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As idéias fora do tempo e do lugar: a polêmica recente sobre o malthusianismo. Fausto Brito1 O objetivo deste ensaio é analisar o significado da velha polêmica sobre o malthusianismo, que predominou entre os demógrafos até os anos oitenta e voltou à tona recentemente. A ênfase recai na necessidade de se superar, entre muitos demógrafos, a falsa visão da neutralidade das variáveis demográficas, especificamente, o tamanho da população, seu crescimento, sua estrutura e distribuição, face aos graves problemas sociais e ambientais A polêmica não tem se conduzido através de uma discussão sistemática sobre o pensamento malthusiano ou sobre as suas manifestações na segunda metade do século passado, ou mesmo nos dias atuais. Ela se mantém a uma razoável distância da discussão teórica sobre o tema e sobre as políticas de população. A polêmica se aproxima mais de um confronto ideológico, alimentado por alguns ingredientes próprios do contexto, nacional e internacional, existentes na segunda metade do século passado. O resultado deste anacronismo pode ser exemplificado na ampla mobilização a propósito da entrevista do biólogo Paul Ehrlich à Revista Veja, em fevereiro deste ano. O conceito de anacronismo está sendo usado na mesma perspectiva dos historiadores. Anacrônico, no caso, seria reagir a uma entrevista concedida em 2006, com os mesmos argumentos e paixão 1 Professor do Departamento de Demografia e pesquisador do CEDEPLAR?UFMG; pesquisador do CNPq. ideológica de três décadas atrás, quando o confronto entre controlistas e não-controlistas estava no auge. Naquele período, o confronto resultou numa enorme dificuldade para se compreender o verdadeiro significado das mudanças demográficas para a solução dos graves problemas sociais que afligiam e afligem o nosso país (1). Hoje, a rigidez ideológica, fruto desse velho confronto, reaparece mostrando uma incapacidade de reagir às palavras do já conhecido biólogo, desmontando, teoricamente, os seus argumentos. Deixa-se de lado os progressos da Demografia na análise das questões relativas ao declínio da fecundidade e de suas repercussões na estrutura da população que, postos frente às suas palavras, tornariam boa parte de sua entrevista uma soma de equívocos. Por outro lado, reconhece-se, Ehrlich, também, mantém, como pano de fundo de seus argumentos, a mesma rigidez ideológica que exibia no passado, fazendo do controle do crescimento populacional uma panacéia para a solução de todos os problemas da humanidade. Desse modo, a rigidez ideológica, de um lado e de outro, transforma o confronto em um campo minado, onde cada um dos oponentes acredita que conhece o segredo do caminho ideologicamente seguro ou correto. Cria-se, então, a falsa necessidade de que cada um de nós se apresente como fiel a um ou outro lado, abrindo espaço para o maniqueísmo, árido deserto onde só se frutificam o dogmatismo e o fundamentalismo. O mundo mudou muito, assim como o nosso país. Portanto, seria saudável, tanto no plano ideológico e político, quanto no teórico, que trocássemos a indumentária que nos agasalhava – ou protegia – no período da ditadura e da guerra fria, por vestimentas mais leves, que não nos impeçam de transitar teoricamente pelo mundo contemporâneo, com a liberdade que a atividade científica e a responsabilidade política exigem. Não é desconhecido que o Ehrlich não está sozinho com as suas teses. Grande parte dos ecologistas tem opiniões muito semelhantes à dele. Isto, para não falar do que pensa a população, de uma maneira geral. Ou alguém acredita que seria fácil convencer a um habitante da Região Metropolitana de São Paulo, ou do Rio de Janeiro, ou mesmo de Belo Horizonte, que a população de sua metrópole tem um tamanho adequado ou insuficiente e ainda cresce muito pouco? Os demógrafos ganharam espaço, recentemente, no debate sobre bônus demográfico e janelas de oportunidade. Se nos desligarmos dos velhos e infrutíferos confrontos, que só nos levaram a graves omissões, saberemos ocupar o lugar político que se abre para nós. Mas, com preconceitos não chegaremos muito longe e, ainda, corremos o risco de deixar na sombra dos Anais da ABEP, ou nas páginas das revistas acadêmicas de leitura restrita, o sólido caminho conceitual que tem sido construído nas nossas instituições de ensino e pesquisa. A entrevista de Ehrlich pode ser respondida com argumentos mais elaborados, sem ficar batendo na tecla do óbvio: a sua “ideologia controlista”, por demais conhecida, há muito tempo, e o seu pânico da perspectiva de uma “explosão demográfica”. De fato, ele mesmo abre caminho para isso, quando reconhece que a população mundial cresce cada vez menos e que deverá chegar ao final do século XXI com cerca de 8,5 bilhões de habitantes. A partir de então, tenderia a diminuir em termos absolutos. As projeções usadas por Ehrlich estão próximas daquelas realizadas pela ONU em 2003. Essas últimas têm como pressuposto que o gatilho, que poderia levar a uma “explosão demográfica”, já foi há muito desativado. Em torno de 2070, a população mundial, com cerca de nove bilhões de habitantes, chegaria ao seu tamanho máximo, passando, após, a diminuir em termos absolutos. No final deste século, estaria próxima dos 8,4 bilhões, não muito distantes das previsões do biólogo norte-americano (2). A preferência de Ehrlich por uma população mundial de dois bilhões de habitantes é resultante de um “equilíbrio natural”, calculado por um modelo matemático não explicitado na entrevista. Provavelmente, deve ser produto do velho equívoco metodológico de alguns ecologistas, que acreditam em um isomorfismo entre o comportamento reprodutivo das populações humanas e o das associações biológicas. Agora, justiça seja feita, se não há argumentos claros para justificar que a população adequada do planeta seja de dois bilhões de habitantes, também não se encontram argumentos satisfatórios garantindo que o tamanho da população atual seja o mais adequado. A sua dimensão é o resultado de um complexo processo histórico, no qual as variáveis demográficas se interagiram com as variáveis sociais, econômicas, culturais e políticas. Não foram as mãos invisíveis do desenvolvimento da economia ou da sociedade que determinaram esse número. A história da humanidade é construída pelos homens, indivíduos, grupos ou classes sociais. São atores participando nos mais diferentes níveis institucionais – inclusive os demógrafos e estudiosos da população - e que estão longe de ser marionetes movimentadas pelas cordas dos determinismos estruturais. Não adianta fechar os olhos aos inconvenientes de uma população mundial com 6,5 bilhões de habitantes, mesmo com a fecundidade declinante, como se o tamanho, o crescimento, a distribuição espacial e a estrutura da população fossem neutros e não resultassem em nenhum tipo de problema. Não basta afirmar que alguns analistas, como Ehrlich, se escondem atrás do biombo ideológico que faz da população uma panacéia para todos os problemas da humanidade e, ao mesmo tempo, se esconder atrás de um outro biombo, não menos preconceituoso e ideológico, da neutralidade das variáveis demográficas. A velha proposição, há tanto tempo circulando entre os demógrafos, de que “não existem problemas de população, mas população com problemas” é, sem dúvida, uma frase de impacto com a intenção de estimular o debate político. Mas, a sua moldura metodológica tem o indesejável viés do pressuposto epistemológico da neutralidade das variáveis demográficas. Essa proposição, de forteconteúdo normativo, se levada às últimas conseqüências, seria dramática para a demografia e para a formulação de políticas de população. Pois, se não há problemas de população, portanto não existem motivos para equacioná-los ou explicá-los, ou seja, estrito senso, não haveria necessidade de uma teoria da população e, muito menos, de políticas. Esta situação, felizmente imaginária, teria o efeito lamentável de retirar a demografia do mapa das ciências e, mais ainda, de desmanchar historicamente a necessidade de políticas, pois, se não há como explicar os problemas da população, não existe possibilidade de intervir no seu comportamento. Sabe-se bem, sintetizando, que sem teoria não há política. As conseqüências dessa velha proposição são por demais absurdas para serem aceitas e, certamente, a comunidade dos demógrafos e dos estudiosos da população, com a responsabilidade social e política que tem demonstrado, não hesitaria em rejeitá-las. Ficaria,,certamente, mais atenta, pois, se o calor do debate político exacerbado fornece um bom combustível para as nossas emoções e motivações, não ajuda a construir um bom ambiente para se gerar proposições automaticamente consideradas como verdadeiras e sólidas. Para que os argumentos desenvolvidos nesse artigo não sejam mal interpretados, vale abrir um parêntese para as chamadas populações teóricas, com a sua enorme utilidade para a demografia. Apesar do nome, elas não se constituem numa teoria da população. No caso,a dinâmica demográfica seria, exclusivamente, uma função das relações formais entre as próprias variáveis demográficas. Dadas algumas hipóteses sobre as funções de fecundidade e mortalidade - taxas específicas de fecundidade e mortalidade constantee -, independente da estrutura etária no início do período considerado, depois de certo tempo, ter-se-ia uma estrutura etária proporcional constante, taxas brutas de mortalidade e natalidade constante e, portanto, taxa de crescimento constante. Pode-se provar, matematicamente, essas relações, tendo como base as chamadas equações de Lotka, na sua Teoria Analítica das Associações Biológicas de 1939 (3). A população estável é de extrema utilidade para as análises sobre estabilidade e desestabilização da estruturas etárias. São chamadas de populações teóricas porque podem ser deduzidas matematicamente, independentes das condições empíricas. Nada a ver com uma teoria da população, mas com a possibilidade de simulação do comportamento demográfico, segundo algumas hipóteses, mantendo-se dentro do princípio da autonomia das variáveis demográficas diante dos processos sociais, econômicos, culturais e políticos. Os modelos de populações teóricas são, também, de extrema utilidade para se analisar as tendências da estruturas populacionais dentro do processo de transição demográfica. Contudo, na passagem da “teoria” à história, necessitava-se de uma intermediação. A transição demográfica passa, então, a ser considerada um processo inserido dentro do contexto da modernização das sociedades, possibilitada pelo desenvolvimento do capitalismo. Seria uma conseqüência “natural” do desenvolvimento e da modernização. Não haveria que se preocupar com o comportamento das variáveis demográficas, prescindindo-se, portanto, de políticas de população. As mãos invisíveis do desenvolvimento e da modernização se encarregariam de proporcionar, plenamente, a transição demográfica. Nesta perspectiva, passa-se, portanto, a considerar que a reprodução da população se articula à reprodução da sociedade e da economia como variável dependente, como teria ocorrido nos países capitalistas mais desenvolvidos. O determinismo implícito nas mãos invisíveis do desenvolvimento e da modernização reforçava a tese de que as variáveis demográficas se acomodariam às condições impostas pela história, independente das condições específicas de cada país. Seriam, portanto, independentes de políticas que viessem, especificamente, interferir em seu curso. Essa perspectiva levou, por exemplo, a uma absoluta perplexidade, por parte dos demógrafos e estudiosos da população, diante do acentuado declínio da fecundidade nos países em desenvolvimento que, obedecendo às suas particularidades históricas, se distanciava da experiência de transição demográfica dos países mais desenvolvidos (4). Presos ainda aos pressupostos da neutralidade, mas sendo impossível desvincular as variáveis demográficas do contexto da história, muitos analistas agarram-se, então, às teorias dos determinantes para se pensar os fenômenos demográficos. As variáveis demográficas mais importantes eram consideradas como dependentes das variáveis sociais, econômicas e culturais. Portanto, abre-se mão da autonomia, como no caso das populações teóricas, mas, como variáveis dependentes, continuam dispensando a intervenção das políticas, isto é, mantêm a sua neutralidade. Os clássicos manuais das Nações Unidas sobre os determinantes sócio-econômicos da fecundidade, da mortalidade e das migrações são bons exemplos desta perspectiva metodológica da Demografia. Às vezes, utilizava-se uma outra terminologia “aspectos sócio-econômicos”, mas, sempre, com o mesmo propósito de manter as variáveis demográficas contidas no seu papel de dependentes da dinâmica da sociedade e da economia. Uma variante teórica, não menos reconhecida por alguns demógrafos e estudiosos da população baseia-se na hipótese de que o comportamento demográfico poderia ser reduzido aos mesmos parâmetros da teoria econômica neoclássica. A fecundidade e a migração seriam resultantes de modelos decisórios fundados na racionalidade econômica. Nesse caso, os demógrafos se curvaram diante da ousadia ideológica dos economistas que acreditavam – certamente, alguns ainda acreditam – que as decisões envolvidas em todas as ações sociais podem ser compreendidas a partir dos seus custos e benefícios. É um caso de extrema alienação teórica, pois, ultrapassa-se a mera discussão sobre a autonomia, independência ou dependência das variáveis, para entregar à economia neoclássica os desígnios teóricos do comportamento demográfico. Em síntese, fundado na hipótese da neutralidade ou da alienação teórica, estabelecia-se um paradigma geral onde as mãos invisíveis da economia e da sociedade se encarregariam de conduzir a dinâmica demográfica. Deste ponto de vista, uma população com oito ou nove bilhões de habitantes, ou dois, como queria Ehrlich, na entrevista mencionada, por si só, não teria relevância: o tamanho da população seria neutro. Extremo absurdo que acaba por dar razão ao biólogo. Considerando a oferta dos recursos naturais, os problemas ambientais e sociais, de uma maneira geral, fazem muita diferença o tamanho da população, seu crescimento, sua estrutura e sua distribuição espacial. Evidentemente, a análise de Ehrlich, e de muitos outros ecologistas, tende a superestimar a questão populacional. Os problemas climáticos, derivados do alto nível de emissão dos gases estufa, são determinados, em grande parte, pela dependência do balanço energético mundial da queima de combustíveis fósseis e da queima de biomassa. Não se trata somente do tamanho da população consumidora, mas do padrão da acumulação e do consumo e das condições econômicas e políticas do mercado mundial de energia. Porém, se as variáveis demográficas não são as únicas, não há motivos para desprezá-las nas reflexões ambientais. A incorporação da China e da Índia ao mercado de bens de consumo duráveis possibilita essa reflexão, pois suas conseqüências sobre os problemas climáticos do planeta são imprevisíveis. Os doispaíses, em 2.000, já estavam entre os cinco maiores emissores de gases derivados da queima de combustíveis fósseis, sendo que a China já ocupava o segundo lugar, atrás apenas dos Estados Unidos. Sabe-se, também, que o desenvolvimento desses dois países ainda não incorpora grande parte da sua população ao mercado de bens de consumo duráveis. Em 2000, o consumo anual per capita de petróleo na China era de 3,7 barris/ano e o da Índia de 2,0, irrisórios diante dos 70 barris/ano dos Estados Unidos. Não resta dúvida que, se a população desses dois países for incorporada ao mercado, o que é um indiscutível direito dessas pessoas, tornar-se-á necessário uma mudança fundamental no padrão de acumulação e consumo, pela sua dimensão, na direção de um desenvolvimento sustentável. Caso contrário, a pressão sobre os recursos naturais essenciais a sustentabilidade da vida no planeta seria desastrosa. O preconceito não pode levar ao absurdo de se considerar que o tamanho da população da China e da Índia nada tenha a ver com o seu desenvolvimento sustentável e com as condições ambientais do planeta. Não me atrai a tese malthusiana, do final do século XVIII e início do século XIX, ressuscitada há cerca de quarenta anos por Ehrlich, entre outros, de que a oferta de alguns recursos naturais no planeta, como a terra e os alimentos dela derivados, seriam insuficientes para atender à demanda da sua população atual. Pelo contrário, a produção mundial de alimentos é suficiente. O problema são as distorções decorrentes da distribuição desigual entre os países e entre as pessoas, grupos ou classes. O Brasil é um ótimo exemplo. É um dos maiores produtores mundiais de grãos e nem por isso erradicou-se a fome de uma parte considerável de sua população. Mas, desapegar-se das hipóteses de Malthus não significa analisar os grandes problemas ambientais do mundo sem considerar as questões demográficas a eles relacionadas. Tal comportamento analítico daria muito mais vazão aos preconceitos do que à criatividade científica. No Brasil temos bons exemplos. O grande economista Celso Furtado foi um dos primeiros a considerar a desproporção entre a disponibilidade de recursos naturais, a forma de organização da economia e o tamanho e o crescimento da população no semi-árido nordestino. Isto, na década de sessenta. As migrações reduziram bastante a população dessa região, mas lá ainda se concentra a maior parte da população rural brasileira e a relação entre a população, economia e os recursos naturais disponíveis, principalmente a água, apresenta-se problemática. A redistribuição espacial da população brasileira, através do grande ciclo migratório da segunda metade do século passado, gerou sérios problemas na relação entre população e o meio ambiente. Quanto à migração para as áreas de expansão da fronteira agrícola e mineral, estimulada pelo Estado, ela aumentou o grau de fragilidade de alguns ecossistemas como as da Amazônia e do Pantanal. Ambos têm uma capacidade limitada de absorção demográfica. Ultrapassar esses limites compromete a própria reprodução do ecossistema. Neste caso, o tamanho da população, o seu crescimento e a sua distribuição regional são variáveis determinantes para o equilíbrio ambiental. Certamente, não são as únicas e não excluem a responsabilidade de outros agentes econômicos, mas estão longe de qualquer neutralidade. Não é só nesses grandes biomas que a questão populacional não deva ser considerada neutra. Os grandes aglomerados metropolitanos são outros exemplos notáveis. Em primeiro lugar, pelo tamanho da população e seu ritmo de crescimento. Apesar de sua baixa taxa de crescimento atual, devido ao declínio da fecundidade e à redução das migrações, alguns aglomerados metropolitanos já têm um estoque de população que compromete a qualidade de vida, principalmente da população mais pobre, e exerce, ainda, uma indiscutível pressão sobre alguns recursos naturais. A Região Metropolitana de São Paulo é um ótimo exemplo, assim como outros aglomerados metropolitanos. A questão não é só o crescimento vertiginoso da demanda de alguns recursos naturais, como a água, cuja escassez atual é preocupante em todo o mundo, assim como o seu uso predatório. A escassez não é só função da limitação da oferta e de seu consumo predatório, mas, também, da poluição hídrica, industrial e doméstica. Isso impõe investimentos enormes, devidamente socializados com a população, através dos tributos e tarifas, para que a água potável e o esgotamento sanitário sejam acessíveis a uma população de mais de 17 milhões de habitantes. O problema fundamental é que o mercado imobiliário, principalmente, empurra a população mais pobre para as periferias metropolitanas, onde a população mais cresce, em função dessa mobilidade e pela persistência de níveis de fecundidade relativamente altos. Nesses lugares, a população nem sempre tem disponível a água potável, o esgotamento sanitário e o tratamento dos resíduos domésticos. O resultado é um círculo vicioso de degradação da qualidade de vida, onde a combinação de pobreza, altas de crescimento da população e ausência de saneamento básico tornam as condições de vida insustentáveis. Há necessidade de políticas de saneamento ambiental, mas a população e o seu crescimento não são neutros, e não se pode desprezar a necessidade de programas de planejamento familiar, garantindo aos mais pobres o direito e a possibilidade de escolher o número de filhos ou o tamanho da família que julgarem adequados. O círculo vicioso não pode ser rompido de um só lado. Não merecem discussão, aqui, as afirmações de Ehrlich, por demais desinformadas das recentes contribuições dos demógrafos sobre as relações entre a economia e a força de trabalho nos países com fecundidade abaixo do nível de reposição. Ele não considera a situação, exemplar, na qual o baixíssimo crescimento e a sua conseqüente estrutura etária extremamente envelhecida da população não são neutros. Pelo contrário, são variáveis independentes contribuindo para a explicação, entre outros, dos problemas previdenciários, do mercado de trabalho e das imigrações internacionais. Todavia, falando de países desenvolvidos, é sugestiva a afirmação de Ehrlich de que a sua maior preocupação hoje é com os Estados Unidos, não só pelo tamanho da sua população. No que se refere aos problemas ambientais, são os maiores consumidores de petróleo do mundo, 25% do consumo mundial, e, principalmente de gasolina, mais de 40%. O resultado é notável: um quarto da emissão de dióxido de carbono, um dos principais responsáveis pelo chamado efeito estufa, é de sua responsabilidade. Em outras palavras, não se resolve o problema do efeito estufa no planeta sem que os Estados Unidos não modifique, junto com a economia mundial, o padrão de produção da sua economia e o padrão de consumo da sua população de mais de 280 milhões de habitantes. Se os Estados Unidos são um bom exemplo das possíveis relações entre o tamanho da população, o seu crescimento, a sua renda per capita e o consumo de recursos naturais, o padrão dessa relação não pode se generalizado. Entretanto, nem lá, nem na China ou Índia, ou mesmo no Brasil, não se pode atribuir neutralidade ao tamanho da população, ao seu crescimento e a sua distribuição, nas questões ambientais e de qualidade de vida. Digno de ser sublinhado é que o biólogo norte-americano abandona a velha tese da “explosão demográfica”, reconhecendo que as políticas de regulação da fecundidade implementadas pelos diferentes países, mesmos as menos “invasivas”, como no caso brasileiro, resultaram numgrande e generalizado declínio das taxas de fecundidade. Não há demógrafo, ou estudioso da população, que não reconheça esse fenômeno, apesar de Ehrlich superestimar os efeitos dessas políticas. Porém, as estimativas das Nações Unidas consideram que em 2050 o crescimento da população africana será o maior responsável pelo crescimento da população mundial. Isso,é claro, se as grandes epidemias e os genocídios étnicos não se transformarem em crises de mortalidade incapazes de se curvarem às políticas reconhecidas como indispensáveis pela comunidade internacional. Essa provável modificação espacial da responsabilidade pelo crescimento da população mundial é de extrema importância, pois não se cogita que, nesses próximos quarenta anos, a dramática situação social da África seja resolvida. Espera-se que os demógrafos e estudiosos da população estejam atentos para que não sejam cúmplices de mais um efeito perverso a recair sobre a população mais pobre do mundo. Não se pode conceder status de ciência aos delírios demográficos de uma boa parte dos biólogos e ecologistas, sabe-se bem disso. Mas, os demógrafos e estudiosos da população não podem, também, se omitirem diante da necessidade de equacionar as relações entre população, meio ambiente e qualidade de vida, refugiados em velhas ideologias e práticas políticas. Ressuscitar o velho debate sobre o malthusianismo em pleno século XXI, quando o seu contexto pode ser considerado completamente superado e a questão demográfica posta em um patamar muito distinto, seria insistir com idéias fora do seu tempo e lugar. A tese malthusiana, que se referia à Inglaterra no início do século XIX, foi superada pela própria história, na segunda metade deste mesmo século. A tese neomalthusiana, formulada para os países em desenvolvimento no pós-guerra, foram deixadas para trás, pelo acelerado e generalizado declínio da fecundidade a partir da década de setenta. Nem uma tese, nem outra, estão aptas para decifrar os graves problemas populacionais que enfrentam os países desenvolvidos e em desenvolvimento, atualmente. Portanto, sem desprezar os ensinamentos de velhas e clássicas teorias, seria fundamental enfrentar os novos problemas e desafios políticos que a realidade contemporânea impõe. Não há razão para buscar no passado o pano de fundo ideológico, próprio de um contexto histórico específico, repetindo velhos e equivocados preconceitos, com graves conseqüências epistemológicas, que consideravam a população uma variável neutra no processo social. Sabe-se perfeitamente, e essa foi a tese fundamental deste artigo, que as variáveis demográficas não são exclusivamente autônomas, dependentes ou determinadas por processos sociais, econômicos e culturais, mas, também, determinantes. E, como tal, passíveis de intervenção política. Não pode haver política populacional sem teorias da população. Estas não devem se fundamentar em velhos preconceitos, completamente fora do tempo o do lugar. Caso contrário, as políticas, necessárias, podem se transformar em sérias omissões, diante dos graves problemas sociais. Hoje, muito mais do que ontem, os demógrafos e estudiosos da população não podem deixar de responder ao desafio, teórico e político, imposto pelo grande risco do nosso país viver uma realidade demográfica, em muitas circunstancias, próximas daquela do Primeiro Mundo, dentro de um contexto social e econômico de Terceiro Mundo. BIBLIOGRAFIA: 1) CARVALHO, J.A.M., BRITO, F., A demografia brasileira e o e o declínio da fecundidade no Brasil: contribuições , equívocos e silêncios, Revista Brasileira de Estudos de População, vol.22-n.2-jul./dez.,2005. 2) UNITED NATIONS, World Population Prospects, The 2000 Revision, vol 1, United Nations, 2001 3) GINI, CORRADO, Esquemas Teóricos y problemas concretos de la poblacion, Aguilar , Madrid,1983. 4) CARVALHO, J.A.M., BRITO, F, op.cit
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