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A Trajetória Latino-Americana para a Modernidade(*)
por Jorge Larraín (**)
Resumo: Freqüentemente, apresenta-se a modernidade na América Latina como uma opção alternativa a nossa identidade ou em conflito com ela. Contra essa concepção, este trabalho sustenta que a trajetória latino-americana para a modernidade é simultaneamente parte importante do processo de construção de identidade.
Palavras-chave: modernidade - América Latina - identidade - representação – cultura 
Introdução
O tema da modernidade na América Latina está cheio de paradoxos históricos. Fomos descobertos e colonizados nos alvores da modernidade européia e nos convertemos no "outro" de sua própria identidade, mas fomos mantidos deliberadamente apartados de seus principais processos pelo poder colonial. Abraçamos com entusiasmo a modernidade ilustrada ao nos emancipar da Espanha e Portugal, porém mais no seu horizonte formal, cultural e discursivo, que na prática institucional, política e econômica, em que por muito tempo se mantiveram estruturas tradicionais e/ou excludentes. Quando finalmente a modernidade política e econômica começou a implementar-se na prática durante o século XX, surgiram não obstante as dúvidas culturais sobre se realmente poderíamos nos modernizar adequadamente ou se era acertado que nos modernizássemos seguindo os padrões europeus e norte-americanos. Ampliaram-se os processos modernizadores na prática, porém surgiu a pergunta inquietante sobre se poderíamos executá-los de forma autêntica. Deste modo, poder-se-ia dizer que nascemos na época moderna sem que nos deixassem ser modernos; quando pudemos sê-lo, o fomos só no discurso programático e, quando começamos a sê-lo na realidade, surgiu a dúvida sobre se isto atentava contra nossa identidade.
Desde o começo do século XIX, a modernidade tem se apresentado na América Latina como uma opção alternativa à identidade tanto por aqueles que suspeitam da modernidade ilustrada como por aqueles que a querem a qualquer custo. O positivismo novecentista, por exemplo, queria a "ordem e o progresso" que a Ilustração podia dar-nos, e por isso opunha-se fortemente à identidade cultural indo-ibérica prevalecente. Sua ânsia modernizadora chegava até o extremo de desconfiar dos próprios elementos raciais constitutivos indígenas e negros porque supostamente não tinham aptidões para a civilização(1). De modo similar, se bem que deixando de lado os aspectos racistas, Claudio Véliz advoga hoje em dia pela modernidade de tipo anglo-saxão que está chegando à América Latina à medida que nossa identidade barroca, bombardeada por artefatos de consumo, começou a desaparecer nos anos 90 (Véliz, 1994).
Porém, aqueles que também se opõem à modernidade ilustrada no século XX o fazem em função de nossa suposta identidade de substrato religioso, indígena e hispânico(2). Morandé, por exemplo, critica as tentativas modernizadoras na América Latina porque negam nossa verdadeira identidade. A modernização, tal como tem se dado na América Latina, seria antítética com nosso ser mais profundo na medida em que tem buscado seu último sustento no modelo ilustrado racional europeu (Morandé, 1984). Entre estes dois extremos estão aqueles, como Octavio Paz e Carlos Fuentes, que, sem se opor nem aderir explicitamente à modernidade ilustrada, tratam de mostrar quão difícil tem sido o processo de modernização latino-americano devido ao legado hispânico-barroco, a ponto de que, para Fuentes, "somos um continente em busca desesperada de sua modernidade" (Fuentes, 1990: 12-3) e, para Paz, desde o começo do século XX estaríamos "instalados em plena pseudomodernidade" (Paz, 1979: 64). De algum modo, nossa identidade teria dilatado a busca da modernidade ou teria permitido que alcançássemos apenas um arremedo de modernidade.
É curioso comprovar como, apesar das diferenças entre todos estes autores e de suas posturas favoráveis, indiferentes ou opostas à modernidade, em todos eles a modernidade se concebe como um fenômeno eminentemente europeu, que apenas pode ser entendida a partir da experiência e autoconsciência européias. Portanto, supõe-se que é totalmente alheia à América Latina e só pode existir nesta região em conflito com nossa verdadeira identidade. Alguns se opõem a ela por esta razão, e outros a querem impor apesar desta razão, mas ambos reconhecem a existência de um conflito que tem de ser resolvido em favor de uma ou de outra. Tanto a modernidade como a identidade absolutizam-se como fenômeno de raízes opostas.
Em oposição a estas teorias absolutistas que apresentam a modernidade e a identidade como fenômenos mutuamente excludentes na América Latina, quero mostrar sua continuidade e imbricação. O próprio processo histórico de construção de identidade é, desde um determinado momento, um processo de construção da modernidade. É verdade que a modernidade nasce na Europa, mas a Europa não monopoliza toda sua trajetória. Precisamente por ser um fenômeno globalizante, é ativa e não passivamente incorporada, adaptada e recontextualizada na América Latina na totalidade de suas dimensões institucionais. Que nesses mesmos processos e instituições haja diferenças importantes com a Europa, disso não há dúvida. A América Latina tem uma maneira específica de estar na modernidade. Por isso, nossa modernidade não é exatamente a mesma modernidade européia; é uma mistura, é híbrida, é fruto de um processo de mediação que tem sua própria trajetória; não é nem puramente endógena nem puramente imposta; alguns a têm chamado subordinada ou periférica (Brunner, 1994: 144)(3).
Por esta razão, não erram apenas aqueles que acreditam que a modernidade é impossível na América Latina, irias também erram com bastante freqüência os que acreditam que vamos chegar à modernidade européia ou norte-americana. Este erro foi impulsionado nos anos 50 por algumas teorias da modernização de origem norte-americana, para as quais estávamos em trânsito da sociedade tradicional para, a sociedade moderna e seriam as próprias sociedades industriais avançadas o modelo ideal que os países atrasados inevitavelmente alcançariam, seguindo uma rota de transição que repetiria as mesmas etapas anteriormente percorridas por elas. Em muitas das posições neoliberais contemporâneas na América Latina está implícita a idéia de que a aplicação de políticas econômicas apropriadas é a condição suficiente de um desenvolvimento acelerado que fatalmente nos levará a uma modernidade similar à norte-americana ou européia.
Mas não basta afirmar que a América Latina tem uma maneira específica de estar na modernidade. É necessário mostrar em que diferem ou se assemelham a latino-americana e outras trajetórias para a modernidade. É preciso tentar, também estabelecer ao menos alguns elementos específicos que caracterizam nossa modernidade atual. O propósito deste artigo é precisamente explorar mais concretamente quais são os elementos definidores da trajetória latino-americana para a modernidade em contraste com a européia e apontar em que consiste a maneira especificamente latino-americana de estar na modernidade. Também se tentará explicar por que, se a modernidade e a identidade não são fenômenos excludentes, existiu uma tendência tão marcada durante nossa história para considerar a modernidade como algo externo e oposto a nossa identidade.
Trajetórias históricas da modernidade
Do ponto de vista de sua evolução histórica, a modernidade é um processo complexo que segue direções diferentes(4) . Freqüentemente se acredita que a modernidade é um fenômeno essencialmente europeu ocidental, e se esquece sua tendência globalizante que a faz expandir-se por todo lado, vendo-se obrigada a conectar-se com realidades diferentes e adquirindo, assim, configurações e trajetórias diferentes. Sem dúvida, a modernidade nasce na Europa e constitui um ponto de referência obrigatório dos processos modernizadores no resto do mundo, mas segue direções diferentes no Japão e no Sudeste Asiático, na América do Norte e na Austrália,na África e, por último, na América Latina(5). Poder-se-iam distinguir assim ao menos cinco direções diferentes que divergem sobretudo em seus começos, mas que, à medida que avança a globalização, começam a convergir. Fazer uma análise completa dessas cinco trajetórias está além das possibilidades deste artigo; por isso, após mencionar de forma muito breve e geral algumas características que diferenciam as trajetórias norte-americana e japonesa, africana e européia concentrar-nos-emos na trajetória latino-americana.
A trajetória norte-americana para a modernidade é historicamente a mais próxima da européia e é a conseqüência de um verdadeiro transplante cultural para outra terra(6), mas diferencia-se da européia porque seu progresso inicial é adiado pelo poder colonial inglês até a independência. Uma vez alcançada a independência, o processo de construção da modernidade continua sendo diferente do europeu porque os Estados Unidos partem sem o peso do regime antigo europeu e, portanto, quase não conhecem restrições à participação política, e a questão social apresenta-se aí de forma muito atenuada (Wagner, 1994: 53).
A trajetória para a modernidade da África é muito diferente, porque parte duma imposição colonial do capitalismo no fim do século XIX com a expansão do Império Britânico, que sufoca pela força um modo de vida tradicional e tribal. Enquanto a modernidade latino-americana começou com a independência no início do século XIX, a modernidade africana começou com sua colonização e se desenvolveu sob o poder colonial até a segunda metade do século XX. Sofre, portanto, de todos os traumas e instabilidades que se originam numa situação colonial muito próxima. Um problema importante da modernidade africana é que muitos dos países africanos são criações artificiais que surgiram somando territórios segundo interesses dos conquistadores, sem considerar importantes divisões tribais e culturais que ainda subsistem.
O Japão tem também uma trajetória especial para a modernidade impulsionada pela sua própria classe dominante tradicional como uma maneira de impedir as tentativas colonizadoras do Ocidente. O processo começa bem avançado no século XIX com a Restauração Meiji de 1868. Esta nova elite queria manter um modo tradicional de vida, mas organizando uma economia e um Estado modernos. Para essa elite era indispensável passar de um sistema semifeudal a um moderno como necessidade de sobrevivência nacional. Sem modernização, os europeus terminariam por se apoderar do país e convertê-lo numa colônia, como estava acontecendo com outros países asiáticos. A política anterior de isolamento adotada pelo regime Tokugawa teve efeito por algum tempo, porém já em meados do século XIX os países europeus estavam agressivamente "abrindo" toda a Ásia para o comércio internacional e tinham forçado o Japão a assinar alguns tratados em que se concediam privilégios comerciais aos estrangeiros. A reação Meiji foi tratar de se opor à penetração forânea adotando os mesmos métodos e instrumentos dos estrangeiros.
A modernidade européia começa a partir de processos endógenos e de forma incipiente por volta do século XVI e se consolida com a Ilustração no século XVIII. Poder-se-ia dizer que a trajetória da modernidade européia evolui historicamente em cinco fases. Do começo do século XVI até o final do século XVIII, há uma etapa precursora na qual a modernidade existe mais como o idéario de alguns filósofos, e tanto os avanços materiais e políticos quanto os níveis de consciência popular são baixos. A segunda fase, a partir da onda revolucionária no fim do século XVIII, cobre todo o século XIX. Do ponto de vista econômico caracteriza-se pela Revolução Industrial e é este processo industrializador e as lutas organizadas da classe operária que levam à abertura política do sistema. Nesse período as idéias da Ilustração configuram mais precisamente a modernidade. A vida política começa a se democratizar, e um publico mais amplo partilha a experiência de viver uma época nova e revolucionária. Contudo, é ainda importante a distância entre o projeto da modernidade enquanto discurso organizado, que estabelece um verdadeiro imaginário da modernidade, e as práticas sociais e instituições modernas que cada sociedade tem conseguido realmente implementar e desenvolver (Wagner, 1994: 4).
Daí que a terceira fase, do começo do século XX até 1945, seja uma fase de crise e transição. As ambigüidades do processo modernizador, com suas promessas teóricas e exclusões práticas e as próprias críticas que estas inconsistências despertaram, conduzem a um processo de readequação da modernidade em que a "questão social" assume uma importância fundamental (id., ibid.: 58). Os princípios liberais são submetidos à crítica, e pensa-se agora na criação dum Estado de bem-estar para todos os cidadãos. Essas idéias se consolidam na prática, numa curta etapa que vai de 1945 até 1973. Cria-se assim, o que Wagner tem chamado de modernidade organizada, a época de ouro do capitalismo (id., ibid.: 73 e ss.). Contudo, como se sabe, esta etapa de estabilidade e crescimento econômico e de consolidação da modernidade organizada termina no final da década de 60, e a modernidade entra uma vez mais em crise. Na raiz desta segunda crise da modernidade existe um problema econômico e de acumulação.
A trajetória latino-americana para a modernidade
A modernidade latino-americana começa, entretanto, mais tarde, no início do século XIX com a independência, porque Espanha e Portugal conseguiram impedir sua expansão durante três séculos. Não existe um transplante cultural quase sem travas vindo da Europa, como na América do Norte; mas sim uma influência importante das idéias matrizes da Ilustração que devem enfrentar e readequar-se a um pólo cultural indo-ibérico bastante resistente. Sua primeira fase, durante o século XIX, poder-se-ia denominar, com certo grau de contradição, oligárquica, pelo seu caráter restrito. Dois traços desta etapa merecem ser destacados. Primeiro, nesta fase adotam-se idéias liberais, expande-se uma educação laica, constrói-se um Estado republicano e introduzem-se formas democráticas de governo, mas tudo isso com extraordinárias restrições de fato à participação ampla do povo. Segundo, à diferença da trajetória européia, a industrialização se pospõe e se substitui por um sistema exportador de matérias-primas que mantém o atraso dos setores produtivos.
Deste modo, a modernidade latino-americana durante o século XIX foi mais política e cultural que econômica e, em geral, bastante restrita. Contudo, e apesar de suas limitações, as modernizações alcançadas caminham de mãos dadas com a reconstituição duma identidade cultural em que os valores da liberdade, da democracia, da igualdade racial, da ciência e da educação laica e aberta experimentam um avanço considerável com respeito aos valores prevalecentes na colônia. Não se trata de que os novos valores e práticas ilustradas tenham deslocado totalmente o pólo cultural indo-ibérico, mas sim de que o modificaram e readequaram de forma importante. Para os propulsores da modernidade dessa época, ela poderia ser alcançada apenas na medida em que o ethos cultural indo-ibérico fosse radicalmente substituído, e para muitos deles isto requeria até mesmo a melhora da raça.
A segunda fase, durante a primeira metade do século XX, coincide historicamente com a primeira crise da modernidade européia e de alguma maneira a reflete, só que na América Latina as conseqüências são específicas: o poder oligárquico começa a cair, a chamada "questão social" se faz urgente, instauram-se regimes de caráter populista que incorporam as classes médias ao governo e se iniciam processos de industrialização substitutiva. Assim, então, enquanto na Europa vive-se a primeira crise da industrialização liberal, na América Latina vive-se a crise terminal do sistema oligárquico e se começa uma industrialização substitutiva com algum êxito. Isto significa, como sustentou Mouzelis, que o fim do regime oligárquico ocorrera numcontexto pré-industrial e que, portanto, a abertura do sistema político não incluiu a participação ativa das classes trabalhadoras organizadas, como na Europa, mas tendeu a incorporar as classes médias às estruturas de poder (Mouzelis, 1986: XVI). É esta peculiaridade que explica a emergência de regimes populistas e a subsistência de formas políticas personalistas e clientelistas.
Essa etapa de crise e mudança na América Latina vem acompanhada em seus começos do surgimento de uma consciência antiimperialista(7), de uma valorização da mestiçagem (Vasconcelos, 1927), de uma consciência indigenista sobre a discriminação dos índios(8) e de uma crescente consciência social sobre os problemas da classe operária. Mais tarde e no contexto da Grande Depressão, esta época difícil parece promover discursos e ensaios de caráter bastante pessimista que acentuam os traços negativos de nossa identidade(9) ou sonham em resgatar os traços hispânicos de nosso caráter (Eyzaguirre, 1947; Lira, 1985). Vê-se, assim, como uma etapa de mudanças econômicas e políticas importantes vem acompanhada também de novas formas de consciência social e de uma busca identitária que ensaia vários caminhos, mas que em todo caso tem abandonado as certeza novecentistas e que, em alguns casos significativos, tenta afirmar uma identidade latino-americana contra a modernidade. Entretanto, a linha mestra pró-moderna de abertura política, direitos sociais e industrialização é na prática o eixo em torno do qual giram os grandes debates e os processos identitários básicos.
A terceira fase, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, consolida democracias de participação mais ampla e importantes processos de modernização da base socioeconômica latino-americana. Entre eles, se destacam a industrialização, a ampliação do consumo e do emprego, a urbanização crescente e a expansão da educação. As teorias da modernização e o pensamento do CEPAL são recebidos e aplicados em toda parte. Desenvolvem-se estados intervencionistas e protecionistas que controlam quase toda a vida econômica e que ao mesmo tempo consolidam alguns aspectos do Estado de bem-estar na saúde, seguro social, habitação e moradia. Contudo, os benefícios da modernidade estão altamente concentrados e as grandes massas continuam excluídas.
Ainda que essa fase coincida com a etapa do capitalismo organizado na Europa e tenha com ele vários traços comuns, há também entre eles importantes diferenças. Em primeiro lugar, o papel do Estado na promoção do processo de industrialização é muito mais marcado que aquele da iniciativa privada. Segundo, a participação do capital estrangeiro é paulatinamente mais importante que a do capital nacional (o protecionismo beneficia mais as corporações multinacionais que as nacionais), o que leva muitos autores a colocar teorias da dependência. Terceiro, os elementos do Estado de bem-estar que se introduziram pelos governos populistas e os avanços da industrialização não cobrem toda a população como na Europa,, e uma importante massa de pobres marginalizados e excluídos cresce ao redor das grandes cidades.
A comparação com a trajetória asiática para a modernidade é neste ponto interessante. Enquanto na Ásia se desenvolvem tecnologias altamente automatizadas e flexíveis, fortemente apoiadas pelo Estado com vistas ao mercado internacional, na América Latina o processo de industrialização se satisfaz com tecnologias de segunda ordem, em parte porque seu horizonte é apenas o mercado nacional protegido e em parte porque o Estado assume o papel prioritário de promover uma capacidade tecnológica nacional. Daí que o êxito da industrialização tenha dependido em grande parte do tamanho do mercado interno. Nos casos de Brasil e México, países de mercado maior, a concorrência interna e as economias de escala permitiram níveis internacionais de competitividade (Gwynne, 1996: 220). No resto da América Latina a produção industrial foi de alto custo e de muito pouca demanda.
Apesar das deficiências e problemas, o avanço da modernidade no pós-guerra é notável e mostra a contínua importância cultural das idéias racionalistas e desenvolvimentistas européias e norte-americanas. É nesta época que se consolida na América Latina uma consciência geral sobre a necessidade de desenvolvimento. Seja no pensamento da sociologia da modernização de origem norte-americana, seja no pensamento contestatário autóctone (que desenvolveram a teoria da dependência e algumas tentativas socialistas), seja no mais recente neoliberalismo, a premissa básica continua sendo o desenvolvimento e a modernização como único meio para superar a pobreza. Contudo, em todas estas posições subsiste a idéia de que a modernidade é algo essencialmente europeu ou norte-americano, que a América Latina deve adquirir. A importância cultural desse fato e seu impacto sobre os processos de construção de identidade não devem ser subestimados.
No fim dos anos 60 entra-se numa nova etapa de crise que coincide com a segunda crise da modernidade européia: estanca-se o processo de industrialização e desenvolvimento, vem a agitação social e trabalhista. Enquanto na Europa se elegem governos de direita que procuram limitar o poder e o gasto do Estado, na América Latina cai-se em ditaduras militares que demonstram a precariedade de suas instituições políticas modernas cm comparação com as européias. Mostram-se incapazes de canalizar e absorver os protestos e problemas políticos dentro de lima certa estabilidade. É verdade que as ditaduras abrem caminho para uma nova etapa globalizada de desenvolvimento e modernização econômica. Contudo, do ponto de vista da modernidade política e social, as ditaduras significam um retrocesso importante na medida em que são antidemocráticas, violam os direitos humanos, impedem a participação social e sistematicamente buscam destruir as organizações sociais representativas dos setores mais despossuídos. Subsiste assim uma importante exclusão de amplos setores sociais.
Esta segunda crise da modernidade em parte explica e coincide com uma crise de identidade bastante profunda que está, uma vez mais, marcada pelo pessimismo e pelas dúvidas sobre se o caminho da modernidade que se seguiu foi errado. Surgem assim nos anos 80 neo-indigenismos, concepções religiosas da identidade latino-americana e mesmo formas de pós-modernismo, as quais ,são todas profundamente críticas da modernidade. Contudo, por mais sérios que sejam estes ataques à modernidade, o projeto de avançar rapidamente na senda da modernidade continua se impondo e agora com um viés mais radical influenciado pelo neoliberalismo. Nesta época chega a seu ápice a síndrome que detectávamos na introdução deste artigo: produz-se um choque entre partidários e não partidários da modernidade, porém muitos parecem partilhar a idéia de que esta é algo externo que se deve impedir que chegue ou que se deve trazer a qualquer preço.
A etapa que se abre após o fim das ditaduras continua com a modernização econômica acelerada de sinal neoliberal, reafirmando economias abertas ao mercado mundial, com estados mais reduzidos em seus gastos e com um controle mais consistente das grandes variáveis macroeconômicas. As políticas de livre mercado e economia aberta produzem num primeiro momento um decréscimo significativo da produção e empregos industriais. Alguns países como México e Brasil conseguem num segundo momento expandir suas exportações industriais para compensar a concorrência das manufaturas estrangeiras. O resto, entretanto, segue um modelo "laissez.fàire" mais radical, que embora sendo capaz de diversificar as exportações sobre a base de produtos primários, torna mais permanente a baixa da produção e emprego industriais.
Nisso a trajetória da modernidade da maioria dos países latino-americanos (com exceção de México e Brasil) é muito diferente daquela dos países asiáticos onde o Estado assume um papel muito importante na aquisição e adaptação de tecnologias de ponta e na promoção das exportações industriais. O Chile é um dos casosmais mercantes de uma política bem-sucedida de exportações diversificadas, entretanto, lá o GDP (produto doméstico nacional) industrial manufatureiro baixou de 26% a 21% entre 1970 e 1991, enquanto na maioria dos países da região aumentou (Gwynne, 1996: 217).
Esses processos econômicos acontecem agora num contexto político que revaloriza a democracia e a participação, e coloca especial ênfase no respeito aos direitos humanos. A nova etapa continua políticas econômicas abertas, porém, à diferença da Europa, tem que começar por modernizar e democratizar as estruturas do Estado. Nesta tarefa tem-se avançado bastante, mas ainda subsistem problemas. É próprio da trajetória latino-americana para a modernidade ter de remodernizar e assentar nos anos 90 as estruturas políticas de convivência que se haviam quebrado. Este processo de aperfeiçoamento ainda não terminou.
Desse modo, podem-se apreciar tanto as diferenças entre as diversas trajetórias para a modernidade, como o fato de que, devido à aceleração do processo de globalização, começam a convergir até o ponto em que, em termos gerais, as novas etapas são comuns, mesmo que dentro delas existam naturalmente repercussões e conseqüências específicas. São estas últimas que devemos analisar agora.
Elementos específicos da modernidade tardia na América Latina
Seria muito difícil fazer uma análise completa e exaustiva das características específicas da modernidade latino-americana atual. Porém, tal como adiantamos na introdução, não basta afirmar que a América Latina tem um modo específico de estar na modernidade. É preciso mostrar em que consiste essa especificidade. Em parte já o fizemos de uma perspectiva histórica na seção anterior, em que estabelecemos as características especial,; da trajetória latino-americana para a modernidade e a comparamos em algumas diferenças e semelhanças com outras trajetórias, particularmente a européia e a asiática. A fim de complementar essa visão, vou utilizar agora um corte transversal para analisar alguns traços importantes e peculiares de nossa modernidade atual que se derivam de nossa análise anterior. A ênfase estará posta em alguns traços que marcam diferenças com a modernidade européia atual e que podem entender-se também como traços não plenamente modernos dentro de nossa modernidade(10) .
O primeiro traço ao qual quero me referir é o clientelismo ou personalismo político e cultural. Como vimos na seção anterior, este traço vem de circunstâncias históricas precisas, mas se tem mantido até hoje(11). A incorporação e recrutamento de novos membros do Estado, das universidades e dos meios de comunicação continuam se fazendo por meio de redes clientelísticas ou personalistas de amigos ou partidários. Não existem ou estão muito pouco desenvolvidos os processos de concursos públicos ou, quando introduzidos, habitualmente funcionam de maneira nominal, e os procedimentos se "arranjam" para favorecer a pessoa pré-indicada. Estes procedimentos clientelísticos ou personalistas de recrutamento florescem na América Latina e mostram tanto a ausência de canais normais de mobilidade social como o estreitamente e alta competitividade dos meios culturais e políticos.
A educação, as habilidades adquiridas e as conquistas individuais não são suficientes para garantir o acesso das pessoas a certos trabalhos políticos e culturais. Requer-se fundamentalmente ter "contatos", "padrinhos" ou "amigos" bem colocados que facilitem a entrada. Dado que este sistema depende do poder de apadrinhamento de certas pessoas que exercem poder institucional, ele garante a lealdade pessoal dos assim recrutados e favorece a imobilidade institucional. Criam-se dessa forma verdadeiros feudos institucionais que, por seu caráter discriminatório, são quase impenetráveis para aqueles que não pertencem ao grupo dos que os controlam. Parafraseando Habermas, mas com uma conotação diferente, se poderia falar assim de uma verdadeira refeudalização das instituições culturais e estatais(12).
Um segundo traço poderia ser denominado tradicionalismo ideológico. Ao expor sua teoria da transição para a modernidade, Gino Germani falava nos anos 60 do "efeito fusão", por meio do qual valores modernos podiam ser reinterpretados em contextos diferentes nos países atrasados para finalmente reforçar estruturas tradicionais (Germani, 1965: 104). Uma forma particular deste processo era o "tradicionalismo ideológico", que consistia em os grupos dirigentes aceitarem e promoverem as mudanças necessárias para o desenvolvimento na esfera econômica, mas recusarem as mudanças implicadas ou requeridas pela transformação em outras esferas (id., ibid.: 112).
Na modernidade tardia produz-se um fenômeno similar no qual certos grupos dirigentes advogam a total liberdade na esfera econômica, mas apelam a valores morais tradicionais de respeito à autoridade e à ordem, de defesa da família e da tradição, alimentando dúvidas sobre a democracia e opondo-se, por exemplo, a leis do divórcio ou à despenalização do adultério para a mulher(13). Estas fusões não são exclusivas de países do Terceiro Mundo. A emergência da "Nova Direita" nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha tem se caracterizado também pela maneira como se combinaram atitudes conservadoras tradicionais sobre a autoridade, os valores vitorianos, a ordem interna e a segurança externa, com uma nova ênfase sobre os mercados livres (Levitas, 1986; Hall e Jacques, 1983).
Contudo, o tradicionalisino na América Latina tem bases institucionais mais fortes que na Europa ou nos Estados Unidos. Uma delas é o extraordinário poder e capacidade de influência da Igreja Católica mais tradicional em matérias políticas e legislativas. Isso se explica pelo papel privilegiado que a Igreja Católica desempenhou desde a colônia na manutenção da ordem político-social. Como veremos no seguinte tópico, a Igreja e os mecanismos religiosos desempenharam um papel central no exercício da autoridade e controle político sobre as pessoas.
Um aspecto cultural importante que tem subsistido desde a colônia, às vezes de forma mais ou menos atenuada, às vezes de forma mais ou menos exacerbada, é o autoritarismo. Esta é uma tendência ou modo de atuar que persiste na ação política, na administração das organizações públicas e privadas, na vida familiar e, em geral, na nossa cultura, que concede uma extraordinária importância ao papel da autoridade a ao respeito pela autoridade. Sua origem está claramente relacionada com os três séculos de vida colonial, em que se constitui um forte pólo cultural indo-ibérico acentuador do monopólio religioso e do autoritarismo político. Como sustentou De Imaz, "por três séculos existiu uma relação muito clara entre o autoritarismo político e o papel legitimador da Inquisição" (Imaz, 1984: 121).
Flores Galino documentou bem como as persistentes lutas das congregações religiosas contra a idolatria na serra central do Peru no século XVII têm uma conotação de controle político: "A relativa precariedade do sistema militar obrigou a uma aparente hipertrofia dos mecanismos religiosos para, dessa maneira, mediante o fervor ou, com mais freqüência, o medo, garantir o controle sobre os homens" (Galino, 1994: 66). Apesar das influências democratizantes do pensamento da Ilustração que certamente conseguiram moderar em parte o autoritarismo do pólo cultural indo-Ibérico a partir da independência, sua força cultural não se extingue facilmente na vida sociopolítica latino-americana.
No caso particular do Chile, vários autores têm enfatizado o papel histórico crucial do governo portaliano, forte e autoritário, na formação do Estado chileno (por exemplo, Edwards, 1987; Góngora, 1981). A concepção de Portales consistia em que, devido à falta de virtudes republicanas, a democracia devia ser postergada estabelecendo-se a obediência incondicional a uma autoridade forte, cuja ação pelo bem público não poderia ser entravada pelas lei e constituições. Dividia o país entre "bons" (homens da ordem) e "maus" (conspiradores aos quais deve-seaplicar o rigor da lei) (id., ibid.: 12-6). Não é surpreendente que o regime do general Pinochet invocasse esta concepção com freqüência.
Outro traço importante é o racismo encoberto. A existência do racismo na América Latina está bem documentada, embora seja esta uma área descuidada das ciências sociais e geralmente não percebida como um problema social importante(14). Está claro, contudo, que desde muito cedo houve na América Latina uma valorização exagerada da "brancura" e uma visão negativa dos índios e negros. É sabido que vários governos intentaram "melhorar a raça" mediante políticas de "branqueamento" que favoreciam a imigração de europeus. Existe também uma segregação espacial que faz com que as regiões indígenas sejam as mais pobres e abandonadas e os bairros pobres das cidades contenham uma maior proporção de gente de pele mais escura, sejam índios, mestiços, mulatos ou negros. Não existe para eles a igualdade de oportunidades. Alguns grupos indígenas sobreviventes constituem verdadeiras colônias internas, geograficamente segregados e sujeitos a leis e formas de administração especiais. Contudo, o próprio fato da mestiçagem e de que em muitos casos a classe social se superpõe ou coincide com gradações na cor da pele leva freqüentemente a uma negação do racismo.
Isto tem até uma base nas ciências sociais, que muitas vezes destacaram as diferenças entre o tratamento espanhol dos índios e negros e o tratamento britânico dos mesmos. Gilberto Freyre disse, em seu livro clássico Casa-Grande e Senzala (Freyre, 1946), que o tratamento dos escravos no Brasil foi mais suave que na América do Norte, especialmente devido às relações próximas, até mesmo sexuais, entre amos e escravos na fazenda. Muitos historiadores e analistas sociais têm notado subseqüentemente, que enquanto na América do Norte os grupos brancos impuseram a sua separação dos índios e negros, na América Latina produz-se um processo amplo de mestiçagem, emergindo assim um contínuo de gradações raciais. Daí foi surgindo o mito de que na América Latina impera uma "democracia racial", e de que o racismo é um problema de países estrangeiros, mas não nosso. Esta idéia continua sendo compartilhada hoje em dia e em parte mostra sua vigência pela ausência significativa de estudos dos problemas raciais latino-americanos nas especializações em ciências sociais, talvez com alguma exceção em certas especializações em antropologia.
Um fenômeno significativo que nos diferencia de outras modernidades é a falta de autonomia e desenvolvimento da sociedade civil. Na América Latina a sociedade civil (esfera privada dos indivíduos, classes e organizações regidas pela lei civil) é fraca, insuficientemente desenvolvida e muito dependente dos ditames do Estado e da política. Esta é uma das conseqüências da inexistência de classes burguesas fortes e autônomas que tenham desenvolvido a economia e a cultura com independência do apoio estatal e da política. Num contraste com a modernidade do centro, Brunner diz acertadamente que na modernidade da América Latina existiria uma "voracidade da política que devora tudo, por trás da qual todos buscam proteção ou justificação: de maneira igual empresários, intelectuais, universidades, sindicatos, organizações sociais, clérigos e forças armadas" (Brunner, 1988: 33).
É significativo comprovar, por exemplo, como universidades, institutos e ainda meios de comunicação podem perder parte importante (ou os melhores) de seus membros cada vez que há uma mudança de governo e como se recrutam funcionários públicos que substituam os que estão saindo. Ao mesmo tempo, não é raro ver que funcionários de um governo em final de mandato, usando seu poder, preparam de antemão seus lugares de trabalho em determinadas idades e institutos, os quais às vezes ficam assim "colonizados" por determinadas tendências políticas ou grupos de poder que recrutam apenas os membros simpatizantes do próprio setor. Tampouco é raro constatar que um grande número de instituições de investigações e consultaria dependam quase exclusivamente dos serviços que prestam sob contrato a diversos organismos do Estado. Muitos centros culturais são diretamente criados por governos locais e dirigidos pelas maiorias políticas que os controlam. Deste modo, a política exerce uma influência desmedida sobre a sociedade civil e as instituições culturais.
A marginalidade e a economia informal constituem outro traço típico de nossa modernidade. Apesar dos processos de crescimento econômico bastante dinâmico nos anos 90, subsiste uma marginalidade econômica e social em grandes setores da população latino-americana. Isto se relaciona com a importância dos assim chamados setores informais, que para subsistir devem recorrer a uma série de atividades altamente instáveis de comércio de rua ou serviços que se situam à margem da legalidade vigente. Em certos países, como o Peru, estima-se que mais de 50% da população economicamente ativa trabalham no setor informal. As economias latino-americanas continuam sendo incapazes de absorver o aumento da população economicamente ativa, e, portanto, a pobreza segue sendo um problema muito sério. Estimativas do PNUD para o final da década de 80 se referem a 270 milhões de pobres na América Latina, mais do 60% da população (Parker, 1993: 95). As cifras da pobreza podem ter melhorado em alguns países na década de 90, mas o problema básico geral subsiste.
Tem-se discutido muito sobre se a contribuição do setor informal à economia moderna é realmente marginal, e neste sentido vários autores pensam que marginalidade e informalidade não são a mesma coisa e que o setor informal joga um papel importante na economia formal e se relaciona estreitamente com ela. Contudo, isto não significa que o setor informal seja um motor potencial do desenvolvimento latino-americano (Portes e Walton, 1981: 98; Castiglia, Martínez e Mezzera, 1995: 9-10). Marginalidade e informalidade são fenômenos que aludem a uma situação de pobreza disseminada que dificilmente se pode eludir. É característico da modernidade latino-americana que, mesmo nos casos de crescimento econômico mais dinâmico, subsiste um setor importante da população que vive na pobreza, e muitas vezes numa pobreza extrema.
Um traço atual da modernidade latino-americana de multa importância é a volta a uma estratégia de desenvolvimento extrovertido, ou baseado nas exportações (export-led), depois de seguir, durante anos, uma estratégia protecionista para conseguir um desenvolvimento industrial. Mas esta estratégia não tem os mesmos resultados em toda a América Latina. Fora Brasil e México, que conseguem taxas significativas de exportações industriais, o resto da América Latina parece seguir um modelo extrovertido de desenvolvimento que difere das estratégias asiáticas e européias, por sua especialização nas exportações de produtos naturais semi-elaborados. Quebra-se assim a equação tradicional entre industrialização e desenvolvimento pela qual o CEPAL tinha advogado.
Em termos da teoria de Franz Hinkelammert, tratar-se-ia de uma estratégia de desenvolvimento periférico equilibrado. A América Latina estaria aceitando sua condição de periferia dos grandes países industrializados, mas procurando o status de periferia equilibrada, que se consegue quando grande parte da população está bem capacitada para ter trabalho nas atividades de produção e exportação de produtos naturais e serviços que são explorados com um alto nível tecnológico, comparável ao de qualquer país desenvolvido (esta seria a situação da Austrália e da Nova Zelândia, por exemplo) (Hinkelammert, 1972: 41-3).
É necessário se referir também à fragilidade da institucionalidade política dos países latino-americanos. Desde sua independência, a América Latina tem se mostrado aos olhos do mundo como um continente de revoluções e caudilhos, golpes de Estado e conspirações, no qual a ordem institucional está permanentemente sob a ameaça de ser ultrapassada(15). A onda de ditaduras militares que começa nos anos 60 e cobre os 70e parte dos 80 não respeitou nem mesmo aqueles países que, como o Chile, tinham fama de estabilidade institucional. É verdade que hoje se vive um período de volta à democracia, mas os sintomas da fraqueza institucional permanecem muito evidentes em toda a América Latina e com especial força na Argentina, Venezuela, Colômbia, Peru e quase toda a América Central.
É importante mencionar como traço relativamente recente da modernidade, especialmente a chilena, a despolitização relativa da sociedade. As ditaduras militares procuraram uma despolitização da sociedade, eliminando eleições, abolindo partidos políticos e fechando parlamentos. Sua política de exclusões e violações dos direitos humanos, entretanto, obteve com o tempo o resultado oposto; a sociedade se politizou mais intensamente e num sentido contrário aos governos militares. Isto levou à busca de grandes acordos e coalizões que permitiram um retorno da democracia. Uma das condições deste processo de busca de consenso democrático foi autonomizar a área econômica e tirá-la das oscilações da discussão política diária. Daí em diante o sistema econômico se auto-regularia de acordo com as leis do mercado, e introduziu-se uma política econômica de consenso sobre a direção das grandes variáveis macroeconômicas.
Como argumentam Cousiño e Valenzuela, "uma vez autonomizado o subsistema econômico, a política perde a capacidade de observar e intervir sobre a economia e, por conseguinte, abandona sua pretensão de se situar no ponto de vista da totalidade" (Cousiño e Valenzuela, 1994: 17). A conseqüência disto é que a própria política se converte em outro sistema funcional auto-referido que recusa intervir no curso fundamental da economia. Deste modo, o que tinha sido uma área imensa de desacordo e disputa política fica fora da discussão. Daí poder-se-ia concluir que a redemocratização no Chile, mediatizada pelo processo de autonomização da economia, resultou numa considerável e significativa despolitização da sociedade. A ditadura militar no Chile iniciou o processo de sistematização da área econômica, mas esta só se pode consolidar com a redemocratização do país no final dos anos 80: o preço da nova estabilidade foi a autonomização da economia e a perda de controle político sobre ela.
Por último, outro traço muito recente é a revalorização da democracia política e dos direitos humanos. Sem prejuízo do que foi dito no ponto anterior sobre a despolitização relativa da sociedade, é óbvio que uma das tendências mais poderosas que têm contribuído para isto é a revalorização da democracia e dos direitos humanos pelos setores intelectuais e pelas maiorias populares da América Latina. É este renovado interesse na democracia política e na proteção dos direitos humanos que produz os grandes acordos entre forças políticas anteriormente antagônicas e que desperta o interesse da maioria dos cientistas sociais. Como argumenta Marín, apesar da fragilidade das instituições democráticas na América Latina, da corrupção, do terrorismo e das violações dos direitos humanos, o sistema democrático emergiu recentemente como o único marco legítimo de ação política (ver Marín, Cap. 3: 41).
Conclusão
A modernidade latino-americana não é nem inexistente, nem igual à modernidade européia, nem inautêntica. Tem sua trajetória histórica própria e suas características específicas, sem prejuízo de partilhar muitos traços gerais. A trajetória latino-americana para a modernidade é simultaneamente parte importante do processo de construção de identidade: não se opõe a uma identidade já feita, essencial, inamovível e constituída para sempre no passado, nem implica a aquisição de uma identidade alheia (anglo-saxã, por exemplo). Tanto a modernidade como a identidade na América Latina são processos que vão se construindo historicamente e que não implicam necessariamente uma disjuntiva radical, mesmo que possam existir tensões entre eles. Os traços de nossa modernidade que exploramos, tanto os gerais como os específicos, constituem, para o bem ou para o mal, elementos importantes de nossa identidade atual. Mas nada impede que sejam ajuizados criticamente para enfrentar o futuro.
Quero, finalmente, tratar de responder à pergunta sobre por que, se os processos de modernização caminharam entrelaçados com os processos de construção de identidade na América Latina, tem existido entretanto uma tendência tão manifesta em considerar a modernidade como algo externo e em oposição à identidade. Esta pergunta é muito difícil de ser respondida com total segurança e apenas podemos esboçar algumas hipóteses preliminares. O primeiro fato que pode ter importância nessa explicação é a postergação por três séculos do começo da modernidade devido ao bloqueio colonial espanhol e português, que estabeleceu barreiras culturais cercando seus domínios. Isto significou que quando os precursores da independência começaram a se embeber das idéias modernas pelas viagens e contrabando de livros, a modernidade só podia apresentar-se como algo externo que outros tinham desenvolvido fora da América Latina. Isto deixou uma marca impressa em relevo no imaginário social, que tende a associar modernidade com a Europa ou os Estados Unidos, e que tem durado por muito tempo.
A persistência dessa idéia foi reforçada durante todo o século XIX e até os anos 30 por uma economia extrovertida e uma orientação cultural que continua olhando para a Europa como a própria fonte de toda a cultura. Quando começa a crise do regime oligárquico e surgem pensamentos que questionam nossa extroversão, a modernidade aparece uma vez mais como uma imposição externa, desta vez com sentido negativo e contrária a nossa identidade. As tentativas para encontrar e reafirmar uma identidade própria em momento de crise levaram a se criticar o alheio, e precisamente a modernidade até esse momento fora considerada um fenômeno de caráter estrangeiro. Daí que por ação e reação até a Segunda Guerra Mundial, de ângulos opostos, a modernidade foi concebida como algo externo.
Nos últimos 50 anos a situação tem mudado, mas não totalmente. Várias teorias antiimperialistas e da dependência continuaram pondo em dúvida a viabilidade do capitalismo na América Latina, enquanto o pólo neoliberal tem lutado por uma total e renovada extroversão que nos últimos tempos tem conseguido se impor. A polaridade entre modernidade e identidade tem, portanto, continuado no imaginário social enquanto na prática nossa identidade e modernidade continuam se construindo estreitamente ligadas.
Abstract: Modernity in Latin America is quite often presented as an alternative to our identity or into conflict with, it. Against this notion, this essay, holds that the trajectory of Latin America modernity is at the same time relevant part of the process of construction of identity.
Key-words: Latin America - identity - representation - culture
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Notas:
(*) Publicado em Estúdios Públicos nº 66. Santiago, outono de 1997. Tradução de Yanet Aguilera. (**) Doutor em Sociologia, pela Universidade Sussex, professor e pesquisador do ILADES, professor de Teoria Social, da Universidade de Birmingham, Reino Unido; ex-diretor do Departamento de Estudos Culturais da mesma universidade; autor de vários livros em inglês e, recentemente em castelhano, de Modernidade, Razón e Identidad en América Latina. Santiago: Editorial Andrés Bello, 1996.
(1) Autores com J. Prado, J. Gil Fortoul, C. O. Binge, J. Ingenieros, J. B. Alberdi, D. F. Sarmiento propiciavam abertamente a imigração européia para melhorar nossa raça (Terán, 1983).
(2) Incluídas aqui diversas formas de indianismo, hispanismo e tradicionalismo religioso, nas quais se destacam autores como Jayme Eyzaguirre, Osvaldo Lira e Pedro Morandé. E. Bradford Burns é aqui um caso especial, porque embora aceitasse que a modernidade triunfou na América Latiria, ela o fez à custa da identidade e bem-estar do povo (Burns, 1980).
(3) Cristián Parker tem-se referido também a uma "modernização periférica" na América Latina (Parker, 1993: cap. 3).
(4) A idéia de diferentes trajetórias para a modernidade tem sido desenvolvida por G. Therborn (Therborn, 1995) e por P. Wagner (Wagner, 1994).
(5) Esta classificação de trajetórias difere da proposta por G. Therborn e da usada por C. Marín em sua tese de doutorado. Therborn propõe quatro direções: a européia, a dos mundos novos (incluindo América do Norte e América do Sul), a da zona colonial (África e Pacífico Sul) e a dos países de modernização induzida externamente (Japão) (Therborn, 1995: 5-6). Marín distingue ao menos cinco trajetórias: Europa Ocidental, América do Norte e Austrália, Europa do Leste e União Soviética, América Latina e finalmente Japão e o Sudeste Asiático. Difiro de Therborn porque, na minha maneira de ver, América do Norte e América do Sul não podem ser colocadas na mesma trajetória. A respeito de Marín, acredito que Europa do Leste é apenas um subgrupo iniciado em 1945 de uma trajetória européia comum de quatro séculos e meio; além disso, é necessário considerar a África.
(6) A idéia de um transplante cultural ou de "povos transplantados" tem sido desenvolvida por Darcy Ribeiro para dar conta da permanência de europeus emigrados que desejam reconstituir o estilo de vida de sua cultura em outro continente, mas com maior liberdade e melhores perspectivas (Ribeiro, 1 992: 377).
(7) Especialmente a respeito das atividades dos Estados Unidos (Rodó, 1976).
(8) Autores importantes dessa tendência, mesmo que algumas vezes com pontos de vista diferentes, são L. E. Vascárcel, M. González Prada, J. C. Mariátegui, H. Castro Pozo, V. R. Haya de la Torre, V. Lombardo Toledano e G. Aguirre Beltrán.
(9) Desse período são, por exemplo, as teses acerca do ressentimento dos latino-americanos; acerca da duplicidade do caráter boliviano e acerca da personalidade dupla e ressentida dos mexicanos (respectivamente, Estrada, 1975; Arguedas, 1975; e Paz, 1959).
(10) É preciso destacar, portanto, que a lista seguinte de traços específicos não tem de modo algum pretensão de ser completa. Omitem-se muitos outros traços positivos, para enfatizar aqueles de caráter não plenamente moderno que subsistem em contraste com a modernidade européia.
(11) Difiro nisto de Manuel Barrera, que argumentou que com o tipo de Estado surgido do autoritarismo e do neoliberalismo "desapareceu o clientelismo". Penso que seus argumentos apenas conseguem mostrar uma provável diminuição do clientelismo em certas áreas da vida nacional, mas de modo algum seu sumiço.
(12) Habermas usa o conceito de "refeudalização da esfera pública" num sentido diferente, ainda que relacionado, para referir-se à perda do espaço público da discussão e crítica racional dos assuntos de Estado que havia emergido no começo da modernidade e que posteriormente, devido às intervenções do Estado e à comercialização da imprensa, é substituído pela manipulação das massas como um novo meio "feudal" para evitar a discussão genuína e assim legitimar a autoridade pública (Habermas, 1989: 164).
(13) Renato Cristi argumentou convincentemente que o pensamento conservador no Chile nunca se opôs ao liberalismo enquanto tal, mas, ao contrário, ao "elemento democrático que se assenhora de seu capital de idéias a partir do século XIX" (Cristi, 1992: 1 57).
(14) No caso do Peru, por exemplo, Flores Galino observou: "No Peru ninguém se definiria como racista. Contudo, as categorias raciais não apenas tingem, mas às vezes condicionam nossa percepção social. Estão presentes na conformação de grupos profissionais, nas mensagens que os meios de comunicação transmitem ou nos chamados aos concursos de beleza... o racismo existe apesar de os termos raciais, suprimidos nos procedimentos de identificação pública, não terem circulação oficial. Mas um fenômeno, mesmo encoberto ou até negado, não deixa de ser menos real (Galino, 1994: 215). Igualmente, no caso do México, Raúl Béjar diz que "é um lugar-comum dizer que nopaís não existe discriminação racial..."; mas é possível afirmar que "o preconceito tem crescido na história cultural do México..." e que isso afeta "especialmente o índio ou quase índio... os negros... e os chineses..." (Béjar, 1988: 21 3-4).
(15) Houve numerosas tentativas para explicar a instabilidade política latino-americana. Dois clássicos são Kling, 1970; e Huntington, 1968. 
http://www.imaginario.com.br/artigo/a0031_a0060/a0055-03., acessado em 02 agosto 2007.
Versão online (para folhear): http://issuu.com/lucastraininizeni/docs/jorge_larrain_trajet__ria_para_a_mo/1

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