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Nutrição e Suplementação Esportiva 1 Nutrição e Suplementação Esportiva Professor Me. Murilo Dattilo Nutrição e Suplementação Esportiva 2 Introdução 3 Bioenergética aplicada ao exercício físico 3 Sistema ATP-CP (metabolismo anaeróbio alático) 4 Sistema anaeróbio lático (glicólise) 5 Sistema aeróbio 5 Dano muscular induzido pelo exercício físico e recuperação tecidual 7 Estrutura das células musculares 7 Dano induzido pelo exercício físico e reparação tecidual 8 Adaptações musculares induzidas pelos diferentes tipos de exercício físico 10 Regulação da síntese proteica muscular 11 Estabelecimento das recomendações nutricionais 12 Recomendações calóricas 12 Recomendações de carboidratos 12 Recomendações de proteínas 15 Recomendações de lipídios 19 Hidratação 20 Vitaminas e minerais e exercício físico 23 Suplementação alimentar 24 Creatina 25 Cafeína 26 Referências bibliográficas 27 SUMÁRIO Nutrição e Suplementação Esportiva 3 INTRODUÇÃO A prática de exercícios físicos é capaz de influenciar significantemente o metabolismo, aumentando a demanda energética e, consequentemente, a utilização de substratos energéticos, que podem ser provenientes dos estoques corporais ou da alimentação. As diferentes modalidades esportivas podem apresentar características metabólicas muito distintas, podendo variar em sua duração (endurance e ultraendurance) e intensidade (trabalhos com velocidade ou sobrecarga). Assim, é pertinente considerar também que o exercício físico é um importante fator lesivo ao tecido muscular, repercutindo em importante dano celular. Como consequência desse processo, os efeitos de cada tipo de exercício à musculatura são múltiplos e complexos, dependendo do tipo de estímulo empregado e, consequentemente, gerando adaptação muscular específica com a intenção de minimizar o estresse sofrido. A nutrição esportiva surge como ciência de fundamental importância para o indivíduo atleta ou fisicamente ativo, exatamente para ofertar os nutrientes com potencial energético para cobrir a demanda imposta para realização do exercício físico. Além disso, a nutrição recebe ainda destaque muito grande no que diz respeito ao fornecimento de elementos básicos para a regeneração tecidual, condição que é relevante ao longo de todo o período de descanso. Ao longo desta aula, serão abordados: os aspectos bioenergéticos aplicados à prática esportiva; os mecanismos pelos quais os diferentes tipos de exercícios físicos induzem o dano tecidual e os mecanismos envolvidos na recuperação muscular; as adaptações musculares induzidas por cada modalidade esportiva; as recomendações de micro e macronutrientes; as estratégias de hidratação; e o emprego da suplementação esportiva para favorecimento do rendimento esportivo e/ou recuperação muscular. BIOENERGÉTICA APLICADA AO EXERCÍCIO FÍSICO Diferentemente dos seres vegetais, que possuem capacidade de realizar fotossíntese e produzir a sua própria energia, os animais somente conseguem obter esta a partir dos alimentos. Sendo assim, eles são caracterizados como organismos altamente especializados em transferir energia dos nutrientes presentes nos alimentos para uma única molécula utilizada para toda e qualquer reação que a requisite, a qual é denominada adenosina trifosfato (ATP). A ATP é uma molécula com alto potencial energético e que apresenta na sua estrutura uma adenosina ligada a três fosfatos. Para qualquer reação celular que consuma energia, essa é a única molécula que possui capacidade de atender à demanda, já que as ligações presentes entre cada fosfato e a adenosina apresentam alta quantidade de energia. Portanto, quando recrutada, a ATP sofre ação de uma enzima chamada ATPase, que cliva em adenosina difosfato (ADP – molécula com menor potencial energético por ter perdido uma ligação) + Pi (fosfato inorgânico) + energia. É essa ligação que foi “libertada” que será utilizada para a atividade celular (figura 1 – lado direito, na reação representada pelas setas pontilhadas). Figura 1. Representação esquemática das reações envolvidas na utilização de ATP para o fornecimento de energia (setas pontilhadas) e na ressíntese do ATP (seta contínua). Nutrição e Suplementação Esportiva 4 As concentrações de ATP em nossos tecidos são extremamente baixas, sendo consideradas como recurso para fornecimento de energia instantânea, e não para armazenamento em longo prazo. Portanto, uma vez que o ATP seja recrutado, necessita ser rapidamente ressintetizado para manutenção da atividade celular (figura 1 – lado esquerdo, na reação representada pelas setas contínuas). Quanto ao exercício físico, este se diferencia da situação de repouso principalmente em decorrência de apresentar demanda energética mais elevada. Como consequência, é pertinente considerar que a demanda na utilização dos substratos energéticos passa a ser proporcionalmente aumentada. Do ponto de vista bioquímico, as células possuem dois compartimentos que podem realizar reações capazes de extrair energia dos substratos, os quais representam o citoplasma e a mitocôndria. No primeiro, como não existe a presença de oxigênio, as únicas moléculas capazes de ser utilizadas de forma anaeróbia são a creatina-fosfato (CP) e a glicose. Já na mitocôndria, onde há a presença de oxigênio, o que marca o metabolismo como aeróbio, torna-se possível a utilização tanto de glicose como de ácidos graxos e aminoácidos. Cabe ressaltar que o que diferencia o metabolismo predominante anaeróbio ou aeróbio é o atendimento da demanda energética pelo aporte de oxigênio, ou seja, se este não for suficiente, há predomínio do metabolismo anaeróbio, enquanto que, se for suficiente, há predominância aeróbia. Por fim, a geração de energia de maneira anaeróbia é limitada a cerca de no máximo dois minutos, ao passo que o metabolismo aeróbio pode ter duração infinita, a exemplo do repouso. Nas próximas sessões, serão abordados os sistemas capazes de gerar energia, primeiramente na situação anaeróbia e, subsequentemente, na aeróbia. Sistema ATP-CP (metabolismo anaeróbio alático) O sistema de fornecimento de energia mais instantâneo presente no organismo é o ATP-CP, ou sistema anaeróbio alático (já que não produz lactato). Para geração de energia a partir dele, a célula utiliza a molécula de CP, formada por uma creatina ligada a um fosfato. Dentre todos os tecidos corporais, a musculatura esquelética surge como o órgão que mais possui CP, a qual se configura como peça-chave na geração de energia para contração muscular. Para que isso aconteça, ela sofre a ação da enzima creatina quinase (CK), clivando-se em creatina + fosfato + energia, sendo esta capaz de ser transferida para que o ADP se junte ao Pi e forme novamente a ATP, de acordo com a sequência de reações proposta abaixo: Figura 2. Mecanismo de ressíntese do ATP a partir da CP - Fonte: http:// bioquimicaexercicio.blogspot.com.br/2011/01/metabolismo-aerobio-x- anaerobio-fixacao.html. Uma vez realizada essa reação, a creatina é espontaneamente convertida em creatinina, sendo liberada para a corrente sanguínea e, assim, excretada na urina a partir do processo de filtração glomerular. Nutrição e Suplementação Esportiva 5 Como há somente uma reação enzimática para que a CP ressintetize a ATP, o sistema ATP-CP é um meio de geração de energia altamente eficaz e instantâneo, sustentando atividades musculares que dependam de que isso ocorra rapidamente, como ocorre em modalidades de alta intensidade. Entretanto, os estoques de CP musculares são limitados, permitindo que o tempo de geração de energia a partir desse sistema seja limitado a aproximadamente 8-12 segundos. Uma representação do uso de CP e daressíntese de ATP é ilustrada abaixo. Figura 3. Representação do uso de ATP para geração de energia e a integração das vias de ressíntese de ATP Fonte: http://www.brianmac. co.uk/energy.htm. Sistema anaeróbio lático (glicólise) Para manutenção do fornecimento de energia durante a atividade celular, além da CP, a célula muscular também pode utilizar, ainda de maneira anaeróbia, a glicose como fonte de energia. Para tal, a glicose sofre uma sequência de 10 reações enzimáticas que perfazem a glicólise (ou via glicolítica), as quais permitem a síntese de duas moléculas de piruvato, quatro de ATP e duas de adenina dinucleotídeo reduzida (NADH+H+ - moléculas de NAD+ carreando elétrons) (figura 3). A quantidade de NAD+ é encontrada de maneira limitada na célula, o que faz necessário que, uma vez que ela ganhe elétrons, os carreie até a mitocôndria e os libere, estando apta a receber novos elétrons provenientes da glicólise. Entretanto, destaca-se que, na ausência de oxigênio, o acesso à mitocôndria pelo NADH+H+ é limitado, existindo assim a impossibilidade de ser reciclado, prejudicando o funcionamento da glicólise. Como mecanismo compensatório, o NADH+H+ tem a capacidade de doar os elétrons para o piruvato, originando ácido lático e reconvertendo- se em NADH+H+. A via glicolítica sustenta o fornecimento de energia em modalidades que apresentem alta intensidade e curta duração (até cerca de dois minutos), sendo a glicose proveniente tanto dos estoques de glicogênio muscular quanto da corrente sanguínea. Esta pode ser oriunda do glicogênio hepático, da síntese endógena de glicose no fígado ou da glicose proveniente da alimentação. Figura 4. Representação simplificada da via glicolítica, tendo como resultado a síntese de ATP, NADH+H+ e piruvato - Fonte: http://www.cientic.com/ portal/index.php?option=com_content&view=article&id=224:obt. Sistema aeróbio Para sustentação de atividades musculares por períodos superiores a dois minutos, inevitavelmente o exercício físico precisa apresentar intensidades moderadas a baixas, que são situações em que o aporte de oxigênio é capaz de atender às demandas energéticas para que o metabolismo mitocondrial se torne evidente. Nessa organela, os substratos utilizados podem ser provenientes de carboidratos, ácidos graxos ou aminoácidos. Nutrição e Suplementação Esportiva 6 Em atividades com predominância aeróbia, a taxa de utilização de glicose ainda permanece muito elevada. O que diferencia essa etapa do metabolismo anaeróbio é que o piruvato e o NADH+H+ têm acesso à mitocôndria. O piruvato, por sua vez, é convertido em acetil- CoA a partir da geração de mais uma molécula de NADH+H+, podendo reagir com o oxalacetato para formação do citrato e entrada no ciclo de Krebs. Figura 5. Representação da utilização dos diferentes substratos energéticos - Fonte: http://www.icb.ufmg.br/labs/lbcd/grupof/int.html. Nutrição e Suplementação Esportiva 7 O ciclo de Krebs atua como ponto central na obtenção de energia de forma aeróbia, pois é altamente especializado em gerar mais moléculas de NADH+H+, de FADH2 (flavina adenina dinucleotídeo – também considerada uma coenzima) e de GTP (que é rapidamente convertida em ATP). Cada acetil-CoA que entra no ciclo de Krebs origina três NADH+H+, um FADH2 e um GTP. Conforme o exercício físico se prolonga, é fundamental que o organismo acione outro substrato para geração de energia, já que os estoques de carboidrato no corpo são limitados. Portanto, a utilização de ácidos graxos passa a ser uma importante estratégia para atingir esse objetivo. Eles podem ser provenientes da lipólise dos triglicerídeos do próprio tecido muscular ou do adiposo subcutâneo e/ou visceral. Esse é um caminho mais longo de utilização, tendo em vista a necessidade de primeiro mobilizá- lo para depois utilizá-lo como substrato energético (oxidação propriamente dita). Uma vez o ácido graxo estando disponível no citoplasma celular, é transportado para o interior da mitocôndria, em um processo mediado pela carnitina, para então sofrer a chamada beta oxidação, compreendida por uma série de reações envolvidas na hidrólise do ácido graxo a cada dois carbonos, sendo cada um desses pares um acetil-CoA, que poderá dar entrada ao ciclo de Krebs. Como destaque, ao longo de cada beta oxidação, são geradas uma molécula de NADH+H+ e uma de FADH2. A grande característica do uso de ácidos graxos como fonte de energia é seu alto potencial de geração de energia, já que proporciona um volume de acetil- CoA muito superior ao de uma única molécula de glicose. Por último, o músculo também tem capacidade de oxidar aminoácidos, somente frisando que tal processo é muito limitado, representando cerca de 5% em repouso e até cerca de 15% durante o exercício físico. Seis são os aminoácidos que podem ser oxidados pela musculatura esquelética, principalmente os de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina) e, em menor escala, glutamato, aspartato e asparagina. DANO MUSCULAR INDUZIDO PELO EXERCÍCIO FÍSICO E RECUPERAÇÃO TECIDUAL Estrutura das células musculares As células musculares, ou miócitos, ou fibras musculares, são células multinucleadas, com características cilíndricas, formadas por uma membrana, denominada sarcolema, sendo seu citoplasma denominado de sarcoplasma. Elas apresentam alta quantidade de proteínas, sendo que cerca de 85% destas são formadas por actina e miosina, conferindo ao tecido muscular a capacidade de se contrair e movimentar o esqueleto (figura 6). Figura 6. Estrutura muscular - Fonte: http://www.nutricaoemfoco.com. br/pt-br/modulos/imprimirpub.php?secao=esportiva-nefdebate&pub=11 542&impressao=sim. A forma de organização dos filamentos de actina e miosina pode ser observada nos vários sarcômeros presentes ao longo das células musculares, perfazendo a unidade contrátil da musculatura. Cada sarcômero apresenta como delimitação o espaço entre dois discos Z (discos de origem dos filamentos de actina), sendo que entre eles há a linha M (linha de origem dos filamentos de miosina). Portanto, a partir do deslizamento gerado entre os filamentos de actina e miosina, há a contração e o relaxamento muscular, como ilustra a figura 7. Nutrição e Suplementação Esportiva 8 Por fim, logo acima do sarcolema, as células musculares também apresentam uma família denominada células satélites, as quais se mantêm em estado chamado quiescente (repouso) e, quando ativadas, podem recuperar ou substituir uma outra previamente danificada. As células satélites têm a capacidade de atuar como “fornecedoras” de núcleos para que ocorra a síntese proteica e a construção de novas proteínas no lugar de outras que podem ter sido perdidas ou danificadas em decorrência de determinado estímulo lesivo, como observado após a prática do exercício físico. Dano induzido pelo exercício físico e reparação tecidual Ao longo do dia, o tecido muscular sofre constantes danos, os quais são reparados a partir da alta integração molecular para geração de novas proteínas e estruturas celulares, resposta responsável por manter a massa muscular de um indivíduo sadio. Algumas situações podem amplificar a magnitude do dano celular, a exemplo do exercício físico. No que diz respeito a essa prática, ela pode gerar dano tecidual a partir da ação mecânica (composta principalmente pela fase excêntrica da contração muscular, que é aquela em que há alongamento das fibras musculares – figura 8) ou química (que ocorre a partir da ação das espécies reativas de oxigênio – EROs). Figura 7. Sarcômero e seus componentes - Fonte: http://quizlet.com/18231458/physio-i-l1-skeletal-muscle-flash-cards/ Nutrição e Suplementação Esportiva 9 Figura 8. Demonstração dos tipos decontração muscular - Fonte: http:// blog.corewalking.com/how-do-muscles-contract/. O dano muscular pode ser marcado por diferentes alterações estruturais do miócito, destacando-se o rompimento do sarcolema, a desorganização miofilamentar, os deslocamentos de discos Z (estruturas que delimitam o sarcômero) e o extravasamento de proteínas. Além disso, como consequência dele, é possível identificar diminuição importante da força muscular, a qual pode ser utilizada como parâmetro indireto desse dano. Figura 9. Estrutura muscular e representação do dano induzido pelo exercício físico (principalmente estímulo mecânico), sendo possível evidenciar o rompimento do sarcolema - Fonte: Cell Biology International, v. 24, n. 5, 2000. Uma vez que a(s) célula(s) seja(m) lesionada(s), inicia-se uma cascata de reações que culminam com o processo de regeneração tecidual. Para isso, a primeira resposta produzida é marcada pelo influxo de células inflamatórias (neutrófilos e macrófagos). A exposição das estruturas intracelulares em decorrência do rompimento do sarcolema atrai neutrófilos para o local da lesão. Como principais características, essas células têm o potencial de produzir EROs, que induzem estresse oxidativo localizado e danificação de estruturas proteicas, ativando, assim, cascatas de degradação proteica (etapa fundamental para degradação de proteínas danificadas pelo exercício físico, mantendo assim a qualidade delas). Em um segundo momento, os neutrófilos atraem os macrófagos, que passarão a desempenhar papéis mais complexos, tais como: produzir citocinas pró- inflamatórias (como TNF-alfa), para ativação de vias proteolíticas; realizar fagocitose, iniciando o processo de “limpeza” celular; ativar células satélites, para iniciar o processo de regeneração do tecido, que passam a estar aptas a receber sinais de crescimento e amadurecimento. Nutrição e Suplementação Esportiva 10 A partir desse momento, a oferta nutricional especificamente de proteínas passa a desempenhar papel relevante, partindo do princípio de que haverá aumento da necessidade muscular por aminoácidos para ressíntese proteica e regeneração tecidual. Cada tipo de exercício físico impõe danos teciduais específicos, que requerem tempos distintos de recuperação. Entretanto, o tempo médio necessário para recuperação muscular está situado em torno de 48 a 72 horas. É interessante notar que, conforme o indivíduo se apresenta mais treinado, o dano muscular reduz-se (como mecanismo de adaptação e diminuição da resposta lesiva) e, consequentemente, o tempo de recuperação entre as sessões também é diminuído. Adaptações musculares induzidas pelos diferentes tipos de exercício físico Como o exercício físico é considerado importante fator de estresse para a musculatura esquelética, repercutindo em dano celular, como mecanismo de defesa, além de se regenerar, o tecido se adaptará, visando diminuir o quadro estressor nas sessões subsequentes. O exercício físico resistido, em especial, por trabalhar com sobrecarga superior à utilizada na rotina diária do indivíduo, possui como principal adaptação o aumento da quantidade de miofibrilas, visando sustentar essa sobrecarga sem que ocorram danos celulares em grande magnitude. Como consequência, no período subsequente à prática, a taxa de síntese proteica torna-se aumentada por cerca de 48 a 72 horas, especificamente para actina e miosina, sendo essa resposta totalmente dependente da oferta proteica proveniente da dieta. O resultado dessa maior síntese, em longo prazo, é o aumento da área de secção transversa das fibras musculares, fenômeno denominado hipertrofia muscular. O exercício físico de característica aeróbia, por outro lado, não requer aumento significativo de miofibrilas (a não ser em modalidades nas quais, além da característica prolongada, exista a presença de sobrecargas, como o ciclismo), e sim de estruturas celulares que dependam principalmente do oxigênio. Assim, dentre as principais adaptações produzidas por modalidades com essa característica, destacam-se: aumento do número e densidade de mitocôndrias; aumento das enzimas mitocondriais, principalmente aquelas do ciclo de Krebs e da cadeia transportadora de elétrons; aumento de mioglobina, para melhora do transporte de oxigênio dentro da célula muscular; aumento de hexoquinase, que é a primeira enzima da glicólise, responsável por iniciar a utilização da glicose como substrato energético; e incremento da quantidade de GLUT-4, que são os transportadores de glicose para o interior da célula muscular, proporcionando assim maior capacidade de captação dessa molécula para geração de energia. Figura 10. Ciclo de ativação das células satélites e recuperação da fibra muscular danificada - Fonte: Zammit; Partridge; Yablonka-Reuveni, 2006. Nutrição e Suplementação Esportiva 11 Como resultado de tais efeitos, a musculatura passa a ter maior capacidade de extrair energia a partir dos substratos (principalmente glicose e ácidos graxos), permitindo atraso da fadiga e possibilitando aumento do volume e intensidade de trabalho. Diferentemente da síntese proteica miofibrilar, a síntese proteica principal induzida pelo exercício prolongado (síntese proteica mitocondrial) não depende da oferta proteica. Regulação da síntese proteica muscular A síntese proteica muscular, assim como em qualquer célula do corpo, apresenta duas etapas fundamentais para sua ocorrência: a transcrição gênica e a tradução proteica. Para a síntese de qualquer proteína, a primeira etapa necessária é a produção de uma cópia da região do DNA que a codificará em questão em um filamento chamado RNA mensageiro (RNAm), que tem a função de levar a mensagem do núcleo para o citoplasma. Uma vez presente neste, a próxima etapa é o processo denominado tradução, o qual consiste na leitura do filamento de RNAm pelo ribossomo, identificando assim quantos serão os aminoácidos que comporão a proteína, quais serão eles e a sequência de seu posicionamento na cadeia polipeptídica (figura 11). Figura 11. Transcrição gênica e tradução proteica - Fonte: http://www. nylearns.org/module/content/pyb/resources/13573/view.ashx A regulação da tradução proteica dá-se principalmente por uma via composta por uma sequência de enzimas que reagem na forma de cascata, denominada via PI3K/Akt/mTOR. Ela é responsável por mediar as ações tanto da insulina quanto do fator de crescimento semelhante a insulina (IGF-1), ambos com propriedade de estimular o crescimento de qualquer célula. A mTOR é uma molécula-chave nesse processo, pois é estimulada por outros sinais, tais como hipóxia, estresse celular, sobrecarga mecânica, hormônios como testosterona (de maneira indireta) e fatores nutricionais. No que diz respeito à regulação nutricional da mTOR, destaca-se a ação direta da leucina, considerado o aminoácido-chave na estimulação da síntese proteica, via mTOR. Figura 12. Vias moleculares envolvidas no controle da tradução proteica Fonte: Rogero; Tirapegui, 2008. Nutrição e Suplementação Esportiva 12 ESTABELECIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS Recomendações calóricas A regulação da massa corporal dá-se a partir do balanço entre ingestão e gasto energético. Para qualquer finalidade que tenha o planejamento dietético, o indivíduo tem que ser enquadrado em uma das seguintes situações: equilíbrio energético (ingestão = gasto), para manutenção da massa corporal; balanço energético positivo (ingestão > gasto), para ganho de massa corporal; ou balanço energético negativo (ingestão < gasto), para redução de massa corporal. Cabe ressaltar que tanto para ganho quanto para redução, foi citada massa corporal, e não massa magra ou gordura corporal, pois a magnitude de perda ouganho de cada um desses componentes dependerá de variáveis como modalidades de exercícios físicos praticadas, padrão dietético e composição de macronutrientes, perfil hormonal e carga genética. Para estimativa da ingestão energética, podem ser utilizadas abordagens tanto prospectivas quanto retrospectivas, sendo estas mais comumente aplicáveis na rotina da prática clínica (recordatório de 24 horas + padrão habitual de ingestão alimentar). Para estimativa do gasto energético, Rodriguez et al (2009) preconiza a utilização das fórmulas propostas por Harris e Benedict (1919), pelas DRIs, por Cunninghan (1982), além do registro diário de atividades para cálculos dos METs. Do ponto de vista prático, as duas primeiras opções apresentam maior aplicabilidade, mas destaca-se que ambas são métodos para estimativa, e não mensuração, portanto, estão passiveis de falhas. Sendo assim, qualquer técnica que estime o gasto deve ser considerada como ponto de partida e pode requerer ajustes ao longo do acompanhamento nutricional. Uma vez estabelecidos esses parâmetros, os desequilíbrios da balança energética podem ser conduzidos a partir dos seguintes ajustes: - Para ganho de massa corporal: incremento de 500 kcal a 1.000 kcal/dia em relação ao gasto energético diário total, visando ganho de 2 kg a 4 kg/mês. - Para redução de massa corporal: déficit de 500 kcal a 1.000 kcal/dia em relação ao gasto energético diário total, visando redução de 2 kg a 4 kg/mês. Além disso, cabe destacar que o ponto de partida para o incremento ou déficit calórico também pode ser conduzido com base no padrão de ingestão dietética relatado no recordatório alimentar, levando em conta alterações da composição corporal nas últimas semanas. O balanço energético é um ponto importante e crítico ao estabelecer o planejamento dietético, principalmente quando o objetivo é redução de massa corporal. Nesse sentido, o estabelecimento do balanço energético negativo deve ser cauteloso, pois, se muito severo, pode repercutir em: diminuição do rendimento esportivo; aumento da perda de massa magra; diminuição da imunocompetência; e prejuízo a produção hormonal. A Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (2009) preconiza que a redução de massa corporal pode ser induzida de maneira efetiva e segura a partir do débito de 10% a 20% das calorias gastas diariamente, sem induzir perda de performance e de massa magra. Recomendações de carboidratos A essencialidade dos carboidratos para a função celular já é amplamente conhecida e, para o exercício físico, sua participação recebe destaque ainda maior, já que é o substrato central para geração de energia, seja em modalidades de curta ou longa duração, de alta ou baixa intensidade. Nutrição e Suplementação Esportiva 13 Portanto, sua incorporação ao plano nutricional é crítica, devendo respeitar alguns aspectos básicos: 1. Objetivos. 2. Tempo de realização do exercício físico, por sessão e por dia. 3. Tempo de descanso entre a primeira sessão de exercício físico e a segunda, seja no mesmo dia ou no dia subsequente. Para estruturação da oferta de carboidrato ao longo do dia, o primeiro aspecto a ser levado em consideração é o volume de exercício físico praticado diariamente, conforme descrito: - Atividades de baixa intensidade: 3 g a 5 g/kg de massa corporal/dia. - Atividades moderadas, com aproximadamente uma hora de duração: 5 g a 7 g/kg de massa corporal/ dia. - Atividades de endurance, com exercícios de uma a três horas de duração e intensidade moderada a alta: 6 g a 10 g/kg de massa corporal/dia. - atividades de ultraendurance, com exercícios de duração maior que quatro ou cinco horas e intensidade moderada a alta: 8 g a 12 g/kg de massa corporal/dia. Uma vez conhecida a quantidade de carboidrato a ser consumida, o próximo passo é compreender como essa quantia deverá ser distribuída ao longo do dia, visando atender aos três grandes momentos relacionados à prática do exercício físico: - Pré-exercício físico: tem o objetivo principal de armazenar energia para utilização durante o exercício na forma de glicogênio hepático e muscular, já que quanto maior for a concentração deste no início da atividade física, melhor será o rendimento. Destaca-se que o período que antecede a prática não deve ser pensado somente como o momento imediatamente antes do treino/prova, mas sim as 24 ou 48 horas anteriores. - Durante o exercício físico: tem o objetivo principal de diminuir a taxa de uso do glicogênio hepático e muscular, que passa a ser crítico para os momentos finais do exercício. - Após o exercício físico: tem o objetivo principal de repor os estoques de glicogênio hepático e muscular, mas ressalta-se que esse momento não se traduz somente pelo período próximo ao término da modalidade, mas sim todo aquele que antecederá a realização da próxima sessão de treino/prova. Carboidratos antes do exercício físico Como descrito brevemente no tópico anterior, a oferta de carboidrato no período que antecede o treino possui como objetivo principal o armazenamento de energia na forma de glicogênio, tanto no fígado quanto no músculo esquelético, sendo este determinante para o rendimento esportivo e o primeiro para manutenção do estado euglicêmico. No que diz respeito ao rendimento esportivo, a oferta de carboidrato no período que antecede o treinamento deve levar em consideração o aspecto duração do exercício físico. Para modalidades/ provas que apresentarem duração superior a 60 minutos, é preconizada a oferta de 1 g a 4 g/kg de massa corporal ao longo de uma a quatro horas que antecedem a prática. Considerando a capacidade de aumento dos estoques de glicogênio muscular e hepático, o período de três a quatro horas possui maior relevância, por ser tempo suficiente para digestão, absorção, captação celular do carboidrato e subsequente armazenamento na forma de glicogênio, comportando também grandes volumes de refeições. Para isso, relatos na literatura científica indicam que o consumo de 200 a 300 gramas de carboidrato nesse período são suficientes para aumentar os estoque intramusculares de glicogênio muscular e influenciar positivamente o rendimento. Nutrição e Suplementação Esportiva 14 Em contrapartida, os períodos de zero, uma ou duas horas antes do exercício físico apresentam pouca ou nenhuma influência sobre o rendimento, sendo considerados como refeições de complementação dietética. Ressalta-se também que, nesses períodos, o volume das refeições necessita ser menor, já que a taxa de esvaziamento gástrico se torna reduzida durante o exercício físico, aumentando o risco de desconfortos caso o volume de alimentos seja grande. Sendo assim, além do menor volume, sugere-se restrições quanto à presença de outros nutrientes, como proteínas e lipídios, além das fibras alimentares. De qualquer maneira, o aspecto tolerância individual deve ser muito bem considerado, pois alguns indivíduos podem ser mais ou menos tolerantes, sendo esse o critério mais importante para determinação do volume e dos itens alimentares que comporão essas refeições. Em situações específicas, como competições, a oferta de carboidratos já pode ser devidamente planejada ao longo das 24 ou 48 horas que antecedem o evento, conforme segue abaixo: - Preparação para eventos com duração > 90 minutos (estratégia de abastecimento geral): 7 g a 12 g/kg de massa corporal ao longo das 24 horas. - Preparação para eventos com duração > 90 minutos (carga de carboidrato): 10 g a 12 g/kg/ dia ao longo das 36 ou 48 horas que antecedem o evento, sem a necessidade de realizar a fase de baixo consumo de carboidrato (protocolo antigo de supercompensação de carboidrato – fase de depleção seguida de compensação).As opções de alimentos a ser incorporados à alimentação deverão respeitar diversos aspectos da rotina individual, mas, conforme a necessidade do nutriente aumenta, existe risco maior de incapacidade de comportar grandes quantidades de alimentos. Portanto, o consumo daqueles com grande quantidade de gordura e fibras, por apresentarem elevado poder de geração de saciedade, pode ser reduzido. Além disso, a elaboração de refeições com alta densidade energética também recebe destaque, além do aumento de frequência alimentar, com consumo de refeições de volume reduzido. Observação: para modalidades que forem praticadas com duração de até 60 minutos, não há quantidade de carboidrato específica a ser consumida antes do exercício físico, devendo ser respeitada simplesmente a quantidade diária total a ser administrada, de acordo com o planejamento dietético e a preferência do indivíduo. Carboidratos durante o exercício físico A manutenção da glicemia constante e a minimização do uso do glicogênio hepático e muscular são pontos de alta relevância durante a prática esportiva. A diminuição da glicemia repercute em diminuição da oferta de glicose para o cérebro, além de aumentar a cortisolemia, o que pode predispor a imunossupressão, principalmente em modalidades de longa duração. Já a diminuição do glicogênio muscular pode impactar diretamente, e de forma negativa, o rendimento nos momentos finais do exercício físico, já que é fonte de energia direta para geração da contração muscular. A oferta de carboidrato durante o exercício físico surge como ferramenta capaz de controlar esses dois aspectos, mas só passa a ter relevância em atividades com duração superior a 60 ou 90 minutos. Até esse volume, se os estoques de glicogênio hepático e muscular forem altos no momento em que a atividade for iniciada, sustentam a prática do exercício físico por si só, não havendo melhoras de rendimento com a oferta de carboidrato de origem exógena. Os carboidratos a ser administrados durante o exercício físico devem apresentar rápida velocidade de absorção e disponibilização para as células musculares, na ordem de 30 g a 60 g/hora de exercício físico (0,5 g a 1,0 g/min). Nutrição e Suplementação Esportiva 15 Dessa forma, os carboidratos devem apresentar índice glicêmico alto, podendo ser ofertados na forma líquida, em gel ou sólida. De preparação líquida, os principais exemplos são: repositor hidroeletrolítico, que é a combinação de água, carboidratos e eletrólitos; sacarose, dextrose e/ou maltodextrina dissolvidos em água; gel esportivo + água; e alimentos sólidos + água. Qualquer uma dessas fontes apresenta índice glicêmico alto, sendo de rápida disponibilidade para a corrente sanguínea, não existindo diferenças relevantes no que diz respeito à velocidade de absorção. Como a taxa de esvaziamento gástrico durante o exercício físico é diminuída em comparação ao repouso, as opções a ser ingeridas devem apresentar concentração variando entre 6% e 8%, a qual pode ser calculada pela seguinte fórmula: Concentração (%) = massa (g) / volume (ml) Cabe destacar que a ingestão deve ser realizada logo a partir dos primeiros minutos de exercício físico, já que a intenção é minimizar o uso do glicogênio muscular e hepático. Carboidratos após o exercício físico No período que sucede o treinamento físico ou a prova, a reposição do glicogênio hepático e muscular pode ou não ser critério emergencial. Para responder tal questão, faz-se necessário saber qual é o tempo de descanso entre uma sessão e outra. Quando o intervalo for inferior a oito horas, duas estratégias podem ser adotadas: - Rodriguez et al (2009): 1 g a 1,5 g/kg de massa corporal a cada duas horas, por quatro a seis horas. - Burke et al (2011): 1 g a 1,2 g/kg de massa corporal/h ao longo de quatro horas. O tipo de carboidrato, para esses casos, deve ser prioritariamente de alto índice glicêmico, para disponibilizar o nutriente à musculatura de maneira rápida, resultando também em altas concentrações de insulina. Esse hormônio é considerado “chave” na ativação da enzima glicogênio sintase, potencializando a resposta de síntese do glicogênio. A forma de administração preconizada pelo ACSM (2009), do ponto de vista prático, apresenta melhor aplicabilidade na rotina diária de um indivíduo. Para rotinas de exercício físico que apresentam descanso superior a oito horas entre as sessões, a oferta de carboidrato não segue regra específica no que diz respeito à quantidade e ao índice glicêmico. Assim, deve-se respeitar somente a quantidade diária específica para a duração de exercício praticada, distribuída de acordo com a preferência individual. Nota importante: a administração de carboidrato após o exercício físico não estimula a síntese proteica muscular e não “poupa” aminoácidos para serem desviados para a síntese de proteínas. Esse assunto será abordado em mais detalhes no tópico de proteínas. Recomendações de proteínas O exercício físico, de qualquer natureza, aumenta as necessidades de aminoácidos pela musculatura esquelética, os quais serão determinantes para promoção das adaptações musculares e/ou regeneração tecidual. Este tópico, em especial, será dividido em duas sessões: 1) proteínas para o exercício físico resistido e 2) proteínas para o exercício físico prolongado. Proteínas para o exercício físico resistido Como citado anteriormente, o exercício físico resistido gera como adaptação o aumento da quantidade de miofibrilas, resultante da síntese proteica aumentada para actina e miosina, sendo essa resposta completamente dependente da oferta exógena de aminoácidos. Nutrição e Suplementação Esportiva 16 Levando em consideração que a massa muscular é mantida pelo balanço entre síntese e degradação proteica (síntese = degradação: manutenção; síntese > degradação: hipertrofia; síntese < degradação: atrofia), a partir do momento em que o exercício físico resistido é praticado, graças ao seu importante componente excêntrico, há grande dano celular e, como consequência, estímulo à degradação proteica visando à destruição das proteínas danificadas, mantendo assim a qualidade das proteínas celulares. Sendo assim, o indivíduo finaliza o exercício físico em um estado de degradação proteica aumentada, superior à taxa de síntese proteica, caracterizando então uma situação de catabolismo e balanço proteico muscular negativo. Sabe-se que esse aumento da degradação proteica em comparação ao período de repouso pode perdurar por até cerca de 36 horas. Nos momentos iniciais após a finalização do exercício físico resistido, a situação catabólica requer ser modificada para o estado anabólico, e esse fenômeno só acontece na presença de aminoácidos, os quais podem ser obtidos a partir da oferta de uma proteína da dieta ou até mesmo de uma solução de aminoácidos, permitindo que o músculo entre em uma situação da balanço proteico positivo (síntese > degradação proteica). Após a prática do exercício físico resistido, a musculatura trabalhada apresenta maior sensibilidade à oferta de aminoácidos, exibindo alta resposta de estimulação da síntese proteica, que tem potencial de ser superior a taxa de degradação proteica por até 48 a 72 horas. Frente a esses conceitos, faz-se necessário compreender a quantidade de proteína diária requerida para atender às necessidades musculares, a quantidade de proteínas a ser consumidas por refeição, a fonte alimentar e o timing da ingestão. Quantidade de proteína diária Como citado, o exercício físico resistido causa aumento da necessidade de aminoácidos pelo músculo trabalhado, resultando em maior demanda proteica na alimentação. Em comparação a indivíduos sedentários, nos quais a necessidade está situadana faixa de 0,8 g a 1 g/kg/dia, Rodriguez et al (2009) preconizam que os engajados em exercícios físicos resistidos necessitam de oferta de 1,2 g a 1,7 g/kg/ dia. Além disso, destaca-se que aqueles que estão iniciando o treinamento precisam de maior oferta proteica dos que os já treinados, considerando que estes têm capacidade reduzida de estimulação de síntese proteica, por estarem cada vez mais próximos da capacidade máxima determinada geneticamente. Quantidade de proteínas por refeição É sabido que a síntese proteica muscular aumenta de maneira dose-dependente à oferta de aminoácidos essenciais, sendo que oferta exógena dos não essenciais passa a não ser necessária, já que o corpo tem capacidade de produzi-los de acordo com a necessidade orgânica. A única exceção são as situações de hipercatabolismo, a exemplo de queimados, portadores de HIV e câncer, que aumentam a taxa de uso dos aminoácidos não essenciais a ponto de a produção endógena não ser suficiente para atender às necessidades, fazendo-se necessária a oferta exógena. Aproximadamente 10 gramas de aminoácidos essenciais estimulam ao máximo a síntese proteica muscular em repouso. Como não há alimentos que forneçam somente esses nutrientes, eles podem ser encontrados em aproximadamente 20 a 25 gramas de uma proteína de alto valor biológico. Já no período pós-exercício físico, foi demonstrado que essa mesma quantidade é capaz de estimular ao máximo a síntese proteica, atendendo completamente às necessidades musculares e minando as necessidades de fornecimento complementar de aminoácidos (a exemplo dos BCAAs). Nutrição e Suplementação Esportiva 17 Essa afirmação dá-se pelo fato de que essa quantidade de proteína, além de fornecer todos os aminoácidos necessários para síntese proteica, possui quantidades suficientes de leucina, já mencionada anteriormente por ser o elemento-chave para ativação da cascata de síntese proteica, a partir da estimulação da mTOR. Após o exercício físico resistido, uma série de proteínas estimula a síntese proteica muscular, como observado após a administração de albumina, soja, leite, caseína, whey protein (ou proteínas do soro do leite – termo designado para definir o conjunto de proteínas solúveis do soro do leite) e carne vermelha. Entretanto, fatores como a velocidade de digestão e a absorção dos aminoácidos podem influenciar de maneira muito significante a magnitude dessa resposta, tópico abordado na próxima seção. Fonte alimentar Em 2007, o leite de vaca foi considerado um dos alimentos com melhor capacidade de atender às necessidades musculares de aminoácidos após o exercício físico resistido. Isso foi observado na administração desse alimento em comparação à soja, que proporcionou maior taxa de incorporação de aminoácidos na musculatura e, em longo prazo (treinamento), ganho aumentado de massa magra nos indivíduos que o consumiram. O leite de vaca apresenta característica heterogênea quanto às suas proteínas, possuindo frações tanto de lenta (caseína, correspondente a 80%) quanto de rápida digestão (whey protein, 20%) e, assim, dupla cinética de aparecimento de aminoácidos na corrente sanguínea. Esse padrão confere ao alimento o potencial de disponibilizar aminoácidos para a musculatura esquelética (e todas as células do corpo) de maneira rápida (whey protein) e sustentada (caseína). Entretanto, levando em consideração a existência desses dois grandes conjuntos, cabe compreender quais dessas proteínas têm capacidade de proporcionar tal resposta muscular: a caseína, a whey protein ou a interação entre ambas. a) Whey protein As proteínas do soro do leite são obtidas como produto secundário à fabricação do queijo, com o soro sendo submetido a um processo industrial subsequente para extração das proteínas. Estão disponíveis no mercado três tipos de whey protein: concentrada, isolada e hidrolisada. A whey protein concentrada pode apresentar até cerca de 80% de proteínas, contendo frações muito pequenas de carboidrato (lactose) e lipídios. A versão isolada apresenta como característica principal a ausência de carboidrato e lipídios, sendo aplicável principalmente para dois públicos que não toleram a versão concentrada, por apresentarem alto grau de geração de gases intestinais e/ou intolerância à lactose. Já a versão hidrolisada é, normalmente, obtida a partir da whey protein isolada, a qual é submetida ao tratamento enzimático para fragmentação das suas proteínas, digerindo-as parcialmente. Entretanto, existem dados na literatura científica que demonstram que a hidrólise da whey protein não aumenta sua velocidade de absorção, já que as proteínas extraídas do soro do leite já são naturalmente de rápida digestão. Dessa forma, o público que pode ser beneficiar das proteínas hidrolisadas é aquele que apresentam alergia a essas proteínas, principalmente a beta-lactoglobulina, que é aquela com maior potencial alergênico (inexistente no leite humano). As proteínas derivadas do soro do leite apresentam, além da rápida digestibilidade, que é conferida pela sua alta estabilidade em pH ácido (portanto, possuem rápido esvaziamento gástrico e digestão principalmente no intestino delgado), altas concentrações de aminoácidos essenciais e alto Escore de Aminoácidos Corrigido pela Digestibilidade Verdadeira das Proteínas (PDCAA). Nutrição e Suplementação Esportiva 18 Alguns autores consideram tal composição como similar à da musculatura humana, que possui alto nível de assimilação desses aminoácidos. b) Caseína A caseína, embora apresente alta concentração de aminoácidos essenciais e alto PDCAA, diferencia-se da whey protein principalmente pela sua cinética de digestão e absorção. Por ser instável em pH ácido, uma vez entrando em contato com o suco gástrico, forma grandes globos sólidos no estômago, apresentando então lenta taxa de esvaziamento gástrico e lenta digestão e disponibilização dos seus aminoácidos para a corrente sanguínea, consequentemente, para a musculatura esquelética. c) Whey protein X caseína – efeitos sobre a musculatura em repouso e após o exercício físico resistido Quando analisado o efeito da administração de whey protein ou caseína, tanto em repouso quanto após o exercício físico resistido, os resultados indicam que a velocidade de disponibilização dos seus aminoácidos para a musculatura esquelética é ponto crítico para estimulação da síntese proteica. Em repouso e após o exercício resistido, a estimulação pela whey protein é cerca de 90% e 120% maior quando comparada com a promovida pela caseína, respectivamente. Dados similares também são encontrados em indivíduos idosos, o que pode ser extremamente benéfico para estes, já que a diminuição da progressão de perda de massa muscular e o seu desenvolvimento são pontos importantes na prevenção e tratamento da sarcopenia. Por fim, a partir da comparação dessas duas fontes proteicas de maneira isolada, a whey protein passou a ser considerada como a possuidora das “proteínas ativas” do leite, configurando-se como as principais responsáveis por conferir a este o título de melhor alimento proteico. Timing da ingestão proteica Atualmente, está evidente na literatura que até mesmo mais importante do que a quantidade de proteína a ser consumida é o momento da ingestão. Após o término do exercício físico, a reversão do quadro de catabólico para anabólico é fundamental e, conforme descrito anteriormente, a rápida chegada de aminoácidos à musculatura faz-se necessária. Portanto, a whey protein (ou o leite de vaca) desponta como a melhor opção de consumo no período pós- exercício físico. Pelo fato de a whey protein possuir rápido esvaziamento gástrico e o pico de aminoácidos na corrente sanguínea acontecerem cerca de 30 a 60 minutos, a oferta dessa proteína também pode ser realizada no período que antecede o exercício físico resistido, caso a rotina diária e/ou dietética do indivíduo impeça o consumo após o término da sua prática. Isso já foi investigado na literatura, e a síntese proteica após o exercício físico nas condições de consumo da proteína antes ou depois não apresenta diferença significativa. Combinação de proteína + carboidrato para estimulação da síntese proteica muscular Classicamente, os carboidratos são conhecidos como “poupadores” de aminoácidos e proteínas, permitindo a criação de uma rotina constante de combinação destes com aqueles, principalmente de alto índice glicêmico. Tal prática, do ponto de vista hipotético, permitiria que o carboidrato desempenhasse papel energético, poupando assim os aminoácidos para serem desviados para síntese proteica. Caso a proteína fosse administrada, os aminoácidos desempenhariam papel duplo, ou seja, atuariam como repositores energéticos e recuperadores da musculatura, diminuindo assim a capacidade de estimulação da síntese proteica. Nutrição e Suplementação Esportiva 19 Entretanto, esta prática apresenta pouca ou nenhuma fundamentação do ponto de vista científico, sendo utilizada de maneira empírica. Já foi demonstrado que oferta de proteína após o exercício físico, com ou sem o carboidrato, gera a mesma resposta. Dessa forma, postula-se que o carboidrato desempenha papel exclusivamente energético, ao passo que a proteína é responsável pela síntese proteica, sem efeito interativo entre ambos no que diz respeito a resposta anabólica. Proteínas e exercício físico de endurance A relação entre oferta proteica e prática de exercícios prolongados é relativamente menos conhecida que aquela existente para o exercício resistido, mas praticamente todos os conceitos descritos anteriormente se aplicam a essa modalidade. Primeiramente, exercícios com características aeróbias também aumentam a necessidade diária de proteínas, as quais, de acordo com Rodriguez et al (2009), devem ser ingeridas na faixa de 1,2 g a 1,4 g/kg de massa corporal/dia. Durante a prática de exercícios de característica aeróbia, também há geração de danos às células e às proteínas musculares, os quais são principalmente (não exclusivamente) mediados pela geração de EROs decorrentes do metabolismo mitocondrial. Dessa forma, essa prática também implica a finalização do exercício físico em estado catabólico. Entretanto, as adaptações musculares induzidas por modalidades que apresentam esse componente parecem não depender da oferta proteica. Por exemplo, a síntese proteica mitocondrial não é responsiva à ingestão de proteínas. Entretanto, o consumo de refeições proteicas após sua prática faz-se necessário para a síntese de proteínas que foram danificadas, com destaque também para as frações de rápida digestão. A forma de distribuição das proteínas ao longo do dia pode seguir os conceitos citados anteriormente, com a administração de 20 a 25 gramas de proteínas por refeição. Recomendações de lipídios Os lipídios apresentam uma série de funções no organismo, destacando-se o papel energético, de precursor hormonal e de regulador do sistema imunológico. Na alimentação, eles podem ser obtidos tanto na forma de triglicerídeos (os quais correspondem a cerca de 95% dos lipídios dietéticos) como de colesterol e fosfolipídios. A relação entre exercício físico e metabolismo lipídico é muito próxima, já que este pode representar grande componente energético durante a prática de modalidades com característica de predominância aeróbia, atuando principalmente na manutenção da glicemia e na redução da utilização de glicogênio muscular como substrato energético. Embora o planejamento dietético necessite de cuidado muito grande com relação à oferta de carboidrato, os lipídios são os últimos a ser estruturados, atuando muitas vezes como complementadores do valor energético diário almejado. Porém sua presença é fundamental, principalmente no que diz respeito à oferta de ácidos graxos essenciais (da família ômega 3 e 6). A porcentagem de lipídios na dieta deve perfazer aproximadamente 20% a 35% do valor energético diário total, considerando distribuição de cerca de 1/3 de ácidos graxos saturados, 1/3 de monoinsaturados e 1/3 de poli-insaturados. A ingestão de colesterol deve ser ofertada com limite de 300 mg/dia, ou então 100 mg para cada 1.000 kcal consumidas. A ingestão deficitária de lipídios pode apresentar uma série de consequências negativas ao indivíduo, já sendo muito bem estabelecido que valores inferiores a 20% não se traduzem em benefícios adicionais. Nutrição e Suplementação Esportiva 20 Além disso, sempre que a restrição energética for almejada, deve-se priorizar a oferta de ácidos graxos essenciais, os quais apresentam papel imunomoluador importante, resultante da produção e expressão de diversas citocinas, tanto com potencial inflamatório quanto anti-inflamatório. Por exemplo, ácidos graxos da família ômega 6 são precursores de citocinas e prostaglandinas pró-inflamatórias, enquanto que os ômega 3 dão origem a citocinas e prostaglandinas com potencial inflamatório menor, atuando assim como anti-inflamatórias. A musculatura exercitada tem capacidade de produzir naturalmente as citocinas pró-inflamatórias, as quais desencadeiam aumento da captação de glicose e redução da atividade anabólica desse tecido, estabelecendo então um perfil pró-catabólico. Além disso, no período de recuperação, momento em que existe o quadro inflamatório com finalidade de reparação tecidual, essas citocinas são gatilho importante para a ativação de cascatas intracelulares envolvidas na destruição das estruturas celulares danificadas. Sendo assim, o perfil dietético de ácidos graxos essenciais pode contribuir diretamente para tal processo, sendo necessária razão ômega 6:ômega 3 de aproximadamente 4-5:1. Considerando que a dieta ocidental está marcada por uma razão de entre 15:1 e 40:1, isso implicaria ao organismo um desequilíbrio na produção de substâncias pró e anti-inflamatórias. Como repercussões, por exemplo, poderia existir menor tempo de recuperação muscular entre as sessões e desequilíbrio nos mediadores imunes. Hidratação A partir do momento que o ATP é utilizado para “doação” de energia para a atividade celular, cerca de 75% dessa energia é completamente perdida na forma de calor. Os seres humanos, assim como várias espécies, são isotermais, ou seja, devem manter sua temperatura corporal relativamente estável, sendo que situações tanto de hiper quanto hipotermia representam grande risco à saúde, podendo culminar em morte dependendo da magnitude de variação. Esse comportamento é similar ao da glicemia, que é uma outra prioridade do organismo. Em condições de exercícios físico, a demanda energética é maior em comparação ao repouso (variável totalmente dependente da intensidade do exercício físico, ou seja, quanto mais elevada a intensidade, maior a demanda energética) e, assim, mais representativa será a produção de calor pelo organismo, contribuindo para elevação da temperatura corporal. Por exemplo, durante o período de repouso, o dispêndio energético está situado em torno de 1 kcal por minuto, ao passo que durante o exercício físico esse valor pode chegar a cerca de 20 kcal/minuto. Uma vez estando presente tal situação, o corpo precisa apresentar mecanismos capazes de dissipar esse calor para o ambiente, estabilizando assim sua temperatura. Dentre os mecanismos que permitem essa troca de calor, podemos citar radiação, condução, convecção e evaporação. Os três primeiros não são mecanismos fisiológicos, ao passo que a evaporação sim, e depende,além de fatores ambientais, da regulação hipotalâmica. A radiação envolve a troca de calor a partir da emissão de raios infravermelhos entre corpos, objetos e o ambiente, não requerendo contato entre objetos ou corpos. Por exemplo, a radiação pode acontecer entre o homem e o ambiente. Para a condução, faz-se necessário que o calor seja conduzido do meio mais quente para o mais frio, havendo um meio líquido, gasoso ou sólido atuando como um veículo. A condução de calor do homem para o ambiente é dependente da umidade relativa do ar, já que a água é considerada uma boa condutora, diferentemente de gordura, borrachas e plásticos. Nutrição e Suplementação Esportiva 21 A convecção é a troca de calor mediada pela movimentação corporal, podendo acontecer tanto pela água quanto pelo ar. Para esse aspecto, cabe ressaltar a importância existente na regulação do calibre dos vasos sanguíneos periféricos. Nesse caso, existindo vasodilatação, o sangue é direcionado em maior volume para a região cutânea, facilitando a troca de calor mediada pela condução. Existindo vasoconstrição, esse processo fica dificultado, atuando de maneira oposta. A evaporação, por sua vez, surge como principal mecanismo termorregulatório, sendo diretamente regulada endogenamente pelo hipotálamo. Nesse processo, a perda de calor dá-se a partir da produção de suor pelas glândulas sudoríparas quando o ambiente apresenta temperatura maior que a do corpo, ou então quando a produção de calor endógena permite elevação da temperatura corporal a valores superiores a 38 graus Celsius. Embora esse mecanismo seja regulado endogenamente, importantes fatores ambientais podem influenciar tal resposta, a exemplo de temperatura ambiente, umidade relativa do ar e roupas. Por fim, é esperado que, durante o exercício físico, a produção de calor seja aumentada, causando elevação da temperatura corporal e, assim, elevação da taxa de sudorese, influenciando então o balanço hídrico do indivíduo. Levando em conta que esse balanço hídrico passa a ser influenciado por taxa de suor e perda hídrica, e que precisa ser mantido, a oferta de líquidos a partir da dieta torna-se ainda mais essencial. Para isso, além de se considerar a perda de água, é fundamental compreender a composição do suor no que diz respeito à presença de eletrólitos, pois, quanto mais elevada a sudorese, o risco de desequilíbrio eletrolítico aumenta. Conforma apresentado na tabela 1, o íon mais representativo no suor é o sódio, mesmo sua concentração sendo inferior à do plasma, sendo possível observar diminuição das concentrações do mineral no suor como forma de adaptação ao treinamento físico, aumentando gradualmente a osmolalidade sanguínea. Uma vez estabelecidos tais conceitos, é possível observar que o indivíduo, na ausência de consumo de alimentos e/ou líquidos, terminará o exercício físico com massa corporal igual ou inferior ao período que antecede o treino, sendo a perda mais substancial nas modalidades de longa duração. Assim, a perda de líquidos culmina em diminuição do volume plasmático, fazendo-se necessária a reposição, pois, caso contrário, a temperatura corporal aumenta (para cada 1% de perda de massa corporal durante o exercício físico, ela sobe na ordem de 0,1º C a 0,23 ºC). Esse fenômeno reflete-se em redução do teor hídrico no meio intracelular em decorrência da osmose, ou seja, com o meio extracelular tornando- se mais concentrado, a água é direcionada de dentro para fora da célula na intenção de equilibrar as concentrações, comprometendo assim a atividade celular. O quadro de hipo-hidratação é caracterizado quando a perda de água é superior a 2% da massa corporal, sendo esse o alvo do planejamento hídrico do indivíduo durante a prática esportiva. Até 3% e sob condições climáticas adequadas, não são observadas alterações na capacidade aeróbia, mas reduções de 2% a 4% da massa corporal combinadas a temperatura ambiental elevada passam a comprometer a capacidade aeróbia, contribuindo para o adiantamento da fadiga. Perdas superiores a 7% representam grande risco de desordens orgânicas, podendo ocorrer colapso circulatório, choque térmico e até mesmo a morte. Tabela 1. Concentração de eletrólitos no suor, na plasma e no meio intracelular Suor (mmol/L) Plasma (mmol/L) Sódio 20 a 80 130 a 155 Potássio 4 a 8 3,2 a 5,5 Cloreto 20 a 60 96 a 110 Cálcio 0 a 1 2,1 a 2,9 Magnésio < 0,2 0,7 a 1,5 Bicarbonato 0 a 35 23 a 28 Fosfato 0,1 a 0,2 0,7 a 1,6 Sulfato 0,1 a 0,2 0,3 a 0,9 Nutrição e Suplementação Esportiva 22 para cada quilo de massa corporal, pelo menos quatro horas antes, na forma de água ou bebidas esportivas. Ressalta-se que, na grande maioria das vezes a hiper-hidratação não é sugerida, pois iniciar o exercício físico com volume sanguíneo aumentado implica risco elevado de eliminação excessiva de líquidos durante o exercício físico, potencializando o risco de desidratação. Durante o exercício físico, a administração de líquidos deve considerar uma série de variáveis, como: objetivos, umidade relativa do ar, temperatura ambiente, taxa de sudorese, características das modalidades (como intensidade e duração), acesso às bebidas e tolerância individual. Nesse período, a intenção não é que o indivíduo termine o exercício sem variações da massa corporal, mas sim que ocorram reduções de até 2%, considerada a faixa “adequada” de perda hídrica sem riscos à saúde e ao rendimento esportivo. Para isso, recomenda-se a administração de cerca de 200 ml a 250 ml para cada 15-20 minutos, com esse volume podendo chegar a cerca de 2 litros por hora em situações específicas. Além do mais, é essencial que sejam estabelecidos critérios para a seleção do tipo de bebida, conforme segue: TA = temperatura ambiente; URA = umidade relativa do ar. Uma vez utilizando-se um repositor hidroeletrolítico, é sugerida a oferta de uma solução que contenha 0,5 Tendo todos esses conceitos estabelecidos, é fundamental compreender o percentual de variação da massa corporal a partir da prática das diferentes modalidades esportivas e, assim, elaborar o planejamento de hidratação. Para isso, os procedimentos básicos são avaliar a massa corporal antes e depois do exercício físico e a quantidade de líquidos e/ou alimentos ingeridos, conforme a fórmula abaixo: Cálculo da taxa de sudorese Passo 1: MC antes da atividade, em kg – MC após a atividade, em kg = Delta de variação da MC, em kg Passo 2: (Delta de variação da MC, em kg + volume ingerido, em litros) – volume de urina, em litros = Volume de suor, em litros Passo 3: Volume de suor, em litros x 1.000 para conversão de litros em mls Passo 4: Volume de suor, em ml / minutos de atividade = ml de suor/min de atividade Legenda: MC, massa corporal. O planejamento de oferta de líquidos deve ser considerado para os períodos prévio, corrente e posterior à prática da modalidade, seguindo os seguintes objetivos: • Antes do exercício físico: hidratar-se e ter tempo suficiente para eliminar possíveis excessos de líquidos. • Durante o exercício físico: repor líquidos e, possivelmente eletrólitos, mantendo o estado hídrico adequado, com perdas de até 2% da massa corporal. • Após o exercício físico: repor o líquido e os eletrólitos perdidos durante a prática. No período que antecede o exercício físico, é sugerida a administração de 5 ml a 7 ml de líquidos Tabela 2. Seleção de bebidas para consumo durante o exercício físico. Até 45 minutos Água 45 a 75 minutos Pequenas quantidade de carboidrato, para bochecho >60 a 90 minutos Carboidrato, em solução de 6% a 8% > 90 minutos Repositor hidroeletrolítico, com carboidrato na concentração de 6% a 8% Alta TA e/ou URA, independentemente da duraçãoRepositor hidroeletrolítico, com carboidrato na concentração de 6% a 8% Nutrição e Suplementação Esportiva 23 g a 0,7 g de sódio e 0,8 g a 2 gramas de potássio por litro de bebida. A concentração de 6% a 8% é preconizada em decorrência de o esvaziamento gástrico durante o exercício físico ser drasticamente modificado em comparação ao repouso. Esse fenômeno ocorre em função da redistribuição do fluxo sanguíneo do trato gastrointestinal para a musculatura esquelética em atividade. Portanto, bebidas com concentrações maiores podem aumentar o risco de desconforto gástrico, podendo prejudicar também o rendimento esportivo, sendo utilizadas em situações muito específicas, como em atividades em altitude elevada. A temperatura ideal da bebida deve estar situada entre 15 oC e 22 oC, e o sabor deve respeitar exclusivamente a preferência individual. No período que sucede o exercício físico, toda a massa corporal perdida durante a prática é considerada como perda de líquidos, já que estes representam cerca de 95% daquela. Portanto, considera-se que 1 quilo de massa corporal perdida é equivalente a 1 litro de líquido. Nesse momento, quando há a necessidade de reposição de todo o conteúdo perdido, a estratégia não segue critérios complexos, necessitando apenas que o volume sugerido seja administrado em até duas a quatro horas após o término da modalidade. Para oferta mínima, é sugerida a administração de 450 ml a 675 ml de líquidos para cada 500 g de massa corporal perdida durante o exercício físico, sendo a reposição total situada em torno de 150% desta. Quanto às opções de bebidas, concentrações e volume específico a ser administrado por minuto, não existem critérios limitados, pois não há mais riscos de desconfortos gástricos como é observado durante o exercício físico. Entretanto, existem certos benefícios advindos do consumo de algumas soluções ou alimentos em detrimento à água. Por exemplo, bebidas flavorizadas, com temperatura entre 10 ºC e 15 ºC, aumentam a ingestão voluntária, facilitando a reposição hídrica. Além do mais, a presença de carboidrato contribui para a ressíntese de glicogênio, tanto muscular quanto hepático. Quando adicionado sódio, este favorece a retenção de líquido no sangue, contribuindo para o estado de hidratação. Por fim, existe uma série de vantagens quanto à administração de alimentos nesse período, principalmente leite e frutas. O primeiro, além de conter água, possui eletrólitos que favorecem a retenção hídrica, carboidrato e proteína, enquanto que as frutas, além de água, fornecem carboidratos e eletrólitos. Vitaminas e minerais e exercício físico A sinergia entre a oferta nutricional e o ótimo rendimento esportivo, principalmente no que diz respeito aos macronutrientes, já está muito bem consolidada, mas em franca e contínua expansão, já que estes são fontes de energia ou atuam no processo de recuperação tecidual. Seja para uma ou outra função, além de manutenção da saúde e correto funcionamento orgânico, os micronutrientes também foram (e são) investigados quanto ao papel desempenhado no rendimento esportivo. Tanto as vitaminas quanto os minerais são considerados elementos básicos para a formação de estruturas celulares e de enzimas. A necessidade de vitaminas e minerais para indivíduos sedentários já está bem descrita e, para indivíduos fisicamente ativos, sua participação na manutenção da saúde e do rendimento é tão importante quanto. Porém, embora existam bases empíricas que sustentam a necessidade aumentada na dieta dessa população, cientificamente já é bem claro que essa não chega a ponto de se fazer necessária sua suplementação. Esta, por sua vez, só apresenta algum tipo de aplicação caso a dieta não seja suficiente para atender a demanda, seja por dificuldades na ingestão ou por restrições alimentares voluntárias ou involuntárias. Nutrição e Suplementação Esportiva 24 Partindo desse princípio, cabe considerar a função de cada um desses nutrientes no organismo, para que o planejamento dietético atenda às recomendações diárias preconizadas pelas Dietary Reference Intakes. Para isso, a seguir estão descritas as funções das principais vitaminas e minerais, com foco no exercício físico: SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR Os suplementos alimentares estão disponíveis tanto no mercado nacional quanto internacional, sendo implementados na alimentação com a intenção de complementar o aporte de nutrientes ou de fornecer substâncias que aumentem o rendimento físico. No Brasil, a regulamentação iniciou-se em 1998, com os produtos sendo classificados em grupos específicos, destinados a indivíduos praticantes de atividade física. Dez anos depois, o panorama foi modificado a partir de uma consulta pública realizada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), na intenção de revisar alguns aspectos, como: modificar o termo “praticantes de atividade física” para “atletas”, destinando-se esses produtos especificamente à população que possui alta demanda energética, já que indivíduos desportistas conseguem, na maioria das vezes, atender às necessidades nutricionais a partir da alimentação; liberar novamente a venda de creatina, a qual estava suspensa; e permitir a comercialização de cafeína. Tabela 3. Funções biológicas de algumas vitaminas em relação ao exercício físico (Adaptado de Lukaski, 2004). Funções Sinais ou sintomas de deficiência Tiamina (B1) Metabolismo de carboidratos e aminoácidos Fraqueza, diminuição da resistência, perda de massa corporal e muscular Riboflavina (B2) Metabolismo oxidativo, cadeia transportadora de elétrons Alterações de pele e mucosa e da função do sistema nervoso central Niacina Metabolismo oxidativo, cadeia transportadora de elétrons Irritabilidade, diarreia Piridoxina (B6) Gliconeogênese e metabolismo de aminoácidos Dermatite, convulsões Cianocobalamina (B12) Síntese de hemoglobina Anemia, alterações neurológicas Ácido fólico Síntese de hemoglobina e de ácidos nucléicos Anemia, fadiga Ácido Ascórbico (vitamina C) Antioxidante Fadiga, diminuição de apetite Retinol (vitamina A) Antioxidante Redução de apetite, propensão ao desenvolvimento de infecções Tocoferol (vitamina E) Antioxidante Danos aos nervos e musculares Tabela 4. Funções biológicas de alguns minerais em relação ao exercício físico (Adaptado de Lukaski, 2004). Funções Sinais ou sintomas de deficiência Magnésio Metabolismo energético, condução nervosa, contração muscular Fraqueza muscular, náusea, irritabilidade Ferro Síntese de hemoglobina Anemia, prejuízos cognitivos, respostas anormais do sistema imunológico Zinco Síntese de ácido nucleico, glicólise, remoção do dióxido de carbono Redução de apetite, retardo do crescimento, respostas anormais do sistema imunológico Cromo Metabolismo de glicose Intolerância à glicose Nutrição e Suplementação Esportiva 25 Em 2010, a resolução de 27 de abril decretou o último posicionamento da ANVISA, classificando os alimentos para atletas em diferentes categorias, conforme segue: - Suplemento hidroeletrolítico para atletas: destinado a auxiliar a hidratação. - Suplemento energético para atletas: destinado a complementar as necessidades energéticas. - Suplemento proteico para atletas: destinado a complementar as necessidades proteicas. - Suplemento para substituição parcial de refeições de atletas: destinado a complementar as refeições de atletas em situações nas quais o acesso a alimentos que compõem a alimentação habitual seja restrito. - Suplemento de creatina para atletas: destinado a complementar os estoques endógenos de creatina. - Suplementode cafeína para atletas: destinado a aumentar a resistência aeróbia em exercícios físicos de longa duração. No quesito suplementação alimentar, cabe destacar a importância do Instituo Australiano de Esporte (AIS - http://www.ausport.gov.au/ais/nutrition) na elaboração dos materiais científicos publicados, categorizando as substâncias em quatro grupos: - Grupo A: suplementos sustentados para uso em situações esportivas específicas e que são fornecidos aos atletas do AIS, com base na prescrição baseada em evidências. - Grupo B: suplementos que merecem pesquisas futuras e que são considerados para consumo pelos atletas do AIS somente para protocolos de pesquisa. - Grupo C: suplementos que possuem poucas evidências de resultados benéficos e não são fornecidos aos atletas do AIS. - Grupo D: Suplementos que não devem ser usados pelo atletas do AIS. Com base na regulamentação brasileira, existem algumas diferenças importantes sobre os produtos que podem ser comercializados no mercado nacional em comparação ao internacional. Dado que nos tópicos anteriores já foram abordados alguns itens, neste tópico falaremos dos dois restantes, creatina e cafeína. Creatina A creatina é um composto produzido naturalmente pelo organismo, em fígado, rins e pâncreas, a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina. Uma vez sintetizada, essa molécula é armazenada principalmente no músculo esquelético, mas também pode ser encontrada em tecidos como cérebro e coração. Sua função está diretamente relacionada com a geração de energia a partir do sistema anaeróbio alático (sistema ATP-CP). Por este ser sendo um ponto crítico na geração de energia em modalidades de alta intensidade e curta duração, a suplementação de creatina passou a ser vista como uma possível estratégia capaz de aumentar o rendimento em exercícios que apresentem tal característica. Para isso, o primeiro aspecto a ser considerado é se a maior oferta de creatina exógena aumentaria os estoques intramusculares de CP. Nesse sentido, na década de 1990, foi possível verificar que a suplementação da substância estava associada com aumento dos estoques intramusculares em torno de 20%. Sua oferta é capaz de proporcionar diferentes respostas de incorporação na musculatura esquelética, sendo que indivíduos que possuem menores concentrações basais (como vegetarianos) apresentam melhor resposta. Nutrição e Suplementação Esportiva 26 Situações para uso Existem evidências robustas de que a aplicação de creatina é eficaz em modalidades que apresentem curta duração e alta intensidade, além de curtos períodos de descanso entre as séries. Como exemplos, pode-se citar: - Indivíduos praticantes de musculação e que já são treinados, almejando aumento de força e de massa muscular. - Treinos que envolvam explosão, como corridas e ciclismo. - Modalidades esportivas que apresentem características intermitentes (momentos de explosão seguidos de descanso ou baixa intensidade), como futebol e basquete. Cautelas quanto ao uso de creatina Atualmente, existe um grande corpo de evidências demonstrando que a creatina apresenta diversos efeitos benéficos, com uma história de mais de 20 anos e poucos relatos de efeitos adversos, estando estes relacionados principalmente à função renal. Dos relatos adversos, os mais comuns são desconforto gastrointestinal e dores de cabeça. Tipos de creatina e forma de administração No mercado atual, já estão disponíveis alguns tipos de creatina, mas a preconizada para uso é a monoidratada, com algumas formas de administração capazes de promover aumento de creatina intramuscular: - É possível atingir o rápido aumento de creatina muscular em cinco dias, com quatro doses de 5 gramas. - Um lento aumento nos estoques intramusculares (cerca de 28 dias) pode ser obtido a partir da ingestão diária de três gramas de creatina. - O fornecimento de três gramas de creatina por dia é suficiente para manter as suas concentrações, uma vez que o músculo já esteja saturado. - Uma vez interrompida a suplementação, o músculo já saturado demora pelo menos quatro semanas para voltar aos valores de repouso. Os efeitos ergogênicos da creatina dão-se a partir do momento em que seus estoques no músculo esquelético se tornam elevados. Portanto, o melhor momento para seu consumo é após o exercício físico, conjuntamente com cerca de 50 a 100 gramas de carboidrato. Cafeína A cafeína, também conhecida como 1,3,7-trimethilxanthina, é uma substância naturalmente encontrada nos alimentos, sendo consumida por aproximadamente 90% da população. Essa substância já foi amplamente investigada no sentido de conhecer seu papel na saúde, mas tanto aspectos de benefícios quanto de malefícios ainda são relativamente escassos. Entretanto, ela é considerada segura por diversas agências de saúde, principalmente quando consumida em quantidades baixas a moderadas (cerca de 1 mg a 6 mg/kg/dia). Até 2004, a cafeína estava listada como substância proibida pela Agência Mundial Antidoping, já que possui atividade sobre diversos órgãos que podem influenciar o rendimento esportivo. Os alvos da cafeína são: - Tecido adiposo, induzindo lipólise. - Tecido muscular cardíaco, influenciando sua contratilidade. - Tecido muscular esquelético, influenciando sua contratilidade. Nutrição e Suplementação Esportiva 27 - Glândula adrenal, estimulando a secreção de adrenalina. - Sistema nervoso central, aumentando o alerta e diminuindo a percepção de esforço. Embora existam todas essas ações, é sugerido que as propriedades de melhora do rendimento esportivo em decorrência do uso de cafeína se deem principalmente pela sua ação no sistema nervoso central. Embora ela atue mobilizando ácidos graxos do tecido adiposo, não aumenta a oxidação de gordura durante o exercício físico, não sendo hábil a ponto de reduzir a utilização do glicogênio muscular como fonte de energia. Sua utilização está fundamentada para diversas modalidades, sejam de longa duração, contínua ou intermitente, ou de curta duração e alta intensidade, tanto antes quanto durante o exercício físico. Os protocolos atuais preconizam a sua aplicação de maneira mais “flexibilizada”, com dosagens de cerca de 1 mg a 3 mg/kg, ao invés de se chegar ao limite de 6 mg/kg cerca de uma hora antes da prática, minimizando também o risco de geração de efeitos desagradáveis, tais como tremores, taquicardia, insônia e desidratação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION et al. American College of Sports Medicine position stand: nutrition and athletic performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, v. 41, n. 3, p. 709-31, 2009. BURKE, L. M. et al. Carbohydrates for training and competition. Journal of Sports Science, n. 29, Suppl. 1, p. S17-27, 2011. CUNNINGHAM, J. J. Body composition and resting metabolic rate: the myth of feminine metabolism. American Journal of Clinical Nutrition, v. 36, n. 4, p. 721-6, 1982. HARRIS, J. A.; BENEDICT, F. G. A biometric study of basal metabolism in man. Washington, DC: Carnegie Institute of Washington, 1919. Publication n. 279. HARTMAN, J. W. et al. Consumption of fat-free fluid milk after resistance exercise promotes greater lean mass accretion than does consumption of soy or carbohydrate in young, novice, male weightlifters. American Journal of Clinical Nutrition, v. 86, n. 2, p. 373-81, 2007. LUKASKI, H. C. Vitamin and mineral status: effects on physical performance. Nutrition, v. 20, n. 7-8, p. 632-44, 2004. MOORE, D. R. et al. Differential stimulation of myofibrillar and sarcoplasmic protein synthesis with protein ingestion at rest and after resistance exercise. The Journal of Physiology, n. 587, pt.
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