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Texto: Dilemas do Nacionalismo (2003) (Paulo César Nascimento) • Professor no IPOL/UnB • Graduação e mestrado em História pela Universidade Amizade dos Povos (Rússia, 1980), mestrado em Relações Internacionais e Filosofia pela PUC-RJ (1989), e doutorado em Ciência Política - Columbia University (Nova York, 2002). • Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase nos seguintes temas: democracia, teoria política clássica e moderna, nacionalismo e identidade nacional. � Propulsor do moderno sistema de Estados- nações � Associado à transição das ordens dinásticas para sociedades baseadas na doutrina da soberania popular � Indutor de guerras mundiais e inúmeros conflitos regionais: ideologia chauvinista, antidemocrática e xenófoba � Associado a lutas de libertação contra o domínio colonial � Serviu de inspiração ideológica ao desenvolvimento socioeconômico das nações recém-independentes � Com enorme persistência histórica, reaparece ao longo do tempo em ondas imprevisíveis � Não há qualquer consenso acadêmico ou definição paradigmática do que seja o Nacionalismo � Antigo ou moderno? � Onde se originou? � Qual é seu futuro? � Democrático ou autoritário? � Construção das elites ou manifestação de elementos primordiais das comunidades humanas? � Três eixos principais deste artigo: � Confusão conceitual entre Estado e nação � Dicotomia Primordialismo X Modernidade � Diferença entre Nacionalismo Étnico e Cívico � Pluralidade de conceitos para Nacionalismo � Experiências em contextos históricos e políticos muito diferentes � Contradições terminológicas refletidas nas obras dos estudiosos do tema � Linguagem empregada para definir o conceito: uma das maiores dificuldades do estudo do Nacionalismo � Segundo Ernest Gellner: � Nacionalismo é o princípio político que advoga a congruência entre Estado e Nação � Ideia que move o nacionalismo seria a criação de um Estado que exercesse autoridade sobre a nação � Nação sendo entendida aqui como um grupo humano que compartilha da mesma cultura � Críticas a Gellner: � Deixa de fora outras manifestações de nacionalismo, como a dos flamengos, escoceses, catalães e bascos, que não buscam necessariamente um Estado independente � Buscam, sim, várias formas de autonomia política em relação ao poder central � Confunde os próprios conceitos de Estado e Nação � Torna termos como patriotismo (lealdade ao Estado) e nacionalismo (lealdade à nação) virtualmente sinônimos � Confusão terminológica: � Natio – origem latina da palavra nação � Ideia de territorialidade e laços de sangue em comum (Absolutismo/Era Moderna) � Esse sentido foi utilizado por muito tempo, na intenção de designar elites estrangeiras vindas de um lugar comum � Séc. XVII: passou a significar simplesmente os habitantes de um dado país, independentemente de sua composição étnica e cultural � Nação = Povo � Revolução Francesa (séc. XVIII) � Povo = Nação = Estado Unidade política que exerce autoridade sobre um dado território � Doutrina de soberania popular - Povo como fonte de todo o poder político - Quase sinônimo de Estado � Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789, França): � Fonte de toda soberania reside essencialmente na nação � Nenhum grupo ou indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente da nação � Confusão terminológica não teria muita importância política se cada Estado correspondesse de fato a uma nação � Nestes casos, patriotismo e nacionalismo não se distinguem (ex.: Alemanha hitlerista) � Maioria dos países integra várias etnias e nações, reais ou potenciais � Professam lealdades variadas ao Estado sob a jurisdição que se encontram � Processo civilizatório exitoso (ex-colônias África e Américas) � Estado, por meio de uma ideologia nacionalista, promove o desenvolvimento de uma nação homogênea � Grande dificuldade da política de state-building � Conseguir que cidadãos transfiram suas lealdades tradicionais para o novo Estado em construção � Nacionalismo e nações são fenômenos da Era Moderna (séc. XV-XVIII) � Nacionalismo está ligado à passagem da sociedade agrária para a industrial � Industrialização e urbanização � Formação de uma burocracia nacional � Consolidação do poder de novas elites políticas sobre territórios definidos � Ideologia, cultura comum, língua única � Sistema educacional de massas � Código cultural popular disseminado pelos meios de comunicação � Eric Hobsbawm: � Nações são construções, invenções humanas � Não existiram desde tempos imemoriais � Surgiram em um determinado contexto geográfico, socioeconômico e político � Revolução Francesa � Ascensão da burguesia e das classes médias � Surgimento de mercados nacionais na Europa � Instrumentalistas: � Caráter manipulador do nacionalismo � Elites empenhadas em defender seu poder político e seus interesses econômicos � Movimentos étnicos e nacionalistas contra os oponentes � Mobilização nacionalista de comunidades é facilitada sempre que diferenças étnicas ou religiosas coincidem com desigualdades econômicas e sociais, ou com disputas territoriais � Exemplo: Iugoslávia � Benedict Anderson: � Crítica à interpretação de Gellner e dos instrumentalistas � Contrário à redução do nacionalismo a uma doutrina inventada e manipulada pelas elites para mobilizar as massas � Enfatiza a dimensão psicológica do nacionalismo � Aparece no rastro do declínio das religiões � Ao proporcionar aos cidadãos o sentimento de pertencer a uma entidade percebida como eterna, evoca neles um sentimento de imortalidade � Locus original do nacionalismo? � Romantismo alemão � Guerra das Rosas na Inglaterra � Movimento de independência na América Latina � Nacionalismo não é um fenômeno puramente “interno” de um ou outro país � Identidades nacionais se fortalecem no relacionamento, pacífico ou belicoso, entre vários países � Guerras criam Estados nacionais, que geram mais guerras (Charles Tilly) � Primordialismo das nações: � Nações são unidades “naturais” da história da humanidade � Se algumas delas ainda não conseguiram despertar, isso decorre de injustiças históricas a que os movimentos nacionalistas se propõem a corrigir � Sentimentos primordiais: laços psicológicos e étnicos, de caráter linguístico, racial, religioso ou tribal, que formam identidades básicas que unem comunidades pré-nacionais � Processos de integração nacional e conflitos étnicos � Modelo eurocêntrico de formação nacional em xeque � “Nós fizemos a Itália, agora temos que fazer italianos” (Massimo D’Azeglio) � Estado – facilmente conceituado em termos quantitativos � Nação – essência é intangível � Para Stálin, nação definida como: “uma comunidade histórica e estável, formada com base em uma língua comum, território, vida econômica e psicologia manifestadas em uma cultura comum.” � Não há “características essenciais” da nação � Muitos estudiosos rejeitam definições baseadas em elementos “objetivos” das nações � Preferem o termo “autoconsciência” para descrevê- las � Essência da nação: � Autopercepção de diferença que uma comunidade tem frente a outras � Laços de semelhança e união que cada comunidade percebe como intrinsecamente “seus” � Nação autodefinição � Grupo étnico definido a partir de fora � Apesar de a ideia de nação incluir noções de descendência comum, o sentimento de solidariedade étnica por si mesmo não forma uma nação. � Não há ruptura total na passagem de uma sociedade “tradicional” ou “agrária” para uma nação industrial moderna (Anthony Smith)� Nações não surgem do nada � Identificação de elementos étnicos pré- modernos que as formam � Identidades étnicas estão sujeitas a mudanças impostas pela modernidade � Nacionalismo formação discursiva (Calhoun/Foucault) � Produção de entendimento cultural e retórica que molda a consciência das pessoas � Enquadramento de suas aspirações em termos da ideia de nação e de identidade nacional � Discurso que integra uma comunidade a partir do significado comum que seus membros atribuem a eventos, ações e tradições associadas aos seus elementos étnicos � Nacionalismo sempre envolve a instituição de um sistema político � “A nação enquanto tal formou-se como um corpo de cidadãos cuja soberania coletiva levou à constituição de um Estado que, por sua vez, é a expressão política de seus cidadãos”. (Hobsbawn) � Liah Greenfeld: � Caso inglês � Soberania popular e instituições democráticas � Mudança de entendimento do termo “nação” (séc. XVI): de ELITE para TODA A POPULAÇÃO � Nacionalismo e constituição de nações que colocaram países no caminho da modernidade � Baseado na concepção política de cidadania, independentemente de raça, religião, língua, etnia e até local de origem � Inclusivo e democrático � O que torna um indivíduo cidadão não é a língua que fala nem o lugar de onde provém, mas a adesão aos princípios políticos da soberania popular e do governo representativo � Mudou ao critérios de dignidade humana � Junto com a Reforma Protestante, tornou a atividade econômica respeitável � Funda-se a partir de componentes étnicos primordiais � Não expressa transcendência das raízes particulares por meio da cidadania � Destaca atributos específicos, únicos e particulares das culturas � Excludente e coletivista � Origem ressentida � Faz desenvolver tendências à xenofobia e ao autoritarismo � Identidades nacionais mudam ao longo do tempo � Assim, podem assumir caráter étnico ou cívico, ou uma mistura dos dois � Ideia de uma identidade nacional e uma cidadania completamente despidas de componentes étnicos e baseadas exclusivamente em lealdades aos princípios cívicos e democráticos é irreal. � Nação como entidade cultural (Nielsen; Kymlicka): � Uma nação só pode ser qualificada como tal se tem uma cultura pública e societária, compartilhada por seus cidadãos � Capaz de dar sentido às atividades individuais e coletivas dos membros da sociedade � Movimentos nacionalistas são: � Ao mesmo tempo, teleológicos e tradicionais � Perseguem um destino comum, mas sempre reivindicam um passado � Aparecem nas manifestações nacionalistas de forma combinada, em graus e associações diversos: � Primordialismo e modernidade � Política e cultura � Etnia e cidadania � Passado e presente � Dilema para estudos acadêmicos: Encontrar uma interpretação coerente, empiricamente sólida, com metodologia abrangente, capaz de unir sob um mesmo conceito as variadas manifestações de nacionalismo
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