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RESUMO Em A Cidade Antiga, o historiador francês do século XIX, Fustel de Coulanges, estuda a formação e o desenvolvimento da cidade-estado antiga a partir de uma análise das ideias religiosas que lhe legitimavam. Segundo o autor, graças a uma série de revoluções sociais e a transformação das instituições familiares, o direito natural coletivo emancipou-se parcialmente do direito privado, pautado na religião e circunscrito ao âmbito familiar. Essa mudança no caráter da justiça insere-se em um contexto mais amplo de transformações sociais que precisa ser considerado ao se estudar as bases legitimadoras do direito na antiguidade. 1 LIVRO PRIMEIRO - CRENÇAS ANTIGAS Na crença em relação a alma e a morte, os antigos acreditavam que a alma, mesmo depois da morte, continuava junto ao corpo e eram eternizadas ali na sepultura. Os mortos, eram considerados sagrados e por isso, eram considerados santos. Nas casas dos gregos e dos romanos, era uma obrigação sagrada do chefe de família manter o fogo sagrado aceso sempre, fogo esse que ficava no altar e nunca saia de dentro da casa. As religiões não eram públicas, ou seja, todos os cultos eram realizados dentro de casa, numa reunião familiar. 2 LIVRO SEGUNDO – A FAMÍLIA A religião era dada como o principal constitutivo da família antiga, em homenagem aos mortos, os vivos, às vezes, se reuniam em volto da sepultura dos mortos e ofereciam a eles, um banquete e pediam proteção e bênçãos para suas terras. O casamento não era só uma mudança de casa e sim uma completa mudança de um estilo de vida para outro. A moça, quando pedida em casamento, deixava seu lar e mudava de religião e crenças, praticava outros cultos. “A partir do casamento, diz um antigo, a mulher não tem nada mais em comum com a religião doméstica dos pais: ela passa a sacrificar aos manes do marido.” (p. 46). Quando após o casamento houvesse a esterilidade, haveria o divórcio e em caso de impotência, a substituição do marido por algum parente, tudo em prol da continuidade da família. Para a continuidade da família, o esperado era um filho e não uma filha para que após o casamento do filho, seguisse o culto. Quando não conseguiam sucessores, recorriam à adoção. Nesse caso, eram necessários sair da antiga família para entrar na nova. A emancipação, nesse caos, era a renúncia ao culto da família onde nascera. Quando referente ao direito de propriedade a família está ligada ao altar, o altar ao solo; estabelece-se então relação entre a terra e a família. Aí deve ter sua morada permanente, que jamais abandonará. Esse lugar é sua propriedade, é a propriedade de toda a família. Na antiguidade, para o direito de sucessão era a necessidade de continuar o culto familiar. A religião domestica estava acima do próprio pai, ou seja, não era o pai a autoridade. No que se diz respeito a antiga moral da família, o isolamento da família foi o começo da moral. Embora restritos, os deveres eram precisos. Por fim, a “gens” em Roma e na Grécia formava um corpo, cuja constituição era puramente aristocrática; e foi graças à sua organização interior que os patrícios de Roma e os eupátridas de Atenas perpetuaram por muito tempo seus privilégios. 3 LIVRO TERCEIRO – A CIDADE Por conta da religião doméstica, era proibido famílias se juntarem, a menos que tivessem cultos em comum. Conhecendo as antigas religiões, foram encontradas novas crenças que tinham como objetos antepassados e o lar. Pelo fato de algumas fratiras terem se unido numa tribo, tribos uniram-se também, mas com respeito ao culto do outro. Como consequência dessa união, começou a surgir as cidades. A cidade não existia sem um fundador, ele quem chamava os deuses e mantinha o fogo sagrado brilhando. O culto de uma cidade, os mantinha unido e protegidos pelos mesmos deuses, e os membros dessa cidade, realizavam um banquete em comum para a salvação da cidade. Cada tribo tinha seu chefe religioso, que os chamavam de rei da tribo. A religião da cidade devia também ter um pontífice, o rei. As regras do direito de propriedade e do direito de sucessão estavam dispersas no meio de regras relativas aos sacrifícios, à sepultura e ao culto dos mortos. O cidadão era reconhecido por sua participação no culto da cidade, e dessa participação provinham todos os seus direitos políticos e civis. O estrangeiro, pelo contrário, não tendo nenhuma parte na religião, não tinha direito algum. As leis da cidade não existiam para ele. Se cometesse algum crime, era tratado como escravo e punido sem processo. Quando ocorria o exílio, o indivíduo era não só afastado da pátria, mas também do culto. As cidades, deviam ser independentes, cada uma com seu código. A linha de demarcação era tão profunda que só o casamento de entes de cidades diferentes era permitido. Quando as cidades estavam em guerra, a luta era entre membros da cidades e deuses. Posterior as guerras, as cidades se reuniram numa espécie de federação. A diferença entre o romano e o ateniense é que o romano sacrifica diariamente em casa, mensalmente na cúria, e várias vezes por ano em sua gens ou tribo. Já o ateniense não começa nem uma frase sem antes invocar a boa fortuna. Na tribuna, o orador inicia o discurso invocando de bom grado os deuses e heróis que habitam a região. Em relação ao homem somente, nada tinha de independente, pois pertencia ao estado. 4 LIVRO QUARTO – AS REVOLUÇÕES O cliente discordar do patrono é proibido por lei. A plebe não fazia parte do povo, pois o povo era composto pelos patrícios e pelos clientes. Os reis queriam o poder, mas o patres não aceitavam essa ideia, travando então uma batalha em Atenas, Esparta e Roma entre aristocracia e a reis, sendo essa a primeira revolução. E o governo se deu pela aristocracia. Na segunda revolução houve alterações na constituição das famílias pois desaparece o direito de primogenitura e a gens se desagrega-se e cada um recebeu daí em diante sua parte de propriedade, seu domicílio, seus interesses particulares, sua independência. Os clientes começaram a visar mais sua liberdade. Deu-se então a terceira revolução e a plebe participava da cidade. Logo a riqueza tornou-se um princípio de organização social. O direito privado foi modificado: “O que os sufrágios do povo ordenaram em último lugar, essa é a lei.” E por isso, Sólon se orgulhou de ter escrito as mesmas leis para os grandes e para os pequenos. O interesse público passou a ser o princípio regulador e houve a tentativa de constituir uma aristocracia da riqueza. O governo democrático exigiu trabalho incessante por parte de todos os cidadãos. E graças a essa nova forma de regime, começou a surgir a classe de pobres. A cidade de Esparta foi a mais atingida pelas revoluções. Pouco se sabe sobre as guerras, porque o governo vivia sob o mistério. 5 LIVRO QUINTO – DESAPARECE O REGIME MUNICIPAL O surgimento da filosofia fez com que as antigas regras da política fossem derrubadas. As conquistas romanas são dadas em dois momentos: o primeiro foi de acordo com o tempo em que o velho espírito municipal tinha ainda bastante força. O segundo pertence ao tempo em que o espírito municipal já se achava muito enfraquecido. Com o surgimento do Cristianismo, as expressões religiosas passaram a ser menos material. O divino, por exemplo, foi decididamente colocado fora da natureza visível e acima dela. Enquanto que outrora cada homem fizera seu deus. E o Deus apareceu então como ser único, imenso, universal, animando sozinho os mundos, satisfazendo sozinho à necessidade de oração que há no homem. (p. 413) CONCLUSÃO Foi visto ao longo de A Cidade Antiga de Fustel de Coulanges, que através dos séculos da antiguidade a religião deixou de representar o único conjunto de ideias legitimadoras das instituições sociais. O direito natural lentamente caminhou para uma emancipação parcial do direito familiar. Sobre isso, no entanto, é preciso salientar que a separação da religião da prática da justiça e das demais instituições, jamais se completou na antiguidade. Pelo contrário, os antigos nunca conceberam sua vida sem a religião,jamais iniciaram suas assembleias públicas sem as cerimônias religiosas ou foram à guerra sem a prévia liberação de seus deuses. O processo de transformação do direito familiar que vimos de nenhum modo nos autoriza a pensarmos em uma laicização da sociedade, precisaríamos aguardar toda a Idade Média até a Revolução Francesa do século XVIII, para falarmos de uma separação “total” entre as instituições religiosas e as de caráter político e jurídico. REFERÊNCIAS COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. (Título original: La cité antique. Tradução: Jean Melville). 2. ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007.
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