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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais ICS - Arquitetura e Urbanismo Urbanização e Arquiteturas no Brasil Análise de cercamentos na orla da Lagoa da Pampulha Prof (a): Alícia Duarte Penna Alunas: Amanda Paiva da Fonseca Lara Silvia Moraes Costa Lívia Marques Fernandes Mariana Soares de Souza Natália Lima de Andrade Stella Maria Gonzaga Teixeira 1°/2017 Introdução Este trabalho pretende investigar e analisar as diferentes formas de cercamentos em habitações unifamiliares ao longo da orla da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte. Entendemos que os elementos arquitetônicos que compõem os cercamentos, sejam eles muros, gradis, muros verdes ou cercas vivas, peles de vidro, entre outros, são elementos cada vez mais evidentes nas edificações e de grande importância para observar as mudanças tipológicas e ideológicas que ocorreram nas residências. Escolhemos a orla da Lagoa da Pampulha por ser uma área quase completamente residencial de habitações unifamiliares e por seu valor histórico e cultural para a cidade. Para realizar as análises partimos da identificação das diferentes variações de cercamentos presentes na área de estudo por meio de imagens de satélite e visitas de campo. Formulamos tabelas e mapas para efeito de comparação e análise quantitativa e separamos as tipologias de acordo com os estilos arquitetônicos de épocas diversas que pudemos observar: neocolonial, proto-moderno, moderno e contemporâneo. Na identificação dos estilos, ficou claro que somente pelos cercamentos não é possível definir o estilo da edificação, para isso tivemos que observar as características das casas, uma vez que seus muros podem ter sido instalados após a sua construção ou ter passado por uma demolição ou reforma. E em muitos casos não pudemos identificar o estilo arquitetônico da casa porque o muro era uma completa barreira, não conseguimos observar qualquer detalhe da edificação. Também procuramos identificar as determinações econômicas, políticas, sociais, urbanas, culturais e simbólicas das variações e das mudanças no processo produtivo. Entre essas determinações podemos citar a violência urbana, cada vez mais presente nas cidades atuais, a mudança no gosto e na forma de pensar das pessoas que preferem se isolar a contribuir com a paisagem e ambiência urbana, o medo e a desconfiança ao achar que a casa mais exposta está mais vulnerável, a ideia de que quanto mais alto o muro maior a segurança, ideia essa completamente oposta à concepção antiga de que quanto mais janelas e quanto mais pudesse ser mostrado da casa maior o poder representado. Os cercamentos são marcos das edificações, são o limite entre a rua e a construção, entre o público e o privado. A relação dos cercamentos com a rua, dos cercamentos com a casa e da casa com a rua também será analisada neste trabalho, tentando entender como se dá a interação entre esses e como ocorre a composição da divisão entre lote e rua. Diferentes tipos de cercamentos Os muros e cercamentos presentes no meio urbano apresentam uma grande diversidade e se relacionam com os vários elementos da cidade e com as pessoas, em tipologias residenciais, comercias ou em lotes; e até mesmo pela sua ausência ou pela sua imponência. Dessa forma, pesquisamos neste objeto de estudo suas variações, classificando-os de acordo com suas características estruturais e sua composição. Totalizando em dez tipos, são eles: Casas sem muro (1 unid.); Muros Detalhados (9 unid.); Muros de Alvenaria Médio (77 unid); Muro de Pedra (10 unid); Pele de Vidro (9 unid); Muro com Acabamento (7 unid); Muros Extremamente Altos (25 unid); Muro Verde (38 unid); Gradil (32 unid); Gradil com mureta (47 unid). 1. Casas sem muros Na Orla da Pampulha encontramos uma tipologia de casa sem muros, onde o único limite entre o público e o privado é o alinhamento do terreno com o que foi construído, portanto, por uma questão atual de segurança, não se vê muitos exemplares desse tipo. Um exemplo de casa sem muros é a Casa Juscelino Kubitschek, projetado em 1943 por Oscar Niemeyer, essa nos remete ao modo de habitar dos anos 40, 50 e 60. A casa moderna hoje é um museu, possui segurança 24 horas e uma guarita para isso. Nesse tipo de residência percebe que a retirada dos muros cria uma interação entre o público e o privado, além disso, permite ver toda a edificação, típico das edificações de estilo moderno. Muitas casas atuais na Orla foram construídas com essa mesma concepção de projeto, sem cercamentos, porém com o tempo elas foram adquirindo esse fechamento externo ou mesmo deram lugar a novas edificações. 2. Muros detalhados Dentre os vários muros de alvenaria pela Orla, existem vários tipos de composição dos mesmos, esse tipo de muro que mescla diferentes elementos e modos construtivos classificamos como muro detalhado. O detalhamento no muro de alvenaria pode ser de vários modos, como por exemplo, um vazado permitindo ver um pouco da edificação, esse vazado pode ter algumas minis colunas imitando pórticos estilos arquitetônicos antigos. Outro exemplo seria um muro com parte composta por vidros, permitindo ver melhor as fachadas das casas. 3. Muros médios de alvenaria Os muros de alvenaria são os muros tradicionais, mais comuns atualmente. Feitos de tijolos e concreto o que confere a este tipo muita resistência e durabilidade. Eles podem ser chapiscados com concreto ou outro material de preferência do dono, e depois pode ser aplicada uma ou mais camada de tinta. Essa tipologia com altura média revela a intenção do morador em deixar sua casa à vista de todos, não havendo a preocupação em esconder a edificação e seus moradores. Mas a existência desse tipo de muro revela preocupação com a segurança dos moradores. Apesar de não ser tão alto, acaba segregando a residência do resto da vizinhança. Eles pertencem ao estilo contemporâneo, demonstrando a recente preocupação em manter as casas isoladas e “protegidas”. Uma pequena parte desses muros apresenta um reforço na segurança, com a presença de câmeras, cercas elétricas e concertinas · * Jardim muro casa Aqui a intenção é recepcionar tanto os visitantes quanto os pedestres, àqueles que irão usufruir da casa ou simplesmente do urbano. Além de valorizar a estética da casa, deixa a rua e a cidade muito mais agradáveis. Quando há esse tipo de disposição, em geral, os muros são mais ornamentados, com materiais e pinturas diferentes, uma alternativa ao habitual cinza. · * Muro jardim casa O jardim dentro do limite do lote, com o muro em altura média mostra que o morador se preocupa com a questão estéticado espaço, mas não considera que esse espaço poderia ser usufruído por todos, não somente os usuários daquela residência. Há certo individualismo por parte do proprietário. O fato de os moradores deixarem sua casa a vista de todos revela uma possível intenção em ostentar a residência, mostrar a vizinhança o quão bonita e grande ela é. Mas a presença do muro demonstra a vontade em individualizar e separar do restante, excluindo a socialização entre os moradores. 4. Muros de pedra médio-alto Os muros de pedra são aqueles construídos com pedras, a vantagem desse tipo de muro é que as pedras não se deterioram com o tempo como acontece com os blocos de cimento por exemplo. Esses muros apresentam um aspecto estético interessante uma vez que utilizam material natural e há uma certa preocupação em contribuir com a paisagem do entorno conciliando bem a paisagem natural da lagoa. Apesar de que em sua maioria escondem por completo a edificação, há uma preocupação estética no muro, com a utilização de pedras em sua ornamentação. Em geral, os muros em pedra seguem o estilo da casa, que possuem estilo rústico. Esse tipo de muro é uma peça chave no entorno da Lagoa da Pampulha, pois compõe esteticamente o espaço, apesar de contribuir para a segregação socioespacial. 5. Pele de vidro As peles de vidro são tipos de fechamentos em que o vidro substitui a alvenaria ou outro material opaco nos cercamentos. Elas permitem melhor visibilidade da construção e são correntes nas edificações, em sua maioria, de estilo contemporâneo que adotaram a estética presente no mercado atual caracterizada pelo uso em massa desse elemento. Composto por uma estrutura metálica para o arremate do vidro, eles permitem a interação entre quem passa na rua com a casa e vice e versa. Assim, é possível a troca de reconhecimentos visuais, estéticos e de segurança através da superfície translúcida, que varia de acordo com sua opacidade e cor. Essa barreira entre o público e o privado, nas casas observadas na orla da lagoa da Pampulha, preferencialmente, não expõem diretamente as residências. Elas compõem o visual empregado em suas fachadas e nos afastamentos frontais que, dependendo dos lotes, são maiores do que os previstos em lei. Além disso, algumas fazem uma interação com o paisagismo da residência, com canteiros plantados logo em frente ou nos jardins localizados após a delimitação da pele de vidro. Geralmente são de altura baixas para médias e algumas possuem cercas elétricas para o reforço da proteção. 6. Muros com acabamentos Os muros com acabamentos são aqueles em que se percebe uma preocupação estética nestes e uma intenção de interação dos transeuntes com a fachada das casas. São comuns em muros de alvenaria e o acabamento varia entre pedras, mármores, cerâmicas ou detalhes trabalhados em sua composição. Embora não muito comuns na orla da Pampulha, eles comportam os materiais escolhidos em toda sua extensão e produzem um diálogo com os elementos utilizados no arranjo dessas barreiras, como na estética dos portões. Sendo, geralmente, médios para altos, a ornamentação dos muros transmite uma diferenciação aos muros da rua, causando um impacto positivo nas pessoas que passam por eles. Além de dizer um pouco sobre a aparência das casas e sobre seus moradores, uma vez que há um custo relacionado na escolha desses acabamentos. 7. Muros extremamente altos Como a própria classificação diz, esses muros são extremamente altos, dificultando a interação casa-rua. Em muitos dos casos, sua altura impossibilita que as pessoas que passam nas vias observem o que acontece atrás dele, e vice-versa. Esses se parecem com as fortalezas medievais, que cercavam cidades para protegê-las de ataques dos inimigos. Foi possível perceber na área, que há outras variações desse tipo, como o fato de serem altos devido à inclinação do terreno. De maneira geral, são feitos de alvenaria podendo conter alguns detalhes/acabamentos estéticos que suaviza a imagem pesada que passam. Alguns possuem guaritas acopladas para garantir maior segurança. 8. Muro Verde A tipologia do muro verde pode ser facilmente identificada por se parecer com um jardim vertical. Apesar de estar fortemente ligado à estética, trata-se de uma opção sustentável para as cidades grandes, onde, geralmente, há poucas áreas verdes. Esse tipo de muro, além de embelezar a cidade, diminui a poluição atmosférica, pois retém a poeira e a fuligem. Normalmente nesta tipologia são utilizadas como vegetação as trepadeiras, bem conhecidas por serem plantadas no chão e crescerem pelas paredes dos muros. Mas também consideramos nesse tipo, pequenas árvores e arbustos que são plantadas perto entre si e perto do cercamento, onde fazem o papel de esconder a edificação/lote. 9. Gradil O gradil é um tipo de cercamento que apresenta o maior nível de exposição da residência, sendo os que mais valorizam as fachadas das casas já que o pedestre consegue visualizá-la por completo. As grades são uma das formas mais suaves de fechamento pois sua permeabilidade visual faz com que a diferença entre público e privado não seja tão abrupta. Porém muitas pessoas não a usam por questões de segurança, com o medo dessa superexposição. Na orla podemos ver que a maioria das residências que possuem esse tipo de cercamento tem características semelhantes como grandes jardins frontais e a residência no fundo do terreno. 10. Mureta com gradil As muretas com gradil mantêm a mesma ideia do uso das grades, fazendo com que a fachada da casa apareça mostrando para rua o que há dentro do lote. Geralmente os moradores utilizam das muretas quando possuem os jardins frontais que estão em níveis superiores ao passeio, A mureta pode ter diversos tamanhos, mas geralmente são mais baixas. Histórico da Pampulha Em 1936, na administração do prefeito Otacílio Negrão de Lima, iniciou-se o represamento do ribeirão Pampulha para construção da barragem da Pampulha, inaugurada em 1943, cuja finalidade era fazer o controle das cheias dos tributários e promover o abastecimento da cidade. Tais obras visavam minimizar o problema de abastecimento de água da capital e viabilizar a construção de um futuro aeroporto que fosse capaz de interligar a capital mineira ao Rio de Janeiro e a São Paulo, emergentes capitais políticas e econômicas do país. Os bairros que conhecemos hoje na Regional Pampulha surgiram da desapropriação ou do loteamento das antigas fazendas. Esse processo só começou na década de 1940 quando o então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, criou na zona Norte da cidade o complexo arquitetônico, paisagístico e de lazer da Pampulha, constituído de uma represa, prédios modernistas (IateClube, Cassino e Igreja), cuja arquitetura de Oscar Niemeyer, fez desse empreendimento o principal símbolo artístico e arquitetônico da cidade. Apesar de ter sido planejada como um espaço para ser compartilhado entre as diferentes classes sociais inicialmente, a Pampulha acabou atraindo exclusivamente a elite, tanto no uso dos espaços de lazer, quanto em relação à ocupação urbana. Os lotes ao redor da lagoa foram muito valorizados, pois, para compor o aspecto moderno da orla, era necessário que as famílias tivessem condições de construir residências luxuosas. Até mesmo pela área dos lotes é possível perceber que as residências que viriam ser construídas ali seriam de alto padrão. Esses lotes possuíam área de 1000 m², ao passo que os lotes dos conjuntos habitacionais do BNH possuem 200 m². Análise Geral As casas na orla da Lagoa da Pampulha pelo que pudemos observar são em sua maioria dos estilos moderno e contemporâneo. Esses estilos foram identificados pelos detalhes construtivos das casas, pois a época construtiva e as características dos cercamentos podem não nos contar sobre a edificação. Os muros das edificações muitas vezes foram modificados e adaptados para atender as demandas e acompanhar as mudanças que ocorreram nas cidades. A relação das pessoas e das casas com a rua foi se modificando ao longo dos anos, isso porque no início do século XX a maioria das casas nem sequer apresentava algum tipo de cercamento, o limite entre o público e o privado era simbólico e respeitado pelos cidadãos. Na contemporaneidade com o surgimento cada vez maior dos problemas de segurança e violência nas cidades brasileiras, os moradores das casas acabam criando verdadeiros enclaves fortificados para se proteger da criminalidade. Como foi identificado em algumas residências na orla da Lagoa da Pampulha e é apresentado na foto abaixo: Assim, estudamos as relações entre a casa e o cercamento, entre a casa e a rua e entre o cercamento e a rua. Quando citamos a rua neste contexto, ela representa o espaço público sendo usufruído por todos, produzindo interações de quem por ela passa, em suas dinâmicas recorrentes com o espaço privado e o uso de muros ou outros tipos de cercamentos. Os lotes nessa área possuem grande extensão, sendo essa uma característica da ocupação na região da Pampulha, o que faz com que os muros também sejam compridos, criando uma grande barreira visual e transformando a paisagem urbana. Foi possível perceber que as casas cuja visualização era permitida, possuem o mesmo estilo arquitetônico que o seu muro. Chegamos à conclusão de que devido ao fato de essa região ter sido ocupada recentemente comparada com as outras, suas casas e muros foram juntamente construídos. Desse modo, notamos que essas tipologias produzem diferentes formas de segregar os espaços, transformando-os em individualizados ou públicos, seja pela presença física ou visual da edificação que se encontra por trás dessas divisas. Além disso, da mesma forma que são sinônimos de divisão, separação, os muros também remetem a ideia de proteção, segurança o que logo é associado a vedação e ao enclausuramento. Atualmente, a questão da segurança é algo imprescindível para todos em relação a sua morada. Os muros extremamente altos, geralmente são escolhidos por oferecerem um vínculo de segurança, porém impedem qualquer relação entre o meio externo e interno, transpassando uma relação de indiferença para quem passa pela rua e para quem reside o local. Muros altos, em sua maioria, contribuem para a segregação socioespacial, isolando a casa e as atividades cotidianas do resto da cidade. Além disso, eles não permitem a livre passagem por entre as casas, limitando os trajetos dos pedestres e padronizando a circulação, desestimulando a genuína experiência da vida pública. Já os Muros de Pedras e os Muros Verdes são em sua maioria de altura média, remetendo a um uso mais conservador para residência, possuindo uma aparência visual mais sóbria e discreta. Os muros de pedra encontrados na orla da lagoa se portam de acordo com a estética adotada pelos moradores em suas residências, enquanto os muros verdes se comparados aos de pedra são mais comuns e transmitem uma relação de conforto por se tratar de uma alternativa natural associada a alvenaria. Entretanto o descuido dos proprietários na sua manutenção, restringe o uso de quem passa pela rua, principalmente o pedestre, limitando seu livre acesso. Desse modo, esses muros também podem induzir o isolamento das casas em relação ao espaço público. Os muros fragmentam a cidade. O alto número de muros em alvenaria, sejam os mais frequentes com acabamentos simples em tinta, assim como os muros com acabamento mais específico como aqueles revestidos por pedras, mármores, ou até mesmo aqueles que não possuem acabamentos, revelam a intenção em manter a casa isolada, separada do resto da vizinhança e daqueles que usufruem da Lagoa da Pampulha. A permanente busca por segurança materializa-se na constante elevação dos muros e das grades, na construção de cercas elétricas, arame farpado, câmera de segurança, em alguns casos o uso de guarita, na elaboração de sistemas de segurança cada vez mais tecnológicos. Na maioria das vezes em que se apresentava essa tipologia de muro, não foi possível estabelecer uma comunicação visual, apenas quando faz parte da extensão do muro o uso de portões com aberturas, que são mais insignificantes para quem está no lado da rua do que para quem se encontra dentro do lote. Em alguns lotes foi possível perceber uma relação amigável entre casa e cidade, com a utilização de gradis ornamentados, ou gradis com mureta, ou com o uso de pele de vidro, geralmente com baixa/média altimetria, passeios largos e presença de jardins ou canteiros completando sua composição. Essas características deixam a cidade mais harmoniosa e agradável, convidando a todos a utilizar dos espaços da cidade, e permitindo também a interação social. Há uma barreira física mas essa não se constitui como barreira visual integral, ou seja, são opções menos hostis para com o espaço público e seus usuários. Contudo, as barreiras físicas e visuais, em algumas residências na orla da lagoa da Pampulha, vão além dos muros e cercamentos. A topografia e a extensão dos lotes também são utilizados em favor do isolamento no sentido de fortalecer a privacidade e a proteção de seus moradores. Fato esse reflexo da histórica ocupação local, com terrenos de grandes extensões, devido a incidência de casas/sítios, na qual podemos associar com os cercamentos em gradis ou ao uso de muretas associado a gradis, para nivelar sua topografia. Em alguns casos, os muros e cercamentos revelam a interação e as limitações das edificações com a inclinação dos terrenos, de forma que são construídas grandes rampas deacesso, geralmente para passagem de carros, enquanto as casas se encontram recuadas nos lotes. Análise sobre cultura do medo e a violência urbana alterando as dinâmicas urbanas A descrença e a desconfiança na capacidade dos poderes públicos, em garantir a segurança dos cidadãos, tem levado a uma progressiva transferência dessa responsabilidade para as empresas privadas de segurança e consequentemente para os seus consumidores. O medo das grandes cidades, o medo de ter a própria casa invadida e o medo de ser assaltado nas ruas é o que nos faz preferir não sair de casa, como por exemplo, pedir comida a domicílio a ir em um restaurante. É o medo da violência urbana e o medo das contradições sociais que se manifestas no espaço. A violência atinge patamares inéditos e faz com que grupos sociais, que se julgam possíveis alvos de atentados criminosos, busquem ou tenham a ilusão de alcançar a proteção. Assim, afastam-se das possibilidades de encontro com aqueles que consideram diferentes e, por conta disso, perigosos. Em virtude desse medo, erguem-se muros, instalam-se câmeras, trancam-se as casas e, se possível, contratam-se seguranças. Nessa lógica, os muros aumentam e individualizam as nossas relações, que estão cada vez mais virtuais e cada vez mais “vazias”. E por fim, vive-se nessa ilusória segurança, nessa falsa paz dentro do cativeiro criado por nós mesmos. “As grades do condomínio São para trazer proteção Mas também trazem a dúvida Se é você que está nessa prisão” Minha alma – O Rappa Análise da disposição dos cercamentos no terreno e suas implicações Outro ponto a ser discutido é de como muro está disposto no terreno, e as consequências disso sobre a comunicação entre a casa e a rua. A respeito dessa configuração, podemos condicionar dois modelos encontrados nos lotes da região: o primeiro seria o muro localizado logo na delimitação da calçada; já o segundo, seria aquele muro que possui um afastamento maior do passeio, formando um jardim em frente à propriedade. Os muros que se localizam logo no fim da calçada, que são grande maioria na região, possuem uma área maior privada de seu lote. Independentemente se o seu cercamento seja de gradil ou alvenaria, ou que seja alto ou baixo, o proprietário não está preocupado em fazer um espaço que seja compartilhado por todos e que ocupe uma parte da sua propriedade. Se analisarmos a partir de cada tipologia de muro, os cercamentos com gradil, pele de vidro, ou com alvenaria de altura baixa e média – esse dependendo da inclinação do terreno -, apesar de terem suas edificações vistas por quem passa na rua, e mesmo que se preocupem com a estética dos seus jardins que também serão vistos, existe o “egoísmo” do proprietário de só querer ostentar o que possui, e de não deixar os demais utilizarem. Sobre os muros extremamente altos, o proprietário além de não estar preocupado em fazer um espaço público no seu terreno, não quer a permanência das pessoas em frente sua casa. Cria um ambiente totalmente impessoal em relação à rua, e tira a total visibilidade do pedestre, que tende a ter mais medo de permanecer no local, transformando a calçada em um lugar exclusivamente de passagem. Já os que possuem um afastamento maior da rua, acabam criando jardins em suas entradas. A ideia desses espaços é de recepcionar tanto os visitantes quanto os pedestres, àqueles que irão usufruir da casa ou simplesmente do meio urbano. Além de fazer parte da estética da casa, esses deixam a rua e a cidade muito mais agradáveis e atraentes para circular. A utilização desses jardins trata-se de gentileza urbana, onde o elemento favorece o urbanismo e o paisagismo público em seu entorno. Não existe uma lei obrigando que todas as construções criem esse espaço em frente a sua propriedade, é de escolha do proprietário, mas existem influências na região, de casas construídas na época do modernismo que já possuíam essa área verde na frente do muro. Aprofundando na relação jardim-muro vemos que, em muito dos casos, o jardim acaba sendo um complemento do muro, seja estético, de segurança e/ou de dar maior privacidade para os moradores da casa. Os muros verdes são um exemplo do papel estético, pois são como um jardim vertical, que utilizam da planta trepadeira para embelezar muros de alvenaria ou pedra. O uso de árvores/arbustos muito próximos dos muros também entram nessa categoria por embelezarem e esconderem um cercamento que talvez não estivesse bonito. Porém o uso dessas vegetações mais adensadas próximas aos muros, sejam elas antes dele ou depois, mostram que possuem outra finalidade. Essa vegetação passa a ser como uma cerca viva que além de dificultar que alguém pule o muro, serve para esconder uma propriedade que utilize de cercamentos que são fáceis de observar através deles, como os gradis e os muros de pele de vidro. Conclusão Os muros instigam. Prometem o inimaginável, atiçam a curiosidade. Alguns deixam um gostinho de quero mais; uns mostram de mais, outros de menos. Mas todos deixam no ar o que será que está por trás, o que eles escondem ou tentam esconder. Com essa pesquisa pudemos refletir sobre como se dá o processo produtivo do cercamento, no caso específico da orla da Lagoa da Pampulha, e como esse processo foi modificando e se adaptando às necessidades da cidade contemporânea. Percebemos que a grande maioria das casas contemporâneas, maior estilo arquitetônico identificado, utilizam o muro de alvenaria médio/alto como forma de delimitação entre o público e o privado, o que reflete a grande preocupação atual com a segurança, mas também uma preferência pelo isolamento e privacidade. E também certo individualismo. Entretanto, ficamos impressionadas com o fato de que uma grande parcela das residências utiliza os cercamentos do tipo mureta com gradil e muros verdes, respectivamente os mais utilizados depois dos de alvenaria. Isso porque tanto as muretas com gradil quanto os muros verdes são variações que permitem um maior diálogo entre os transeuntes e as edificações e também compõe melhor a paisagem, criando maior interação entre a edificação e seu entorno, sendo alternativas mais agradáveis e menos hostis. O que os muros e cercamentos nos revelam sobre a região da Pampulha? Pela análise que fizemos dos cercamentos das casas da orla da Pampulha concluímos que em alguns pontos as casas deixaram de ter sua função inicial de residência e ganharam novos usos como de salões de festa e lar de idosos. Além disso, percebemos que muitos lotes em uma região específica da Lagoa nem sequer foram ocupados. Em outros pontos identificamos o descuido com as casas e com seus cercamentos e até mesmo o abandono. Assim, ficou claro para nós a obsolescência da região, também observada nas placas de venda e aluguel em algumas casas e a falta de interesse em residir ali. A Pampulha deixou de ser alvo da populaçãocom maior poder aquisitivo como ocorreu nas primeiras décadas de seu surgimento, em que muitas pessoas buscavam morar ali para aproveitar dos espaços de lazer. Isso pode ser justificado pela cultura do medo gerada pela violência urbana e pela distância da região tradicional da cidade onde concentra a maioria do comércio e serviço. Essa população tem preferido os condomínios de luxo, que concentram a segurança e a comodidade tão almejada.
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