Buscar

Deng Xiaoping - O arquiteto do milagre chinês

Prévia do material em texto

De Rémi Kauffer 
 
Deng Xiaoping - O arquiteto do milagre chinês 
O pragmático sucessor de Mao Tsé-tung mudou os rumos do socialismo em seu 
país e traçou o projeto de desenvolver a China por meio da liberalização 
econômica sem democracia 
 
 
Quem acredita em signos – coisa sempre 
importante quando se pensa na China – faz 
questão de lembrar que Deng Xiaoping nasceu no 
dia 12 de julho de 1904, sob o signo do dragão, 
sinônimo de grandes perturbações e, ao mesmo 
tempo, de prosperidade. Já os amantes da história 
observam que aquele também foi o ano da 
irrupção da Guerra Russo-Japonesa, conflito que 
se encerraria com a surpreendente vitória de um 
país asiático sobre uma potência européia. 
 
Era o início de um século de crises e conflitos. 
Nos quatro cantos do mundo, e particularmente na 
Ásia, as reivindicações nacionais emergiam tal 
como o dragão adormecido desperta no seio da 
terra. Na China, esse dragão atendia pelo nome de 
Kuomintang, movimento nacionalista fundado por 
Sun Yatsen, do qual o próprio pai do jovem Deng 
era simpatizante. 
 
O futuro líder comunista cresceu em meio a essa 
efervescência política e aos 15 anos, depois de 
concluir o ensino fundamental, partiu para a 
França, onde desembarcou no fim de 1920. Na 
Europa tomou contato com o marxismo e 
finalmente estabeleceu-se em Paris em 1925 
enquanto uma revolta antibritânica explodia em sua terra natal. Tudo começou em 
Xangai, depois que um ofi cial inglês ordenou o fuzilamento de 12 chineses. Diante da 
agressão, os militantes do Kuomintang, agora oficialmente aliado da União Soviética e 
da Internacional Comunista (Comin tern), reagiram com a greve geral, marchando ao 
lado do Partido Comunista Chinês. 
 
A onda de revolta chegou até a França e, na qualidade de um dos líderes comunistas 
chineses mais influentes em Paris, Deng ajudou a organizar grandes protestos contra a 
embaixada de seu país. Para fugir da perseguição que se seguiu, ele partiu para a 
clandestinidade e buscou exílio em Moscou. 
Na capital soviética, o “Pequeno Timoneiro” converteu-se num militante comunista 
disposto a todas as missões. E estas não faltavam. De volta à China, teve seu primeiro 
encontro com Mao Tsé-tung no dia 7 de agosto de 1927. Em seguida, foi enviado a 
Xangai para ajudar os comunistas locais na disputa contra os militantes locais do 
© DAVID HUME 
KENNERLY/GETTY IMAGES 
 
Recém-empossado como vice-
primeiro-ministro, Deng Xiaoping 
participa de recepção ao presidente 
americano Gerald Ford em Pequim, 
em 1975 
Kuomintang, liderados por Chiang 
Kai-shek. 
 
Atuando na clandestinidade, o 
jovem ativista adotou o nome de 
“Deng Xiaoping” (a Pequena Paz), 
mas foi com o nome de guerra de 
Deng Bin que organizou, por 
ordem expressa do partido, 
diversas insurreições rurais 
fracassadas: na região de Guangxi, 
perto da fronteira com a Indochina. 
 
Após essas tentativas frustradas de 
insurreição, fi nalmente Deng 
incorporou-se à Longa Marcha 
(ver glossário) em 1935. 
Rompendo à força o cerco dos 
soldados de Chiang Kai-shek, os 
comunistas abandonaram as 
montanhas do sul do país e se 
deslocaram até Yenam, no norte, 
onde instalaram uma nova capital 
revolucionária. Ao longo da 
marcha, Mao Tsé-tung tornou-se o líder inconteste do comunismo chinês. Em janeiro de 
1935, Deng Xiaoping foi promovido ao posto de secretário do Comitê Central na 
decisiva conferência de Zunyi, na qual Mao se impôs. 
 
Em Yenam, Deng teria papel destacado na guerra contra os japoneses. Ao lado do 
“Dragão Caolho” Liu Bocheng, assumiu o comando do exército “Liu-Deng” contra as 
tropas do Kuomintang, e se tornou um curinga na nova República Popular da China 
proclamada por Mao, em Pequim, em outubro de 1949. 
De volta à sua Sichuan natal, Deng foi encarregado primeiro de administrar a província 
e, depois, de organizar a anexação manu militari do Tibete. Seu desempenho brilhante 
nas duas tarefas lhe abriu o caminho, em agosto de 1952, para a Cidade Proibida, 
transformada em quartelgeneral dos dirigentes comunistas. 
 
Em 1954, Mao Tsé-tung assumiu a presidência da República, Liu Chao-chi, instalou-se 
à frente da Assembléia Nacional Popular, e Deng Xiaoping se tornou secretário-geral do 
Partido Comunista Chinês. Mão gostava dele e os dois se encontravam com muita 
freqüência. 
 
Chu En-lai acumulava as funções de chefe do governo e ministro das Relações 
Exteriores. Ainda que totalmente subjugado por Mao, o primeiro-ministro nunca abriu 
mão de certa dose de realismo. Sem dúvida, foi por esse motivo que se transformou no 
segundo “padrinho” de Xiaoping. Na ação do pequeno sichuanês, Chu detectava a 
marca de um pragmatismo ardente. Isso o agradava, pois Mao, na sua utopia da mutação 
per manente, já estava jogando o país no funesto “Grande Salto Adiante”, que custaria a 
vida de cerca de 20 milhões de chineses e cujo fracasso o levou a perder a presidência 
da República para Liu Chao-chi em abril de 1959. Ao lado de Liu, Deng teve um papel 
©REUTERS/LATINSTOCK 
 
Deng Xiaoping e Mao Tse-tung juntos em março de 
1959. O ímpeto de Mão era contrabalançado pela 
paciência do secretário-geral do partido 
importante nesse 
afastamento. Mão 
se encheu de raiva, 
mas nunca 
confessaria a Deng 
o ódio feroz que 
sentia de Liu. Mais 
do que 
indulgência, uma 
estranha 
cumplicidade unia 
dois dirigentes tão 
diferentes como 
Mao e Deng. “Está 
vendo aquele 
homenzinho ali? É 
inteligentíssimo. 
Tem um grande 
futuro pela frente”, 
disse Mão a Nikita 
Kruchev em 1957. 
 
Obcecado pela 
história antiga de 
seu país, Mao Tsé-tung se sentia um continuador dos imperadores que governaram ao 
longo dos séculos. Aos seus olhos, a Longa Marcha, a tomada do poder e a instauração 
de um novo regime constituíam atos igualmente fundadores. O Partido Comunista era 
apenas uma espécie de “nova dinastia” coletiva destinada a fazer com que a China 
renascesse. 
YIN E YANG Nessa óptica, os 
vínculos pessoais eram tão 
importantes quanto os critérios 
ideológicos. O ímpeto de Mao 
era contrabalançado pela 
paciência de Deng, certamente 
mais sensato, às vezes mau 
aluno, porém muito hábil e 
excelente organizador. Contanto 
que estivesse cercado de uma 
sólida equipe de ideólogos 
maoístas, o pequeno Deng podia 
agir. 
 
A partir do fim de 1965, Mão 
procurou reconquistar o status 
de chefe incontestável lançando 
o país nos horrores da Revolução Cultural, novo episódio sangrento que causaria a 
perda de 60 a 70 milhões de vidas e condenaria a China a um retrocesso de anos. Seu 
método: a “ideologização” radical dos conflitos. Seu objetivo: mobilizar as massas e 
lançá-las contra o aparelho do partido e contra Liu Chao-chi, que tinham se atrevido a 
©REUTERS/LATINSTOCK 
 
A repressão aos protestos estudantis da praça Tianamen, em 
Pequim, provou que Deng Xiaoping não estava disposto a permitir a 
democratização da China 
© BOBBY YIP/REUTERS - LATINSTOCK 
 
Chineses acompanham a passagem da tocha olímpica 
pela província de Guangdong diante de um imenso 
retrato de Deng Xiaoping, em maio de 2008 
chutá-lo para escanteio. Sua aliada do momento: a esposa Chiang Ching. 
 
Atormentada pelas convulsões, toda a China pensava unicamente em termos 
ideológicos: “Mais vale ser vermelho do que especialista”. É bem verdade que Deng se 
calou, mas... que fazer? Em primeiro lugar, era preciso salvar a pele. Quase na mesma 
situação de Liu Chao-chi, o “Kruchev chinês”, ele não tardou a ser acusado de traição 
por Chiang Ching, Lin Piao e Kang Cheng. Deng escolheu sua tática: nãocontra-atacar, 
aguardando que a tempestade acalmasse. Aceitou tudo sem hesitar, desde autocríticas 
públicas até o exílio no interior para se “reeducar” em contato com os operários. 
 
Ao contrário de Liu Chao-chi e de Lin Piao, essa tática precavida do bambu que se 
dobra sem se romper permitiu-lhe sobreviver. Aliás, ele se beneficiou de dois apoios 
essenciais: o de Chu En-lai e o de Mao, disposto a poupar para a China o seu 
subordinado mais pragmático. 
Graças a esse apadrinhamento duplo, Deng retornou à cena em 1973, para azar de 
Chiang Ching e dos “radicais”. No plano prático, foi ele que auxiliou Chu, acometido de 
câncer tal como Kang Cheng. E, aparentemente, reatou a relação de intimidade que 
outrora tivera com Mao. Para a população, o nome do ex-secretário-geral do partido 
transformou-se em sinônimo de esperança. 
 
Em abril de 1976, Deng e seus aliados exploraram ao máximo as manifestações na 
praça Tiananmem, a faísca que, com o pretexto de homenagear a memória de Chu En-
lai, incendiou todo o prado contra o Bando dos Quatro (ver glossário). Enfurecido com 
mais essa prova de independência, Mão ordenou sua destituição, mas, simultaneamente, 
deu-lhe proteção pessoal. Uma vez mais o dirigente chinês aceitou acolher debaixo da 
asa aquele que se dispunha a torcer o pescoço do maoísmo. 
 
Apesar de um eclipse provisório, aquele foi, na verdade, o início da irresistível ascensão 
de Deng Xiaoping. Mao morreu no dia 9 de setembro de 1976. A luta pela sucessão 
começou imediatamente, opondo o Bando dos Quatro a Hua Guofeng, um maoísta um 
tanto inexpressivo e menos radical, que o falecido líder havia entronizado no último 
momento. Antecipando-se a Chiang Ching e seus amigos, que preparavam um golpe de 
força, Deng e os generais moderados esmagaram o Bando dos Quatro com o apoio ativo 
de Wang Dongxing, o “gorila” de Mao. 
 
Hua Guofeng não durou mais que alguns meses no poder. No fim de 1978 tudo ficou 
decidido: Deng se tornou o verdadeiro número um, cercado dos discípulos Hu Yaobang 
e Zhao Ziyang. Homens dos quais ele não vacilaria em se livrar em caso de necessidade, 
assim como não titubearia em jogar na prisão qualquer um que ousasse reivindicar a 
“quinta modernização”: a democracia. 
“MILAGRE ECONÔMICO” Deng Xiaoping não acreditava na democracia. Pelo 
menos demoraria muito a chegar a tanto. A China só se desenvolveria se conduzida pela 
única força centralizada do país, o Partido Comunista. Sem dúvida, um partido disposto 
a discutir, aberto, realista no plano econômico, mas cujo papel de guia não podia ser 
contestado. No fundo, as coisas não tinham evoluído desde que o jovem Deng aderira 
ao comunismo. Dramaticamente retardada por dez anos de Revolução Cultural, a China 
continuava sendo, aos seus olhos, um país imenso, pobre, subdesenvolvido que 
precisava “ser parido a fórceps”. 
 
Sem consideração pelo amor-próprio tradicional de seus compatriotas, Deng não 
cessava de pôr o dedo na ferida. Mao queria fazer da China um novo Império do Meio. 
Deng defi niu um objetivo mais limitado para sua pátria: “chegar, na metade do século 
XXI, ao nível de um país medianamente desenvolvido”. E criou um método para isso: 
“Para que o socialismo seja concretamente superior ao capitalismo, é necessário que ele 
seja capaz de nos tirar da pobreza”. 
 
O rumo a ser seguido era o da liberalização econômica sem democracia, e Deng se 
empenhou com ardor em construir esse caminho. Se durante a Revolução Cultural a 
China havia se tornado o império do “totalmente político”, sob Deng Xiaoping o 
Ocidente passou a vê-la como o reino do “totalmente econômico”. 
 
Esse raciocínio, porém, era um tanto limitado: a realidade chinesa também era política, 
como demonstraram os protestos estudantis na praça de Tiananmem, em abril de 1989, 
ao reivindicarem o advento da democracia. 
 
A resposta foi a repressão comandada pelo marechal Yang Shangkun e seu cunhado, o 
general Yang Baibing. Sangue nas ruas de Pequim. Apesar das aparências, nem por isso 
o principal líder chinês restaurou o maoísmo. Foi justamente o que ele demonstrou ao 
apoiar, na década de 90, o retorno progressivo e cautelosamente controlado do clã 
“reformador” (no sentido econômico do termo). Mas continuou fiel ao seu credo: sem a 
estrutura de um partido dirigente forte, a China jamais viria a ser uma grande potência. 
O homem que liqüidou o maoísmo nunca cogitou de se livrar de toda a herança do 
“imperador vermelho”, e aplicou ao seu antigo mestre a avaliação que Mao havia feito 
do próprio Deng 20 anos antes: “70% de bom e 
30% de ruim”. 
CRONOLOGIA 
1904 
Nasce na província de Sichuan, em 22 de agosto 
 
1920 
Muda para a França, onde entra em contato com 
o marxismo 
 
1925 
Em Paris, participa de protestos contra a 
presença britânica na China e é obrigado a se 
exilar na União Soviética 
 
1935 
Participa da Longa Marcha e é promovido a 
secretário do Comitê Central do Partido 
Comunista Chinês 
 
1949 
Após o triunfo da revolução, assume a administração da província de Sichuan 
 
1965 
Início da Revolução Cultural. Deng Xiaoping é acusado de traição e enviado para 
campos de trabalho 
COLEÇÃO PARTICULAR 
 
O futuro líder chinês na infância 
 
1973 
Deng é reabilitado politicamente. No ano seguinte é nomeado vice primeiro- ministro 
 
1978 
Assume o comando da China, e dá início a amplo programa de reformas econômicas 
 
1989 
Reprime violentamente os protestos estudantis da praça Tianamen, em Pequim 
 
1997 
Morre no dia 19 de fevereiro 
GLOSSÁRIO 
LONGA MARCHA: retirada das tropas do Partido Comunista Chinês para fugir da 
perseguição do Kuomintang entre 1934 e 1935. O movimento consolidou a liderança de 
Mão Tsé-tung. 
 
BANDO DOS QUATRO: núcleo radical do Partido Comunista Chinês ligado a Mao 
Tsé-tung formado por sua esposa, Chiang Ching, e por Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan 
e Wanga Hongwen, todos acusados de cometer excessos durante a Revolução Cultural.

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Materiais recentes

Perguntas Recentes