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INSTITUTO TECNOLÓGICO AVANÇADO CURSO SEQUENCIAL EM SEGURANÇA PÚBLICA OILSON TREVISANUTO IMPLANTAÇÃO DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA NO BRASIL: Um estudo sobre qual modelo policial adotar Goiânia/GO 06/2018 OILSON TREVISANUTO IMPLANTAÇÃO DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA NO BRASIL: Um estudo sobre qual modelo policial adotar Trabalho de conclusão do curso Sequencial apresentado ao Instituto Tecnológico Avançado como requisito parcial para a obtenção do Certificado em Gestão em Segurança Pública. Orientador: Prof. Dr. Pedro Luis Pereira Neto Goiânia/GO 06/2018 OILSON TREVISANUTO IMPLANTAÇÃO DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA NO BRASIL: Um estudo sobre qual modelo policial adotar Trabalho de conclusão do curso Sequencial apresentado ao Instituto Tecnológico Avançado como requisito parcial para a obtenção do Certificado em Gestão em Segurança Pública. Aprovado em: _____ de _______________ de _______. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Pedro Luis Pereira Neto – Instituto Tecnológico Avançado - Coordenador Profa. Viviane Andrade Gomes Bueno – Instituto Andrade Bueno - Orientadora Goiânia/GO 06/2018 Dedico esta obra a todos os policiais brasileiros que labutam diariamente em prol de uma nação mais segura e justa. A todos Agentes Penitenciários do Brasil, na esperança de que num futuro próximo, todos sejam Policiais Penitenciários. “Inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança.” Stephen Hawking “O segredo da mudança é concentrar toda a sua energia, não na luta contra o velho, mas na construção do novo.” Sócrates RESUMO Palavras Chave: Polícia, Ciclo Completo de Polícia, Legislação, Sistema de Segurança Pública, PEC. Trabalho de Conclusão de Curso voltado à pesquisa sobre a implantação do chamado Ciclo Completo de Polícia para os órgãos policiais brasileiros, contrastando o modelo do ciclo policial brasileiro com modelos adotados em outros países, objetivando analisar e verificar o modelo mais acertado a ser adotado no Brasil. Os crescentes índices de violência e criminalidade revelam que o sistema de segurança pública do Brasil é, no mínimo, ineficiente, pois não se consegue conter e controlar a violência a níveis aceitáveis. A ineficiência da ação policial, a burocratização demasiada e os conflitos das polícias são reflexos do irracional modelo utilizado em que são necessários dois órgãos policiais para completar a persecução penal. De um lado temos a Polícia Militar, de caráter ostensivo-preventivo que inicia a ação policial e para por exigência constitucional, repassando para sua coirmã, a Polícia Civil, a responsabilidade da investigação do crime e eventual elucidação da autoria do delito. Essencialmente, quem perde com tudo isso é a sociedade. Para tanto, foram analisadas a legislação e os órgãos policiais brasileiros, bem como a atribuição de cada polícia. Em seguida, foi realizado levantamento da execução da ação policial de alguns países e apresentado as Propostas de Emenda Constitucional que pretendem atribuir o Ciclo Completo de Polícia para os órgãos policiais brasileiros. Finalmente, analiso o chamado Ciclo Completo de Polícia, demonstrando os benefícios, eficiência, agilidade, economia, celeridade e demais ganhos tanto para o governo como para a sociedade, apresentando na sequência, três possíveis modelos de organização estrutural para as polícias brasileiras no ciclo completo. Conclui-se que é necessário atribuir o ciclo completo de polícia a todas as polícias, rechaçando a ideia da desmilitarização e unificação das polícias militar e civil, propondo que é mais viável um cenário de múltiplas policias, autônomas, todas de ciclo completo, atuando de forma colaborativa umas com a outras. ABSTRACT Keywords: Police, Full Cycle of Police, Legislation, Public Security System. Conclusion work on the implementation of the so-called Full Cycle of Police for the Brazilian police, contrasting the model of the Brazilian police cycle with models adopted in other countries, aiming to analyze and verify the most successful model to be adopted in Brazil. The increasing levels of violence and crime reveal that Brazil's public security system is at least inefficient, since violence can not be contained and controlled at acceptable levels. The inefficiency of police action, too much bureaucratization and police conflicts are reflections of the irrational model used in which two police agencies are needed to complete the criminal prosecution. On the one hand we have the ostensible-preventive Military Police that initiates the police action and for constitutional requirement, passing on to its co-sister, the Civil Police, the responsibility for the investigation of the crime and eventual elucidation of the authorship of the crime. Essentially, the one who loses all of this is society. To do so, we analyzed the Brazilian law and police, as well as the attribution of each police. Next, a survey of the execution of the police action of some countries was carried out and the Constitutional Amendment Proposals were presented that intend to assign the Full Cycle of Police to the Brazilian police agencies. Finally, I analyze the so-called Full Cycle of Police, demonstrating the benefits, efficiency, agility, economy, speed and other gains for both the government and society, presenting, next, three possible structural organization models for Brazilian police in the complete cycle. It is concluded that it is necessary to assign the complete police cycle to all police, rejecting the idea of demilitarization and unification of the military and civil police, proposing that it is more feasible a scenario of multiple police, autonomous, all of full cycle, acting in a collaborative way with each other. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APFD Auto de Prisão em Flagrante Delito BO Boletim de Ocorrência CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CNP Cuerpo Nacional de Policía da Espanha CONSEG Conferência Nacional de Segurança Pública CR Constituição da República DETRAN Departamento de Trânsito ELN Exército de Libertação da Colômbia EUA Estados Unidos da América FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia FONAJE Fórum Nacional de Juizados Especiais GC Guarda Civil da Espanhola GNR Guarda Nacional Republicana de Portugal IMPO Infração de Menor Potencial Ofensivo JECRIM Juizados Especiais Criminais Met Polícia Metropolitana de Londres MP Ministério Público ORCRIM Organização Criminosa PC Polícia Civil PCMG Polícia Civil do Estado de Minas Gerais PDI Polícia de Investigações do Chile PEC Proposta de Emenda Constitucional PF Polícia Federal PJ Polícia Judiciária de Portugal PM Polícia Militar PRF Polícia Rodoviária Federal PSP Polícia de Segurança Pública de Portugal REDS Registro de Eventos de Defesa Social SEAP Secretaria de Estado de Administração Prisional TCO Termo Circunstanciado de Ocorrência SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11 2. ORDEM SOCIAL, SEGURANÇA PÚBLICA E OS ÓRGÃOS POLÍCIAS BRASILEIROS .......................................................................................................... 15 2.1 Ordem Pública ................................................................................................. 15 2.2 Segurança Pública ........................................................................................... 17 2.3 Os órgãos policiais brasileiros ......................................................................... 21 2.3.1 A Polícia Federal .................................................................................... 22 2.3.2 A Polícia Rodoviária Federal e Ferroviária Federal ................................ 23 2.3.3 A Polícia Militar ....................................................................................... 25 2.3.4 A Polícia Civil .......................................................................................... 26 2.3.5 As demais polícias e órgãos de segurança pública ................................ 27 2.4 Poder de Polícia e Poder da Polícia ................................................................. 28 2.5 Autoridade Policial e Agente da Autoridade Policial ......................................... 29 3. MODELOS POLICIAIS NO MUNDO .................................................................... 31 3.1 Polícia Francesa .............................................................................................. 31 3.1.1 Guarda Nacional (Gendarmaria Nacional).............................................. 32 3.1.2 Polícia Nacional ...................................................................................... 33 3.2 Polícia Italiana .................................................................................................. 33 3.2.1 Polícia do Estado .................................................................................... 33 3.2.2 Guarda de finanças ................................................................................ 34 3.2.3 Corpo de Carabineiros............................................................................ 34 3.3 Polícia Espanhola ............................................................................................ 35 3.3.1 Corpo Nacional de Polícia ...................................................................... 35 3.3.2 Guarda Civil ............................................................................................ 36 3.4 Polícia Inglesa .................................................................................................. 37 3.5 Polícia Portuguesa ........................................................................................... 38 3.5.1 Polícia de Segurança Pública ................................................................. 38 3.5.2 Guarda Nacional Republicana ................................................................ 39 3.5.3 Polícia Judiciária ..................................................................................... 40 3.6 Polícia Chilena ................................................................................................. 41 3.6.1 Carabineiros do Chile ............................................................................. 41 3.6.2 Polícia de Investigações do Chile ........................................................... 42 3.7 Polícia Colombiana .......................................................................................... 43 3.8 Polícia Americana ............................................................................................ 44 3.8 Outros Países .................................................................................................. 45 4. BREVES COMENTÁRIOS ÀS PECs QUE TRATAM DA IMPLANTAÇÃO DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA NO BRASIL ........................................................ 46 4.1 PEC 430/2009 .................................................................................................. 46 4.2 PEC 432/2009 .................................................................................................. 49 4.3 PEC 51/2013 .................................................................................................... 51 4.4 PEC 321/2013 .................................................................................................. 53 4.5 PEC 423/2014 .................................................................................................. 54 4.6 PEC 431/2014 .................................................................................................. 55 4.7 PEC 89/2015 .................................................................................................... 56 4.8 PEC 127/2015 .................................................................................................. 57 5. CICLO COMPLETO DE POLÍCIA: UMA ANÁLISE ............................................. 58 5.2 Constituição Federal e a rigidez para a mudança ............................................ 64 5.3 O modelo bipartido brasileiro: Polícia Administrativa vs Polícia Judiciária ....... 66 5.4 Modelos possíveis de polícia de ciclo completo ............................................... 73 5.4.1 Polícia de Ciclo Completo por grupo de crime e coexistência de múltiplas polícias no mesmo espaço geográfico ............................................................ 73 5.4.2 Todas as polícias de Ciclo Completo com atuações por áreas geográficas ou circunscrição ............................................................................................... 80 5.4.3 Unificação das Polícias Estaduais e criação da Polícia Única nos estados ........................................................................................................................ 84 5.5 As Guardas Municipais nesse novo modelo e a hipótese da municipalização da Segurança Pública ................................................................................................. 85 5.6 Sistema Prisional e a lavratura do Reds, embrião da Polícia Penal de ciclo completo ................................................................................................................ 90 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 95 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 98 11 1. INTRODUÇÃO A pretensão do presente trabalho dissertativo se justifica no atual cenário brasileiro, considerando a crescente onda de violência que assola o cidadão de bem e a ineficácia dos órgãos policiais na contenção e controle da violência, transparecendo não ter solução a curto prazo. Desta forma, sobretudo neste momento, a segurança pública ganha espaço diariamente nos noticiários com assuntos sobre o elevado índice de criminalidade e violência que assola todo o país, sobretudo com a onda de ataques contra as instituições incumbidas da segurança pública, orquestradas friamente por organizações criminosas. Infelizmente, não se observa discussões sérias e concretas acerca de possíveis soluções para o caso. Neste sentido, a pesquisa busca contribuir para análise e reflexão sobre o modelo de divisão de atribuições das agências policiais estaduais (polícias militares - administrativa e polícias civis - judiciária) de ciclo incompleto, ineficientes e burocráticas. Busca-se, para tanto, caminhos para a modernização dos órgãos de segurança pública no Brasil, demonstrando a eficiência, desburocratização e economia de tempo e dinheiro com a adoção do chamado “ciclo completode polícia” ou de “polícias de ciclo completo”1 utilizado em praticamente todos os países. É urgente a discussão de um novo modelo de polícia para os órgãos de segurança pública, o chamado Ciclo Completo de Polícia, além da reestruturação da lei orgânica de cada polícia. País de dimensões continentais, não será tarefa fácil para o Brasil, mas é uma mudança possível e necessária como veremos nos próximos capítulos. Segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos2. Tamanha sua importância, que os constituintes originários destinaram um capítulo exclusivo para tratar do tema. Entretanto, o modelo policial adotado, após 29 anos da promulgação da atual Carta Magna, se mostra no mínimo ineficiente frente ao 1 Polícia de ciclo completo ou ciclo completo de polícia consiste na atribuição à mesma corporação policial das atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal e da prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública realizadas pela presença ostensiva uniformizada dos policiais nas ruas. Wikipédia. A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_de_ciclo_completo> Acesso em: 05 jun. 2018. 2 CF/88 - Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:[...] 12 crescente índice de criminalidade que assola grande e pequenas cidades brasileiras, além de propriedades rurais, que alguns anos atrás, eram consideradas verdadeiros refúgios de paz e tranquilidade, situação totalmente diferente dos dias atuais. O modelo policial adotado pelos órgãos de segurança pública no Brasil é “sui generis”3, caracterizado por duas polícias de ciclo incompleto de sistema bipartido, dicotômico, situação em que cada polícia faz metade da persecução penal. Rolim, afirma que: "Esta estrutura de policiamento em cujo centro há uma "bi-partição", produziu a realidade peculiar da existência de duas polícias nos estados que devem fazer, cada uma, a metade do "ciclo de policiamento". Dito de outra forma, cada polícia estadual é, conceituadamente, uma polícia pela metade porque ou investiga ou realiza as tarefas de policiamento ostensivo" (ROLIM, p. 12, 2007). Portanto, Silva Júnior acrescenta que: “A divisão cartesiana de atribuições aos órgãos policiais encarregados de promover a segurança pública no Brasil – em “polícia judiciária” e “polícia administrativa” – é fruto não só de uma evolução histórica, mas acentuadamente resultado de uma má construção dos paradigmas jurídicos que foram incorporados ao pensamento acadêmico-jurídico e à práxis político- administrativa de nossos país” (SILVA JÚNIOR, p. 69, 2015). Desta forma, o patrulhamento ostensivo e de preservação da ordem pública fica a cargo das polícias militares, caracterizada por polícia administrativa, e as funções de investigação criminal e apuração das infrações penais fica a cargo das polícias civis, caracterizada por polícia judiciária (SAPORI, p. 52, 2016). Entretanto, conforme explica o especialista em segurança pública Sapori (2016, p. 58) “[...] a simples implantação do ciclo completo de polícia não vai resolver todos os gargalos do sistema de segurança pública e justiça criminal”. Pois, para isso, deve- se incluir no debate setores públicos como saúde, educação, planejamento urbano, serviços sociais, sociedade civil, sistema judiciário e penal como um todo, etc. Para não incorrer na Síndrome de Adão, a pesquisa visa contribuir para a melhoria do 3 O termo de origem latina Sui generis significa, literalmente, "de seu próprio gênero", ou seja, "único em seu gênero." Usa-se como adjetivo para indicar que algo é único, peculiar, incomum, descomunal, particular, algo que não tem correspondência igual ou mesmo semelhante: uma atividade sui generis, uma proposta sui generis, um comportamento sui generis. Wikipédia A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Sui_generis> Acesso em: 05 jun. 2018. 13 Sistema de Segurança Pública, deixando os demais setores para aqueles que os representam. Em 2017, o Brasil registrou o maior índice de homicídios da história, foram mais de 61 mil óbitos por motivos violentos4. Como se não bastasse o lamentável cenário, do total, cerca de 80% dos crimes de homicídio não são solucionados pela polícia segundo o Instituto Sou da Paz. Situação que aumenta, e com razão, a sensação de impunidade, além de gerar descrédito nos órgãos de segurança pública e no poder judiciário. Entre as mortes violentas, estão as de polícias que em 2017, somente do Rio de Janeiro, foram assassinados 134 policiais5. Em todo o Brasil, foram registradas 542 mortes de policiais segundo dados da Ordem dos Policiais do Brasil6. Para ilustrar a gravidade e ao mesmo tempo a fragilidade com que se passa a segurança pública no Brasil, imaginamos uma outra classe de trabalhadores, como a de médicos por exemplo. Em um determinado estado, médicos começassem a morrer por infecção em diversos hospitais. Mortes decorrentes do próprio ofício. Certamente, ainda nos primeiros casos, mudanças drásticas de procedimentos e medidas emergenciais seriam adotadas para aniquilar a situação das mortes por infecção. Como pode os próprios médicos tratarem pacientes sendo que eles são as próprias vítimas. Isso é o que ocorre atualmente na segurança pública, os próprios agentes da autoridade policial não conseguem se proteger da violência e se tornam vítimas. O que resta para o cidadão? O rápido levantamento de dados acima demonstra que de fato algo está errado com a gestão da segurança pública. A sociedade brasileira necessita de uma modernização dos órgãos de segurança para o enfrentamento da criminalidade e eficiência no atendimento ao cidadão. 4 Homicídios no Brasil são pouco elucidados, diz pesquisa. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/homicidios-no-brasil-sao-pouco-elucidados-diz-pesquisa> Acesso em: 19 mar. 2018. 5 PMs mortos do RJ. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/rio-de-janeiro/2017/pms-mortos-no- rj/ <acesso em 19 mar. 2018> 6 Ordem dos Policiais do Brasil. Disponível em: http://opb.net.br/mortometro.php <acesso em 19 mar. 2018> 14 Assim, surge uma pergunta central com relação a problemática apresentada: qual o modelo de polícia a ser implementado para os órgãos policiais brasileiros, tendo em vista a necessária modernização do aparato policial para o combate e diminuição da criminalidade e ao atendimento eficiente ao cidadão? Desta forma, o objetivo do presente trabalho é analisar e identificar qual é o modelo de polícia a ser implementado nos órgãos policiais brasileiros, tendo em vista a necessária modernização do aparato policial para o combate e diminuição da criminalidade e ao atendimento eficiente ao cidadão. Além disso, os objetivos específicos são: 1) analisar a legislação que regulamenta segurança pública no Brasil e demonstrar a função de cada um dos órgãos policiais brasileiros; 2) analisar os modelos policiais nos principais países de democracia estável; 3) apresentar e analisar as PEC em tramitação no congresso nacional que pretendem implantar o Ciclo Completo de Polícia; 4) demonstrar os benefícios do ciclo completo de polícia e comparar modelos polícias possíveis de ciclo completo de polícia para os órgãos policias brasileiros. Será realizada pesquisa básica estratégica, descritiva e qualitativa, e análise bibliográficae documental da legislação brasileira sobre segurança pública, do atual modelo de polícia adotado no Brasil em contraste com outros países e será analisado ainda as Propostas de Emendas Constitucionais7 em tramitação no Congresso Nacional, que visa a reforma nos órgãos de segurança pública com a proposta de implantação do ciclo completo de polícia. Entretanto, a rigidez constitucional, o corporativismo classista e a falta de interesse do Governo dificultam, em tese, a concretização da reforma constitucional do Sistema de Segurança Pública. A estrutura do trabalho foi elaborada em quadro capítulos, além da introdução que traz a contextualização da ineficácia dos órgãos policiais e a modernização necessária, a exposição do problema de pesquisa e da estrutura do trabalho. No capítulo um o propósito é conceituar ordem pública e segurança pública, demonstrando a diferença e a relação de ambas, bem como apresentando as 7 RELATÓRIO APRESENTADO DAS PROPOSTAS DE EMENDA CONSTITUCIONAL SOBRE CICLO COMPLETO DE POLICIA É PELA APROVAÇÃO, 2017. Disponível em <http://www.ciclocompleto.com.br//pagina/1609/relatoacuterio-apresentado-das-propostas-de- emenda-constitucional-sobre-ciclo-completo-de-policia-eacute-pela-aprovaccedilatildeo>. Acesso em: 19 mar. 2018. 15 instituições públicas responsáveis por manter a ordem e garantir a segurança pública. Ademais, foi estudado a diferença de Poder de Polícia com Poder da Polícia, além da polêmica envolvendo o conceito legal de Autoridade Policial de Agente da Autoridade Policial. No capítulo dois analisa-se os modelos policiais adotados em vários países, demonstrando a forma da ação policial de cada órgão, sua organização e estrutura. No terceiro capítulo, apresenta-se as PEC ainda em tramitação no Congresso Nacional que pretendem atribuir, de alguma forma, o Ciclo Completo de Polícia para os órgãos policiais brasileiros. No quarto e derradeiro capítulo, é analisado e conceituado o Ciclo Completo de Polícia, os benefícios dos órgãos policiais que atuam no ciclo completo. Será discutido a rigidez da Constituição Federal para a mudança, além dos problemas, conflitos e dilemas gerados pelo atual modelo em polícia administrativa versus polícia judiciária. Será apresentado também três possíveis modelos de polícia de ciclo completo com base no trabalho de Sapori (2016), Silva Júnior (2015), Ribeiro (2016) e das PEC. Por fim é analisado e proposto o reconhecimento das Guardas Municipais e dos Agentes de Segurança Penitenciários como polícias, além da atribuição de atuação no ciclo completo. O trabalho se encerra nas considerações finais. 2. ORDEM SOCIAL, SEGURANÇA PÚBLICA E OS ÓRGÃOS POLÍCIAS BRASILEIROS 2.1 Ordem Pública No Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, no Artigo 2º, Item 21, consta o conceito legal de Ordem Pública, qual seja: 21) Ordem Pública – Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum (BRASIL, 1983). 16 Entretanto, estudos com relação ao conceito de ordem pública na doutrina e jurisprudência, relevaram que não há uma definição específica sobre ordem pública, apresentando os doutrinadores e estudiosos sobre o assunto, vários conceitos. Entretanto, os conceitos variam “sempre em torno da ideia de moral, segurança de bens e pessoas ou, ainda, ausência de desordem (BATISTA, 2012, p. 13). Ronny Carvalho da Silva8 (2011, p. 2-3), descreve o entendimento de alguns autores sobre ordem pública, como: “[...] um estado de completa normalidade onde o cumprimento da lei e das disposições emanadas das autoridades são integralmente acatadas, sem constrangimentos, pela população (PIERRO JUNIOR, 2008). De uma maneira genérica, seria a ausência de perturbações nas relações sociais (PIERO, 2004) e de “pacífica convivência social” (SILVA, 2007, p. 756). Outros a tratam como um elemento aglutinador de valores metajurídicos não positivados, ou seja, valores “morais, éticos, sociais, estéticos”, considerados de importância para determinada coletividade, mas não detentoras de status jurídico (SOUSA, 2002). Aqueles que defendem uma noção assim, têm em primeira dimensão a defesa de “valores”, ou seja, de regras comportamentais não escritas, mas salutares ao bom convívio social. Tal perspectiva não traz à frente a proteção das normas jurídicas (CASTRO, 2003). O conceito que nos parece, foi acolhido no direito pátrio, é de ordem pública na perspectiva de HAURIOU (1919), consistente em uma situação oposta à desordem, paz em oposição à perturbação (CASTRO, 2003. LAZZARINI, 2000). Moreira Neto (1988, p. 142-143) acrescenta que: “Na acepção sistêmica, a ordem pública é o pré-requisito de funcionamento do sistema de convivência pública. Não só ele contém no polissistema social como é imprescindível a seu funcionamento, uma vez que viver em sociedade importa, necessariamente, em conviver publicamente. É necessário dispor-se a convivência pública de tal forma que o homem, em qualquer relação em que se encontre, possa gozar de sua liberdade inata, agir sem ser perturbado, participar de quaisquer sistemas sociais que deseje (econômico, familiar, lúdico, acadêmico, etc.), sem outros impedimentos e restrições que não os necessários para que essa convivência se mantenha sempre possível, sem outra obrigação que de observar a normatividade que lhe é imposta pela ordem jurídica constituída para todo o polissistema e admitida como o mínimo necessário para assegurar, na convivência, a paz e harmonia indispensáveis. A essa disposição de convivência pública, pré-requisito de funcionamento do respectivo sistema, é que se denomina de ordem pública.” Moreira Neto (1988, p. 144-145) cita ainda que [...] “melhor se presta para dessumir um "conceito operativo" de ordem pública, tal como o fez a Polícia Militar do 8 SILVA, Ronny Carvalho da. O "conceito odioso" de "ordem pública" para a efetivação do direito fundamental à segurança: uma análise comparada no constitucionalismo luso-brasileiro. 2011. I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ANÁLISE CRÍTICA DO DIREITO-UENP. Disponível em: <http://eventos.uenp.edu.br/sid/publicacao/resumos/3.pdf> Acesso em 21 abr. 2018. 17 Rio de Janeiro, em documento de doutrina: "ordem pública é o estado de paz social que experimenta a população". Ainda segundo o autor, “no sistema de convivência pública, [...] a garantia de sua existência estável é a manutenção da ordem pública, que demanda, por seu turno, a funcionalidade eficiente das garantias proporcionadas pela segurança pública” (MOREIRA NETO, 1988, p.151). Com mais clareza e simplicidade, Diogo de Figueiredo Moreira Neto explica “que a relação entre ordem pública e segurança pública não é de todo para parte, nem de continente para conteúdo, mas de efeito para causa” (1988, p. 152). Desta forma, passamos ao estudo do conceito de segurança pública em um Estado Democrático de Direito. 2.2 Segurança Pública O Dicionário Houaiss da língua portuguesa traz 9 definições para a palavra “segurança”, das quais enalteço duas significações: “2 - estado, qualidade ou condição de quem ou do que está livre de perigos, incertezas, assegurado de danos e riscos eventuais; situação em que nada há a temer”, e ainda. “3 - condição ou caráter do que é firme, seguro, sólido, ou daquele com quem se pode contar ou em quem se pode confiar”. Deduz-seque as palavras chaves como “livre de perigos”, “assegurado de danos” e “em quem se pode confiar”, remetem diretamente a proteção da integridade do cidadão e do patrimônio. O conceito de segurança pública pode ser compreendido por duas vertentes que convergem para um mesmo viés, a paz social. Por trata-se de um direito difuso, universal e indispensável, garantido, principalmente pela Carta Política de 1988, proteção a integridade física dos cidadãos e dos seus bens, bem como a convivência harmônica da população, com respeito mútuo uns com outros. Por outro lado, a segurança pública é o instrumento preventivo e repressivo do Estado para manter a 18 ordem social9 e evitar qualquer forma de violência por meio de leis, forças policiais e poder judiciário. De forma resumida Moreira Neto (1988, p. 152) conclui [...] “que segurança pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos, destinados a garantir a ordem pública na convivência de homens em sociedade”. Ainda destaca o autor de forma objetiva que [...] “a segurança pública é o conjunto de estruturas e funções que deverão produzir atos e processos capazes de afastar ou eliminar riscos contra a ordem pública” (MOREIRA NETO, 1988, p. 152). Para Lazzarini, no ilustre ensinamento, enfatiza que: “o constituinte de 1988 procurou valorizar o principal aspecto ou elemento da "ordem pública", qual seja a "segurança pública". Procurou, ainda, guardar a correta grandeza entre a "ordem pública" e a "segurança pública, sendo esta exercida em função daquela, como seu aspecto, seu elemento, sua causa” (1989, p. 233). Antônio Francisco de Souza (2009, p. 300) citado por Minuscoli e Almeida (2016) conceitua segurança pública como “um estado que possibilita (viabiliza) o livre exercício dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição e na Lei. A segurança é, simultaneamente, um bem individual e coletivo, tal como a sociedade pertence a todos e a cada um”. Importa salientar que a Constituição Federal de 1988, destaca a relevância da segurança pública conferida pelo Poder Constituinte Originário ao estabelecê-la como valor supremo da sociedade brasileira já em seu preâmbulo10 (SOUZA, 2008 apud MINUSCOLI e ALMEIDA, 2016). Segurança pública possui tamanha importância para o ordenamento pátrio, que na CR/88, está previsto no artigo 5º, caput11, a segurança pública como status de 9 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos. CRFB/1988. (Grifo nosso). 10 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Preâmbulo da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. (Grifo nosso). 11 TÍTULO II. Dos Direitos e Garantias Fundamentais. CAPÍTULO I. DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer 19 direito fundamental e sendo assim, imutável, “garantindo-se aos brasileiros e os estrangeiros [...] direto à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988). Denota-se que segurança pública também está ligada a ordem social isso porque ao mesmo tempo é tratada como um direito social no artigo 6º12, caput, da Constituição de 1988. Portanto, assevera-se que a segurança é um dos objetivos do Estado que proporciona ao cidadão o alcance dos seus próprios objetivos (SOUZA, 2008 apud MINUSCOLI e ALMEIDA, 2016). Desta forma, segurança pública é o estado de normalidade que permite o usufruto de direitos e o cumprimento de deveres, constituindo sua alteração ilegítima uma violação de direitos básicos, geralmente acompanhada de violência, que produz eventos de insegurança e criminalidade13. Neste viés, Moreira Neto, menciona que: [...] “se as garantias proporcionadas pela segurança pública são eficientes e satisfatórias, tem-se mantida a ordem pública. Se as garantias proporcionadas pela segurança pública são deficientes ou insatisfatórias, tem-se abalada. Se as garantias proporcionadas pela segurança pública são insuficientes, está sacrificada a ordem pública. É, pois, como se vê, uma relação causal” (1988, p. 152). Portanto, Minuscoli e Almeida (2016) enfatiza o conceito de segurança pública apresentado por Matsuda, Graciano e Oliveira (2009, p. 21), merecendo destaque o seguinte conteúdo: “[...] é uma política que deve ser desenvolvida pelos órgãos públicos e pela sociedade, dentro dos limites da lei, garantindo a cidadania de todos”. E ainda conforme enfatiza Moreira Neto (1988, p. 149) “segurança é o estado do que está garantido". Ou, por metonímia, segurança é a própria garantia.” Resta, desta forma, buscar os órgãos responsáveis pela segurança pública a nível constitucional. A CR/88, no Capítulo III do Título V, mais especificamente no Art. natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, ... (Grifo nosso) 12 CAPÍTULO II. DOS DIREITOS SOCIAIS. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Grifo nosso) 13 Wikipédia, a enciclopédia livre. 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Segurança_pública> Acesso em: 21 abr. 2018. 20 14414 e seus incisos e parágrafos, assim enuncia: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.” (BRASIL, 1988). Conforme esclarece Moreira Neto (1988, p. 153): “A organização político-jurídica dos Estados, para atender às peculiaridades da segurança pública, se desdobra em subsistemas especializados, dando surgimento a, pelo menos, três subsistemas da segurança pública básicos: o policial, o judicial e o penitenciário. O subsistema policial faz parte do Poder Executivo; o subsistema judicial, do Poder Judiciário, e o penitenciário, de ambos os Poderes.” Desta forma, “é por meio das polícias que o Estado exerce o seu legítimo monopólio da força, mas sempre em observância aos princípios constitucionais” (MARCHI, 2010, p. 36). Para Lazzarini (1989, p. 233), segurança pública “é conceito mais restrito do que o da "ordem pública", esta a ser preservada pelas Polícias Militares (artigo 144, § 5º), às quais se atribuiu, além das atividades de polícia de segurança ostensiva, as, também, referentes à "tranquilidade pública" e à "salubridade pública". Acrescenta-se também Moreira Neto explicando que o subsistema policial é o mais problemático dos três apresentados pelo autor, pois “é o que está mais próximo dasperturbações da ordem pública, é o que deve atuar imediata, concreta e diretamente em benefício dela e é o que, por isso, tem sua atuação 14 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. 21 preponderantemente discricionária, inesgotável em fórmulas casuísticas” (1988, p. 153). Por fim, segurança pública e ordem pública possuem uma linha tênue, mas são conceitualmente distintos. A primeira se refere à aplicação da força pelo Estado, através do Poder de Polícia e do Poder Judiciário, para a garantia e preservação da segunda, que se traduz com paz social como um todo para a população. Tais explanações, não encontram amparo em um “Estado que adota uma Constituição Cidadã15”, em que os direitos e garantias fundamentais são a base sólida de um Estado “Democrático de Direito”, porque, embora cotidianamente não se verifique uma situação de desordem, por outro lado, é perceptível no dia a dia inúmeras situações de flagrante desrespeito aos direitos fundamentais individuais que os órgãos de segurança pública ao que aparentam, não conseguem controlar para manter a ordem pública, e consequentemente a paz social. Por fim, conforme estabelecido na Constituição Federal e em consideração a grave crise na segurança pública, com elevado índice de violência e criminalidade, é plausível afirmar que o país, atualmente, está vivendo em ORDEM SOCIAL? 2.3 Os órgãos policiais brasileiros A palavra "polícia" tem origem no vocábulo latino "politia", que, por sua vez, resultou da latinização da palavra grega "πολιτεία" [politeia], esta derivada de "πόλις" [polis] que significa "cidade". Tanto "politia" como "πολιτεία" significavam "governo de uma cidade", "cidadania", "administração pública" ou "política civil". Na Grécia antiga, o termo "πολισσόος" [polissoos] ("πόλις" [polis] + σῴζω [sōizō], significando "eu guardo uma cidade") referia-se a uma pessoa encarregada da guarda urbana16. O presente trabalho monográfico não aprofundará nos estudos sobre o surgimento das polícias no mundo, tampouco sobre o processo histórico até os dias atuais, mas abster-se-á de analisar os atuais órgãos policiais brasileiros em contraste com de outros países que serão citados no próximo capítulo desta obra. 15 O então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, declarou em 27 de julho de 1988 (foto) a entrada em vigor da nova Constituição Federal – apropriadamente batizada de Constituição Cidadã. 16 Wikipédia, a enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia. Acesso em: 23 abr. 2018. 22 Lazzarini (1994, p. 73), faz referência ao conceito de polícia produzido por De Plácido e Silva17, Polícia designa o conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde pública e se assegure o bem-estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros direitos individuais. Conforme Câmara (2016, p. 32) a “polícia existe para proteger a sociedade e enfrentar o crime e a violência. Que seu papel é investigar e prender infratores nos limites dos procedimentos operacionais, sem expor terceiros a riscos!”. Nesse sentido, as teorias contratualistas e weberiana, fundamentam-se em que a existência do Estado não pode renunciar às Forças de Segurança que lhe assegurem. Desta forma, dificilmente encontraremos uma sociedade democraticamente estável, sem a existência de Forças de Segurança. Isso sem citar os regimes ditatoriais. Em nossa sociedade, as polícias exercem o papel fundamental de garantir a eficácia social do ordenamento jurídico, igualmente, assegurando a paz social. No Brasil, os órgãos de segurança pública estão elencados no Título V – Da Defesa dos Estados e das Instituições Democráticas, Capítulo III – Da Segurança Pública, Artigo 144 da Carta Magna, conforme explanado acima. A União possui a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal e cada Estado Membro possui a Polícia Civil e a Polícia Militar. 2.3.1 A Polícia Federal A Polícia Federal, de natureza civil, subordinada ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública por força da MP 821/2018, publicada no Diário Oficial da União no dia 17 de fevereiro de 2018, é incumbida de apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme; de prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o 17 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, ed. cit., v. I1I, verbete Polícia, p. 1.174. Citado por Lazzarini. 23 descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; de exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras de caráter ostensivo e por fim, exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, caracterizando o ciclo completo de polícia. Argumenta Câmara (2016, p. 29) que na esfera federal, as ações repressivas do Departamento de Polícia Federal são exercitadas por seus próprios agentes que, para as ações ostensivas, dispõem de agentes uniformizados. Com isso o ciclo de suas ações é iniciado, desenvolvido e concluído dentro do próprio órgão, até a apresentação ao Poder Judiciário. Desta forma, a PF é a única polícia no Brasil de ampla atuação territorial, a desenvolver, por prescrição legal do texto Maior, o chamado ciclo completo de polícia. A exemplo disso está na função de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, exercendo policiamento ostensivo e preventivo no mar territorial do Brasil, nos aeroportos brasileiros com o objetivo de evitar a prática de crimes e ao longo das fronteiras do país, respectivamente. Desta forma, a PF ora atua como Polícia Judiciária da União ora como investigativa, ora atua como Polícia Administrativa e Preventiva, sendo uma polícia de ciclo completo. O ingresso na Polícia Federal ocorre por meio de concurso público, em que o interessado deve escolher um dos cinco cargos disponíveis que são para agente da PF (investigador), escrivão de polícia, papiloscopista, perito criminal e Delegado de Polícia. 2.3.2 A Polícia Rodoviária Federal e Ferroviária Federal A Polícia Rodoviária Federal, de estatuto civil é uma instituição policial ostensiva, subordinada ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública por força da MP 821/2018, publicada no Diário Oficial da União no dia 17 de fevereiro de 2018, cuja principal função é garantir a segurança com cidadania nas rodovias federais e em áreas de interesse da União. Combater as mais variadas formas de crimes nas 24 rodovias federais do Brasil e também monitorar e fiscalizar o trânsito de veículos, bens e pessoas.18. Sobre a PRF, Câmara (2016, p. 29) explica que “suas ações operacionais são de natureza administrativa. No decorrer de sua atividade de fiscalização e repressão às infrações de trânsito, seus agentes fardados, ao se defrontaremcom ilícitos penais, interrompem o ciclo de sua ação e repassam a respectiva ocorrência à autoridade policial – estadual ou federal – competente para dar continuidade aos procedimentos.” Suas competências são definidas pela Constituição Federal no artigo 144, pela Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), pelo Decreto n 1.655, de 03 de outubro de 1995 e pelo seu regimento interno, aprovado pela Portaria Ministerial nº 1.375, de 2 de agosto de 2007. Portanto, por previsão legal, atua apenas ostensivamente no patrulhamento, fiscalização, atendimento à acidentes e na repressão às infrações de trânsito e crimes diversos. Perfazendo, por fim, o ciclo incompleto de polícia. A hierarquia existente dentro do órgão é totalmente baseada nas funções de chefia, que podem ser ocupadas por qualquer policial. Existe somente uma forma de entrada, através de concurso público, para o cargo de Policial Rodoviário Federal. O Decreto nº 1.655, de 3 de outubro de 1995, atribui à Polícia Rodoviária Federal a seguinte competência prevista no inciso V: “V - realizar perícias, levantamentos de locais boletins de ocorrências, investigações, testes de dosagem alcoólica e outros procedimentos estabelecidos em leis e regulamentos, imprescindíveis à elucidação dos acidentes de trânsito.”19 Apesar de constar previsão infraconstitucional para realizar “perícias e investigações”, a fim de atuar no chamado Ciclo Completo de Polícia, a Carta Magna veda tal ação. A Polícia Ferroviária Federal destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Entretanto, não foi instituída integralmente, seja 18 Missão da Polícia Rodoviária Federal: “Garantir segurança com cidadania nas rodovias federais e nas áreas de interesse da União.” (Grifo nosso). Disponível em: https://www.prf.gov.br/portal/acesso- a-informacao/institucional/missao. Acesso em: 15 abr. 2018. 19 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 1.655 de 3 de outubro de 1995. Define a competência da Polícia Rodoviária Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1655.htm> Acesso em: 01 jul. 2018. 25 administrativamente ou funcionalmente, ou seja, no Brasil, não existem o Departamento da Polícia Ferroviária Federal. 2.3.3 A Polícia Militar Nos estados, há duas corporações policiais de ciclo incompleto. A Polícia Militar, subordinada ao Governador do Estado, única força policial administrativa nos estados, de caráter militar, com função de polícia ostensiva, destinada a preservação da ordem pública, prevenção e repressão de delitos pela presença ostensiva e a Polícia Civil de caráter repressivo com a função de polícia judiciária nos estados. Moreira Neto, ensina ainda que: “É na Polícia Administrativa que encontraremos as instituiçôes que têm por objetivo a ação direta, imediata e discricionária da segurança pública (competência), para a manutenção da ordem pública (finalidade), mediante atos e procedimentos, formais ou informais (forma), diante de riscos àquela ordem (motivo) e para prevenir ou reprimir ações e processos que a perturbem (objeto), preenchendo, como se observa, os requisitos elementais do ato administrativo.” (1988, p. 154). A importância e a abrangência das atribuições das Polícias Militares podem-se depreender a partir da interpretação do § 5º do artigo 144 da CF. Neste aspecto, destaca-se o ensinamento de Lazzarini (1989, p. 235-236): “[...] às Polícias Militares, instituídas para o exercício da polícia ostensiva e preservação da ordem pública (art. 144, § 5º), compete todo o universo policial, que não seja atribuição constitucional prevista para os demais seis órgãos elencados no art.144 da Constituição da República de 1988. Em outras palavras, no tocante à preservação da ordem pública, às polícias militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva na forma retro examinada, como também a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos. A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública, engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da ordem pública e, especificamente, da segurança pública.” Sobre a organização funcional, a PM é um órgão estadual baseado na hierarquia e disciplina. Possui duas formas de admissão na carreira que ocorre mediante concurso público para soldado ou para oficial. A carreira de praça (soldado) é composta pelos cargos de soldado de segunda classe, soldado de primeira classe, 26 cabo, 3º sargento, 2º sargento, 1º sargento e subtenente. Já a carreira de oficial é composta pelos cargos de 2º tenente, 1º tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel20. Essa divisão institucional de carreira sofre severas críticas de especialistas, por entenderem tratar de um modelo ultrapassado e que traz diversos conflitos internos assim como os ocorridos na Polícia Federal, entre agentes e delegados. Por ser uma polícia militarizada, os integrantes dessa corporação fazem uso de farda. Na rotina laboral, a PM dispõe de viaturas caracterizadas para o patrulhamento ostensivo. No patrulhamento, se deparando com um flagrante de um crime, a PM, detém o autor, ouve o autor, ouve testemunhas, lavra o fato em boletim de ocorrência próprio arrolando o autor, a(s) testemunha(s) e os PMs envolvidos na ocorrência e depois apresenta tudo a Autoridade Policial, (delegado) este integrante da Polícia Judiciária, interrompendo o ciclo da ação policial. Já a Polícia Judiciária, recebendo a ocorrência, ouve todos os envolvidos, faz abertura de IP, realiza investigações a posteriori, faz diligências, junta tudo no Inquérito Policial, para só depois encaminhar para o MP, para oferecer ou não a denúncia contra o possível autor do delito. A crítica ao atual modelo é justamente este, uma força inicia todo o processo e entrega a outra para dar continuidade. No mesmo sentido, CÂMARA (2016, p. 28) assevera que a Polícia Militar tem a incumbência de “conciliar conflitos e nas ocorrências de flagrância delituosa, praticar os atos preliminares de detenção e proteção do local, transferindo para sua coirmã os demais procedimentos, interrompendo o ciclo da ação policial”. 2.3.4 A Polícia Civil A Polícia Civil, subordinada ao Governador do Estado, de natureza civil, dirigida por delegado de polícia de carreira, incumbem ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Realiza ainda as ações de inteligência policial nas investigações de crimes de toda ordem. 20 BRASIL. Decreto-Lei nº 667 de 2 de julho de 1969. Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0667.htm> Acesso em: 01 jul. 2018. 27 Em atenção ao ordenamento legal, a PC de caráter repressivo, possui status de ciclo incompleto de polícia, pois, não há previsão na Carta Magna para realizar policiamento ostensivo-preventivo. Sobre a organização funcional, o ingresso na carreira da Polícia Civil ocorre também porconcurso público, em que o interessado deve escolher um dos cinco cargos existentes, ou seja, há cinco formas de entrar para o Polícia Civil, através de agente de Polícia (investigador), escrivão de polícia, papiloscopista, perito criminal, médico legista e Delegado de Polícia. A Polícia Civil exerce outras atividades, desvinculadas das atribuições, conferidas pela CRFB/88, como acontece em Minas Gerais, no qual a Polícia Civil ainda é responsável pelos serviços do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) a exemplo de vistorias e emissão de Certificado de Registro de veículo, bem como a habilitação do candidato ao processo de habilitação, dentre outras, conforme a lei Orgânica da referida instituição, (Lei Complementar 129 de 08/11/2013, contém a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais – PCMG). De antemão, esclareço que ambas as polícias, PM e PC usurpam, por necessidade, as funções uma da outra. Ora a PM com o serviço de inteligência, com policiais à paisana, realizando investigação de crimes, função que de fato é de competência da Polícia Civil. Ora a PC com o uso de viatura caracterizada, uniformes padronizados, realizando blitz, função de competência exclusiva da PM. 2.3.5 As demais polícias e órgãos de segurança pública A Polícia Legislativa Federal do Congresso Nacional do Brasil, possui previsão na Constituição Federal de 198821. É uma polícia de natureza civil, que atendem às Casas do Legislativo Federal, ou seja, ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados. É o órgão responsável pela preservação da ordem e do patrimônio, bem como pela prevenção e apuração de infrações penais, nos seus edifícios e dependências externas do Congresso Nacional, além de exercer as funções de polícia judiciária e 21 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Título IV - Da Organização dos Poderes. Capítulo I - Do Poder Legislativo. Seção IV. Art. 52 Compete privativamente ao Senado Federal: Inciso XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 28 apuração de infrações penais. Para tanto mantém vigilância permanente por meio de policiamento ostensivo e sistemas eletrônicos. Também tem a incumbência de efetuar a segurança do Presidente da Câmara dos Deputados e do Presidente do Senado Federal em qualquer localidade do território nacional e no exterior, e a segurança dos Deputados Federais e Senadores, servidores e quaisquer pessoas que eventualmente estiverem a serviço do Congresso Nacional. Suas atribuições fazem com que seja considerada uma polícia de ciclo completo, o que significa que executam tanto atividades que são delegadas às Polícias Civis quanto às Militares, mas restrita as áreas citadas acima. O Exército também possui sua própria polícia, responsável em zelar pelo cumprimento dos regulamentos militares. A Segurança Pública também é integrada pela Guarda Municipal22, eventualmente criada pelo município, para a proteção dos bens, serviços e instalações municipais. Ao término da análise do Artigo 144 da Carta Maior, que elenca os órgãos voltados para a segurança pública, depreende-se que por si só, não formam um sistema completo de segurança pública, pois, o constituinte originário não constou expressamente no Título V, Capítulo III, o subsistema judiciário e o subsistema penitenciário que são, a nosso ver, partes integrantes do sistema de segurança pública. Portanto, o Art. 144 apresenta, apenas uma parte do sistema. Apesar de não constar no texto constitucional, os Agentes de Segurança Penitenciários federais e estaduais são, como visto, um subsistema da segurança pública, tão importante quanto os demais órgãos policiais, que por falta de interesse governamental, são quase que esquecidos ou analisado em segundo plano. 2.4 Poder de Polícia e Poder da Polícia Foram apresentadas até o momento, os órgãos policiais. No entanto, para prosseguir nos estudos, faz-se necessário a noção do que seja Poder de Polícia e Poder da Polícia. 22 Art.144, § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. 29 “Em sentido estrito, Polícia é vocábulo designador do que se viu até agora, ou seja, conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, para, segundo as prescrições legais, exercer a segurança pública para a manutenção da ordem pública” (BONFIM, 2006, p. 28). Encontra-se no artigo 78 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) a definição legal de poder de polícia ao dispor que: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)” Desta forma, [...] “Poder de Polícia é uma faculdade, um direito que o Estado tem de, através da polícia, assegurar o bem-estar público ameaçado. O Poder da Polícia é a polícia quando age. Essa ação só é legítima em virtude do Poder de Polícia, que confere a potestas à Polícia” (BONFIM, 2006, p. 28). Para Di Pietro, “Poder de polícia é a faculdade que tem o Estado de limitar, condicionar o exercício dos direitos individuais, a liberdade, a propriedade, por exemplo, tendo como objetivo a instauração do bem-estar coletivo, do interesse público” (2017, p. 158). Assim, “o poder de polícia é que fundamenta o poder da polícia. Este sem aquele seria arbitrário, uma verdadeira ação policial divorciada do Estado de direito”.23 2.5 Autoridade Policial e Agente da Autoridade Policial A expressão “autoridade policial” empregada no Código Processual Penal brasileiro se refere aos Delegados de Polícia de carreira, como dita o Artigo 4º do aludido instrumento: 23 CRETELLA JÚNIOR, José. Conceituação do Poder de Polícia, Revista do Advogado, Associação dos Advogados de São Paulo, n°17, abril de 1989, p.55, citado por Lazzarini (1998). 30 Art. 4 - A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.24 (grifo nosso) Contudo, entretanto, o parágrafo único do Art. 4 disciplina que: Parágrafo único: A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.25 (grifo nosso) A Lei nº 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais Criminais, assim disciplina: Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Para Aras26 (2013) a expressão “autoridade policial” não é mais sinônima de “delegado de Polícia”. Pois, a expressão “autoridade policial”, que consta do artigo 69 da Lei 9.099/95, refere-se a qualquer autoridadepública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia, englobando a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, a Força Nacional de Segurança Pública e as Polícias do Poder Legislativo e também as guardas municipais. Conforme Silva Júnior, “a lógica elementar não permite concluir que os policiais militares, no exercício da função de policiamento, sejam considerados “agentes da autoridade policial” como querem alguns. O mesmo sofisma nos faria crer que qualquer do povo, que dê voz de prisão a um criminoso, seria também “agente da autoridade policial” (2015, p. 14). Como que para não deixar dúvida a respeito do termo, Gilmar Mendes citou relatoria de sua lavra no Recurso Extraordinário 1.051.393/SE, já transitado em julgado, destacando do parecer da Procuradoria Geral da República o trecho: “A interpretação restritiva que o recorrente quer conferir ao termo ‘autoridade policial’, que consta do art. 69 da Lei nº 9.099/95, não se compatibiliza com o art. 144 da Constituição Federal, que não faz essa distinção. Pela norma constitucional, todos os agentes que integram os órgãos de segurança pública 24 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em: 01 jul. 2018. 25 Idem Ibidem 26 ARAS, Vladimir. A lavratura de TCO pela PRF e pela PM. 2013. Disponível em: <https://vladimiraras.blog/2013/07/19/a-instauracao-de-tco-pela-prf-e-pela-pm/> Acesso em: 17 maio. 2018. 31 – polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, policias civis, polícia militares e corpos de bombeiros militares – cada um na sua área específica de atuação, são autoridades policiais”. (STF. RE 1.050.631-SE, Min. Rel. Gilmar Mendes, decisão monocrática em 22/09/2017).27 3. MODELOS POLICIAIS NO MUNDO Analisaremos neste capítulo, alguns modelos policiais adotados em diversos países, com relação a estrutura organizacional. Com o objetivo de solidificar o argumento aqui trabalhado, passa-se a discutir alguns modelos eficazes do Ciclo Completo de Polícia, exemplificando o funcionamento desse instrumento em alguns países. No mundo todo há modelos policiais variados: uma única agência policial (Dinamarca), várias agências policiais (Brasil, França, Espanha, Itália, Portugal, Alemanha etc.), agências policiais municipais (Estados Unidos), mas em nenhum deles, à exceção do Brasil, há polícias dicotomizadas (SILVA JÚNIOR, p. 3, 2015). 3.1 Polícia Francesa Na França, “prevalece o sistema policial centralizado no poder federal” (Sapori, 2016, p. 53), com dois órgãos de polícias nacionais, ambos de ciclo completo, que são a Polícia Nacional e a Guarda Nacional (Gendarmerie). Somando, Ribeiro acrescenta que: “na França, subsistem duas corporações policiais herdeiras do sistema napoleônico: a Gerdarmerie Nationale (Gendarmaria Nacional), militar; e a Polícia Nacional, civil, definida como uma força instituída para garantir a República, a preservação da ordem e o cumprimento das leis. Ambas executam o ciclo completo de polícia no âmbito das respectivas jurisdições.” (2016, p. 35). 27 SILVA, Elias Miler da. STF reconhece a lavratura do TCO também pela Polícia Militar. Defenda PM. 2017. Disponível em: <http://defendapm.org.br/2017/10/16/stf-reconhece-a-lavratura-do-tco-tambem- pela-policia-militar-2/> Acesso em: 17 mai. 2018. 32 O autor cita ainda que a polícia francesa, serviu de modelo de polícia para diversos países, sendo propagado por todo o mundo no final do século XVIII28, servindo de inspiração para as polícias modernas das quais podemos citar Arma dei Carabinieri d’Ilália da Itália, Guardia Civil da Espanha, a Guarda Nacional Republicana de Portugal de Portugal, os Carabineros de Chile do Chile e a Gendarmeria Nacional Argentina da Argentina (RIBEIRO, 2016, p. 35). 3.1.1 Guarda Nacional (Gendarmaria Nacional) A Guarda Nacional ou Gendarmerie Nationale, é a Polícia Militar francesa, sendo considerada como a quarta Força Armada e a segunda em efetivo29 que juntamente com a Polícia Nacional, de caráter civil, são responsáveis pela segurança pública em todo o território francês30. É subordinada ao Ministério da Defesa e desempenha de forma geral as funções policiais em grande parte do território francês, em áreas de baixa densidade populacional (cidades com população inferior a 20.000 habitantes)31, mas em grande extensão territorial, incluindo áreas rurais e zonas costeiras e fluviais, diferente da Polícia Nacional que atua nos grandes centros urbanos franceses. Os gendarmes (nome que é dado aos seus componentes – guardas nacionais) possui características polivalente, pois no decorrer de um mesmo dia, eles podem realizar um trabalho de policiamento ostensivo quando de polícia judiciária, cumprindo, do mesmo modo que a Polícia Nacional, o Ciclo Completo de Polícia em sua área de competência legal. Isso significa que exercem ações de polícia ostensiva, judiciária, na assistência aos cidadãos e na aplicação da lei, mas também auxilia o Ministério dos Transportes para a segurança do sistema rodoviário e aéreo, o Departamento de agricultura para a policiamento rural, etc32. 28 Embora o site oficial da Police Nationale faça uma menção à criação no século XIII, ao Preboste de Paris, por São Luis, A começar por MONET, os autores reportam-se a Luís XIV e a Tenencie de Police, no século XVII. 29 FERREIRA, Roberto Cesar Medeiros; REIS, Thiago de Souza dos. O Sistema Francês de Polícia e a sua relação com a Segurança Pública no Brasil. Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH-RIO. Rio de Janeiro. 2012. Disponível em: <http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338408842_ARQUIVO_OSistemaFrance sdePoliciaeasuarelacaocomaSegurancaPublicanoBrasil.pdf> Acesso em: 25 mai. 2018. 30 Polícia Francesa x Polícia Brasileira. Disponível em: <https://blitzdigital.com.br/artigos/1027-a-policia- francesa/> Acesso em: 25 mai. 2018. 31 RAGIL, Rodrigo Rocha Feres. A Gendarmerie Nationale francesa: aspectos estruturais e operacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3734, 21 set. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25343>. Acesso em: 24 maio 2018. 32 Idem Ibidem 33 3.1.2 Polícia Nacional É uma polícia de caráter civil, sob a autoridade do Ministro do Interior. A estrutura organizacional está dividida em diversos seguimentos especializados, como: segurança pública, polícia judiciária, polícia dos estrangeiros, investigativa, inteligência policial, polícia técnico-científica33, etc. Atua, principalmente, nas zonas urbanas e pré-urbanas, cobrindo a maioria da população, mas somente 5% do território. A grande maioria do efetivo desempenha as funções uniformizados, a outra parte à paisana que faz o papel investigativo. Dentre sua competência, a Polícia Nacional executa o Ciclo Completo de Polícia, da atividade de polícia ostensiva a entrega do processo ao poder judiciário (BATISTA, 2012, p. 14-15). 3.2 Polícia Italiana A Itália possui quatro forças armadas que são a Polícia do Estado (em italiano Polizia di Stato ou PdS), Guarda de Finanças (em italiano Guardia di Finanza), Corpo de Carabineiros (em italiano: Corpo dei carabinieri) e Corpo da Polícia Penitenciária (em italiano: Corpo dei Polizia Penitenziaria). Veremos as características de cada uma abaixo. 3.2.1 Polícia do Estado A Polícia do Estado (Polizia di Statoou PdS) é uma força nacional de polícia italiana, de estatuto civil e disciplina militarizada, subordinada ao Departamento de Segurança Pública (Dipartimento della Pubblica Sicurezza). É responsável pela prestação do serviço geral de polícia na Itália, nos ramos de polícia judiciária e policiamento ostensivo uniformizado e polícia técnico-científica, atuando como Polícia de Ciclo Completo. A Polícia do Estado desempenha policiamento/patrulhamento rodoviário, ferroviário, aeroportuário, alfandegário (junto com a Guardia di Finanza), fluvial, bem como, de apoio às guardas municipais. Não se confunde com os 33 Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_Nacional_(França)> Acesso em: 25 mai. 2018. 34 Carabinieri, a gendarmaria italiana, e a Guardia di Finanza, ambas organizações militares34. 3.2.2 Guarda de finanças A Guarda de Finanças é uma polícia de caráter militar ou Gendarmaria, subordinada diretamente ao ministro de Economia e das Finanças. É limitada ao policiamento de âmbito aduaneiro e fiscal como polícia econômica e financeira e polícia de alfândegas e de fronteiras, em comparação com os ‘’Carabinieri’’ que têm funções de polícia geral. As atribuições e competências são a defesa nacional de fronteiras, polícia ostensiva, segurança pública, polícia judiciária, atuando, desta forma, como Polícia de Ciclo Completo. Dentro da instituição, existem grupos especiais, Gruppo di Investigazione Criminalità Organizzata (GICO): Grupo de Investigação de Crime Organizado. Gruppo Operativo Antidroga (GOA): Grupo de antinarcóticos. Gruppo Anticrimine Tecnologico (GAT): Grupo cibercrime. Commando Operativo Aeronavale (ROAN): Comando de Operação Ar-naval. Antiterrorismo Pronto Impiego (ATPI): Antiterrorismo. Serviço de Cães antidroga. Comando-Geral da Guarda de Finanças está localizado em Roma. A Força tem uma organização nacional, regional e provincial35. 3.2.3 Corpo de Carabineiros Corpo de Carabineiros, em italiano L’arma dei Carabinieri subordinado ao Ministério da Defesa, é uma polícia de caráter militar ou Gendarmaria como as Polícias Militares brasileiras, cujas atribuições e competências são a defesa nacional, polícia militar, segurança pública e polícia judiciária, ou seja, desempenham o Ciclo Completo de Polícia36. 34 Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_do_Estado_(Itália)> Acesso em: 25 mai. 2018. 35 Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarda_de_Finanças> Acesso em: 25 mai. 2018. 36 Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Arma_dos_Carabineiros> Acesso em: 25 mai. 2018. 35 3.3 Polícia Espanhola O modelo de polícia espanhola é um dos mais complexos dentro da União Europeia, que abrange três níveis de ação: níveis nacionais, regionais e locais, onde muitas das competências dos diferentes órgãos são compartilhados. Antes de tecer breves comentários sobre cada polícia espanhola, cito os ensinamentos de Batista (2012), que explica os níveis de distribuição de cada órgão policial dentro da Espanha. Batista (2012, p. 17), explica que com o fim da era do Gen. Franco em 1977, o sistema policial espanhol sofreu várias modificações e hoje as forças policiais se dividem em três níveis: 1. Nacional – Polícias da Nação: Corpo Nacional de Polícia (Cuerpo Nacional de Policía-CNP). Instituto armado de natureza civil, que resultou da fusão do Corpo Superior de Polícia e da Polícia Nacional e subordina-se ao Ministério do Interior; Guarda Civil, instituto armado de natureza militar, sujeito à dupla subordinação, ao Ministério da Defesa e ao Ministério do Interior. 2. Regional – Polícias das Comunidades Autônomas. Também chamadas de Generalidad. São 3 Comunidades Autônomas que possuem corpos de polícia, que são: dos Países Bascos, a Polícia Ertzaina; de Navarra, a Polícia Foral e da Catalunha a Polícia Los Mossos d’Esquadras. As demais Comunidades Autônomas possuem unidades da CNP ou GC. 3. Local – São as Polícias Locais também chamadas de Guardas Urbanas. Estão a nível municipal (Ayuntamientos). Atuam no controle de trânsito e na aplicação das leis locais.” (CUNHA, 2000) 3.3.1 Corpo Nacional de Polícia O Corpo Nacional de Polícia (em castelhano Cuerpo Nacional de Policía - CNP) é uma instituição de natureza civil de caráter nacional, uniformizada, subordinada ao Ministério do Interior da Espanha com uma estrutura hierárquica cuja missão é proteger o livre exercício dos direitos e liberdades e garantir a segurança do cidadão, com âmbito de atuação em todo o território espanhol. Seu trabalho é realizado nas capitais provinciais, e nas cidades e centros urbanos determinada pelo Governo.37 Nessas localidades citadas, o CNP realiza as seguintes funções gerais das Forças e Órgãos de Segurança do Estado Espanhol: Garantir o cumprimento das leis e disposições gerais, executando as ordens recebidas das autoridades, no âmbito de 37 Modelo Policial da Espanha. Disponível em: <http://www.ciclocompleto.com.br/pagina/1335/modelo- policial-da-espanha> Acesso em: 25 mai. 2018. 36 suas respectivas competências. Ajudar e proteger pessoas e garantir a conservação e custódia de ativos que estão em perigo por qualquer motivo. Monitorar e proteger os edifícios e instalações públicos. Garantir a proteção e segurança de altas personalidades. Manter e restaurar, quando apropriado, ordem e segurança do cidadão. Impedir a prática de atos criminosos. Investigar os crimes para descobrir e deter os supostos autores, assegurar os instrumentos, efeitos e provas do crime, colocando-os à disposição do Juiz ou Tribunal competente e preparar os relatórios técnicos e de peritos pertinentes. Capturar, receber e analisar dados que são de interesse para a ordem e segurança pública. Estudar, planejar e executar os métodos e técnicas de prevenção ao crime colaborando com os serviços de Proteção Civil, em casos de risco grave, catástrofe ou calamidade pública, nos termos estabelecidos na legislação de Proteção Civil, além de outras atribuições administrativas e de controle.38 Além disso, dentro do Corpo Nacional de Polícia existem diversos grupos especializados de policiamento e combate ao crime, desde ao policiamento ostensivo e investigativo, perfazendo o Ciclo Completo de Polícia. 3.3.2 Guarda Civil A Guarda Civil é um polícia de natureza militar, sob dupla dependência do Ministério do Interior em termos de serviços, remuneração, destinos e meios, e do Ministério da Defesa em termos de promoções e missões militares. A Guarda Civil é um órgão de segurança do Estado que, de acordo com a Constituição espanhola, foi atribuído como uma missão genérica de "proteção do livre exercício dos direitos e liberdades e garantia da segurança pública". A Guarda Civil espanhola assegura o cumprimento das leis, ajuda e protege as pessoas e garante a conservação e custódia de bens que estejam em perigo por qualquer motivo, monitora e protege os edifícios e instalações públicas, assegura a proteção e a segurança dos bens, personalidades elevadas. Mantém a ordem e a segurança dos cidadãos, impede a prática de atos criminosos, investiga crimes para 38O subtítulo 3.3.1 Corpo Nacional de Polícia é uma síntese obtida no site oficial da "Policía Nacional" do "Ministerio del Interior" do "Governo de España. Disponível em: <https://www.policia.es/cnp/origen/origen.html>
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