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ANTROPOLOGIA_DA_ALIMENTACAO_BRASILEIRA

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PARA UMA ANTROPOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO BRASILEIRA 
 Claudia Lima* 
 
Ao longo da historiografia da alimentação pelo mundo, a maneira de preparar os 
mesmos alimentos difere de um povo para outro, ou mesmo diferenciam-se em seus 
próprios ambientes, em função da variação tecnológica, econômica e social. 
Na fixação sistemática do homem sobre a terra, traços formadores de um novo 
sistema de vida foram identificados, aproximadamente, no ano de 7000 a.C., no Neolítico, 
na Era da Revolução Agrícola, no continente africano. O inusitado desenvolvimento deste 
complexo cultural, advindo de um sistema de vida nômade, ou semi-sedentário de produzir 
alimentos e recolher o pescado, estabelece elementos que justificam as moradas fixas junto 
às margens de rios e lagos. 
Plantas e animais disponíveis, como material inicial para a domesticação, foram 
pressupostos iniciais na acumulação de alimentos. Os grupos que pretendesse crescer, para 
tanto, baseava-se na produção de alimentos. 
Da Pré-História e das primeiras civilizações à época contemporânea, identidades em 
formas alimentares foram levadas pelo mundo, os alimentos e as bebidas do Antigo Egito, 
os produtos e recursos alimentares dos Fenícios e Cartaginenses, os modelos do mundo 
clássico, os banquetes romanos, as refeições gregas, os bárbaros e cristãos na aurora da 
cultura alimentar européia, as cozinhas medievais, a alimentação oriental e africana, a 
cozinha árabe e suas normas islâmicas, os costumes alimentares judeus, entre outros tantos. 
Estudar a “cultura na mesa brasileira” é ir bem mais além das tradições e influências 
dos nativos indígenas, das iguarias africanas e das suculências portuguesas. Pois a cozinha 
é um reativo de rara sensibilidade para avaliar a cultura de uma população, é uma 
linguagem que se deve saber interpretar para melhor compreender os costumes de um povo. 
A alimentação como objeto de conhecimento é, também, uma ferramenta de 
educação, pois, as tradições, as representações, as linguagens, as idéias e teorias despertam 
curiosidades, verificações e comunicações. Quanto mais o indivíduo percebe as diferenças, 
 2 
mais aumenta as possibilidades da busca do saber. A complexidade humana reúne e 
organizam conhecimentos dispersos, o ensino através das origens do cultivo, do preparo, do 
servir, do comer, dos tabus, hábitos, comportamentos, superstições e costumes alimentares, 
estabelece uma comunicação entre disciplinas e a compreensão da trajetória das sociedades 
humanas. A cultura é construída por fragmentos, separações e distinções que se reúnem e se 
articulam. A coisa e a causa se confundem. 
Cultura e culto derivam do mesmo verbo latino colo, que significa ‘eu cultivo’. 
Cultus é sinal de que a sociedade que produziu o seu alimento já tem memória. O culto faz 
do solo o local do sagrado. A cova que receberá o grão que fora transformado em alimento 
poderá ser, também, a cova que receberá os que partiram. Os sepultados, na verdade, são 
plantados para que renasçam. O solo no qual repousam os antepassados é o mesmo do qual 
brota, a cada ano, o sustento alimentar do corpo, inferindo aos espíritos dos antepassados a 
cooperação na germinação das plantas cultivadas. 
É o ciclo do nascer e do morrer. Do plantar e do renascer. Da luta pelos meios do 
sobreviver e do religar ao passado pelas mediações e pelos laços que irão sustentar a 
identidade das origens. 
Culto e cultura neste enfoque nos desloca para as matizes do passado buscando no 
termo colo, a ocupação do chão, amarrando os significados que mostra o ser humano preso 
a terra e, nela, abrindo covas que lhe fornecem alimento e lhe abrigam depois de mortos. 
A Antropologia da alimentação no Brasil tem como referência, as obras de Gilberto 
Freyre. Em seu livro “Assucar: algumas receitas de doces e bolos dos engenhos do 
Nordeste” publicado em 1939, tendo a segunda edição, aumentada e revisada, em 1967, 
com o subtítulo, “em torno da etnografia, da História e da Sociologia do doce no Nordeste 
canavieiro”, ressalta toda a influência subjetiva do açúcar no sentido de adoçar maneiras, 
gestos e palavras. De forma definitiva, em Casa Grande & Senzala, Freyre, trata a 
alimentação como valor essencial para a análise sociológica, até então discriminada às 
categorias secundárias da investigação científica. 
No Brasil os elementos trazidos nas bagagens, na memória, intrínsecos nas heranças 
culturais, vivo nos hábitos, fiéis nas tradições, aculturaram-se, reformularam-se, 
 3 
reelaboram-se numa cozinha, que em um primeiro momento mobiliza a base alimentar do 
índio, nativo brasileiro. 
Traços marcantes das culturas dos nossos antepassados indígenas, como gêneros 
alimentícios, práticas de cultivo; utensílios para fazer a comida, para guardá-la, para pisar o 
milho ou o peixe, moquecar a carne, espremer as raízes, peneirar as farinhas, como os 
alguidares, as urupemas, os tipitis, as cuias, as cabaças de beber água, os balaios, foram 
incorporados à cozinha colonial, e, freqüentemente encontrados nos dias de hoje nas casas 
do norte, do centro e do nordeste do Brasil. 
Das comidas preparadas pela mulher nativa brasileira, as principais eram as que 
faziam com a massa ou a farinha de mandioca, sendo adotada pelos colonos no lugar do 
pão de trigo, tornando-se a base do regime alimentar de todo colonizador. A mandioca 
como a mais brasileira de todas as plantas, tem uma ligação direta com o desenvolvimento 
histórico, social e econômico do Brasil. 
Assim como ensinou ao português o cultivo e o consumo da mandioca, o indígena 
fez o mesmo com o milho. Alimento tradicional dos povos americanos, o milho foi o único 
cereal encontrado no Brasil e levado para Europa. A farinha de milho foi comida de 
escravos e de bandeirantes, não tão consumida quanto à farinha de mandioca, mas, 
difundida por todo o Brasil, através do preparo do cuscuz, este, por sua vez, transformado 
na cozinha brasileira, da sua origem árabe à base de arroz, para a reelaboração com farinha 
de milho e coco. 
A tradição alimentar indígena, com as frutas e os frutos brasileiros, combinados 
com as especiarias, trazidas pelos portugueses, tais como: cravo, canela, gengibre, noz-
moscada e erva-doce e, mais, o modo tradicional de fazer bolos, doces e conservas, 
passados pela alquimia da cozinha brasileira, foi parte de um processo intercultural, no 
qual, o milho, nativo do Brasil; o açúcar de cana, planta originária da Ásia e o coco, de 
origem indiana, resultaram em complexas receitas, guardadas em segredo, como 
verdadeiras maçonarias. 
O português foi o principal europeu formador da nossa árvore genealógica. Mas, é 
necessário esclarecer que a formação étnica do nosso colonizador português foi uma 
decorrência de longos anos de aculturação e assimilação. Desde os tempos mais primitivos 
 4 
do continente europeu, fizeram parte da sua história: os celtas e os iberos, tendo, também, 
em sua estrutura civilizatória, os povos mediterrâneo-camitas, originários da África do 
Norte. As invasões romanas fazem entrar em território português povos diversos: sírios, 
armenóides, itálicos. A influência judia fixou-se, impondo aspectos políticos e sociais na 
difusão de sua cultura no território português. 
Dos romanos, recebeu a formação portuguesa variada influência, que, de modo 
geral, tornou-se básica, no levantamento do nível intelectual da população, na facilidade da 
comunicação através da construção de estradas, na edificação de cidades, no sentido 
municipalista, na organização política, bem como o cristianismo, que se tornou um dos 
fundamentos de sua formação cultural. Às invasões germânicas, sucederam-se as romanas, 
resultando na integração de novos grupos humanos na população portuguesa, entre eles, 
alanos, vândalos, godos, suevos, visigodos, com a predominância do elemento de 
procedêncianórdica. Com os germanos, introduziu-se, em Portugal, a aristocracia, que veio 
chocar-se com a democracia romana. 
Invasões árabes levaram a Portugal novos elementos étnicos e novos valores 
culturais, onde perduram até hoje, na arquitetura, com os arabescos mouriscos; na 
agricultura, na introdução de técnicas de irrigação; nos minhos de água; nas indústrias; nos 
trabalhos em pele; no aperfeiçoamento de tecidos de lã e linho; nas artes; na língua; nos 
trajes. A entrada dos mouros, que eram escravos trazidos da Mauritânia, país que fica no 
norte africano, entre o mundo árabe e a chamada África Negra, trouxe características sutis à 
cultura portuguesa. Dos mouros, sabe-se que muitos dos libertos isolaram-se em grupos, 
formando as mourarias. Assim, o elemento português, um dos formadores do povo 
brasileiro, trouxe em seu processo histórico a aculturação, que decorreu durante séculos, até 
a sua formação quinhentista. 
Instalando-se para ficar definitivamente no Brasil, o português recriou o ambiente 
familiar, cercando-se dos recursos de curral, quintal e horta. Trouxe vacas, touros, ovelhas, 
cabras, carneiros, porcos, galinhas, gansos, pombos e o mais disputado animal entre os 
indígenas, o cachorro. Trouxe também as festas tradicionais e as devoções aos santos 
católicos. Outros verdes vestiam a nova terra: figo, romã, laranja, limão, lima, cidra, melão 
e melancia. Pepino, coentro, alho, cebola, hortelã, manjericão, cenoura e bredos, tornaram-
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se habituais o uso, da manteiga, do ovo, do azeite e do vinho. As conexões geográficas 
realizadas pelos portugueses possibilitaram o desenvolvimento da diversificação na 
produção de alimentos no Brasil. 
Compondo a tríade formadora do nosso tronco cultural, sobre o qual a sociedade 
brasileira foi modelada, o negro africano, ainda em sua terra natal, sofreu influências de 
diversas culturas. O processo de expansão ultramarina, faz com que o português chegue ao 
continente africano no século XV, exercendo junto com outros países vizinhos, um 
amalgamento de culturas. Essas influências acrescida da diversidade étnica africana, teve 
maior peso na formação do povo brasileiro, o patrimônio cultural do africano negro, trouxe 
peculiaridades comuns e valores diversos, contribuindo para que a transmissão da cultura 
africana não fosse apenas por um, dois ou três elementos assimilativos, mas de inúmeras 
nações africanas com culturas variadas e impregnadas pelas culturas européia e islâmica. 
O ciclo do açúcar, o ciclo do ouro, o ciclo do café, formaram o caminho das iguarias 
e dos manjares africanos pelo Brasil. As sociedades secretas e os ritos religiosos, com suas 
comidas sagradas, transportaram as oferendas dos orixás, em pratos do cotidiano da mesa 
do brasileiro. 
A palmeira, de onde se extrai o azeite-de-dendê, o óleo de palma ou o azeite-de-
cheiro, plantada pela orla ocidental e oriental africana, foi trazida para o Brasil nas 
primeiras décadas do século XVI, possibilitando o acesso a um dos elementos primordiais 
da culinária afro-brasileira. 
A cozinha africana contemporânea firmou suas características e elaborou suas 
técnicas, depois do Brasil ter sido povoado, na segunda metade do século XVI. Foi o 
período em que as espécies brasileiras foram transladadas ao continente africano, tais como, 
a mandioca, a macaxeira-aipim, o milho, o caju, entre outros. 
O vatapá representante oficial da cozinha afro-brasileira e, principalmente, da 
baiana, foi uma elaboração da nossa cozinha, na qual, o leite de coco, junta-se à farinha de 
milho ou de mandioca e ao azeite de dendê para compor com o peixe e os camarões um 
prato especificamente brasileiro. Na África o leite de coco não possui o prestígio que 
usufrui no Brasil, ao que se sabe, vatapá não é palavra de nenhum idioma banto. E apenas 
em Angola, alguns pratos se aproximam do vatapá, o muambo de galinha e o quitande de 
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peixe. O vatapá foi desenvolvido nas cozinhas baianas, tomando o rumo das mesas 
brasileiras e continuando a evoluir e complicando-se em sua química pela adição e 
substituição dos seus componentes pelas diversas regiões brasileiras. 
No imenso território que é o Brasil, seja na zona rural ou na zona urbana, nossos 
ancestrais africanos, deixaram enraizados as suas culturas, miscigenadas pela confluência 
de gostos, aromas e sabores, além do folclore, da arte, da música, da dança e de outras 
influências encontradas na cultura brasileira. Mas, é na cozinha que a presença dos índios, 
negros e portugueses desperta o deleite e o prazer da mistura. 
As sabedorias no plantar, a prática do colher, as técnicas de conservar, a arte de 
preparar, o ritual do servir, o prazer do comer e degustar, revelam a marcha da formação do 
povo brasileiro. O desbravamento do nosso país pode ser lido através do multiculturalismo 
alimentar. Grupos étnicos diversos aqui, fixaram-se, formando um ladrilho cultural, 
reelaborados em cada região, nas combinações das sobrevivências dos hábitos e costumes, 
instaurando-se como indicadores das nossas raízes e da nossa identidade. 
 
* Claudia Lima é graduada em Comunicação Social, com Especializações em História da 
África e do Brasil e Mestrados em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Joaquim 
Nabuco e Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco, é também 
etnógrafa, folclorista, africanista, escritora e pesquisadora. A autora reúne todas as suas 
pesquisas, artigos, estudos e ensaios na home-page: www.claudialima.com.br.

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