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100 PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2008;30(2):100-106 Revisões e Ensaios Alergia a proteína do leite de vaca em crianças: Alergia a proteína do leite de vaca em crianças: repercussão da dieta de exclusão e dieta repercussão da dieta de exclusão e dieta substitutiva sobre o estado nutricional.substitutiva sobre o estado nutricional. “Cow’s milk protein allergy in children: repercussion of the exclusion diet and replacement diet on the nutritional status” “Alergia a la proteína de la leche de vaca en niños y niñas: repercusión de la dieta de exclusión y dieta de sustitución en el estado nutricional” Patrícia Brazil Pereira1, Cristiane Pereira da Silva2 1Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Federal de Pernambuco/Hospital das Clínicas - PE (HC/UFPE), Mestranda em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco 2Mestre em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco, Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Federal de Pernambuco/Hospital das Clínicas - PE (HC/UFPE) Resumo Objetivo: identifi car as repercussões nutricio- nais mais freqüentes em crianças com alergia à proteína do leite de vaca. Fontes pesquisadas: ar- tigos, livros, teses, “sites” governamentais e cien- tífi cos. Síntese dos dados: Crianças com alergia à proteína do leite de vaca, em dieta de exclusão, podem ter o estado nutricional comprometido, principalmente nas formas não IgE mediadas, com comprometimento da permeabilidade intes- tinal, ou nas formas IgE mediadas, em tratamento com fórmulas inadequadas. A ingestão alimentar insufi ciente pode infl uenciar a condição nutri- cional dessas crianças, mas alguns trabalhos não encontraram associação entre estado nutricional e consumo alimentar. Conclusões: No tratamen- to da alergia à proteína do leite de vaca, deve ser realizada uma dieta de exclusão adequada, com monitoramento da ingestão alimentar de forma qualitativa e quantitativa, além de avaliação re- gular do crescimento e desenvolvimento dessas crianças, para que se possa intervir de forma pre- coce nessas alterações. Descritores: Hipersensibilidade a leite. Estado nutricional. Dieta. Criança. Abstract Objective: To acknowledge the most frequent consequences to nutritional status of children with cow milk protein allergy (CMPA). Sources of re- search: Reported papers, books, theses, and both governmental and scientifi c web pages. Data syn- thesis: Children with CMPA submitted to exclu- sion of diet components have their nutritional state jeopardized, namely in those with IgE-mediated variants, either with intestinal permeability im- pairment, or under treatment with unsuitable for- mulas. Poor food intake can interfere with nutri- tional status, despite some studies that have failed to fi nd the association of nutritional status and food consume. Conclusions: Wise exclusion of diet com- ponents should be undertaken in the treatment of CMPA children, with surveillance of both the qual- ity and amount of food intake, to anticipate actions in growth and development disturbances through close evaluation of these children. 101 ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS NA APLV Keywords: Milk hypersensitivity.Nutritional status. Diet. Child. Resumen Objetivo: identifi car las repercusiones nutricio- nales más frecuentes en niños y niñas con alergia a la proteína de la leche de vaca. Fuentes investiga- das: artículos, libros, tesis, “sites” governamentales y científi cos. Síntesis de los dados: El estado nutri- cional de niños y niñas con alergia a la proteína de la leche de vaca e en tratamiento con dieta de exclu- sión, generalmente se encuentra comprometido. La ingestión alimentar insufi ciente puede infl uenciar la condición nutricional de estos niños y niñas, pero algunos trabajos no encontraron asociación entre estado nutricional y consumo alimentar. Conclu- siones: En el tratamiento de la alergia a la proteína de la leche de vaca, debe ser realizada una dieta de exclusión adecuada, con monitoramiento de la in- gestión alimentar de forma cualitativa y cuantitati- va – además de evaluar regularmente el crecimiento y desarrollo de estos niños y niñas, para que se pue- da intervenir de forma precoz en esas alteraciones. Palabras clave: Hipersensibilidad a la leche. Estado nutricional. Dieta. Niño. Introdução Denomina-se alergia alimentar toda reação adversa dirigida ao componente protéico do ali- mento e que envolve mecanismo imunológico1. A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) ocorre principalmente nos três primeiros anos de vida2. Em países desenvolvidos, a alergia à prote- ína do leite de vaca (APLV) afeta entre 2% e 7,5% das crianças, especialmente nos primeiros meses de vida3. Em recente inquérito epidemiológico, realizado em consultórios de gastroenterologis- tas pediátricos das regiões sul e sudeste do Brasil, 7,4% de 9.478 crianças apresentaram suspeita de alergia alimentar, relacionada ao leite de vaca em 77% dos casos. Neste estudo, a incidência e a pre- valência da suspeita de APLV, calculadas através dos diagnósticos relatados pelos médicos entre- vistados, foram, respectivamente, 2.2% e 5.7%, embora não se conheçam os métodos de diagnós- tico aplicados em cada caso4. O mecanismo fi siopatológico pelo qual se de- senvolve a alergia alimentar envolve, além dos antígenos (proteínas de peso molecular entre 10 e 70 kDa), processos de fundamental impor- tância, como a permeabilidade da barreira do trato gastrointestinal e a predisposição genética individual5. A imaturidade fi siológica do apare- lho digestório, inerente aos dois primeiros anos de vida e o sistema imunológico também ima- turo nessa faixa etária, são fatores importantes para que o desenvolvimento da APLV na infân- cia se estabeleça.3,5. O diagnóstico da APLV deve ser realizado de forma criteriosa, já que seu tratamento se baseia na exclusão completa de leite de vaca e derivados da dieta, ou seja, importantes fontes de nutrientes, como o cálcio6. A eliminação do leite de vaca sem substituição adequada pode prejudicar o crescimento normal e a qualidade nutricional da alimentação, com possibilidade de repercussões clínicas, razão pela qual se res- salta a importância da avaliação continuada, não só da ingestão alimentar mas também do estado nutricional das crianças, durante todo o período de dieta de exclusão6,7. A terapêutica de exclusão da proteína do leite de vaca requer atenção quanto à introdução de uma dieta de substituição adequada, que atenda as necessidades nutricionais das crianças e assim permita seu crescimento e desenvolvimento nor- mal8,9. Uma dieta de exclusão inadequada pode ocasionar alterações nutricionais, como défi cit de crescimento e desnutrição energético-protéica5. Objetivo Relatar através de revisão da literatura, as re- percussões nutricionais mais freqüentes em crian- ças com alergia à proteína do leite de vaca, a fi m de planejar uma conduta dietoterápica adequada no intuito de minimizar essas alterações. Material e métodos A pesquisa foi realizada através de uma busca sistemática da literatura por meio de teses, “sites” governamentais e científi cos e de consulta aos in- dexadores de pesquisa nas bases de dados eletrô- nicos MedLine, SciELO e Lilacs. O levantamento foi realizado com os seguintes descritores: crian- ças e alergia ao leite de vaca e estado nutricional e dieta. Foram defi nidos como critérios de inclu- são: artigos de revisão, artigos originais e artigos experimentais de língua portuguesa, espanhola ou inglesa, realizados com seres humanos na fase 102 PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2008;30(2):100-106 pediátrica, publicados no período de 1993 a 2007 em periódicos especializados indexados nas ba- ses de dados consultadas. Resultados Repercussões da APLV no estado nutricional A eliminação de alimentos importantesna dieta, como o leite, pode afetar o estado nutricio- nal do paciente alérgico, se não forem atendidas as recomendações nutricionais estabelecidas para a idade e sexo10. Má absorção intestinal, perda de nutrientes nas regurgitações e nos vômitos, anorexia, per- da sanguínea na colite alérgica, perda protéica na gastroenteropatia eosinofílica, são manifesta- ções que podem estar presentes em crianças com APLV. Essas manifestações associadas ou não a uma dieta de exclusão inadequada podem ocasio- nar alterações nutricionais, assim como défi cit de crescimento e desnutrição energético-protéica3,5. A gastrite hemorrágica decorrente da APLV é um diagnóstico incomum, mas o paciente de- senvolve desnutrição protéico-calórica grave e anemia caso o tratamento correto não tenha sido iniciado. Dois casos foram descritos de lactentes com gastrite hemorrágica devido a APLV, e ambos apresentaram hematêmese, vômitos e desnutrição protéico-calórica (Peso/idade e Estatura/idade < - 2DP). Os valores encontrados de hemoglobina fo- ram de 10.2 g/dL e de 6.2 g/d respectivamente11. Os pacientes com colite alérgica têm acometi- mento do intestino grosso com pouca repercus- são ao estado nutricional, e são lactentes com aspecto saudável. Em uma série de 20 lactentes menores de 6 meses, com quadro de colite alér- gica e manifestação de enterorragia decorrente da APLV, seu estado nutricional foi avaliado e mos- trou-se que 70% dos pacientes eram eutrofi cos e 30% apresentam desnutrição de grau I, segundo os critérios de Gómez. A média de hemoglobina foi de 10.2 g/dL +/- 0.8 (8.1g/dL, 11.7 g/dL) e a de hematócrito 34% +/- 2.8 (25%, 37%)12. Ou- tro estudo encontrou resultados semelhantes em lactentes menores que 9 meses de idade e por- tadores de colite alérgica por APLV associada a enterorragia13. Constipação intestinal pode ser uma manifes- tação de alergia alimentar, possivelmente devido à dor da evacuação associada à infl amação do reto14. Pesquisa recente constatou que crianças com constipação associada à APLV apresentavam escores Z de peso/idade, peso/estatura e estatura/ idade inferiores aos de crianças com constipação nas quais a suspeita de APLV não se confi rmou após realização de dieta de exclusão e desencade- amento15. . Este grupo com constipação e APLV confi rmada se reveste de um interesse especial por não apresentar sintomas como vômitos, diar- réia ou evidência de má absorção intestinal, que poderiam explicar o défi cit pondero-estatural6. Com relação à exclusão do leite de vaca da dieta, um trabalho comparou o estado nutri- cional de 26 crianças, com média de idade de 19,1 meses, que recebiam dieta isenta de leite de vaca e derivados, a 30 crianças, com média de idade de 16,8 meses, sem nenhum tipo de restri- ção alimentar. Observou que, para todos,os índi- ces (peso/idade, estatura/idade e peso/estatura), o grupo que recebeu dieta isenta de leite de vaca e derivados apresentou média de escore Z menor do que o grupo controle, com diferença estatisti- camente signifi cante. O grupo que recebia dieta isenta de leite de vaca também apresentou me- nor ingestão de energia quando comparado ao grupo controle. Outro estudo acompanhou 100 crianças com idade de 1 a 17 meses portadoras de dermatite atópica e APLV, e também observou que a média de peso e estatura dos lactentes que recebiam dieta de exclusão do leite de vaca foram meno- res quando comparadas às observadas pelo gru- po controle, composto por 60 crianças saudá- veis. No entanto, não foi encontrada diferença no total de energia consumida entre os grupos. A infl amação alérgica mantida durante a dieta de exclusão por um contato contínuo com o alérgeno, decorrente de transgressões à dieta ou reação à fórmula hipoalergênica, pode acarretar má absorção e perda de nutrientes e infl uenciar o crescimento16. Pesquisadores avaliaram a evolução do cresci- mento de 141 lactentes, com idade de 1 a 6 meses, e APLV isolada ou associada a outras alergias ali- mentares, dermatite atópica ou crise de sibilância. Os lactentes de todos os grupos receberam leite materno exclusivo até o momento do diagnóstico da APLV (3,8 meses/ DP 1,5 meses) e posterior- mente o leite materno associado à fórmula infantil especial (fórmula de soja ou hidrolisado protéico). Quando comparado o grupo de pacientes que só apresentaram APLV com os que tinham alergia a outros alimentos, dermatite atópica ou quadros de 103 ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS NA APLV sibilância, observou-se uma diferença signifi cativa para o peso no momento do diagnóstico, com um ano e aos dois anos. Essas diferenças não foram constatadas para estatura. Os resultados mostra- ram que crianças com APLV isolada e que rece- beram fórmulas de substituição apresentaram, aos dois anos, um desenvolvimento pôndero-estatural similar à de uma população sadia. No entanto, a presença de outras alergias alimentares, dermatite atópica ou crises de sibilância afetaram negativa- mente o peso das crianças com APLV17. Defi cits de energia, proteína, cálcio e vitamina d na dieta de exclusão do leite de vaca Poucos trabalhos têm sido realizados para avaliar a ingestão dietética de crianças com APLV. Estudo comparou a ingestão alimentar de 18 crianças com APLV a de 20 crianças saudáveis, com idade média de dois anos e observou que não houve diferença signifi cativa no consumo de energia entre os grupos. No entanto, a quantida- de de proteína consumida pelas crianças alérgicas foi menor (39g/d vs 48g/d) do que a encontrada no grupo de crianças saudáveis. Fórmulas à base de soja ou hidrolisado protéico foram utilizadas por 72% das crianças e o volume das fórmulas consumidas pelas crianças alérgicas foi menor do que o volume de leite consumido pelas crianças saudáveis (371 ml/d vs 559 ml/d)18. Em desacordo com relação às calorias, outro trabalho2 encontrou menor ingestão de energia nas crianças que consumiam dieta sem leite de vaca (n=16), em relação as que consumiam dieta com leite de vaca (n= 10). Também foi encon- trado menor consumo de proteína e cálcio nas crianças do grupo experimental. Pesquisa comparou o consumo de 98 crian- ças com alergia alimentar (com media de idade de 3,7 anos) ao de 99 crianças sem alergia (com media de idade de 4,1 anos) e observou que mais de 25% das crianças em ambos os grupos consu- miram menos do que 67% das Ingestões Dietéticas Recomendadas (DRIs) para cálcio e vitamina D. Porém, 58% das crianças com APLV consumiram menos cálcio dietético (p< 0,05) do que as reco- mendações específi cas para idade quando com- paradas às crianças sem APLV (46%) e/ou alergia a um único tipo de alimento (25% e p<0,05)19. O raquitismo é uma doença óssea caracteri- zada pela diminuição da mineralização da placa epifi sária de crescimento. Está relacionada à con- centração de vitamina D, de cálcio e de fósforo, que podem se apresentar diminuídas por defi ci- ências na dieta, por alterações genéticas ou por metabolismo anormal dessas minerais20. A defi ci- ência de nutrientes, principalmente de vitamina D, é a causa primária de raquitismo, e a de cálcio também pode ser observada20. O raquitismo que ocorre entre lactentes e crianças pode ser atribuído à baixa ingestão die- tética de cálcio, quando expostos a dietas basea- das em cereais, com variedade limitada, e pouco acesso a produtos lácteos. Nessas situações, o uso de suplementos dietéticos resulta em cura da do- ença óssea18. Um trabalho descreveu a defi ciência de vitami- na D e raquitismo em uma criança do sexo mascu- lino com cinco meses de idade e alimentado com fórmulas de soja não específi cas para a população infantil. O conteúdo da análise da fórmula de soja (fórmula não infantil a base de soja) mostrou nível muito baixo de cálcio (28,9mg/dl) e níveis inde- tectáveisde vitamina D quando comparado com as fórmulas infantis à base de leite de vaca21. Outro estudo descreveu o caso de um meni- no de dois anos com raquitismo por defi ciência de vitamina D secundária à APLV. A descrição da dieta, isenta de leite de vaca e sem substituição adequada, revelou um défi cit na ingestão de vi- tamina D20. A Academia Americana de Pediatria propôs a prevenção de raquitismo nutricional através da ingestão de 200 UI/dia de vitamina D22. O Fun- do das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também endossa a suplementação de vitamina D quando a exposição à luz solar é inadequada23. Conduta nutricional na APLV A APLV desenvolve-se através de reações as- sociadas ou não à IgE que, portanto, determinam diferenças na conduta nutricional. Quando me- diadas por IgE, as reações apresentam os sinto- mas próprios dessa situação, como angioedema, urticária, rinite, eczema e anafi laxia 24,25. Quando não associadas à IgE, as reações imunológicas de- correntes da ingestão de leite de vaca são predo- minantemente gastrointestinais, como: proctoco- lite, enterocolite, enteropatia e esofagite,24, 25. A prevalência de alergia a proteína da soja e APLV concomitante está entre 0% e 60%, com os níveis mais elevados encontrados geralmente na alergia com sintomas gastrointestinais, como 104 PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2008;30(2):100-106 enterocolite /enteropatia não associadas com IgE (25-60%) 24,26 . Por outro lado, pesquisadores 24 avaliaram 93 crianças menores que 3,5 anos (en- tre 3 e 41 meses) com APLV associada à IgE, e mostraram que apenas 14% dessas crianças tam- bém apresentaram alergia à proteína da soja. Não são infrequentes sintomas de alergia à proteína de soja quando usada como substituta do leite de vaca nos lactentes com manifestações gas- trointestinais da APLV, pois o alérgeno promo- ve uma reação infl amatória na mucosa do tubo digestório. Em conseqüência dessa infl amação, ocorre aumento adicional da permeabilidade da mucosa, que já é mais permeável pela própria imaturidade gastrointestinal dos lactentes, com maior penetração de macromoléculas, perpetu- ação do processo infl amatório e, muitas vezes, com aparecimento de sensibilidade também para a proteína da soja3. A conduta terapêutica em crianças com com- provada APLV se baseia na eliminação completa do leite de vaca e seus derivados da dieta24. Em crianças com APLV cujas mães não podem amamentar, deve ser oferecido um substituto do leite. Substitutos disponíveis incluem fórmulas de soja, hidrolisado protéico e uso de fórmulas à base de aminoácidos livres26. Estudo de provocação oral duplo cego contro- lado por placebo realizado com o leite de cabra mostrou que o uso deste é inseguro para pacientes com APLV, pois 92% dos 26 pacientes com APLV também apresentaram reações ao leite de cabra27. No momento, as fórmulas mais usadas como alternativas no tratamento da APLV são a de soja e hidrolisado protéico. No entanto, algumas crianças que fazem uso dessas fórmulas apresen- tam reações adversas a elas26. Segundo a Academia Americana de Pedia- tria25 uma fórmula só é considerada hipoalergê- nica quando se pode assegurar, através de estudo duplo cego controlado por placebo, com 95% de confi ança, que pelo menos 90% das crianças com APLV não irão apresentar sintomas de reação à fórmula em questão. Fórmulas à base de proteína do leite de vaca parcialmente hidrolisadas têm provocado rea- ções signifi cantes em aproximadamente 50% das crianças com APLV25,26 e não devem ser usadas no seu tratamento. Fórmulas extensamente hidro- lisadas também podem provocar reações alérgi- cas em crianças com APLV, mas pelo menos 90% dessas crianças toleram essas fórmulas tão bem quanto às fórmulas infantis à base de aminoáci- dos livres 25,26 Estudo28 avaliou 16 lactentes, com idade infe- rior a 16 meses e suspeita de APLV, cujos sinto- mas persistiam com uma dieta à base de hidroli- sado protéico e observou que após mudança da alimentação para uma fórmula infantil nutricio- nalmente completa à base de aminoácidos livres, 13 dos 16 lactentes apresentaram melhora das reações adversas. A Academia Americana de Pediatria (AAP) e o grupo europeu em geral concordam em suas recomendações para o tratamento de crianças e lactentes com alergia à proteína do leite de vaca confi rmada: o alimento causal deve ser eliminado29. Durante a dieta de exclusão, preconiza-se a continuidade do aleitamento materno com retira- da das proteínas do leite de vaca da dieta materna. Entretanto, na impossibilidade de manutenção do leite materno, devem ser utilizadas fórmulas espe- cífi cas em substituição ao leite de vaca29. Segundo a recomendação da AAP, no ano 200025, as fórmulas à base de soja podem ser prescritas para pacientes com reações mediadas por IgE, sem sintomas gas- trointestinais, particularmente após os seis meses de idade. Para os demais lactentes, recomendam- se fórmulas à base de hidrolisado e, se não houver remissão dos sintomas, indicam-se as fórmulas à base de aminoácidos. Já a Sociedade Européia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutri- ção30 não distingue o tratamento de APLV mediada por IgE da não mediada por IgE, e não recomenda uso de fórmulas à base de soja no início do trata- mento. Ambas as entidades recomendam a exclu- são de qualquer produto ou fórmula que contenha a proteína intacta ou parcial do leite, além de leites de outras espécies, como cabra e ovelha. Conclusão A eliminação do leite de vaca e derivados da dieta pode favorecer o défi cit energético- pro- téico, de cálcio e de vitamina D na dieta se uma alimentação de substituição que atenda as re- comendações, segundo sexo e idade, não for implantada. Inadequações na dieta de exclusão podem levar ao comprometimento pôndero-es- tatural de crianças com APLV e por isso faz-se necessário o monitoramento do crescimento e desenvolvimento dessas crianças, assim como do aporte de nutrientes e energia que é oferecido. 105 ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS NA APLV Referências 1. 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