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Texto 12 - Polêmica sobre neomalthusianismo

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As idéias fora do tempo e do lugar: a polêmica 
recente sobre o malthusianismo. 
 
 
 Fausto Brito1 
 
 
O objetivo deste ensaio é analisar o significado da velha polêmica 
sobre o malthusianismo, que predominou entre os demógrafos até os anos 
oitenta e voltou à tona recentemente. A ênfase recai na necessidade de se 
superar, entre muitos demógrafos, a falsa visão da neutralidade das 
variáveis demográficas, especificamente, o tamanho da população, seu 
crescimento, sua estrutura e distribuição, face aos graves problemas sociais 
e ambientais 
 A polêmica não tem se conduzido através de uma discussão 
sistemática sobre o pensamento malthusiano ou sobre as suas 
manifestações na segunda metade do século passado, ou mesmo nos dias 
atuais. Ela se mantém a uma razoável distância da discussão teórica sobre o 
tema e sobre as políticas de população. 
A polêmica se aproxima mais de um confronto ideológico, 
alimentado por alguns ingredientes próprios do contexto, nacional e 
internacional, existentes na segunda metade do século passado. O resultado 
deste anacronismo pode ser exemplificado na ampla mobilização a 
propósito da entrevista do biólogo Paul Ehrlich à Revista Veja, em 
fevereiro deste ano. O conceito de anacronismo está sendo usado na mesma 
perspectiva dos historiadores. Anacrônico, no caso, seria reagir a uma 
entrevista concedida em 2006, com os mesmos argumentos e paixão 
 
1 Professor do Departamento de Demografia e pesquisador do CEDEPLAR?UFMG; pesquisador do 
CNPq. 
ideológica de três décadas atrás, quando o confronto entre controlistas e 
não-controlistas estava no auge. 
Naquele período, o confronto resultou numa enorme dificuldade para 
se compreender o verdadeiro significado das mudanças demográficas para 
a solução dos graves problemas sociais que afligiam e afligem o nosso país 
(1). Hoje, a rigidez ideológica, fruto desse velho confronto, reaparece 
mostrando uma incapacidade de reagir às palavras do já conhecido biólogo, 
desmontando, teoricamente, os seus argumentos. Deixa-se de lado os 
progressos da Demografia na análise das questões relativas ao declínio da 
fecundidade e de suas repercussões na estrutura da população que, postos 
frente às suas palavras, tornariam boa parte de sua entrevista uma soma de 
equívocos. 
 Por outro lado, reconhece-se, Ehrlich, também, mantém, como pano 
de fundo de seus argumentos, a mesma rigidez ideológica que exibia no 
passado, fazendo do controle do crescimento populacional uma panacéia 
para a solução de todos os problemas da humanidade. Desse modo, a 
rigidez ideológica, de um lado e de outro, transforma o confronto em um 
campo minado, onde cada um dos oponentes acredita que conhece o 
segredo do caminho ideologicamente seguro ou correto. Cria-se, então, a 
falsa necessidade de que cada um de nós se apresente como fiel a um ou 
outro lado, abrindo espaço para o maniqueísmo, árido deserto onde só se 
frutificam o dogmatismo e o fundamentalismo. 
 O mundo mudou muito, assim como o nosso país. Portanto, seria 
saudável, tanto no plano ideológico e político, quanto no teórico, que 
trocássemos a indumentária que nos agasalhava – ou protegia – no período 
da ditadura e da guerra fria, por vestimentas mais leves, que não nos 
impeçam de transitar teoricamente pelo mundo contemporâneo, com a 
liberdade que a atividade científica e a responsabilidade política exigem. 
 Não é desconhecido que o Ehrlich não está sozinho com as suas 
teses. Grande parte dos ecologistas tem opiniões muito semelhantes à dele. 
Isto, para não falar do que pensa a população, de uma maneira geral. Ou 
alguém acredita que seria fácil convencer a um habitante da Região 
Metropolitana de São Paulo, ou do Rio de Janeiro, ou mesmo de Belo 
Horizonte, que a população de sua metrópole tem um tamanho adequado 
ou insuficiente e ainda cresce muito pouco? 
 Os demógrafos ganharam espaço, recentemente, no debate sobre 
bônus demográfico e janelas de oportunidade. Se nos desligarmos dos 
velhos e infrutíferos confrontos, que só nos levaram a graves omissões, 
saberemos ocupar o lugar político que se abre para nós. Mas, com 
preconceitos não chegaremos muito longe e, ainda, corremos o risco de 
deixar na sombra dos Anais da ABEP, ou nas páginas das revistas 
acadêmicas de leitura restrita, o sólido caminho conceitual que tem sido 
construído nas nossas instituições de ensino e pesquisa. 
 A entrevista de Ehrlich pode ser respondida com argumentos mais 
elaborados, sem ficar batendo na tecla do óbvio: a sua “ideologia 
controlista”, por demais conhecida, há muito tempo, e o seu pânico da 
perspectiva de uma “explosão demográfica”. De fato, ele mesmo abre 
caminho para isso, quando reconhece que a população mundial cresce cada 
vez menos e que deverá chegar ao final do século XXI com cerca de 8,5 
bilhões de habitantes. A partir de então, tenderia a diminuir em termos 
absolutos. 
 As projeções usadas por Ehrlich estão próximas daquelas realizadas 
pela ONU em 2003. Essas últimas têm como pressuposto que o gatilho, que 
poderia levar a uma “explosão demográfica”, já foi há muito desativado. 
Em torno de 2070, a população mundial, com cerca de nove bilhões de 
habitantes, chegaria ao seu tamanho máximo, passando, após, a diminuir 
em termos absolutos. No final deste século, estaria próxima dos 8,4 bilhões, 
não muito distantes das previsões do biólogo norte-americano (2). 
A preferência de Ehrlich por uma população mundial de dois bilhões 
de habitantes é resultante de um “equilíbrio natural”, calculado por um 
modelo matemático não explicitado na entrevista. Provavelmente, deve ser 
produto do velho equívoco metodológico de alguns ecologistas, que 
acreditam em um isomorfismo entre o comportamento reprodutivo das 
populações humanas e o das associações biológicas. 
Agora, justiça seja feita, se não há argumentos claros para justificar 
que a população adequada do planeta seja de dois bilhões de habitantes, 
também não se encontram argumentos satisfatórios garantindo que o 
tamanho da população atual seja o mais adequado. A sua dimensão é o 
resultado de um complexo processo histórico, no qual as variáveis 
demográficas se interagiram com as variáveis sociais, econômicas, 
culturais e políticas. Não foram as mãos invisíveis do desenvolvimento da 
economia ou da sociedade que determinaram esse número. A história da 
humanidade é construída pelos homens, indivíduos, grupos ou classes 
sociais. São atores participando nos mais diferentes níveis institucionais – 
inclusive os demógrafos e estudiosos da população - e que estão longe de 
ser marionetes movimentadas pelas cordas dos determinismos estruturais. 
 Não adianta fechar os olhos aos inconvenientes de uma população 
mundial com 6,5 bilhões de habitantes, mesmo com a fecundidade 
declinante, como se o tamanho, o crescimento, a distribuição espacial e a 
estrutura da população fossem neutros e não resultassem em nenhum tipo 
de problema. Não basta afirmar que alguns analistas, como Ehrlich, se 
escondem atrás do biombo ideológico que faz da população uma panacéia 
para todos os problemas da humanidade e, ao mesmo tempo, se esconder 
atrás de um outro biombo, não menos preconceituoso e ideológico, da 
neutralidade das variáveis demográficas. 
A velha proposição, há tanto tempo circulando entre os demógrafos, 
de que “não existem problemas de população, mas população com 
problemas” é, sem dúvida, uma frase de impacto com a intenção de 
estimular o debate político. Mas, a sua moldura metodológica tem o 
indesejável viés do pressuposto epistemológico da neutralidade das 
variáveis demográficas. 
Essa proposição, de forteconteúdo normativo, se levada às últimas 
conseqüências, seria dramática para a demografia e para a formulação de 
políticas de população. Pois, se não há problemas de população, portanto 
não existem motivos para equacioná-los ou explicá-los, ou seja, estrito 
senso, não haveria necessidade de uma teoria da população e, muito menos, 
de políticas. 
Esta situação, felizmente imaginária, teria o efeito lamentável de 
retirar a demografia do mapa das ciências e, mais ainda, de desmanchar 
historicamente a necessidade de políticas, pois, se não há como explicar os 
problemas da população, não existe possibilidade de intervir no seu 
comportamento. Sabe-se bem, sintetizando, que sem teoria não há política. 
As conseqüências dessa velha proposição são por demais absurdas 
para serem aceitas e, certamente, a comunidade dos demógrafos e dos 
estudiosos da população, com a responsabilidade social e política que tem 
demonstrado, não hesitaria em rejeitá-las. Ficaria,,certamente, mais atenta, 
pois, se o calor do debate político exacerbado fornece um bom 
combustível para as nossas emoções e motivações, não ajuda a construir 
um bom ambiente para se gerar proposições automaticamente consideradas 
como verdadeiras e sólidas. 
Para que os argumentos desenvolvidos nesse artigo não sejam mal 
interpretados, vale abrir um parêntese para as chamadas populações 
teóricas, com a sua enorme utilidade para a demografia. Apesar do nome, 
elas não se constituem numa teoria da população. No caso,a dinâmica 
demográfica seria, exclusivamente, uma função das relações formais entre 
as próprias variáveis demográficas. Dadas algumas hipóteses sobre as 
funções de fecundidade e mortalidade - taxas específicas de fecundidade e 
mortalidade constantee -, independente da estrutura etária no início do 
período considerado, depois de certo tempo, ter-se-ia uma estrutura etária 
proporcional constante, taxas brutas de mortalidade e natalidade constante 
e, portanto, taxa de crescimento constante. Pode-se provar, 
matematicamente, essas relações, tendo como base as chamadas equações 
de Lotka, na sua Teoria Analítica das Associações Biológicas de 1939 (3). 
A população estável é de extrema utilidade para as análises sobre 
estabilidade e desestabilização da estruturas etárias. São chamadas de 
populações teóricas porque podem ser deduzidas matematicamente, 
independentes das condições empíricas. Nada a ver com uma teoria da 
população, mas com a possibilidade de simulação do comportamento 
demográfico, segundo algumas hipóteses, mantendo-se dentro do princípio 
da autonomia das variáveis demográficas diante dos processos sociais, 
econômicos, culturais e políticos. 
 Os modelos de populações teóricas são, também, de extrema 
utilidade para se analisar as tendências da estruturas populacionais dentro 
do processo de transição demográfica. Contudo, na passagem da “teoria” à 
história, necessitava-se de uma intermediação. A transição demográfica 
passa, então, a ser considerada um processo inserido dentro do contexto da 
modernização das sociedades, possibilitada pelo desenvolvimento do 
capitalismo. Seria uma conseqüência “natural” do desenvolvimento e da 
modernização. Não haveria que se preocupar com o comportamento das 
variáveis demográficas, prescindindo-se, portanto, de políticas de 
população. 
As mãos invisíveis do desenvolvimento e da modernização se 
encarregariam de proporcionar, plenamente, a transição demográfica. Nesta 
perspectiva, passa-se, portanto, a considerar que a reprodução da população 
se articula à reprodução da sociedade e da economia como variável 
dependente, como teria ocorrido nos países capitalistas mais desenvolvidos. 
O determinismo implícito nas mãos invisíveis do desenvolvimento e da 
modernização reforçava a tese de que as variáveis demográficas se 
acomodariam às condições impostas pela história, independente das 
condições específicas de cada país. Seriam, portanto, independentes de 
políticas que viessem, especificamente, interferir em seu curso. 
Essa perspectiva levou, por exemplo, a uma absoluta perplexidade, 
por parte dos demógrafos e estudiosos da população, diante do acentuado 
declínio da fecundidade nos países em desenvolvimento que, obedecendo 
às suas particularidades históricas, se distanciava da experiência de 
transição demográfica dos países mais desenvolvidos (4). 
Presos ainda aos pressupostos da neutralidade, mas sendo impossível 
desvincular as variáveis demográficas do contexto da história, muitos 
analistas agarram-se, então, às teorias dos determinantes para se pensar os 
fenômenos demográficos. As variáveis demográficas mais importantes 
eram consideradas como dependentes das variáveis sociais, econômicas e 
culturais. Portanto, abre-se mão da autonomia, como no caso das 
populações teóricas, mas, como variáveis dependentes, continuam 
dispensando a intervenção das políticas, isto é, mantêm a sua neutralidade. 
 Os clássicos manuais das Nações Unidas sobre os determinantes 
sócio-econômicos da fecundidade, da mortalidade e das migrações são 
bons exemplos desta perspectiva metodológica da Demografia. Às vezes, 
utilizava-se uma outra terminologia “aspectos sócio-econômicos”, mas, 
sempre, com o mesmo propósito de manter as variáveis demográficas 
contidas no seu papel de dependentes da dinâmica da sociedade e da 
economia. 
Uma variante teórica, não menos reconhecida por alguns demógrafos 
e estudiosos da população baseia-se na hipótese de que o comportamento 
demográfico poderia ser reduzido aos mesmos parâmetros da teoria 
econômica neoclássica. A fecundidade e a migração seriam resultantes de 
modelos decisórios fundados na racionalidade econômica. Nesse caso, os 
demógrafos se curvaram diante da ousadia ideológica dos economistas que 
acreditavam – certamente, alguns ainda acreditam – que as decisões 
envolvidas em todas as ações sociais podem ser compreendidas a partir dos 
seus custos e benefícios. É um caso de extrema alienação teórica, pois, 
ultrapassa-se a mera discussão sobre a autonomia, independência ou 
dependência das variáveis, para entregar à economia neoclássica os 
desígnios teóricos do comportamento demográfico. 
 Em síntese, fundado na hipótese da neutralidade ou da alienação 
teórica, estabelecia-se um paradigma geral onde as mãos invisíveis da 
economia e da sociedade se encarregariam de conduzir a dinâmica 
demográfica. Deste ponto de vista, uma população com oito ou nove 
bilhões de habitantes, ou dois, como queria Ehrlich, na entrevista 
mencionada, por si só, não teria relevância: o tamanho da população seria 
neutro. Extremo absurdo que acaba por dar razão ao biólogo. 
Considerando a oferta dos recursos naturais, os problemas ambientais e 
sociais, de uma maneira geral, fazem muita diferença o tamanho da 
população, seu crescimento, sua estrutura e sua distribuição espacial. 
Evidentemente, a análise de Ehrlich, e de muitos outros ecologistas, 
tende a superestimar a questão populacional. Os problemas climáticos, 
derivados do alto nível de emissão dos gases estufa, são determinados, em 
grande parte, pela dependência do balanço energético mundial da queima 
de combustíveis fósseis e da queima de biomassa. Não se trata somente do 
tamanho da população consumidora, mas do padrão da acumulação e do 
consumo e das condições econômicas e políticas do mercado mundial de 
energia. 
Porém, se as variáveis demográficas não são as únicas, não há 
motivos para desprezá-las nas reflexões ambientais. A incorporação da 
China e da Índia ao mercado de bens de consumo duráveis possibilita essa 
reflexão, pois suas conseqüências sobre os problemas climáticos do planeta 
são imprevisíveis. Os doispaíses, em 2.000, já estavam entre os cinco 
maiores emissores de gases derivados da queima de combustíveis fósseis, 
sendo que a China já ocupava o segundo lugar, atrás apenas dos Estados 
Unidos. Sabe-se, também, que o desenvolvimento desses dois países ainda 
não incorpora grande parte da sua população ao mercado de bens de 
consumo duráveis. Em 2000, o consumo anual per capita de petróleo na 
China era de 3,7 barris/ano e o da Índia de 2,0, irrisórios diante dos 70 
barris/ano dos Estados Unidos. 
Não resta dúvida que, se a população desses dois países for 
incorporada ao mercado, o que é um indiscutível direito dessas pessoas, 
tornar-se-á necessário uma mudança fundamental no padrão de acumulação 
e consumo, pela sua dimensão, na direção de um desenvolvimento 
sustentável. Caso contrário, a pressão sobre os recursos naturais essenciais 
a sustentabilidade da vida no planeta seria desastrosa. O preconceito não 
pode levar ao absurdo de se considerar que o tamanho da população da 
China e da Índia nada tenha a ver com o seu desenvolvimento sustentável e 
com as condições ambientais do planeta. 
 Não me atrai a tese malthusiana, do final do século XVIII e início do 
século XIX, ressuscitada há cerca de quarenta anos por Ehrlich, entre 
outros, de que a oferta de alguns recursos naturais no planeta, como a terra 
e os alimentos dela derivados, seriam insuficientes para atender à demanda 
da sua população atual. Pelo contrário, a produção mundial de alimentos é 
suficiente. O problema são as distorções decorrentes da distribuição 
desigual entre os países e entre as pessoas, grupos ou classes. O Brasil é um 
ótimo exemplo. É um dos maiores produtores mundiais de grãos e nem por 
isso erradicou-se a fome de uma parte considerável de sua população. Mas, 
desapegar-se das hipóteses de Malthus não significa analisar os grandes 
problemas ambientais do mundo sem considerar as questões demográficas 
a eles relacionadas. Tal comportamento analítico daria muito mais vazão 
aos preconceitos do que à criatividade científica. 
No Brasil temos bons exemplos. O grande economista Celso Furtado 
foi um dos primeiros a considerar a desproporção entre a disponibilidade de 
recursos naturais, a forma de organização da economia e o tamanho e o 
crescimento da população no semi-árido nordestino. Isto, na década de 
sessenta. As migrações reduziram bastante a população dessa região, mas 
lá ainda se concentra a maior parte da população rural brasileira e a relação 
entre a população, economia e os recursos naturais disponíveis, 
principalmente a água, apresenta-se problemática. 
A redistribuição espacial da população brasileira, através do grande 
ciclo migratório da segunda metade do século passado, gerou sérios 
problemas na relação entre população e o meio ambiente. Quanto à 
migração para as áreas de expansão da fronteira agrícola e mineral, 
estimulada pelo Estado, ela aumentou o grau de fragilidade de alguns 
ecossistemas como as da Amazônia e do Pantanal. Ambos têm uma 
capacidade limitada de absorção demográfica. Ultrapassar esses limites 
compromete a própria reprodução do ecossistema. Neste caso, o tamanho 
da população, o seu crescimento e a sua distribuição regional são variáveis 
determinantes para o equilíbrio ambiental. Certamente, não são as únicas e 
não excluem a responsabilidade de outros agentes econômicos, mas estão 
longe de qualquer neutralidade. 
Não é só nesses grandes biomas que a questão populacional não deva 
ser considerada neutra. Os grandes aglomerados metropolitanos são outros 
exemplos notáveis. Em primeiro lugar, pelo tamanho da população e seu 
ritmo de crescimento. Apesar de sua baixa taxa de crescimento atual, 
devido ao declínio da fecundidade e à redução das migrações, alguns 
aglomerados metropolitanos já têm um estoque de população que 
compromete a qualidade de vida, principalmente da população mais pobre, 
e exerce, ainda, uma indiscutível pressão sobre alguns recursos naturais. 
A Região Metropolitana de São Paulo é um ótimo exemplo, assim 
como outros aglomerados metropolitanos. A questão não é só o 
crescimento vertiginoso da demanda de alguns recursos naturais, como a 
água, cuja escassez atual é preocupante em todo o mundo, assim como o 
seu uso predatório. A escassez não é só função da limitação da oferta e de 
seu consumo predatório, mas, também, da poluição hídrica, industrial e 
doméstica. Isso impõe investimentos enormes, devidamente socializados 
com a população, através dos tributos e tarifas, para que a água potável e o 
esgotamento sanitário sejam acessíveis a uma população de mais de 17 
milhões de habitantes. 
O problema fundamental é que o mercado imobiliário, 
principalmente, empurra a população mais pobre para as periferias 
metropolitanas, onde a população mais cresce, em função dessa mobilidade 
e pela persistência de níveis de fecundidade relativamente altos. Nesses 
lugares, a população nem sempre tem disponível a água potável, o 
esgotamento sanitário e o tratamento dos resíduos domésticos. O resultado 
é um círculo vicioso de degradação da qualidade de vida, onde a 
combinação de pobreza, altas de crescimento da população e ausência de 
saneamento básico tornam as condições de vida insustentáveis. Há 
necessidade de políticas de saneamento ambiental, mas a população e o seu 
crescimento não são neutros, e não se pode desprezar a necessidade de 
programas de planejamento familiar, garantindo aos mais pobres o direito e 
a possibilidade de escolher o número de filhos ou o tamanho da família que 
julgarem adequados. O círculo vicioso não pode ser rompido de um só 
lado. 
Não merecem discussão, aqui, as afirmações de Ehrlich, por demais 
desinformadas das recentes contribuições dos demógrafos sobre as relações 
entre a economia e a força de trabalho nos países com fecundidade abaixo 
do nível de reposição. Ele não considera a situação, exemplar, na qual o 
baixíssimo crescimento e a sua conseqüente estrutura etária extremamente 
envelhecida da população não são neutros. Pelo contrário, são variáveis 
independentes contribuindo para a explicação, entre outros, dos problemas 
previdenciários, do mercado de trabalho e das imigrações internacionais. 
Todavia, falando de países desenvolvidos, é sugestiva a afirmação de 
Ehrlich de que a sua maior preocupação hoje é com os Estados Unidos, 
não só pelo tamanho da sua população. No que se refere aos problemas 
ambientais, são os maiores consumidores de petróleo do mundo, 25% do 
consumo mundial, e, principalmente de gasolina, mais de 40%. O 
resultado é notável: um quarto da emissão de dióxido de carbono, um dos 
principais responsáveis pelo chamado efeito estufa, é de sua 
responsabilidade. Em outras palavras, não se resolve o problema do efeito 
estufa no planeta sem que os Estados Unidos não modifique, junto com a 
economia mundial, o padrão de produção da sua economia e o padrão de 
consumo da sua população de mais de 280 milhões de habitantes. 
Se os Estados Unidos são um bom exemplo das possíveis relações 
entre o tamanho da população, o seu crescimento, a sua renda per capita e o 
consumo de recursos naturais, o padrão dessa relação não pode se 
generalizado. Entretanto, nem lá, nem na China ou Índia, ou mesmo no 
Brasil, não se pode atribuir neutralidade ao tamanho da população, ao seu 
crescimento e a sua distribuição, nas questões ambientais e de qualidade de 
vida. 
Digno de ser sublinhado é que o biólogo norte-americano abandona a 
velha tese da “explosão demográfica”, reconhecendo que as políticas de 
regulação da fecundidade implementadas pelos diferentes países, mesmos 
as menos “invasivas”, como no caso brasileiro, resultaram numgrande e 
generalizado declínio das taxas de fecundidade. Não há demógrafo, ou 
estudioso da população, que não reconheça esse fenômeno, apesar de 
Ehrlich superestimar os efeitos dessas políticas. 
Porém, as estimativas das Nações Unidas consideram que em 2050 o 
crescimento da população africana será o maior responsável pelo 
crescimento da população mundial. Isso,é claro, se as grandes epidemias e 
os genocídios étnicos não se transformarem em crises de mortalidade 
incapazes de se curvarem às políticas reconhecidas como indispensáveis 
pela comunidade internacional. Essa provável modificação espacial da 
responsabilidade pelo crescimento da população mundial é de extrema 
importância, pois não se cogita que, nesses próximos quarenta anos, a 
dramática situação social da África seja resolvida. Espera-se que os 
demógrafos e estudiosos da população estejam atentos para que não sejam 
cúmplices de mais um efeito perverso a recair sobre a população mais 
pobre do mundo. 
Não se pode conceder status de ciência aos delírios demográficos de 
uma boa parte dos biólogos e ecologistas, sabe-se bem disso. Mas, os 
demógrafos e estudiosos da população não podem, também, se omitirem 
diante da necessidade de equacionar as relações entre população, meio 
ambiente e qualidade de vida, refugiados em velhas ideologias e práticas 
políticas. 
Ressuscitar o velho debate sobre o malthusianismo em pleno século 
XXI, quando o seu contexto pode ser considerado completamente superado 
e a questão demográfica posta em um patamar muito distinto, seria insistir 
com idéias fora do seu tempo e lugar. A tese malthusiana, que se referia à 
Inglaterra no início do século XIX, foi superada pela própria história, na 
segunda metade deste mesmo século. A tese neomalthusiana, formulada 
para os países em desenvolvimento no pós-guerra, foram deixadas para 
trás, pelo acelerado e generalizado declínio da fecundidade a partir da 
década de setenta. Nem uma tese, nem outra, estão aptas para decifrar os 
graves problemas populacionais que enfrentam os países desenvolvidos e 
em desenvolvimento, atualmente. Portanto, sem desprezar os ensinamentos 
de velhas e clássicas teorias, seria fundamental enfrentar os novos 
problemas e desafios políticos que a realidade contemporânea impõe. 
Não há razão para buscar no passado o pano de fundo ideológico, 
próprio de um contexto histórico específico, repetindo velhos e 
equivocados preconceitos, com graves conseqüências epistemológicas, que 
consideravam a população uma variável neutra no processo social. Sabe-se 
perfeitamente, e essa foi a tese fundamental deste artigo, que as variáveis 
demográficas não são exclusivamente autônomas, dependentes ou 
determinadas por processos sociais, econômicos e culturais, mas, também, 
determinantes. E, como tal, passíveis de intervenção política. 
Não pode haver política populacional sem teorias da população. 
Estas não devem se fundamentar em velhos preconceitos, completamente 
fora do tempo o do lugar. Caso contrário, as políticas, necessárias, podem 
se transformar em sérias omissões, diante dos graves problemas sociais. 
Hoje, muito mais do que ontem, os demógrafos e estudiosos da população 
não podem deixar de responder ao desafio, teórico e político, imposto pelo 
grande risco do nosso país viver uma realidade demográfica, em muitas 
circunstancias, próximas daquela do Primeiro Mundo, dentro de um 
contexto social e econômico de Terceiro Mundo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA: 
 
1) CARVALHO, J.A.M., BRITO, F., A demografia brasileira e o e 
o declínio da fecundidade no Brasil: contribuições , equívocos e silêncios, 
Revista Brasileira de Estudos de População, vol.22-n.2-jul./dez.,2005. 
2) UNITED NATIONS, World Population Prospects, The 
2000 Revision, vol 1, United Nations, 2001 
3) GINI, CORRADO, Esquemas Teóricos y problemas concretos de 
la poblacion, Aguilar , Madrid,1983. 
 
4) CARVALHO, J.A.M., BRITO, F, op.cit

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