geral 1ª edição, 2012 Foi feito o depósito legal. Informamos que é de inteira responsabilidade do autor a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicaç ão poderá ser re produzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Ibpex. A violação dos direitos autorais é crime estabe lecido na Lei n° 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal. Av. Vicente Machado, 317 – 14º andar Centro – CEP 80420-010 – Curitiba – PR – Brasil Fone: (41) 2103-7306 www.editoraibpex.com.br editora@editoraibpex.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Paixão, Alessandro Eziquiel da Sociologia geral [livro eletrônico] / Alessandro Eziquiel da Paixão. – Curitiba: Ibpex, 2012. – (Série Fundamentos da Sociologia) 2 MB ; PDF Bibliografia. ISBN 978-85-7838-972-7 1. Sociologia 2. Sociologia – Estudo e ensino I. ítulo. II. Série. 12-14349 CDD-301.7 Índices para catálogo sistemático: 1. Sociologia : Estudo e ensino 301.7 [Conselho editorial] Dr. Ivo José Both (presidente) Dr a . Elena Godoy Dr. Nelson Luís Dias Dr. Ulf Gregor Baranow [Editor-chefe] Lindsay Azambuja [Editor-assistente] Ariad ne Nunes Wenger [Editor de arte] Raphael Bernadelli [Análise de informação] Adriane Beirauti [Revisão de texto] Filippo Mandarino [Capa] Raphael Bernadelli; Regiane Rosa [Projeto gráfico] Bruno de Oliveira [Iconografia] Danielle Scholtz [Ilustrações] Marcelo Lopes Sumário [...][...] Apresentação, 9 Introdução, 11 [[11]] Contexto histórico do aparecimento da sociologia, 15 [[22]] A institucionalização da sociologia:Comte e Durkheim, 41 [[33]] A sociologia de Karl Marx, 79 [[44]] Max Weber e a racionalidade, 113 [[55]] Indivíduo e sociedade, 145 [[66]] A sociologia e a sociedade contemporânea, 173 Considerações finais, 201 Referências, 205 Bibliografia comentada, 211 Gabarito, 213 Nota sobre o autor, 221 “Espera-se do sociólogo que, à medida do profeta, dê respostas últi- mas e (aparentemente) sistemáticas às questões de vida ou de morte que se colocam dia a dia na existência social. E é-lhe recusada a função, que ele tem direito de reivindicar, como qualquer cientista, de dar respostas precisas e verificáveis apenas às questões que está em condições de colocar cientificamente: quer dizer, rompendo com as perguntas postas pelo senso comum e pelo jornalismo.” Pierre Bourdieu (1994, p. 36-37) Apresentação [...][...] Este livro traz uma introdução geral ao estudo da sociologia, tanto no que se refere aos conceitos básicos de autores clássi- cos quanto em relação à aplicação desse referencial teórico na interpretação da realidade social. Assim, não é um livro essen- cialmente “teórico”, mas procura dar conta da aplicação dos conceitos vistos. A obra está organizada em seis capítulos. Os quatro primei- ros são mais teóricos. Os outros dois procuram uma leitura sociológica da realidade, sem, no entanto, deixar de levantar conceitos teóricos importantes. O capítulo 1 aborda o surgimento da sociologia no âmbito do contexto histórico da sociedade capitalista e do advento da ciência como forma de explicação do mundo. O capítulo 2 apresenta a institucionalização da sociologia como ciência, analisando o seu caráter positivista. ambém são abordadas nesse capítulo as obras de Auguste Comte e Émile Durkheim. Especialmente em relação a este último, são anali-sados alguns dos seus principais conceitos e contribuições para a sociologia. O capítulo 3 traz a obra do alemão Karl Marx e sua aná- lise do capitalismo. Nesse capítulo, é trabalhada a concepção 1010 materialista da história, o que possibilita compreender a aná- lise que Marx faz do capitalismo e buscar os elementos para entender o seu conceito de ideologia. No quarto capítulo é abordada a obra de Max Weber, partin- do de seu conceito de ação social para se chegar à sua concep- ção metodológica: a sociologia compreensiva e a construção de tipologias. Aqui também é vista a análise que Weber faz da sociedade capitalista. O capítulo 5 apresenta alguns conceitos básicos em socio- logia: socialização, cultura, instituições sociais e identidade. Apesar de parecer um capítulo estritamente teórico, os concei- tos apresentados são problematizados e analisados à luz da ex- periência cotidiana. O capítulo 6 proporciona uma análise sociológica da socie- dade contemporânea, com base na categoriatrabalho. Podemos afirmar que esse capítulo constitui um “exercício sociológico”, pois recupera vários pontos vistos anteriormente. O “exercício sociológico” realizado no último capítulo apresenta a mesma lógica das atividades apresentadas no final de cada capítulo, principalmente as atividades de reflexão e as atividades aplicadas. Nessas atividades é importante o compar- tilhamento das experiências, mesmo com aqueles que não são colegas de estudo. Um debate com uma pessoa sobre determi- nada atividade proposta pode apresentar outras problematiza-ções e mesmo esclarecimentos de pontos de vista. Introdução [...][...] Este livro não almeja fazer de seu leitor ou leitora um sociólogo ou socióloga. Sua pretensão é, sim, a de iniciá-lo(la) no estudo da sociologia. Esta aparece, muitas vezes, como uma “ciência” dominada por todos. Afinal de contas, quem não sabe como a família se organiza na nossa sociedade, qual é nossa estrutura política, como se dão as relações de trabalho em que estamos ou poderemos estar inseridos? Essas respostas podem, sim, ser dadas pelo senso comum. Contudo, não serão consideradas explicações sociológicas. Isso porque os problemas levantados 1212 pela sociologia não são necessariamente sociais. As questões trazidas por ela são problemas teóricos, construídos com base na análise de aspectos históricos, econômicos, culturais e so- ciais, presentes no nosso cotidiano. E as respostas dadas tam- bém levam em conta esses mesmos aspectos considerados nas problematizações. Dessa forma, o maior desafio da análise sociológica é com- preender a maneira pela qual os vários níveis de experiência humana, processos econômicos, culturais, políticos e tecnoló- gicos contribuem para a conformação de uma estrutura social específica. Os temas abordados nas próximas páginas não se consti- tuem em respostas “últimas e sistemáticas” sobre a estrutura social. Longe dessa pretensão, o que intentamos é levar o leitor ao desenvolvimento de uma perspectiva sociológica, ao mesmo tempo que procuramos apresentar conceitos e problematiza- ções básicas da análise e explicação sociológicas. Alguns aspectos também merecem ser destacados em rela- ção ao histórico da disciplina de sociologia no sistema educa- cional brasileiro. No Brasil, o ensino de sociologia passa por várias fases. O primeiro momento que é possível identificar ocorre no início da República, quando o ensino de sociologia era vinculado à disciplina de moral. Nos anos 1930, a criação dos cursos superiores de Ciências Sociais na Escola Livre deSociologia e Política de São Paulo e a fundação da Universidade de São Paulo dão maior fôlego à disciplina. Ocorre o desenvol- vimento de pesquisas e a preocupação de formação de quadros intelectuais para o desenvolvimento do país. ambém passa a 1313 existir uma preocupação com a formação de professores secun- dários (principalmente para a escola normal). Nesse período, o que dá força à sociologia é a sua presença na escola normal como disciplina que poderia retirar a educação de um estado pré-científico. A Reforma Capanema (1942), no governo Vargas,retira a obrigatoriedade da disciplina, e ela desaparece dos currículos das escolas secundárias, permanecendo nos cursos superiores. Nas décadas de 1950 e 1960, com a democratização, a sociolo- gia volta a fazer parte dos currículos, para novamente ser reti- rada no período da ditadura militar. Com a abertura política nos anos 1980, a sociologia volta timidamente a aparecer como disciplina escolar. Entre 1997 e 2001, tramitou uma proposta de inclusão da sociologia como disciplina obrigatória no ensino médio. Contudo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a aprovação da lei, usando como argumentos a falta de profissionais da área, o aumento dos gastos públicos que a in- clusão da disciplina acarretaria e o fato de que os conteúdos em questão já estavam contemplados de alguma maneira em outras disciplinas. O capítulo mais recente desse histórico é a inclusão da so- ciologia, assim como da filosofia, entre as disciplinas obrigató- rias em todas as séries do ensino médio, o que abrirá um amplomercado de trabalho para a atuação docente na sociologia. Contexto histórico do aparecimento da sociologia [Capítulo 1][Capítulo 1] 1616 A sociologia pode ser definida, de forma simples, como a ciên- cia que estuda as sociedades. Ela é produto da tentativa de com- preensão da realidade social com base na ciência e na razão. Contudo, os homens sempre formularam explicações sobre a sua realidade, que nem sempre eram baseadas na ciência. Neste capítulo estudaremos como foi construída a tentativa de visão científica da realidade social. Mas, além de ser produto dessa tentativa científica de compreensão da realidade, a sociologia é também produto de transformações históricas. E esse será o segundo ponto abordado no capítulo. Com base nesses dois pontos – a abordagem científica da reali- dade e as transformações históricas –, construiremos ao longo do caminho um conceito de sociologia. [1.1][1.1] A construção de uma abordagemA construção de uma abordagem científica da realidadecientífica da realidade A sociologia é uma ciência relativamente recente. Comparada com outras ciências, podemos dizer que é uma das mais novas que existem. A tentativa de compreender cientificamentea realidade social começa a se desenvolver a partir de fins do século XVIII, na Europa. É nesse tempo que surgem os pri- meiros trabalhos que começam a apresentar uma perspectiva sociológica, como resultado de uma sociedade que passava a 1717 sofrer profundas transformações. Mas, antes de falarmos delas, é necessário entender o que significa “compreender cientifica- mente a realidade social”. O que parece óbvio, mas é importante como condição para o surgimento da sociologia, é o uso da ciência para explicar a realidade. É claro que utilizar a ciência para explicar o mundo não é condição apenas para o surgimento da sociologia, mas para todas as ciências. Na nossa sociedade, é muito comum nos valermos dos co- nhecimentos científicos para explicar e compreender a reali- dade que nos cerca. Por exemplo, vemos todos os dias que o Sol nasce de um lado do horizonte, atravessa o céu e se põe do outro lado. O que nossa percepção nos diz é que a erra fica parada enquanto o Sol se move. Contudo, sabemos que não é o Sol que se move ao redor da erra, mas a erra que gira em torno de si mesma e, em última instância, do Sol. Essa resposta ou explicação é a ciência que nos dá, apesar de os nossos sen- tidos nos dizerem o contrário. Ela, em certa medida, contradiz o que percebemos e vemos, mas sabemos que a resposta dada pela ciência é a correta. Quando ficamos doentes, nossa reação pode ser procu- rar um médico, porque é ele o profissional que detém os co- nhecimentos necessários para nos livrar da doença. Contudo, podemos também nos valer de outros procedimentos, comoprocurar uma benzedeira, fazer uma “simpatia” ou tomar um remédio caseiro. Nesse caso, para enfrentar o problema (do- ença), podemos adotar uma conduta baseada na ciência (ir ao médico), mágica ou religiosa (ir a uma benzedeira ou fazer uma “simpatia”) ou tradicional (tomar um remédio caseiro). 1818 Assim, nem sempre recorremos à ciência para orientar nos- so comportamento. Muitas vezes usamos outras formas de ex- plicação para compreender os fenômenos que nos cercam. Há algum tempo, era comum ver em algumas casas garrafas cheias de água sobre o medidor de energia elétrica. Acreditava- se que tal expediente diminuía o consumo de energia elétrica. Será que isso era mesmo verdade? Outro exemplo foi a história do “chupa-cabra”. Vários jornais, noticiários de rádio e progra- mas de televisão divulgaram matérias sobre a aparição de um animal desconhecido, que atacava rebanhos na zona rural, chu- pando-lhes o sangue até a morte. Muitas pessoas diziam ter vis- to o “chupa-cabra”, mas sua existência nunca foi comprovada. Apesar dos exemplos de utilização de elementos não cien- tíficos e não racionais para entender o mundo, na nossa socie- dade a forma de explicação científica é a dominante, ou, dito de outra maneira, é a forma legítima, aceita como verdadeira. Agora, imagine como os fenômenos eram interpretados quan- do a ciência ainda não era a forma predominante e legítima de explicar a realidade. Para entender como se davam essas expli- cações não científicas e como os homens passaram a interpretar a realidade de outro modo, investiguemos um pouco a Idade Média europeia. 1919 [1.2 ][1.2 ] A Idade Média e o predomínio da féA Idade Média e o predomínio da fé Durante a Idade Média europeia, que durou aproximadamente mil anos (do século V ao século XV), os homens utilizavam principalmente a religião e a tradição para explicar e organi- zar seu mundo. anto é que esse período é também conheci- do como Idade das Trevas. O filme O nome da rosa demonstra como se davam essas explicações. A história do filme se passa no final da Idade Média, na Europa. O personagem principal é um monge franciscano chamado William de Baskerville, que pretende explicar as coisas de modo científico e racional. William é chamado até um mosteiro onde estão acontecendo algumas mortes misteriosas: todos os internos que leem um li- vro tido como proibido acabam morrendo. Os monges do mos- teiro constroem uma explicação para as mortes baseada na reli- gião e na fé: acreditavam que todos os que liam o livro morriam porque estavam cometendo um pecado. Uma vez proibido pela Igreja, aqueles que liam o livro acabavam morrendo em virtude do pecado cometido. A morte era então uma consequência do pecado, que despertava a fúria divina. Investigando as mortes, William descobre que elas não eram um castigo divino, mas que o livro era envenenado. Os monges morriam porque tomavam contato com o veneno contido em suas páginas. Entretanto, não aceitam a explicação racional de William e continuam acredi- tando na explicação baseada na fé e na religião. Em O nome da rosa encontramos a essência das explicações durante a Idade Média. Não só no caso de mortes como as ocorridas no filme, mas em relação a toda a vida cultural e social, o predomínio 2020 da fé impedia visões mais científicas sobre a sociedade. Nesse tempo, o poder da Igreja era muito forte, e ela dominava tanto a política como as ideias. odo questionamento ou conduta que fosse contra as regras estabelecidas por ela era considerado um pecado e, por isso, deveria ser evitado e combatido. As explicações baseadas na fé perduraram durante quase todo o período. Mas aos poucos os homens foram procurando outras formas de explicação. Nessa procura, dois movimentos ocorridos na Europa são essenciais para o desenvolvimento de uma perspectiva científica e racional: o Renascimento e o Iluminismo. [1.3][1.3] O Renascimento e o IluminismoO Renascimento e o Iluminismo O predomínio da fé e da religião como formas de explicação e organização da vida social dura até meados doséculo XV, quando começa a perder força. A partir do século XVI, princi- pia na Europa, um movimento chamadoRenascimento se cons- tituiu em uma tendência cultural laica (isto é, não religiosa), racional e científica (Falcon, 1994). Era inspirado na cultura greco-romana e não aceitava os valores e as concepções da Idade Média. Ou seja, os renascentistas rejeitavam as explica- ções baseadas na fé, no misticismo, na tradição e passaram a buscar outras explicações para as coisas que aconteciam. Esse movimento influenciou as artes, a ciência, a literatura e a filo- sofia. Um exemplo da perspectiva renascentista sobre a socie- dade está na obra de Nicolau Maquiavel (1469-1527), intitula- da O príncipe, em que procura investigar a realidade de forma 2121 realista, mais especificamente as relações de poder. A obra de Maquiavel (1973) é uma espécie de manual para o governante, em que o autor separa a moral cristã de uma moral política. Ou seja, afirma que, para o governante conquistar e manter o poder, precisa ter uma conduta racional tendo em vista o fim que pretende, mesmo que para isso tenha de usar métodos não aceitos pela Igreja, como a violência e a crueldade. Vamos acompanhar uma passagem deO príncipe, em que Maquiavel afirma que na esfera política a crueldade pode ser uma virtude, enquanto a piedade pode se tornar prejudicial ao governante: Cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel: apesar disso, deve cuidar de empregar convenientemente esta pie- dade. César Bórgia era considerado cruel, e, contudo, sua cruelda- de havia reerguido a Romanha e conseguido uni-la e conduzi-la à paz e à fé [...]. Não deve, portanto, importar ao príncipe a qualifi- cação de cruel para manter os seus súditos unidos e com fé, porque, com raras exceções, ele é mais piedoso do que aqueles que por mui- ta clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer assassínios ou rapinagem. É que estas consequências prejudicam todo um povo, e as exceções que provêm do príncipe ofendem ape- nas um indivíduo. E, entre todos os príncipes, os novos são os que menos podem fugir à fama de cruéis, pois os Estados novos são cheios de perigo. (Maquiavel, 1973, p. 75) Dessa maneira, é possível notar como os ensinamentos e os dogmas da Igreja são contestados pelas reflexões feitas por Maquiavel. E essa contestação vai adquirir uma dimensão cada vez maior. 2222 A partir da segunda metade do século XVIII, a Europa pre- sencia outro movimento intelectual que procura enfatizar a ra- zão e a ciência para explicar o universo. Esse movimento ficou conhecido como Iluminismo, o que rendeu ao século XVIII a denominação de Século das Luzes, pois pretendia lançar “luzes” sobre os aspectos da realidade que estavam encobertos. Com o Iluminismo, o homem e a razão são colocados no centro do universo, e a abordagem científica ganha novo impulso. Como a ciência “ganha força”, a sociedade também passa a ser vista de outra maneira. As “luzes” lançadas na sociedade deixam à mos- tra novos elementos (Falcon, 1994). Com o Iluminismo, vários estudiosos deram sua contribuição à reflexão científica e siste- mática da realidade social, como o pensador francês Voltaire (1694-1778), que defendia a razão e combatia o fanatismo reli- gioso. Outro pensador francês que realizou importantes refle- xões sobre a sociedade foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que estudou as causas da desigualdade social e defendeu a de- mocracia como forma de governo. Na área de organização po- lítica, Montesquieu (1689-1755) defendia a criação de poderes separados (legislativo, executivo e judiciário), da mesma ma- neira como temos hoje, indo contra o chamado direito divino dos reis absolutistas (Falcon, 1994). 2323 Quadro 1.1 − Formas de explicação da realidadeQuadro 1.1 − Formas de explicação da realidade Religião, fé e tradiçãoReligião, fé e tradição Abordagem científicaAbordagem científica Predominam até meados do século XV. Utilizam elementos não científicos. A partir do século XVI, com o Renascimento, e do século XVIII, com o Iluminismo. Baseada na observação da realidade. odas essas contribuições indicam que a observação siste- mática estava predominando sobre elementos religiosos e a tra- dição como meio de explicar a realidade, aproximando-se de uma abordagem científica. [1.4 ][1.4 ] Começando a definir sociologiaComeçando a definir sociologia Mas o que garrafas de água em cima do medidor de ener- gia, “chupa-cabras”, monges morrendo em mosteiros da Idade Média, o Renascimento e o Iluminismo têm a ver com a so- ciologia? É o uso da razão e da ciência para explicar o mundo. Com o advento da ciência, as explicações baseadas na fé e na tradição foram, pouco a pouco, sendo substituídas por formas racionais e científicas de conhecimento. E a maneira como os homens viviam em sociedade, as relações que estabeleciam, osdistúrbios e os problemas ocorridos em suas vidas passaram também a ser alvo de uma abordagem científica. Nessa altura, já podemos começar a construir uma definição para sociologia. Sociologia é a ciência que estuda a interação do 2424 indivíduo com a sociedade, as relações que ele mantém, a sua inserção na coletividade. É o estudo da vida social, dos grupos e das sociedades. Assim, ela nos ajuda a compreender melhor as questões relativas à nossa organização social e à forma como vivemos coletivamente. Ela nos ajuda a responder questões que aparecem no nosso cotidiano, bem como a formular novas questões. Por exemplo: Por que existe tanto desemprego? Será que as mudanças na forma de produzir têm relação com o au- mento ou a diminuição do número de ofertas de emprego? A violência urbana é um problema que se resolve apenas com o aumento do número de policiais nas ruas? Existe relação entre pobreza e violência? Por que o Brasil é um país tão rico com tantos pobres? Será que nossas respostas a essas perguntas são baseadas na observação de como esses fatos se construíram ou responde- mos com base naquilo que achamos que seja a resposta correta? Isso não significa que a sociologia vai nos dar a resposta certa para tudo. O que é importante é utilizá-la para ter outra visão dos fatos que ocorrem. Dessa forma, mais do que uma ciência, a sociologia deve ser utilizada para conceber novas visões da sociedade e das nossas relações. Isso quer dizer que deve servir para construirmos uma perspectiva sociológica. Estudar sociologia não deve ser apenas adquirir conhecimentos ou decorar teorias. É necessário pen-sar sociologicamente, ou seja, ver os fatos que acontecem em nossa vida sob outra perspectiva, fugindo das visões rotineiras, usuais e preconceituosas. Vamos utilizar aqui o exemplo do de- semprego. Será que o fato de um indivíduo estar empregado 2525 depende somente de sua força de vontade e dedicação? O desem- prego pode ser causado pela introdução de novas tecnologias na empresa em que ele trabalhava, que substituem trabalhadores por máquinas, ou pela economia da região, que passa por um período de recessão. Ou ainda pode se dar pela competição no mercado de trabalho, que exige mais qualificação. Sociologia é o estudo das sociedades e da organização da vida social. Com a sociologia é possível abordar cientificamente a rea- lidade social, as interações entre os indivíduos, as relações que mantêm entre si e com outros grupos. O conhecimento científico possibilitado por esse estudo permite o desenvolvimento de uma perspectiva sociológica. Até aqui vimos como a mudança nas formas de interpreta-ção do mundo foi essencial para o surgimento da sociologia e refletimos sobre transformações nas formas de olhar o mundo e na mentalidade dos homens. Mas as mudanças não ocorreram apenas no campo das ideias. Outras transformações na socieda- de também foram importantes para o surgimento da sociologia. Entre elas, duas foram essenciais para essa ciência. rata-sedas “duas grandes revoluções” dos séculos XVIII e XIX na Europa: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, as quais impuse- ram novos problemas para os pensadores da época. 2626 [1.5][1.5] As “duas grandes revoluções”As “duas grandes revoluções” e a consolidação do capitalismoe a consolidação do capitalismo A Revolução Francesa, em 1789, significou o fim do feu- dalismo na Europa, promovendo profundas transformações na economia, na vida política e nas formas culturais. O objetivo era transformar a maneira como a sociedade daquela época se organizava. A revolução significava, sobretudo, a ascensão de uma nova classe ao poder: a burguesia. A França de então era uma sociedade feudal marcada pelos privilégios da nobreza e do clero, enquanto o chamado terceiro Estado (formado pela burguesia e por outros grupos sem privilégios) sustentava a sociedade por meio de impostos e tributos feudais. A nobreza, constituída por aproximadamente 500 mil pessoas numa po- pulação de cerca de 23 milhões, constituía uma camada privi- legiada, que recolhia impostos mas era isenta de pagá-los e que participava das decisões políticas do chamado Estado absoluto ou Antigo Regime (Hobsbawn, 1981). O Estado absoluto se fundamentava na concentração de to- dos os poderes nas mãos do rei. A palavra do rei era a lei e as razões do Estado deveriam prevalecer sobre tudo. Apesar de já apresentar uma “razão de Estado”, como vimos no exemplo de Maquiavel, o Absolutismo se apoiava também no direito divino dos reis: eles eram os representantes de Deus na terra, tendo assim o direito de governar como quisessem, já que sua palavra era sagrada. Dessa forma, o rei governava sem nenhum impe- dimento à sua autoridade, uma vez que concentrava todos os poderes. E é claro que governava sempre a favor dos interesses da nobreza, já que ele também era um nobre. 2727 A ascensão econômica da burguesia era prejudicada por esse tipo de regime. Além dos impostos que pagava à nobreza, a bur- guesia se deparava com uma série de taxas, restrições e proibi- ções impostas pelo Estado absoluto. A Revolução Francesa sig- nificou o fim dos privilégios da nobreza, a destruição do Antigo Regime e a ascensão da burguesia ao poder. Estava estabeleci- da, assim, uma nova ordem social, sob o lema da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. A Revolução também afetou o poder eclesiástico, confiscando terras e transferindo para o Estado as funções tradicionalmente controladas pela Igreja, como a edu- cação e a organização da cultura. Com as modificações promo- vidas pela revolução, estava aberto o caminho para a burguesia estabelecer uma nova ordem social (Bluche; Rials; ulard, 1989; Hobsbawn, 1981). A Revolução Industrial se iniciou na Inglaterra no final do século XVIII e se disseminou por toda a Europa durante o sé- culo XIX. Assim como a Revolução Francesa, a Industrial oca- sionou um grande número de transformações econômicas e sociais, intimamente ligadas às inovações tecnológicas – como novas fontes de energia e a mecanização dos processos de pro- dução – e a novas formas de organizar o trabalho. Ao transfor- mar o processo de produção, o modo de vida das pessoas tam- bém foi afetado (Hobsbawn, 1981; Arruda, 1994). A Revolução Industrial não foi, portanto, apenas a introdução e a criação denovas tecnologias. Com ela se iniciou o processo de industria- lização, e os artesãos, que antes produziam em suas casas com suas ferramentas, passaram a trabalhar sob as ordens do em- presário capitalista e se sujeitaram a novas formas de conduta 2828 e relações de trabalho. A produção, antes feita de forma arte- sanal pelos mestres artesãos, passou a se dar num ritmo fabril, com o emprego das inovações tecnológicas. A máquina de fiar, uma das principais invenções do período, era capaz de produ- zir 80 quilos de fio de uma só vez sob os cuidados de um único trabalhador. O que antes demorava dias para ser feito poderia agora ser produzido em algumas horas. Os artesãos saíram de suas oficinas e foram trabalhar nas primeiras fábricas (Arruda, 1994; Huberman, 1986). O lar como unidade de produção foi substituído pela fábrica. Nas oficinas eles tinham o controle da produção e do tempo de trabalho; nas fábricas passaram a ser submetidos à imposição de longas jornadas sob as ordens de um patrão, mudando radicalmente a forma de vida habitual. Além da questão do horário, a produção na fábrica era mais organizada. Com a divisão das funções, o artesão, que antes fazia o produto todo, passou a ser responsável por apenas uma parte da elaboração desse produto. Os trabalhadores perderam, assim, o saber sobre seu trabalho, pois passaram a apenas exe- cutar ordens estabelecidas. Se antes o artesão era um mestre no seu ofício, pois dominava totalmente a produção de um obje- to, com a utilização das máquinas e a divisão das funções na fábrica ele se transformou em alguém que apenas operava as máquinas (Marx, 1968). Este trecho, do historiador Leo Huberman, ilustra como ostrabalhadores passaram a experimentar outro tipo de relação com o trabalho após a Revolução Industrial: 2929 Mas os dias longos, apenas, não teriam sido tão maus. Os trabalha- dores estavam acostumados a isso. Em suas casas, no sistema do- méstico, trabalhavam durante muito tempo. A dificuldade foi adap- tar-se à disciplina da fábrica. Começar numa hora determinada, para, noutra, começar novamente, manter o ritmo dos movimentos da máquina – sempre sob as ordens e a supervisão rigorosa de um capataz – isso era novo. E difícil. (Huberman, 1986, p. 177-178) A industrialização é acompanhada pela urbanização da so- ciedade. Em pouco tempo, entre 1780 e 1860, a Inglaterra pas- sou de país com pequenas cidades e de população predominan- temente rural para um país com grandes cidades e indústrias. Um elevado número de camponeses deixava suas propriedades pressionados pela privatização das áreas comuns dos feudos. A perda das propriedades, aliada à mecanização da agricultura, provocou um êxodo rural que contribuiu ainda mais para oinchaço das cidades (Arruda, 1994). As cidades que se formavam não tinham uma estrutura de moradias, de serviços sanitários e de saúde para suportar o gran- de número de pessoas que emigrava do campo. Imagine inú- meras pessoas chegando a uma cidade onde não existem casas para morar, nem médicos, nem escolas suficientes; e, apesar das indústrias, não existia emprego para todo mundo. Novos problemas apareceram, como o aumento da prostituição, do alcoolismo, do suicídio e da criminalidade, e surgiram surtos epidêmicos de tifo e cólera. 3030 Com essas transformações – industrialização, crescimento das cidades, êxodo rural – começou a surgir uma nova classe social, urbana e intimamente ligada à industrialização: o prole- tariado. Essa classe era constituída por aquele enorme número de trabalhadores assalariados das novas indústrias nas cidades. É claro que, com todos os problemas que surgiram nas novas cidades com o processo de urbanização – violência, alcoolis- mo, criminalidade, falta de moradia, de saúde, de saneamento básico –, as condições de vida do proletariado eram muito pre- cárias (Huberman, 1986). Naquele tempo não existia nenhu- ma lei que protegesse os trabalhadores e que garantisse direitos importantes, como salário mínimo, jornada máxima de traba- lho por dia e por semana, férias e todos os demais benefícios que hoje existem. Quem precisasse trabalhar para sobreviver era obrigado a aceitar as condições impostas pelos patrões. Os trabalhadores se sujeitavam, então, às mais precárias condições de trabalho que podiam existir: longas jornadas, salários bai- xos, más condições de higiene, falta de segurança, entre outras (Marx, 1968). E não pense que eram apenas os homens adultos que tra- balhavam. A indústria empregava um grande número de mu- lheres e crianças, que recebiam salários menores,e assim o lu- cro do patrão era maior. Muitas crianças com idade inferior a 8 anos trabalhavam em troca de apenas alojamento e comida(Arruda, 1994). As péssimas condições de vida e de trabalho dadas à clas- se trabalhadora não foram aceitas passivamente e levaram a várias reações dos trabalhadores, desde manifestações mais 3131 descontroladas, como destruição de máquinas, sabotagem no trabalho, roubos e explosão de algumas oficinas, até iniciati- vas mais organizadas, como o movimento cartista* e as trade unions* *. Estas últimas foram se organizando cada vez mais e mudando seu teor, culminado na criação dos sindicatos. No campo das ideias também surgiram críticas ao capitalismo e ao desenvolvimento industrial, que propunham reformas sociais e a construção de uma sociedade mais justa (Arruda, 1994). Assim como a burguesia da Revolução Francesa quis aca- bar com os privilégios da nobreza, os trabalhadores também queriam enfrentar os proprietários das indústrias – isto é, os burgueses –, que lucravam com seu trabalho enquanto eles empobreciam cada dia mais. Mas quem eram os burgueses e qual a relação que tinham com os trabalhadores? Já vimos que na Revolução Francesa eram eles que queriam (e conseguiram) acabar com os privilégios da nobreza. Mas, e agora, o que eles queriam? Ora, o surgimento das fábricas, associado com as inovações, como o tear mecânico e a máquina a vapor de James Watt***, * Movimento cartistaMovimento cartista: movimento organizado pela Associação dos Operários da Inglaterra, entre os anos de 1837 e 1848, que exigia me- lhores condições de trabalho, tais como: limitação da jornada de tra- balho e do trabalho feminino, extinção do trabalho infantil, salário mínimo. Recebeu essa denominação porque suas reivindicações eram feitas em forma de cartas às autoridades. ** Trade unionsTrade unions: organizações dos operários das fábricas inglesas duran- te a segunda metade do século XIX, que mais tarde evoluíram para os sindicatos. *** Em 1769, James Watt desenvolve na Inglaterra um equipamento mo- vido a vapor de água que seria como um motor para impulsionar má- quinas. Começa aqui a substituição da força humana pela energia me- cânica. 3232 fez a produção aumentar enormemente. Com isso aumenta- ram o lucro do dono da fábrica e o acúmulo de capital, isto é, de dinheiro. Começou, dessa forma, a se consolidar o sistema capitalista, que desintegrou os costumes e as tradições até en- tão existentes. O sistema capitalista é baseado na propriedade privada e na busca do lucro. Nesse caso, o primeiro objetivo da produção de mercadorias não é necessariamente a satisfação das necessidades, mas a obtenção do lucro. E tudo passa a ser organizado com vistas a esse objetivo*. O capitalista, ou bur- guês, é aquele que tem a propriedade dos meios de produção, ou seja, das fábricas, das máquinas, das ferramentas, das ter- ras. A classe trabalhadora, ou proletariado, são aqueles que não possuem meios de produção e necessitam vender a sua força de trabalho ao capitalista. Configura-se, assim, uma sociedade de classes: de um lado, a classe dos proprietários e, de outro, a classe dos não proprietários. * Nos próximos capítulos, falaremos mais sobre o capitalismo e veremos as diferentes interpretações que os teóricos da sociologia deram a esse sistema econômico. 3333 Quadro 1.2 − Desdobramentos das “duas grandes revoluções”Quadro 1.2 − Desdobramentos das “duas grandes revoluções” Revolução FrancesaRevolução Francesa (1789)(1789) Revolução IndustrialRevolução Industrial (final do século XVIII)(final do século XVIII) Fim do feudalismo e do Antigo Regime. Ascensão da burguesia ao poder. Fim dos privilégios da nobreza. Abalo no poder da Igreja. Novas tecnologias e mudan- ças nas formas de organizar o trabalho. Industrialização. Êxodo rural e urbanização. Surgimento do proletariado. Condições precárias de vida dos trabalhadores. É importante lembrar que os desdobramentos da Revolução Francesa e da Revolução Industrial não ficaram limitados àFrança e à Inglaterra. Esses países foram apenas o berço das transformações, pois os efeitos das duas “grandes revoluções” se espalharam por vários países da Europa e pelos Estados Unidos. [1.6 ][1.6 ] As revoluções e a sociologiaAs revoluções e a sociologia Poderíamos então nos perguntar novamente: O que tudo isso tem a ver com a sociologia? Acontece que toda essa nova situa- ção da realidade social, cheia de problemas e contradições, comnovas classes surgindo e novos interesses em jogo, desafiou os pensadores da época a formular explicações e a encontrar so- luções. E as explicações e as soluções a serem encontradas não eram mais as baseadas na religião ou na tradição. Já vimos que a 3434 sociedade exigia outras respostas, ou seja, respostas científicas e racionais. oda essa nova realidade, que englobava a urbani- zação, a industrialização, a consolidação do sistema capitalista, o surgimento da nova classe de trabalhadores que empobrecia enquanto a burguesia enriquecia, e todos os problemas resul- tantes dessa situação apareciam aos homens da época como um “caos social”. A sociedade parecia desorganizada, sem leis ou normas para seguir. Como a tradição e a religião não con- seguiam mais dar conta das questões e desafios colocados pela nova ordem, começou a ser pensada uma ciência que conse- guisse dar respostas e saídas para essa situação: a sociologia. Acompanhe um trecho que sistematiza a relação entre a so- ciologia, os efeitos da Revolução Industrial e o surgimento do capitalismo: A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual àsnovas situações colocadas pela Revolução Industrial. Boa parte de seus temas de análise e de reflexão foi retirada das novas situações, como, por exemplo, a situação da classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as transformações tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica, etc. É a formação de uma estrutura social muito específica – a sociedade capitalista – que impulsiona uma reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus antagonismos de classe. Não é por mero acaso que a sociologia, enquanto instrumento de análise, inexistia nas relativamente está-veis sociedades pré-capitalistas, uma vez que o ritmo e o nível das mudanças que aí se verificam não chegavam a colocar a sociedade como um “problema” a ser investigado. (Martins, 2006, p. 16) 3535 SínteseSíntese Vimos como o estudo científico da relação indivíduo-sociedade é um desenvolvimento relativamente recente, datado de fins do século XVIII. Um desenvolvimento-chave foi o uso da ciência para compreender o mundo – a ascensão de uma abordagem científica ocasionou uma mudança radical na forma de inter- pretação e explicação do mundo. Assim, as explicações basea- das na religião e na tradição foram dando espaço para tentati- vas de conhecimento racionais e científicas. O cenário que deu srcem à sociologia abarcou uma série de mudanças introduzidas pelas “duas grandes” revoluções dos séculos XVIII e XIX: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Ambas acarretaram um grande número de mudan- ças na sociedade e nas ideias, surgindo daí a necessidade de no- vas respostas para os problemas à medida que iam aparecendo. Dessa forma, a sociologia se constrói como uma aborda- gem da relação indivíduo-sociedade, promovendo, ainda hoje, a possibilidade de um “outro olhar” sobre a realidade social. Indicação culturalIndicação cultural O NOME da rosa. Direção: Jean-Jacques Annaud. Produção: Bernd Eichinger. Itália/Alemanha/França: 20th Century Fox Film Corp oration, 1986. 130 min. Durante a Idade Média, um monge franciscano chega a um mosteiro europeu para investigar uma série de mortes misteriosas. Neste filme é possível perceber um momento em que explica- ções baseadas na fé e na religião cedemlugar para as explicações científicas e racionais. Porém, como é um momento de transição, 3636 ainda não existe o predomínio de uma das formas, que passam a travar um jogo de forças. Atividades de autoavaliaçãoAtividades de autoavaliação 1) Durante a Idade Média europeia a Igreja dominava tanto o campo das ideias como das relações sociais. Nesse contexto, as formas de explicação dos fenômenos e a organização da vida social que predominavam eram: a) obtidas mediante a observação dos fatos e fenômenos que ocorriam. b) baseadas numa tentativa de explicação científica, já que a Igreja dominava e por isso detinha os conhecimentos científicos da época. c) marcadas pela influência da fé e da religião, que eram consequências do domínio da Igreja sobre a sociedade. d) racionais e científicas, uma vez que a sociedade já não aceitava outro tipo de explicação. 2) A Revolução Francesa é um dos acontecimentos importan- tes para o surgimento da sociologia. Essa importância se deve ao fato de: a) transformar a sociedade, quebrando os privilégios feu- dais e colocando uma nova classe em evidência: a bur- guesia. b) reafirmar o poder da Igreja e da nobreza, uma vez que eram esses grupos que promoveriam o desenvolvimento da sociedade. 3737 c) fortalecer o Estado Absolutista, o que favorecia a bur- guesia e o desenvolvimento do capitalismo. d) reafirmar o “direito divino dos reis”, pois daria a ele a condição de fazer as transformações necessárias para pôr fim aos privilégios dos nobres. 3) Sobre a Revolução Industrial e a sua importância para a for- mação da sociologia, é correto afirmar que: a) as inovações tecnológicas desse período ficaram res- tritas apenas ao âmbito da produção, não acarretando maiores implicações sociais. b) possibilitou a melhora das condições de vida dos tra- balhadores, já que a produção de mercadorias cresceu muito. c) ocasionou um grande número de transformações eco- nômicas e sociais, intimamente ligadas às inovações tec- nológicas. d) significou apenas a introdução e a criação de novas tecno- logias, sem maiores consequências para a ordem social. 4) Analise as seguintes afirmações sobre a importância das “duas grandes revoluções” para o surgimento da sociologia: I. As duas revoluções provocam um período de estabili- dade social, o que permitiu à sociologia se desenvolver tranquilamente.II. As transformações provocadas por essas duas revoluções, tanto no campo das ideias como na sociedade, desafia- ram os pensadores a formular uma explicação científica da realidade social. 3838 III. As revoluções ajudaram a sociologia a se aproximar da religião e, assim, a produzirem, juntas, uma nova expli- cação da realidade. IV. Não tiveram tanta importância para o surgimento da so- ciologia, já que essa ciência tem suas srcens dentro do meio religioso e místico. V. Elas desorganizaram a sociedade, o que foi crucial para o surgimento de uma ciência que pudesse resolver os novos problemas que surgiram decorrentes dessas revo- luções. São verdadeiras as seguintes afirmações: a) I e II. b) II e V. c) III e IV. d) I, II e III. 5) Considere as seguintes afirmações sobre o conceito de so- ciologia: I. A sociologia limita-se a uma coleção de conhecimentos sobre a realidade social. II. O seu estudo deve servir também para construir uma nova visão da realidade social. III. Aborda a relação do indivíduo com a coletividade, pro- curando perceber a maneira como se dão as interações na vida coletiva. IV. Podemos afirmar que é, de srcem, uma ciência urbana, capitalista e tem seu berço na Europa. 3939 V. Já é uma ciência pronta, isto é, já tem todo o seu referen- cial teórico desenvolvido e não existem divergências na interpretação dos dados sociais. São verdadeiras as seguintes afirmações: a) I, II e III. b) II, III e IV. c) II e III. d) I, IV e V. Atividades de aprendizagemAtividades de aprendizagem Questões para reflexãoQuestões para reflexão 1) Com base nas reflexões contidas neste capítulo, discuta, em grupo, quais foram as consequências para a sociedade da mudança de local de trabalho da casa para a fábrica, provo- cada pela Revolução Industrial. Após a discussão, faça uma síntese das conclusões formuladas. 2) A sociologia pode ser considerada uma “ciência da crise”. Retome a citação de Martins (2006, p. 16), reproduzida na p. 34 deste livro, e relacione a instabilidade da sociedade capitalista que se formava com o surgimento da sociologia. Atividade aplicada: práticaAtividade aplicada: prática Como foi visto, a sociologia não deve ser apenas uma co- leção de conhecimentos e teorias sobre a realidade social. Ela deve servir para que formemos uma “visão sociológica” do mundo. Com base nesse princípio, exercite essa “visão’ 4040 por meio de uma pesquisa. Converse com o trabalhador ou trabalhadora de uma indústria (pode ser pai, irmão/irmã, vizinho/vizinha) e procure obter dele ou dela as seguintes informações: a) Qual o produto fabricado na indústria em que trabalha. b) Qual parte do produto ele ou ela fabrica. c) Que tipo de conhecimento está envolvido na tarefa que realiza. d) Indague da pessoa se ela seria capaz de, sozinha, fabricar o produto inteiro. Após obter essas informações, faça uma pequena relação das respostas obtidas com o que aconteceu com os primeiros trabalhadores das fábricas na época da Revolução Industrial. Guarde uma cópia dessa conclusão para retomá-la no final do curso. A institucionalização da sociologia: Comte e Durkheim [Capítulo 2][Capítulo 2] 4242 Como vimos no capítulo anterior, a sociologia surgiu na Europa como uma resposta intelectual e prática para as transformações na ordem social que as duas “grandes revoluções” provocaram. Era uma resposta intelectual, pois as transformações desafia- vam os pensadores a formularem novas explicações para uma nova ordem, sob um olhar científico e racional. Mas era tam- bém uma resposta prática, uma vez que as transformações tra- ziam novos problemas concretos à sociedade e era preciso en- contrar saídas para tais problemas. Veja como Florestan Fernandes, um dos grandes sociólogos brasileiros, reflete sobre o surgimento e o desenvolvimento da sociologia: Ela nasce e se desenvolve como um dos florescimentos intelectuais mais complicados das situações de existência das modernas socie- dades industriais e de classes. E seu progresso, lento mas contínuo, no sentido do saber científico-positivo, também se faz sob a pressão das exigências dessas situações de existência, que impuseram, tanto ao pensamento prático quanto ao pensamento teórico, tarefas de- masiado complexas para as formas pré-científicas de conhecimento. (Fernandes, 1977, p. 11) Como demonstra o trecho acima, à medida que novos pro- blemas iam aparecendo, novas respostas foram sendo necessá- rias. Isso significa que as primeiras interpretações e formulações 4343 sobre a vida social não eram definitivas, assim como ainda não o são. Respostas mais simples foram substituídas por respostas mais complexas, que foram se aprimorando cada vez mais. Em outras palavras, a sociologia foi construindo um corpo de in- terpretações. Ao longo deste capítulo, acompanharemos a instituciona- lização da sociologia como ciência, numa discussão que passa pela definição de seu objeto e pela diferenciação da sociologia das outras ciências. Veremos concomitantemente as aborda- gens sociológicas construídas por dois fundadores da sociolo- gia: Auguste Comte e Émile Durkheim. [2.1][2.1] A institucionalização da sociologia:A institucionalização da sociologia: seu campo de atuaçãoseu campo de atuação Como a nova ordem social se mostrava com vários problemas, as respostas dadas pela ciência que começava a se formar apre- sentavam um caráter conservador. Os primeiros pensadores viam as mudanças ocorridasna sociedade apenas pelo lado da desorganização e dos problemas que causavam. Eles chega- vam mesmo a desejar uma volta à sociedade feudal, com sua estabilidade, hierarquia e valores tradicionais. Miséria, pobreza, desemprego, crimes, violência eram vistos como fruto das mu- danças e do progresso ocorridos (Martins, 2006). A Revolução Industrial, por outro lado, trouxe a eficácia do novo saber inaugurado pela ciência moderna, com múltiplas inovações e realizações. A física, a química e a biologia mostra- ram o poder de transformação da ciência (Arruda, 1994). 4444 Os pensadores das ciências humanas ficaram como que fas- cinados com os resultados e os avanços dessas ciências natu- rais. Como não tinham ainda um método próprio para abordar seu objeto, resolveram adotar o método das ciências naturais. Usando esse método e acreditando no poder transformador da ciência, os primeiros pensadores da realidade social tiveram o seguinte raciocínio: já que a ciência pode transformar a pro- dução de mercadorias, criar novos produtos e novas fontes de energia, ela pode também restabelecer a ordem na sociedade (Martins, 2006; Minayo, 2000). Antes de prosseguirmos, entretanto, é importante refletir sobre alguns termos essenciais para compreender o que foi dito até agora. Vamos começar com a questão do método. Método significa o caminho que fazemos para atingir um ob- jetivo, uma meta. Da mesma forma que, quando viajamos, esta- belecemos um roteiro − planejando as paradas a fazer, onde des- cansar, a rota a seguir, se iremos durante o dia ou durante a noite –, a ciência também desenvolve “caminhos” para atingir seus ob- jetivos. No método científico são definidos os procedimentos, as técnicas, a maneira como será abordado o objeto de estudo, os critérios que serão empregados, as condições de abordagem, como serão medidos os resultados. O método científico garante a legitimidade do conhecimento científico, ou seja, garante que ele seja aceito como verdadeiro (Minayo, 2000).Vamos pensar no seguinte exemplo: Qual método seria mais adequado para medirmos a espessura de uma folha de papel? Poderíamos usar um paquímetro ou poderíamos usar a técni- ca de pegar várias folhas, medir a espessura de todas juntas e 4545 dividir pelo número de folhas. Isso é uma questão de método, ou seja, o que usaremos para atingir nossa meta. Se usássemos uma régua para atingir o objetivo desejado (medir a espessura da folha de papel), o resultado poderia não ser tão “verdadei- ro” ou mesmo ser diferente do método de medir várias folhas juntas. O método científico se refere aos procedimentos, às técnicas, à maneira como será abordado o objeto de estudo. A definição desses elementos – procedimentos, técnica, abordagem – garan- te a legitimidade do conhecimento científico. Outra questão importante é a distinção entre ciências hu- manas e ciências naturais. As ciências humanasciências humanas (ou ainda ciências sociaisciências sociais) são aquelas que têm o ser humano e as suasrelações como objeto de estudo. Fazem parte das ciências hu- manas a psicologia, a sociologia, a geografia humana, a história, a linguística. As ciências naturaisciências naturais são aquelas que têm como objeto de estudo a natureza. Entre elas temos a física, a química, a biologia. Ainda poderíamos considerar uma terceira classifi- cação, a denominada ciências formais, que abrangeria a mate- mática e a lógica (Minayo, 2000; Santos, 1995). 4646 Quadro 2.1 − Diferença entre ciências humanas e ciências naturaisQuadro 2.1 − Diferença entre ciências humanas e ciências naturais Ciências humanasCiências humanas Ciências naturaisCiências naturais êm o ser humano e suas rela- ções como objeto de estudo. Não existe a possibilidade de separação clara entre o objeto de estudo e o pesquisador. Sociologia, psicologia, geo- grafia humana, história, linguística. O objeto de estudo é a natureza. Existe a possibilidade da sepa- ração entre objeto de estudo e pesquisador. Física, química, biologia, ana- tomia, fisiologia. Enquanto as ciências naturais possuem como objeto algo que se encontra fora do pesquisador, nas ciências humanas o próprio pesquisador faz parte daquilo que estuda. Não existe uma separação clara entre o objeto e o sujeito que quer conhe- cer. Nenhum sociólogo pode ignorar o fato de que faz parte daquilo que estuda: a sociedade e as relações sociais. Mesmo que o sociólogo estude uma sociedade diferente da sua, estará sempre inserido numa rede de relações como aquela que irá estudar (Santos, 1995). A complexidade do objeto aparece como uma peculiaridade das ciências humanas em relação às ciências naturais. Um quí- mico que pretenda estudar as reações químicas pode manipular o seu objeto de estudo no laboratório, tentando simplificá-lo e, percebendo o que é constante, pode repetir as reações inúme- ras vezes, podendo controlar as condições de realização da ex- perimentação. Nas ciências humanas, esses procedimentos não 4747 são possíveis. As pessoas não se comportam sempre da mesma maneira, ainda que a situação seja a mesma, isto é, o comporta- mento humano é inconstante, resulta de particularidades, he- ranças sociais, e é motivado por desejos, paixões, ódio e uma série de fatores que não podem ser facilmente isolados e sim- plificados. odas essas peculiaridades e complexidade das ciên- cias humanas ocorrem porque seu objeto é também sujeito do conhecimento (Giddens, 2005; Minayo, 2000; Santos, 1995). Agora que já vimos um pouco sobre o método e sobre a dis- tinção entre ciências humanas e ciências naturais, vamos voltar à sociologia e conhecer um pouco da obra de Auguste Comte. [2.2][2.2] A obra de Auguste Comte e o positivismoA obra de Auguste Comte e o positivismo O francês Auguste Comte (1791-1857) aparece como um dos pioneiros na elaboração tanto da sociologia quanto das respos- tas que ela poderia dar aos desafios que lhe eram colocados. 4848 Auguste ComteAuguste Comte nasceu em Montpellier, na França, em uma família católica e monarquista. Como nasceu logo após a Revolução Francesa, presenciou os desdobramentos da nova sociedade que surgia. Com formação em matemática e filo- sofia, chegou a estudar medicina e fisiologia. Foi o fundador do positivismo. Durante toda a sua vida sofreu com crises melancólicas e depressivas. Morreu em Paris, no dia 5 de setembro de 1857. Suas principais obras são: Curso de filo- sofia positiva, dividida em seis tomos (1830-1842); Discurso sobre o espírito positivo (1844); Sistema de política positiva, dividida em quatro tomos (1851-1854); Síntese subjetiva (1856) (Comte, 1983b; Aron, 2003; Giddens, 2005). 4949 Comte é o criador do termo sociologia para designar o estudo sistemático da sociedade. Esse termo aparece pela primeira vez no quarto tomo de sua obraCurso de filosofia positiva, de 1839. A primeira denominação que a sociologia recebeu foi a de física social , que está proximamente relacionada com a manei- ra como os primeiros sociólogos pensavam e viam a sociedade. Eles achavam que a sociedade e os objetos das outras ciências deveriam ser abordados da mesma forma. Defendiam então um mesmo método tanto para as ciências naturais quanto para as ciências humanas. Assim, foi inaugurada uma maneira de con- ceber as ciências humanas que recebeu o nome de positivismo (Comte, 1983b). A concepção positivista propôs o estabelecimento de critérios rígidos para a ciência, exigindo que ela se fundasse na observa- ção dos fatos. Por meio dessa observação seria possível descobrir as leis gerais que permitiriam compreender o funcionamento das sociedades e, assim, prever o seu estado futuro. Da mesma forma que o químico poderia prever como se dariam as reações entre elementos químicos depois de descobrir as leis de funcionamen- to dessas reações, o sociólogo seria capaz também de identifi- car leis invariáveis de funcionamentoda coletividade e prever os acontecimentos com base no entendimento dessas leis. A metodologia da sociologia deveria comportar a observa- ção, a comparação e a classificação de modo semelhante ao quefaziam as ciências naturais e ainda apresentar uma linha evo- lutiva – filiação histórica – que permitisse conhecer o passado e conduzir ao futuro. Comte via a sociedade e os indivíduos marcados pela limitação dentro das leis naturais da sociedade, 5050 as quais deveriam ser conhecidas para se avançar na linha evo- lutiva (Comte, 1983b). Além disso, de acordo com a concepção positivista, deve haver a separação entre o objeto e o sujeito pesquisador, bem como a neutralidade da ciência. Pense um pouco sobre essa concepção: seria possível estudarmos a sociedade sem levar em conta aquilo em que acreditamos ou a maneira como a vemos? Pois bem, a concepção positivista acreditava que sim. Assim como o químico estudava as fórmulas e os elementos sem que suas concepções influenciassem no resultado da pesqui- sa, os pesquisadores sociais também deveriam ter essa postura. Vamos ver mais sobre a maneira como Comte compreendia a sociedade e a sociologia e poderemos entender melhor a sua postura positivista. PositivismoPositivismo Postula que a ciência deve se fundar na observação, na compara- ção e na classificação. A ciência deve procurar leis gerais de validade universal. Postula a separação rígida entre pesquisador e objeto de estudo. Defende a possibilidade de previsão de estados futuros. Busca a normatização e a ordenação daquilo que estuda. udo aquilo que foge das “leis gerais” pode ser considerado patológico. 5151 O pensamento de Comte refletia os momentos turbulentos de seu tempo. A Revolução Francesa introduzira mudanças significativas na sociedade, e o crescimento da industrialização estava alterando a vida tradicional da população francesa. Na concepção positivista de Comte os fenômenos sociais estavam submetidos a leis invariáveis, da mesma maneira que os fenô- menos físicos, químicos e biológicos (Comte, 1978b, 1978c). Além dessa visão dos fenômenos sociais, Comte tinha uma vi- são evolucionista da sociedade, pela qual o ápice do desenvolvi- mento consistia no padrão apresentado pela Europa civilizada. Perceba que esse é um modelo “copiado” da biologia, mais es- pecificamente da teoria evolucionista de Charles Darwin (Aron, 2003; Cohn, 1977). À sociologia cabia descobrir as leis que regiam essa socie- dade e, a partir daí, reorganizá-la, conduzindo-a ao seu pleno desenvolvimento. Uma vez alcançada a ordem, a sociedade po- deria progredir. Um exemplo da maneira como a concepção positivista foi aplicada na sociedade está no nosso próprio país. Na proclamação da República brasileira, as ideias positivistas foram muito marcantes, influenciando vários republicanos e contribuindo para o amadurecimento de suas ideias. Essa in- fluência ficou marcada no lema de nossa bandeira: “Ordem e progresso”. Da mesma forma como as sociedades progrediam por meioda ordem, para Comte (1978b, 1978c) as ciências também evo- luíam dentro de uma escala, em que a sociologia só se poderia constituir como ciência a partir do momento em que seu objeto 5252 – o sistema social – houvesse chegado à sua última fase de de- senvolvimento. Note como as ideias de evolução e ordem são características do pensamento positivista. O surgimento da sociologia é situado por Comte (1978b) num contexto em que a sociedade apresentava dois movimen- tos: de desorganização e de organização. Para o autor, a socie- dade passava por um momento de profunda desorganização, de anarquia e de instabilidade, cabendo à sociologia – como ciência positiva – restabelecer a ordem, colocando a sociedade novamente no seu caminho “natural” de desenvolvimento, ten- do sempre como padrão, é claro, a sociedade europeia. Nesse aspecto fica evidente a concepção positivista da sociologia de Comte: a produção de um conhecimento sobre a sociedade fundamentado em evidências empíricas, formuladas com base na observação, na comparação e na experimentação; com isso poderiam ser formuladas leis universais que permitissem pre- dizer e controlar os acontecimentos. Isso significava que, uma vez descobrindo as leis gerais que regiam o funcionamento da sociedade, seria possível dizer em que sentido ela iria se desen- volver, e mesmo, direcionar esse desenvolvimento. Vamos acompanhar uma citação de Comte, em que ele ain- da denomina a sociologia de física social e demonstra o caráter evolutivo do pensamento positivista: Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais e invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar 5353 diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário das transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espírito dessa ciência consiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro. (Comte, 1983b, p. 53) Na sua obra Curso de filosofia positiva, Comte (1978b) for- mulou a teoria dos três estágios pelos quais passaria o conheci- mento humano até o seu pleno desenvolvimento: o teleológico, o metafísico e o positivo ou empírico. No primeiro estágio, os pensamentos seriam guiados pela fé e pelas crenças, e a socieda- de aparece como resultado da vontade divina. No estágio meta-físico, a vontade divina como fundamento da sociedade é subs- tituída pelas causas naturais. A causa sobrenatural cede espaço às causas naturais como explicação dos fenômenos. No estágio positivo – último estágio do desenvolvimento do conhecimento humano – a ciência seria a forma de explicação do mundo e da natureza e uma ferramenta de reforma para a sociedade. Nesse sentido, o homem precisaria passar por uma refor- ma intelectual, para que a sua maneira de pensar fosse alterada. Uma vez modificada essa forma de pensar, a sociedade e suas instituições seriam também reformadas. Haveria, assim, a pro- dução de um consenso moral, conseguido mediante a razão e a ciência. 5454 No fim de sua carreira, Comte (1978a) propõe o estabeleci- mento de uma religião da humanidade, pela qual os dogmas e os preceitos da fé seriam substituídos pelos fundamentos científicos. Essa intenção de Comte fica evidente no ensaio que escreve inti- tulado Catecismo positivista,obra publicada em 1852. Note que Comte não propõe o fim da religião, pois acreditava que ela era uma necessidade do homem e da sociedade. O que ele propõe é uma “religião científica”, e a sociologia estaria no centro dessa reli- gião, pois é ela que pode compreender e reorganizar a sociedade. Hoje podemos perceber que as concepções e as previsões de Comte em relação ao uso da sociologia para a restauração da sociedade não se realizaram. A sociologia não é uma ciência que pode “prever” os acontecimentos sociais ou mesmo tem a capacidade de, sozinha, reformar a sociedade. Entretanto, mes- mo sendo uma obra considerada superada como fundamento teórico-explicativo, é preciso levar em conta a importância de Comte para o surgimento da sociologia e considerar – como afirma o próprio Comte – que “a época das conquistas não pode ser a dos limites precisos” (Comte, 1983b, p. 67). Aqui é importante atentar para uma distinção realizada por Cohn (1977) entre os clássicos e os fundadores da sociologia. Nessa discussão, os clássicos são aqueles pensadorescujas re- flexões continuam levantando problemas e propondo respostas a eles. Aí se incluem Marx, Durkheim e Weber. Os fundadores,como Comte, são aqueles cujas obras foram importantes para o estabelecimento e a afirmação da ciência, mesmo que elas não tenham mais fôlego explicativo. 5555 Para ComteComte (1978a, 1978b, 1983a, 1983b), asociologiasociologia deveria descobrir as leis gerais que regiam a sociedade. Assim, com o co- nhecimento dessas leis seria possível conduzir a sociedade ao seu pleno desenvolvimento e mesmo prever como estaria no futuro. As ideias de evolução e ordem são recorrentes no pensamento po- sitivista de Comte. Ele buscava um conhecimento baseado em evi- dências empíricas, formuladas com base na observação, na com- paração e na experimentação. Propunha também para as ciências sociais um método semelhante ao método das ciências naturais. Agora, veremos outro pensador da sociologia influen- ciado pelo positivismo de Comte: o também francês Émile Durkheim. [2.3][2.3] Durkheim e os fatos sociaisDurkheim e os fatos sociais Durkheim propôs uma metodologia científica para a sociologia que permitisse o estudo de leis “concretas”, e não generalida- des abstratas. Buscou construir conceitos que possibilitassem a abordagem da realidade social. 5656 Émile DurkheimÉmile Durkheim nasceu em Épinal, França, em 15 de abril de 1858, numa família judia. Estudou na École Normale Supérieure de Paris, onde se doutorou em Filosofia. Em 1877 assumiu a primeira cadeira de sociologia da Universidade de Bordeaux. Perdeu seu único filho em 1915, durante a Segunda Guerra Mundial. É considerado o fundador da sociologia moderna, estudando profundamente os fenôme- nos sociais de sua época. Faleceu em Paris, no dia 15 de no- vembro de 1917. Suas principais obras são: A divisão do tra- balho social (1893); As regras do método sociológico (1894); O suicídio (1897), As formas elementares da vida religiosa (1912) (Aron, 2003; Cohn, 1977; Giddens, 2005). 5757 Comecemos o estudo sobre Durkheim com um exercício. Vamos pensar em como definir sociedade. Poderíamos dizer, de maneira rápida, que a sociedade é formada pelos indivíduos. Pois bem, para Durkheim, não é a sociedade que é formada pelos indivíduos, e sim o contrário: é a sociedade que forma os indivíduos (Aron, 2003). Isso porque Durkheim considerava que a sociedade prevalece sobre os indivíduos e é ela que os molda. Ao longo do estudo, analisaremos melhor essa noção da superioridade da sociedade sobre o indivíduo em Durkheim. Uma de suas preocupações centrais está em delimitar o cam- po da sociologia de maneira clara: o que essa ciência irá estudar? A tarefa começa pela definição de seu objeto – o fato social. Os fatos sociais são maneiras de agir, de pensar, de sentir que se impõem aos indivíduos (Durkheim, 1960, 1983a). São dados pela coletividade, pela sociedade. ais fatos são diferen- tes dos fatos estudados em outras ciências por terem srcem na sociedade, e não na natureza (como nas ciências naturais) ou no indivíduo (como na psicologia). A sociedade aparece como um conjunto de leis, normas, ações, pensamentos e sentimen- tos que tem a sua existência determinada não pelas consciên- cias individuais, mas fora delas, no meio social. Ou seja, a so- ciedade é um meio exterior e independente dos indivíduos, e é nesse meio que se encontram os fatos sociais. Daí a importância de sua definição de fato social e das características que estesapresentam, pois somente entendendo suas características po- deremos reconhecê-lo e entendê-lo, compreendendo, assim, a sociedade em que vivemos. Vamos então às características dos fatos sociais. 5858 Durkheim (1960) afirma que os fatos sociais têm três carac- terísticas básicas que permitem sua identificação na realidade: a exterioridade, a coercitividade e a generalidade/coletividade. Os fatos sociais são exterioresexteriores, pois existem fora das cons- ciências individuais. As normas, as regras de conduta não são criadas pelos indivíduos isolados, mas pela coletividade, e os indivíduos já as encontram prontas quando nascem. Os fatos sociais são coercitivoscoercitivos porque as regras e as condu- tas sociais se impõem aos indivíduos. Ninguém é obrigado a fa- lar o português culto, mas ignorar essa regra em determinados ambientes é inviável, não existe uma lei que obrigue as pessoas a falar o português correto, mas, se as pessoas vão contra esse “fato”, a coercitividade se revela e faz sentir a sua força (Abel, 1972). Assim, muitas vezes, essa característica só se manifesta quando o indivíduo vai contra o fato social. Quanto à generalidade/coletividade, Durkheim afirma que os fatos sociais são geraisgerais porque são coletivoscoletivos, e não o contrá- rio. Ou seja, aparecem nas partes (indivíduo) porque estão no todo (sociedade). Por exemplo, a maioria dos habitantes de um país é de religião católica porque a coletividade assim determi- na; a explicação está na coletividade. Não se poderia entender esse fenômeno – a maioria dos habitantes de um país ser católi- ca – a partir dos indivíduos, mas somente a partir do coletivo. 5959 Fatos sociaisFatos sociais são o objeto de estudo da sociologia. São maneiras de agir, de sentir, de pensar, de compreender, de interpretar, im- postas aos indivíduos pela sociedade. A educação é um bom exemplo para aplicarmos e entender- mos a definição de fato social. Quando nascemos, ainda não sabemos a maneira de nos comportarmos e de agirmos em so- ciedade. Com o passar do tempo, vamos aprendendo os gostos, os hábitos e as maneiras de agir, de sentir e de ser do grupo social ao qual pertencermos. Assim, toda organização social precisa “repassar” estas “informações” – maneiras de ser, de sentir, de agir, os gostos, os hábitos – aos seus membros, para que sejam possíveis a perpetuação e o funcionamento da socie- dade (Rodrigues, 2004). É esse “repasse” de informações que Durkheim define como educação e que perpetua a existência do grupo apesar da morte dos indivíduos: A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as ge- rações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de es- tados mentais, físicos, intelectuais e morais, reclamados pela socie- dade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine. (Durkheim, 1962, p. 27) Assim, quando nascemos, já encontramos algo pronto, que nos é transmitido por outras pessoas e que exerce uma força sobre nós. A educação aqui considerada não se refere apenas à educação que recebemos na escola, mas inclui também aquela 6060 que recebemos em casa, na rua, no bairro, na igreja, na tele- visão. Esse processo de educação também recebe o nome de socialização, que nada mais é do que o processo de aprender a ser membro de uma sociedade (Berger; Berger, 1977b). Outro conceito importante de Durkheim (1960, 1983a) é o de consciência coletiva. Esta constitui um sistema de represen- tações coletivas independente dos indivíduos. Ela é formada pelo conjunto de normas, leis, gostos, hábitos, modos de agir, de pensar e de sentir, que são coletivos. É importante entender- mos que o fundamento, a srcem deste conjunto de elementos, é o meio social (Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002). É no coletivo que esses elementos se srcinam e daí vão para os in- divíduos. Assim, a consciência coletiva não se refere apenas à reunião das consciências individuais num todo. A consciência é coletiva pois tem como substrato o social, o coletivo, e não o indivíduo. É como se a consciência coletiva pairasse sobre a sociedade como uma “nuvem” que fornecesse aos indivíduos os modos de pensar, de agir e de sentir, os hábitos e as maneiras de fazer, de entender e de falar. Dessa forma, os fatos sociais – educação, moral, direito, re- ligião– determinam uma consciência coletiva e um dado meio moral da sociedade. Assim, a consciência coletiva, formada por vários modos e maneiras de pensar, de sentir, de agir – ou seja, formada por vários fatos sociais –, determinará o que pode e éaceitável em sociedade, as condutas que se devem adotar, o que é permitido, o que é proibido e o que é tido como estranho ou 6161 imoral. É por isso que se diz que a consciência coletiva é de- terminada por um dado meio moral, e este, por sua vez, deter- mina as consciências individuais. Assim, percebe-se mais uma vez, como na leitura de Durkheim, a sociedade prevalece sobre o indivíduo. Com base nessa leitura, a própria noção de individualidade que temos hoje é propiciada pelo meio social. Um cidadão só será flamenguista, de esquerda, alfabetizado, gostará de lasa- nha, porque o meio social lhe dá – ou impõe – essas alternati- vas para construir sua individualidade. Dentro de sua orientação metodológica, Durkheim propõe tratar os fatos sociais como “coisas”. E tratá-los como “coisas” significa tratá-los como objetos do conhecimento que a percep- ção humana não penetra de modo imediato, necessitando do auxílio da ciência (Aron, 2003; Quintaneiro; Barbosa; Oliveira, 2002; Abel, 1972). Abordar os fatos sociais dessa maneira sig- nifica ter com eles um procedimento de análise diferente do senso comum. Com isso, Durkheim enfatiza a posição de neu- tralidade e objetividade que o pesquisador deve ter em relação à sociedade: ele deve descrever a realidade social sem deixar que suas ideias e opiniões interfiram na observação dos fatos sociais. É possível perceber, então, uma influência positivista nas reflexões de Durkheim. 6262 [2.4][2.4] O olhar de Durkheim sobre a sociedadeO olhar de Durkheim sobre a sociedade Assim como Comte, Durkheim vê a sociedade em um estado de desorganização (Aron, 2003). E aqui podemos perceber melhor a influência positivista em sua obra. Na sociologia durkheimia- na, a coesão da sociedade é um dos elementos que merecem uma preocupação teórica. Durkheim (1983a) faz uma distinção entre sociedades tra- dicionais e sociedades modernas. As sociedades tradicionais apresentam pouca diferenciação entre os indivíduos e pouca divisão do trabalho. Ou seja, os indivíduos são muito parecidos uns com os outros. Por exemplo, numa tribo indígena, todos os homens sabem caçar, pescar e cultivar a terra. Da mesma maneira, todas as mulheres sabem cuidar dos filhos, têm a ca- pacidade de realizar trabalhos em argila e preparar os alimen- tos. Não existe alguém que seja especialista em uma só função, pois a divisão do trabalho é pouca. Já as sociedades modernas apresentam uma grande divisão do trabalho e muita diferen- ciação entre os indivíduos. Repare a nossa sociedade: quantas profissões e especializações existem? Inúmeras, e os indivíduos são muito diferenciados. Segundo Durkheim (1983a), nas sociedades mais simples o sentimento de pertença ao grupo é muito maior, pois a cons- ciência coletiva é mais forte. Ou seja, os imperativos sociais – normas, leis, modos de agir, de pensar e de sentir do grupo – se impõem com muito mais força ao indivíduo, sobrando pouco espaço para interpretações individuais. Nas sociedades 6363 modernas e industrializadas existe uma margem maior para interpretação individual dos imperativos sociais e um enfra- quecimento da consciência coletiva. Mas como explicar essa diferenciação entre as sociedades sem apelar para a diferença entre os indivíduos? Como explicar essa diferença com base no social? Pois bem, para o autor, o meio social é produzido pela coo- peração entre os indivíduos, por meio de um processo de in- teração que chamou de divisão do trabalho social (Durkheim, 1960, 1983a). Conforme o tipo de divisão do trabalho que pre- domina numa sociedade em determinada época, temos um tipo de cooperação entre os indivíduos. Nas sociedades simples, em que existe pouca divisão do trabalho, prevalece a solidarieda- de mecânica, baseada na semelhança entre os indivíduos; por isso existe pouca divisão do trabalho. Nesse tipo de sociedade, a consciência coletiva é forte porque os indivíduos são pouco diferenciados entre si, e podemos dizer que a sociedade é mais coesa. Nas sociedades em que existe uma grande divisão do trabalho, prevalece a solidariedade orgânica, baseada na dife- renciação entre os indivíduos. A coesão da sociedade é dada pela dependência que cada indivíduo tem dos outros (Abel, 1972). Nesse caso, a consciência coletiva é mais fraca, deixando uma margem maior para a interpretação grupal ou individual dos im- perativos sociais. Assim, paradoxalmente, a mesma divisão dotrabalho que serve para manter a sociedade coesa ao fazer com que cada indivíduo dependa dos outros, também faz com que a 6464 ordem social seja ameaçada pelo individualismo que produz. Quadro 2.2 − Diferença entre sociedades tradicionaisQuadro 2.2 − Diferença entre sociedades tradicionais e sociedades modernase sociedades modernas Sociedades tradicionaisSociedades tradicionais Sociedades modernasSociedades modernas Solidariedade mecânica Solidariedade orgânica Pouca divisão do trabalho. Pouca especialização. A consciência coletiva é forte. Baixa densidade populacional. Indivíduos são muito “semelhantes”. Muita divisão do trabalho. Muita especialização. A consciência coletiva é mais fraca. Alta densidade populacional. Os indivíduos são mais diferenciados. É importante observar que, para Durkheim (1983a), associedades em que cada um se assemelha a todos vêm, histo- ricamente, antes das sociedades diferenciadas. Ou seja, a soli- dariedade mecânica precede a orgânica. Assim, descarta-se a possibilidade de explicar os fenômenos da diferenciação social e da solidariedade orgânica por meio da afirmativa de que os homens teriam “tomado consciência” de suas condutas indi- viduais, atibuindo, assim, ocupações específicas e rateando tarefas − talvez pela descoberta de que a divisão do trabalho aumenta a produção da coletividade. al assertiva presume que os indivíduos são diferentes uns dos outros e têm consciência de tal fato. Ora, a consciência da individualidade não podia 6565 existir antes da solidariedade orgânica e da divisão de trabalho (Aron, 2003). É a divisão do trabalho como uma estrutura da sociedade que determina se os indivíduos serão ou não diferenciados. Com esse raciocínio, Durkheim confirma seu postulado da prioridade do todo sobre as partes. Os fenômenos individuais são explicados pelo estado da coletividade, e não o contrário. Percebe-se também que a causa de um fenômeno social só pode ser uma causa social, e nunca individual. Por isso, Durkheim aborda a sociedade como um fato irredutível a outros. A causa de um fato social só pode ser outro fato social. Apesar de propor o tratamento dos fatos sociais como “coisas”, à maneira das coisas concretas, Durkheim sabia que eles não eram concretos como os fatos físicos. Ao abordá-los como “coisas”, chama a atenção para a necessidade de tratá-los de ma- neira científica e exterior, isto é, encontrando o meio pelo qual os estados de consciência coletiva não perceptíveis diretamente podem ser encontrados e compreendidos. Afasta-se assim do senso comum, dos preconceitos e das prenoções e passa a tratar o objeto da sociologia de maneira científica. No caso da divisão do trabalho, que desemboca nas duas formas de solidariedade, o meio pelo qual ela pode ser com- preendida são as formas jurídicas. De forma simplista, os dois tipos de solidariedade correspondem a dois tipos de formas jurídicas. À solidariedade mecânica corresponde o direito re- pressivo, que pune as faltas ou crimes. À solidariedade orgânica corresponde o direito restitutivo ou cooperativo, que repõe a 6666 ordem quando uma falta foi cometida e organiza a cooperação entre os indivíduos (Durkheim,
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