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1 PROCLAMAÇÃO DA COZINHA BRASILEIRA COMO PARTE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NO IMPÉRIO BRASILEIRO 1822-1889 2 Ate ahi o sábio autor. E’ assim que os melhores descrevem na Europa as nossas cousas. Será, pois, de admirar que Europa esteja tão bem informada o nosso respeito? Não haverá algum patriota que se anime a enviar ao Sr.L.Figuier uma lata de farinha de Suruhy, para que possa reformar um pouco o juízo acerca deste produto? Em todo o caso o informante deve ter comido em meses singulares para conhecer tão bem a nossa farinha, o nosso pirão e a nossa feijoada. 1 Nosso dever e outro; nosso fim tem mais alcance; e uma vez que demos o titulo „nacional“ a nossa obra, julgamos ter contrahido um compromisso solemne, qual o de apresentarmos uma cozinha em tudo Brazileira, isto e: indicarmos os meios por que se preparão no paiz as carnes dos inúmeros mamíferos que povoa suas matas e percorrem seus campos; aves que habitão seus climas diversos; peixes que suculão seus rios e mares; reptis que se deslizão por baixo de suas gigantescas florestas, e finalmente immensos vegetaes e raízes que a natureza com mão liberal e pródiga, espontaneamente derramou sobre seu solo abençoado; mamíferos, aves, peixes, reptis, plantas e raízes inteiramente differentes dos da Europa, em sabor, aspecto, forma e virtude, e, por conseguinte exigem preparações peculiares, adubos e acepipes especiaes, que somente se encontrão no lugar em que abundão aquellas substancias, e que são reclamados pela natureza, pelos costumes e ocupações dos seus habitantes2. 1 Extraído de A Província de Minas, Ouro Preto, de 30.11.1879. 2 Retirado do livro Cozinheiro Nacional ou colleccão das melhores receitas das cozinhas brasileira e europeas, 3. Ed. Rio de Janeiro, B.L. Garnier, 1884. 3 1. Sumário 1. Sumário..................................................................................................................................3 2. Introdução..............................................................................................................................6 2.1 Estrutura do trabalho.............................................................................................................7 2.2 Nível da pesquisa................................................................................................................10 2.3 Tipos de fontes...................................................................................................................18 2.4 Metodologia e avaliação.....................................................................................................21 3. Identidade, Império Brasileiro e Alimentação.................................................................23 3.1 Identidade............................................................................................................................23 3.1.1 Formas de identidade.......................................................................................................23 3.1.2 Identidade e alimentação..................................................................................................29 3.2 História do Império Brasileiro............................................................................................32 3.2.1 Desenvolvimento político................................................................................................32 3.2.2 Desenvolvimentos sociais e formação da identidade social............................................38 3.3 Alimentação.......................................................................................................................45 3.3.1 Alimentação e estratificação social..................................................................................45 3.3.2 Cozinha: regional e nacional............................................................................................48 3.3.3 Estrutura de longa duração...............................................................................................52 3.3.4 Aspectos gerais sobre alimentação..................................................................................54 4. Alimentação no Brasil.........................................................................................................65 4.1 Brasil das regiões................................................................................................................65 4.1.1 Região Norte...................................................................................................................66 4.1.2 Região Nordeste..............................................................................................................74 4.1.3 Região centro-oeste..........................................................................................................88 4.1.4 Região sudeste..................................................................................................................93 4.1.5 Região sul.......................................................................................................................108 4.2 Cozinha colonial ..............................................................................................................113 4.2.1 Imperialismo ecológico e base indígena........................................................................113 4.2.2 Fusão de técnica e sabor.................................................................................................117 4.4.3 percepção diferenciada das várias realidades alimentares.............................................120 4.3 Cozinha portuguesa..........................................................................................................121 4.3.1 Influência na cozinha brasileira.....................................................................................121 4.3.2 Desenvolvimento da cozinha portuguesa.......................................................................122 4.3.3 Literatura culinária.........................................................................................................126 4 5. A Cozinha no Império Brasileiro..................................................................................129 5.1 Alimentação do povo....................................................................................................129 5.1.1 População livre..............................................................................................................131 5.1.2 População escrava..........................................................................................................132 5.1.3 População indígena........................................................................................................134 5.2 A cozinha da alta sociedade.............................................................................................134 5.2.1 Influência européia........................................................................................................135 5.2.2 Influências regionais versus metrópole.........................................................................137 5.2.3 Recepções festivas........................................................................................................139 5.2.4 Livros de receitas..........................................................................................................142 5.2.5 Cozinha e alimentação em jornais................................................................................147 5.3 Literatura culinária............................................................................................................153 6. Os livros de culinária do Império....................................................................................1546.1 Cozinheiro Imperial..........................................................................................................155 6.1.2 Prefácio..........................................................................................................................157 6.1.3 Guia do Criado e Dicionário dos Termos Technicos da Cozinha.................................171 6.2 Doceira brasileira............................................................................................................173 6.2.1 Prefácio.........................................................................................................................173 6.2.2 Receitas..........................................................................................................................175 6.3 Doceira domestica.............................................................................................................178 6.3.1 Prefácio.........................................................................................................................178 6.3.2 Receitas..........................................................................................................................179 6.4 Cozinheiro Nacional.........................................................................................................180 6.4.1 prefácio...........................................................................................................................181 6.4.2 Receitas.......................................................................................................................184 6.5 Doceiro nacional..............................................................................................................196 6.6 O porco, Charcuteiro nacional.........................................................................................197 6.7 Dicionario do Doceiro Brasileiro......................................................................................198 7. Cozinha Brasileira – Conclusões.....................................................................................199 7.1 Proclamação da cozinha brasileira...................................................................................199 7.1.1 O objeto da proclamação...............................................................................................201 7.1.2 Criador da proclamação.................................................................................................204 7.2 Realidade da cozinha brasileira........................................................................................205 7.2.1 Estruturas fundamentais da alimentação no Brasil.......................................................205 5 7.2.2 Hegemonia do Açúcar....................................................................................................208 7.2.3 Identidades e alimentação no Império Brasileiro...........................................................210 8. Fontes e Bibliografia.........................................................................................................213 8.1.1.Jornais e Revistas.........................................................................................................217 8.1.2.Cadernos de Receitas e Anotacoes.............................................................................218 8.1.3 Cardapios......................................................................................................................219 8.2 Literatura.........................................................................................................................220 8.3 Periódica..........................................................................................................................244 8.4 Internet.............................................................................................................................251 6 2. Introdução No prefácio do livro Cozinheiro Nacional se encontra o verdadeiro ponto de partida para a proclamação e o surgimento do fenômeno cozinha brasileira. É fenômeno na medida em que a construção cultural “cozinha nacional”, como um conceito imaginado, até hoje se encontra fortemente ancorada no imaginário das pessoas. Ele tornou-se parte da construção do fenômeno nação e é assim como este aceito de forma geral. Este fenômeno é complementado pelo aspecto da cozinha regional que como parte do complexo geral alimentação, é tratado de forma popular em programas de televisão e livros de culinária. Entretanto, raramente se questiona o fenômeno como tal e da mesma forma pouco se tematiza a sua instrumentalização. Unicamente na literatura técnica da pesquisa acadêmica sobre alimentação é que se constata tratar-se claramente de uma construção cultural oriunda de determinados fatos históricos e foi instrumentalizada pelas elites que dominavam o discurso. A alimentação se presta bem para este questionamento, já que ela tem efeito duradouro sobre a construção da identidade e, conforme pesquisas mais recentes, pode perfeitamente ser equiparada ao importante fator língua. Assim sendo, a ingestão diária de alimentos determina tanto a identidade individual, como também as identidades grupais. O surgimento das cozinhas nacionais deve, com isso, ser entendido como parte do processo de formação da identidade nacional. Este processo é, contudo, uma construção cultural de inspiraҫão política, já que com a proclamação de uma cozinha tipicamente regional na maioria das vezes, apenas alguns alimentos são colocados no contexto nacional. Isso corresponde, na verdade, de certa forma, à alimentação em um determinado país, no entanto, ela representa muito mais a alimentação das elites sociais do que o grande número de pratos caracteristicamente regionais no âmbito do complexo cultural cozinha. É importante definir o conceito de cozinha utilizado neste trabalho, já que esta compreende na língua alemã tanto o lugar do preparo prático dos alimentos como diz respeito também ao complexo cultural cozinha. O complexo cozinha, examinado neste trabalho, contém os elementos de toda a cadeia alimentar, desde o plantio dos ingredientes, do processamento, transporte, e da conservação até o preparo prático de pratos, consumidos como refeições. Sobre esse complexo têm efeito os aspectos da avaliação humano-sensorial no âmbito do sabor e da simbologia, determinantes espaciais e climáticas, socioculturais, psico- antropológicas, religiosas, econômicas e políticas cominfluências reciprocas. Este estudo não pode oferecer ainda um quadro absolutamente completo de toda alimentação, bem como de 7 todas as especialidades regionais no Brasil, mas sim pretende propiciar uma base confiável para a pesquisa subseqüente. O presente trabalho pretende, neste sentido, ser uma colaboração para mostrar como se deram os processos que conduzem à proclamação de uma suposta cozinha típica e reconstruir a relação com a realidade do Brasil no século XIX. Além disso, deve ser mostrada a importância da alimentação como parte dos processos de formação da identidade nacional. O exemplo brasileiro presta-se muito bem a isso. Dentro das extensas fronteiras do Brasil existe uma multiplicidade de regiões com características muito distintas e, por isso, pode-se falar em cozinhas regionais, que se caracterizam por desenvolvimentos, hábitos, e produtos regionais. No decorrer da história, o Brasil se desenvolveu como um país de imigrantes e pessoas de todos os continentes foram para lá. Na época da escravidão foram, além disso, deportadas milhões de pessoas da África para o Brasil. Todas essas pessoas traziam consigo suas tradições culinárias e complementaram a culinária indígena. Além do mais, o Brasil, com o desenvolvimento de colônia para império independente, que durouduas gerações passou por um desenvolvimento histórico global único. Estes fatores são a raiz do presente trabalho, que trata da importância da alimentação como a parte mais importante do abrangente processo da formação da identidade nacional, com base no exemplo do Império Brasileiro. Úteis para a conclusão deste trabalho e para a compreensão das fontes de pesquisa foram, além do estudo da História Ibero e Lationamericana, bem como da Etnologia, os conhecimentos sobre técnicas de cozinha e o conhecimento técnico de culinária adquiridos no curso de formação de cozinheiro e os dez anos de experiência na área da gastronomia. 2.1. Estrutura do trabalho O tema de minha dissertação trata da instrumentalização da alimentação e da construção de uma cozinha em relação ao processo de formação da identidade nacional no Império Brasileiro. Esses processos tinham sua expressão fundamental na utilização do meio “livro de culinária”, que representava o único sustentáculo para a proclamação de uma cozinha. O ponto de partida para esse desenvolvimento foi assim o ano de 1840, quando surgiu o Cozinheiro Imperial, primeiro livro de culinária impresso no Brasil. No mesmo ano, com a nomeação do jovem Pedro II para ser o imperador do Brasil, começou o terceiro período na história do Império Brasileiro, chamado na historiografia de Segundo Reinado. O período de regência de Pedro II e o Império Brasileiro terminaram com a Proclamação da República em 8 15.11.1889. Assim sendo, o período de pesquisa relevante no tocante à proclamação da cozinha brasileira é determinado com a publicação de um livro de culinária até o final do império. No entanto, para a compreensão destes acontecimentos e desenvolvimentos, o contexto geral deve primeiro ser exposto, já que no âmbito deste trabalho diferentes formas de abordagem foram unidas. Esta tarefa é preenchida pelos capítulos três e quatro. A discussão das formas de abordagem fundamentais serve para o terceiro capítulo Identidade, Império Brasileiro e Alimentação. Este capítulo se baseia na literatura de pesquisa sobre os respectivos contextos temáticos e deve uni-los como resumo. Aqui são discutidos os diversos conceitos científicos relativos à noҫão de identidade e apresentadas as relevantes formas de identidade existentes, e, sobretudo esclarecida a importância decisiva da alimentação para a formação da identidade. Como segundo contexto, esquematiza-se o desenvolvimento histórico do Império Brasileiro, dividido em história política do Império e também nos desenvolvimentos sociais e nos processos que levaram à formação de uma identidade nacional. A parte seguinte ocupa-se dos aspectos culturais e históricos da alimentação. Para isso, divide-se este amplo campo em quatro subcapítulos. Primeiro, são tematizados os efeitos e também a importância da alimentação. Na conclusão, discute-se o conceito cultural de cozinha com base nos aspectos geográficos - nacional e regional. Como terceiro subcapítulo, Estruturas de longa duração, são apresentadas importantes considerações para a compreensão da alimentação com relação à percepção do tempo, e, ao final, faz-se uma ligeira abordagem dos aspectos gerais da alimentação para a compreensão do contexto . Também o quarto capítulo Alimentação no Brasil mostra-se fundamental para a compreensão geral do presente trabalho, e, da mesma forma, é considerado um capítulo contextual. Neste ponto, deve-se realizar primeiramente uma ligação espacial com o objeto de pesquisa, o Brasil. Como um dos maiores países, o Brasil, que está sob condições naturais heterogêneas, teve a respectiva alimentação regional influenciada de forma duradoura. Para se chegar a um entendimento do que poderia ser afinal uma cozinha brasileira, é imprescindível se ocupar das regiões do Brasil. Partindo-se das cinco grandes regiões, prosegue-se, então, com uma descrição de cada região relativamente a suas circunstâncias naturais e aos desenvolvimentos regionais históricos culturais, bem como sobre sua alimentação e culinária. Na seqüência desta ligação espacial trata-se ainda o contexto histórico no âmbito do período colonial como América portuguesa no tocante à alimentação e à culinária. No subcapítulo Cozinha Colonial, esquematiza-se primeiramente a influência da colonização portuguesa bem 9 como da alimentação indígena. A partir daí então demonstra-se a fusão de técnicas e sabores de muitas outras etnias que participavam deste processo. Na conclusão deve ser representada a diferenciação necessária das diferentes realidades alimentícias dentro das diferentes categorias. Segue-se, então, com o subcapítulo A cozinha portuguesa. Após a apresentação de importantes aspectos da influência da alimentação brasileira através da cozinha portuguesa e de hábitos alimentares devem ser apresentados os desenvolvimentos históricos e culturais dentro da cozinha portuguesa, que também influenciaram os processos no Brasil. Levando-se em consideração a importância do meio livro de culinária, e, sobretudo, no tocante à influência na cozinha brasileira, discute-se ainda a história da literatura culinária portuguesa até o século XIX. O quinto capítulo, A cozinha no Império Brasileiro, reconstrói a cozinha contemporânea e a alimentação Este capítulo é importante para levar a um entendimento no tocante à autenticidade da literatura culinária. Para isso, foram utilizadas tanto literatura primária como literatura secundária como fonte de pesquisa. O capítulo se divide em dois subcapítulos, orientados pelas diferentes alimentações no âmbito da estratificação social. O primeiro capítulo trata da alimentação do povo e diferencia a população livre, escrava, e a população indígena. O segundo subcapítulo, A cozinha da Alta Sociedade, trata das influências européias e das diferentes alimentações da elite regional frente ao desenvolvimento na metrópole. Partindo-se daqui, os próximos subcapítulos tratam das fontes que podem ser classificadas por escritos da elite e que têm importância para a reconstrução da cozinha brasileira. Estas são os cardápios, que foram analisados no capítulo Recepções Festivas. A este contexto pertencem ainda os livros de receitas escritos à mão, que também foram tratados de forma especial, e artigos de jornal e de revistas, que se ocupavam com alimentação e cozinha. Como subcapítulo especial, são expostos, ainda, aspectos gerais referentes à literatura culinária. No sexto capítulo, Os Livros de Culinária do Império, serão examinados os sete livros de culinária publicados na época do Império Brasileiro. Especial importância é atribuída neste sentido ao primeiro livro de culinária Cozinheiro Imperial e ao livro de culinária Cozinheiro Nacional. Este último tinha a pretensão de postular a cozinha brasileira. Estes dois livros fundamentais, já que eram os únicos que tinham característica “salgada”, serão então analisados de forma abrangente. Em contraposição a estes, estão os quatro livros de receitas doces, Doceira Brasileira, Doceira Domestica, Doceiro Nacional, bem como Dicionário do 10 Doceiro Brasileiro. O fato de existirem dos sete livros de culinária ao todo quatro que tematizam os doces pode ser interpretado com um indício da prevalência do doce na alimentação brasileira, que será tratado de forma especial nas conclusões. O livro O Porco, que, na verdade, apresenta também receitas internacionais “salgadas”, representa uma exceção, já que ele de fato era uma introdução sobre a criação de porcos e de pequenos animais. Os livros serão correspondentemente examinados de acordo com o prefácio e as receitas culinárias e, neste ponto, serão estabelecidas as especificidades bem como os princípios para a postulação de uma cozinha brasileira com base em pratos tipicamente brasileiros. O sétimo capítulo, em seu conteúdo conclusivo, Cozinha Brasileira– Conclusão, divide-se em três subcapítulos. Primeiramente é discutida a proclamação da cozinha brasileira. Esta se orienta em questionamentos simples, porém sobremaneira relevantes: o que foi proclamado? bem como quem problamou? Em contrapartida, está então o subcapítulo Realidade da Cozinha Brasileira. Este se subdivide novamente em três princípios, que, por um lado, constatam algumas universalidades no âmbito da cozinha brasileira, especialmente o papel do açúcar é tratado neste contexto. Por outro lado, no capítulo Identidades e Alimentação no Império Brasileiro, deve-se analisar consequentemente o papel e a instrumentalização da alimentação para a construção de identidades. Complementando, no oitavo capítulo, Glossário, serão explicados relevantes conceitos técnicos portugueses e verbetes tipicamente brasileiros. 2.2 Nível da pesquisa internacional No tocante à representação do nível da pesquisa internacional não há como deixar de fazer uma observação diferenciada, já que ao longo desta dissertação diferentes disciplinas foram abordadas. Em virtude da complexidade que resulta da tematização de princípios individuais em cada respectiva disciplina, devem ser apresentadas aqui apenas os desenvolvimentos e trabalhos mais importantes. Deve-se mencionar, entretanto, ainda neste contexto, que os trabalhos utilizados mostram princípios interdisciplinares, e, por isso, tornam difícil uma delimitação clara, sobretudo, no tocante ao estágio da pesquisa sobre história da alimentação. A pesquisa sobre identidade é tematizada em diversas áreas e se diferencia nas representações das variadas formas de identidades. Importante para esta dissertaҫão foram trabalhos sobre identidade cultural, identidade nacional, bem como sobre o contexto da alimentação e 11 identidade. Exemplos mencionáveis destas áreas temáticas com transições fluídas seriam os livros de Stuart Hall Rassismus und kulturelle Identität , Bernhard Giesen (Hrsg.) Nationale und kulturelle Identität, bem como Gerhard Neumann, Hans Jürgen Teuteberg, Alois Wierlacher Kulturthema Essen, Band 1 & 2. Essen und kulturelle Identität. Trabalhos relevantes sobre o surgimento e a instrumentalização da identidade nacional orientados pelo contexto europeu são entre outros os livros M.Einfalt, J. Jurt, D. Mollenhauer, E Pelzer (Hrsg) Konstrukte nationaler Identität: Deutschland, Frankreich und Grossbritanien (19.und 20. Jahrhundert) e Markus Koch Nationale Identität im Prozess nationalstaatlicher Orientierung. No que se refere ao estágio da pesquisa no exemplo brasileiro devem aqui ser mencionados os trabalhos de Renato Ortiz Cultura brasileira e identidade nacional, Fabio Lucas Expressões da identidade Brasileira, e uma obra atual do historiador Carlos Reis As Identidades do Brasil, De Varnhagen a FHC. A relação da alimentação e nação no contexto da identidade é, na maioria das vezes, observada separadamente na forma da ligação dos dois aspectos como alimentação e identidade, ou nação e identidade. Não existia ainda, na atualidade, um estudo especializado sobre a alternância da alimentação, identidade, e formação da nação. Os primeiros princípios de uma síntese deste complexo de temas foram alcançados, sobretudo, por Eva Barlösius. Com o seu livro publicado Soziologie des Essens, Eine sozial- und kultur- wissenschaftliche Einführung in die Ernährungsforschung, ela forneceu um fundamento teórico importante que trata a alimentação ao lado de outros aspectos no âmbito de sua representação geral também com relação à formação da identidade e das nações e se refere quanto a isso aos exemplos europeus. O nível da pesquisa internacional sobre formação da nação foi sem dúvida enriquecido de forma duradoura com o livro de Benedict Anderson Die Erfindung der Nation, Zur Karriere eines folgenreiche Konzepts. O conceito da construção de uma nação como sociedade imaginada, baseada principalmente pelo meio “escrita”, tratado por ele sob a perspectiva histórica. Entretanto, ele faz menção expressa ao papel especial do Império Brasileiro, na América Latina, de fato republicana, e a alimentação não é observada em sua obra. Pertencem, ainda à literatura fundamental das nações históricas e à pesquisa sobre o nacionalismo Eric Hobsbawm com o livro Nationen und Nationalismus e a obra de Ernest Gellner Nationalismus – Kutur und Macht. A instrumentalização da alimentação para a construção da identidade nacional irá tematizar o papel da alimentação, se muito, apenas em algumas únicas frases. 12 A historiografia sobre a história do Império Brasileiro é abrangente. Então, deve-se fazer menção aqui a apenas algumas das obras mais importantes como o livro de Adolfo Morales de los Rios Filho, O Rio de Janeiro Imperial, que documenta a importância e o desenvolvimento do Rio de Janeiro no período imperial. A obra de Ricardo Salles, Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado, trata a formação da identidade na segunda metade do Império. Um clássico da historiografia brasileira são os trabalhos de José Murilo de Carvalho, sobretudo a obra A construção da Ordem e Teatro de Sombras, que tematizam o desenvolvimento social e político no Império Brasileiro. Como um exemplo da literatura de pesq uisa internacional sobre o Império brasileiro vale a obra escrita por Roderick J. Barman Citizem Emperor, Pedro II and the making of Brazil, 1825-1891, que mostra o desenvolvimento da segunda metade do Império Brasileiro com base na história e no desenvolvimento de Pedro II. Trabalhos atuais mencionáveis sobre a história do Império brasileiro são o livro organizado por István Jancsó Brasil: Formação do Estado e da nação e o livro publicado por Carlos Guilherme Mota, Viagem Incompleta, A Experiência Brasileira. O processo de formação e de identidade nacional é, assim, tratado em diferentes trabalhos, contudo, sem levar em consideração a história da alimentação. Nos últimos anos surgiram trabalhos que se ocupam com a história do desenvolvimento da agricultura, abastecimento e aspectos sócio-culturais. Deve-se destacar neste âmbito o livro de Mary del Priore e Renato Venâncio, Uma História da Vida Rural no Brasil, no qual se apresenta um panorama sobre o desenvolvimento do ambiente agrário. O contexto do abastecimento para as regiões de plantio de cana, voltadas para a exportação, é examinado no trabalho de B. J. Barickman, Um Contraponto Baiano, açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. A dependência da forma econômica de trabalho intensivo da plantação da cana de açúcar do abastecimento externo de alimentos por ele documentada se mostrou no âmbito da pesquisa aqui realizada também para outras áreas de forma de economia de trabalho intensivo e foi examinada até o momento com base em desenvolvimentos parciais. A história da alimentação brasileira parece aqui, no geral, ter sido deixada de lado e é tratada mais como uma área independente, do que como parte da história do Brasil em geral. A pesquisa internacional relativa à alimentação se divide em princípios sociológicos, antropológicos e históricos e liga essas áreas interdisciplinares necessariamente com outros focos escolhidos. Trabalhos mencionáveis da área de sociologia e antropologia são os trabalhos de Stephen Mennell: Sociology of Food, diet and Culture e All Manners of Food, 13 Eating and Taste in England and France from the Middle Ages to the Present. Aos clássicos desta área de pesquisa pertencem também a obra publicada por Jack Goody Cooking, cuisine and classe, que documenta o contexto da estratificação social e alimentação com base no exemplo africano. Também mencionável é o livro de Donna R. Gabaccia We are what we eat, Ethnick food and the making of americans, na qual a autora, com base no exemplo dos Estados Unidos, explica a ligação da alimentaçãoe migração. No geral, a alimentação foi tematizada como importante princípio de conteúdo das diferentes correntes de pensamento da antropologia internacional. Desta forma existem tanto abordagens estruturalistas, materialistas, e princípios funcionalistas, que analisam a temática alimentação quase sempre com base em diferentes exemplos. Ainda não se fez uma análise sobre a importância da alimentação como parte do processo de formação da identidade nacional de colônias tornadas independentes na América Latina do século XIX. Como exemplo para o método histórico com perspectiva global poder-se-ia citar a edição em língua alemã de Jeffrey Pilcher, publicada em 2006, Nahrung und Ernährung in der Menschheitsgeschichte. Como trabalho interdisciplinar poder-se-ia citar o livro de Sidney W. Mintz Sweetness and power, The place of sugar in modern history, bem como os trabalhos do historiador da alimentação italiano Massimo Montanari, cuja obra atual surgiu em 2008 com em versão brasileira sob o título Comida como cultura. Atualmente, surgiu na pesquisa da alimentação um grande número de bons trabalhos. A representação da situação da pesquisa internacional e um comentário sobre os aspectos relevantes individuais valeria quase um próprio livro, de forma que aqui só deverá ser mencionada exemplarmente a obra de referência: Food, a culinary history, de J. L. Flandrin e M. Montanari. Pode-se constatar, no entanto, que a importância da alimentação para o surgimento das identidades nacionais no âmbito das pesquisas, com um foco na Europa, de fato a França é mencionada, contudo, raramente são citados exemplos históricos individuais, de forma especial. A América Latina quase não é abordada. Uma exceção representam os trabalhos de John C. Super e Thomas C. Wright: Food, Politics and Society in Latin América e John C. Super Food, conquest and colonization in 17th century Spanisch América, que surgiram nos anos 80 nos Estados Unidos. Aqui foram tematizados alguns aspectos da história da alimentação na América Latina e a importância da alimentação para o desenvolvimento político e social foi demonstrado, sem, contudo, que se mencionasse a ligação entre identidade e alimentação. Da mesma forma mencionável é o livro de Arnold J. Bauer, Goods, power, history: Latin America’s material culture. Com base em diferentes trabalhos de 14 pesquisa, o autor apresenta uma bem sucedida síntese sobre o desenvolvimento histórico da cultura material da América Latina que frequentemente se refere a aspectos da alimentação. De fato, A. J. Bauer aceita a cozinha nacional como um modelo cultural surgido naturalmente, sem analisar as origens, e foca sua representação na América de língua espanhola. Da mesma forma relevante é o trabalho de Annerose Menniger, Genuss im kulturellen Wandel, Tabak, Kaffee, Tee und Schokolade in Europa (16.-19 Jahrhundert), no qual a autora examina a influência e o desenvolvimento das formas de consumo européias e da troca de mercadorias com base no exemplo “objeto de prazer”. Entretanto, nesta dissertação a influência do alimento e das formas de consumo na Europa são analisadas de forma análoga, em combinação com a cultura alimentar no Brasil. No tocante ao nível da pesquisa internacional, a pesquisa sobre alimentação no Brasil é dominada pela Europa e os Estados Unidos, subinterpretada, razao pela qual merece uma observação mais próxima. Na literatura técnica brasileira, pode-se constatar duas épocas principais. O sociólogo brasileiro Gilberto Freyre foi quem lançou a pedra fundamental para a observação da alimentação da perspectiva científica. Já em 1926, ele acentuou no Manifesto Regionalista, uma de suas primeiras publicações, a importância da alimentação no contexto da cultura e identidade de uma região. G. Freyre escreveu uma variedade de livros que se tornaram muito famosos sobre a sociedade brasileira, entre outros, Casa Grande e Senzala, O campo na cidade, Nordeste e Açúcar. Em sua obra mais famosa, Casa Grande e Senzala, a influência e o papel da alimentação são explicados em muitos aspectos de sua representação holística sobre a importância do sistema escravocrata para a sociedade brasileira. A pesquisa sobre a alimentação no Brasil passou por uma fase de florescimento nos anos 60 do século XX. A obra mais importante com suas 1000 páginas, História da Alimentação no Brasil, foi realizada por Luis Câmara Cascudo. Na abrangente descrição, trata-se do desenvolvimento cultural e histórico da alimentação no Brasil e também da alimentação indígena, das influências da colonização portuguesa como ponto principal, bem como o papel e o desenvolvimento da alimentação afrobrasileira sao tematizados. A importância da alimentação para a formação da identidade não é, entretanto, reconhecida por ele como tal. Nesta fase surgiram outros trabalhos relevantes que focalizaram uma observação mais regional relativa à alimentação e à culinária. Sobre Minas Gerais, o livro Feijão, angu e couve, de E. Frieiro, sobre a Bahia, A cozinha bahiana, de D. Brandão, sobre Goiás, A cozinha goiana, de B. Ortencio, sobre a alimentação no Rio de janeiro trata o livro Comidas, meu santo de G. Figueiredo. No início dos anos 70 15 foi publicado por O. Osvaldo o livro Cozinha Amazônica, concluindo assim a primeira alta fase da pesquisa brasileira sobre alimentação. Nos anos 80, P. de Aguiar, autor do livro Mandioca – pão do Brasil, B. Amorin, autor de Alimentação Brasileira, e, sobretudo, M. Souto Maior, que como diretor da Fundação Joaquim Nabuco, publicou entre outros os livros Comes e bebes do nordeste e Alimentação e Folclore, se ocuparam com a alimentação da perspectiva científica, formando uma transição para a alta fase atual da pesquisa sobre alimentação brasileira. Nos anos 90, Raul Lody, um antropólogo do Recife que deve ser visto na tradição de G. Freyre e M. Souto Maior, começou suas publicações sobre alimentação. Com uma variedade de publicações, como entre outras, Axé da Boca, Temas de Antropologia da Alimentação, Santo também come, e o mais atual, Brasil Bom de Boca, bem como sua atividade científica, é tido hoje como o maior especialista sobre a culinária brasileira. Ele enriqueceu de forma duradoura o nível da pesquisa principalmente no tocante à alimentação afrobrasileira, uma vez que, com base em diversos livros examinou a influência da importância da alimentação para a religião do candomblé. A sua contribuição foi determinante para a implementação do reconhecimento da alimentação como patrimônio imaterial cultural do Brasil, e foi ele quem introduziu este processo com a pesquisa sobre o acarajé em Salvador, na Bahia, que foi o primeiro alimento a ser reconhecido. O sociólogo brasileiro, Henrique Carneiro, publicou com Comida e Sociedade, uma história da alimentação, uma obra atual, que trata o desenvolvimento histórico da alimentação no Brasil por uma perspectiva sociológica e, neste contexto, pesquisa a subalimentação e doenças dela oriundas, e examina ainda o contexto geográfico das regiões e da alimentação, bem como tematiza além do mais, a ligação entre a alimentação e a identidade étnica e regional. Seu trabalho, no entanto, deve mais ser entendido no âmbito teórico com relação ao Brasil. Ele deixou de lado as fontes escritas na forma de livros de culinária e anotações de receitas e também não trabalhou a importância da alimentação para a identidade nacional. No campo da pesquisa da história da alimentação, com um foco nos doces, surgiram diversos artigos da historiadora Leila Algranti que abordam a raiz portuguesa da culinária doce brasileira e também pesquisaram o contexto dos mosteiros e conventos que está por trás desta tradição. Especialmente mencionáveis são os artigos: Os doces na culinária luso-brasileira: da cozinha dos conventos à cozinha da “casa brasileira”, séculos XVII a XIX, surgidos narevista portuguesa Anais de História de Além-Mar e o artigo A Hierarquia social e a Doçaria Luso-Brasileira, surgida na Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, no qual a instrumentalização dos doces para a representação da hierarquia social é pesquisada. Ela 16 influenciou de forma determinante no livro Delícias das Sinhás, história e receitas culinárias da segunda metade do século XX, que surgiu em Campinas em 2007. Ele se baseia em receitas de Campinas anotadas à mão e tematiza exclusivamente doces. No âmbito da pesquisa sobre história da alimentação atual no Brasil, devem ser mencionados os livros Arte de cozinha, Alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (séculos XVII- XIX), de Cristiana Couto e Farinha, feijão e carne seca, um tripé culinário no Brasil colonial. Em sua obra surgida em 2008, na qual ela comparou principalmente o livro Cozinheiro Imperial com os livros de culinária portuguesa, Cristiana Couto tematiza, com uma escrita popular e de forma curta, a transição da cozinha portuguesa para a cozinha brasileira. O seu interessante livro é, infelizmente, na análise das fontes, entretanto, um tanto quanto superficial, orientando-se em trabalhos do historiador da alimentação português José Saramago, além de abranger as fontes brasileiras existentes de forma incompleta. Além disso, ela não analisa a contribuição bem como a instrumentalização da alimentação para a formação da identidade. A cientista Paula Pinto e Silva examinou a base da alimentação colonial da perspectiva antropológica e colocou as estruturas de longa duração como, alimento, farinha, feijão e carne seca no foco principal do trabalho. O seu livro surgiu em 2008 e presta uma importante contribuição científica para a alimentação no Brasil durante o período colonial, todavia, mais uma vez sem estabelecer uma relação com a identidade. Da mesma forma, são relevantes os trabalhos do sociólogo brasileiro Carlos Alberto Dória que, em 2009, publicou os livros A Formação da Culinária Brasileira e A Culinária Materialista. Enquanto o primeiro livro mencionado representa um breve tratado sobre as influências portuguesas bem como o desenvolvimento da cozinha típica até o século XX e não analisa a verdadeira cozinha brasileira de forma crítica, o seu livro abrangente trata do surgimento das ligações de cultura material e alimentação de uma perspectiva geral e se refere esporadicamente a um contexto brasileiro sem perseguir aqui princípios inovativos. Nesta dissertação foram utilizados também livros de culinária atuais, sem levar em conta o surgimento de uma variedade de novas publicações nos últimos anos. Salta aos olhos o fato de os respectivos autores terem tentado construir um contexto histórico e cultural, o que, em grande parte, dentro das exigências populares, pode ser visto como alcançado. Neste contexto, deve-se mencionar a publicação de uma série de livros de culinária de vinte volumes no final de 2009. Sob o título Cozinha Regional Brasileira, surgiram os respectivos exemplares de coleção sobre todas as regiões do Brasil. Eles tratam o desenvolvimento histórico regional, utilizam produtos regionais e as técnicas, e comprovam, assim, fato, de que se pode falar em 17 um Brasil das regiões, bem como levam em consideracao a preferência atual pela temática. Neste contexto da popularidade, devem ser vistas também as atuais reedições dos dois clássicos da literatura culinária histórica Arte de Cozinha e Cozinheiro Nacional. O nível da pesquisa referente ao verdadeiro núcleo deste trabalho, a ligação entre alimentação e identidade, deixa, desta forma, de constatar uma grave lacuna, especialmente com relação à América Latina e mais precisamente ao Brasil. Da mesma forma, o nível da pesquisa internacional que se refere à ligação entre alimentação e formação da identidade nacional, no geral, está ainda no início. Existem algumas pesquisas sobre o contexto temático na Europa, sobretudo no tocante à culinária francesa, entretanto, pesquisas referentes a este desenvolvimento nas colônias, especialmente sobre a América Latina são muito raras. Deve-se ressaltar a exceção surgida no meio dos anos noventa, com a publicação do livro Que vivan los tamales, Food and the making of mexican identity de Jeffrey M Pilcher. O autor conseguiu com o seu livro um ordenamento da alimentação no desenvolvimento histórico e cultural desde o antigo período colonial até o México do século XX e mostra a instrumentalização da mesma para a formação da identidade. Pode-se perceber, em uma análise geral do nível da pesquisa internacional e também no Brasil, que existe um grande número de publicações atuais, que tratam de aspectos individuais respectivos. Isso se torna especialmente claro no grande número de publicações brasileiras no campo da pesquisa de alimentação. Contudo, ainda não foi feita uma ligação do complexo de temas sobre formação da identidade no Império do Brasil, do papel da alimentação, como também do verdadeiro surgimento de uma assim chamada cozinha brasileira, bem como sua instrumentalização no contexto do desenvolvimento histórico e político no Império. Respectivamente, esta lacuna na pesquisa deve ser superada com a presente dissertação. Deve-se ainda mencionar neste contexto a insuficiente pesquisa histórica da alimentação nas regiões de origem de escravos africanos, a fim de se realizar uma comparação com a alimentação afrobrasileira. A cozinha lusofônica africana atual é descrita em Hamilton, Os sabores da lusofonia, com base em receitas culinárias, e um método semelhante é utilizado no livro de Castelo-Branco, obra que já tem 20 anos, A Expansão Portuguesa e a culinária. A importância do arroz na alimentação da África ocidental é tratada por Carney, Black Rice, The African Origins of Rice Cultivation in the Américas e o Brasil é mencionada algumas vezes, apesar de esta pesquisa se concentrar nos estados do sul dos Estados Unidos. Nos idos de 1950, surgiu um estudo sobre a Culinária Yorubá, http://www.jsto.org/stable/1156465 (3.3.2009), Journal of the International African Institut, Vol. 21, No. 2 (Apr., 1951), pp. 125- 137, William Bascom, Yoruba Cooking, e sobre a importância da alimentação no processo da 18 formação do Estado africano apareceu a tese de Igor Cusack, African Cuisines: Recipes for Nation-Building (http://www.jsto.org/stable/1771831 (3.3.2009) Journal of African Cultural Studies, Vol. 13, No. 2 (Dec., 2000) pp.207-225). Também um clássico da sociologia da alimentação se refere ao exemplo africano através de J. Goody, Cooking, cuisine and class. Um estudo atual sobre alimentação na África ocidental foi realizado por Eno Blankson Ikpe, “Essen wie die Zivilisierten” Britische Kolonialherrschaft und die Nahrungssitten in Westafrika 1900-1989, em Teuteberg (Hrsg.), Die Revolution am Esstisch, Neue Studien zur Nahrungskutur im 19./20. Jahrhundert. No entanto, estudos correspondentes sobre história da alimentação nas colônias portuguesas na África e os mencionados princípios superam essa lacuna superficialmente. 2.3 Tipos de fontes Nas pesquisas para este trabalho foram usadas e examinadas as mais diversas fontes. Deve-se mencionar aqui a dificuldade em se encontrar fontes, já que as mais importantes, como cadernos de receitas escritos à mão e também livros de receitas do período do Império em grande parte não serem mantidos em arquivos ou instituições públicas, mas sim em sua maioria se encontrarem em posse de particulares. Para o acesso a essas fontes foi preciso estabelecer contato com “amantes e conhecedores da cozinha brasileira”. Também se tentou, sem sucesso, localizar mais material de pesquisa através de um chamado em uma revista de culinária. Entretanto, a busca por fontes, em todo o Brasil, de Belém a Pelotas, foi afinal, bem sucedia. As fontes localizadas e utilizadas dos livrosde culinária, coleções de receitas, cardápios e artigos de jornais, devem aumentar significativamente o nível tanto da pesquisa nacional como internacional. Foram também utilizadas neste trabalho fontes que não provinham apenas do Brasil, como, por exemplo, livros de culinária portuguesa contemporâneos. Devido à grande variação das fontes localizadas, serão mencionadas aqui apenas aquelas mais importantes. Deve-se mencionar, ainda, que métodos de pesquisa quantitativos relativos à alimentação no Brasil durante o Império não foram utilizados, já que material estatístico mensurável como contas de orçamentos familiares não foram disponibilizadas em quantidade suficiente. As fontes disponíveis, como fontes sobre o transporte de alimentos são significativas no tocante à produção regional e à troca de mercadorias. Entretanto, deve-se observar aqui um aspecto importante para a compreensão desta pesquisa. No conceito cultural de cozinha e da instrumentalização de pratos para a construção de uma identidade nacional, é decisivo o que foi feito dos ingredientes. 19 A informação de que um alimento foi transportado, ou até mesmo comprado, é irrelevante com relação à preparação do alimento. De um alimento pode-se preparar um grande número de pratos diferentes e estes denotam, de acordo com a forma de preparo, um contexto cultural. Por exemplo, do milho se fazia o bolo de influência portuguesa, a broa, uma cerveja indígena obtida através do cuspe, ou produzia-se a base da alimentação dos escravos, Angu. Por isso, as receitas são aqui a melhor e mais importante fonte de pesquisa. Uma importante fonte são os diversos relatórios de viagem do Brasil do século XIX. Os viajantes, com os mais variados motivos, viajaram em épocas diferentes todas as regiões do Brasil. Desta forma, com base em suas anotações eles permitiam reconstruir os respectivos hábitos alimentares no Brasil das regiões. Este fato contradiz a freqüente afirmação, de que muitos viajantes teriam copiado as afirmações dos outros. É imprescindível uma abordagem crítica com este tipo de fonte e assim estas mesmas fontes devem ser analisadas com certo conhecimento anterior, por exemplo, quando o viajante alemão escreve sobre o “trigo turco”, uma vez que a denominação “ trigo turco” era a antiga denominação alemã para milho. Fontes de materiais de revistas e jornais abrangem um amplo leque das mais diversas fontes. No Brasil do século XIX, havia uma diversidade grande de jornais locais. Estes surgiam em todas as partes do país e o número crescia constantemente ao final do império. Nestes se encontravam frequentemente anúncios de alimentos, anúncios de escravos, ofertas de trabalho e muitos artigos individuais, que se ocupavam da alimentação e da culinária. Nas revistas se encontravam artigos sobre alimentação, higiene, saúde, desenvolvimento de preço bem como primeiros conceitos de dieta. Ao contrário, raras eram as receitas culinárias em sentido próprio. Numa pesquisa abrangente em Minas Gerais, Rio de janeiro, São Paulo, São Luis, Porto Alegre, Fortaleza, Recife e Belém, este fenômeno, hoje tão comum, só pôde ser encontrado em duas revistas. Ambas apareceram nos anos oitenta do século XIX e abrangiam o mesmo público alvo que eram as mães de família e as donas de casa: A Revista Familiar, Periódico dedicado as Famílias de Belém e Revista Mãe da Família do Rio de janeiro. Estas publicaram algumas receitas culinárias, contudo, não foram mantidas em suas edições completas. Cardápios representam um outro tipo de fonte para a reconstrução da alimentação e da cozinha brasileira da elite. Estas fontes preciosas puderam ser vistas no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no Rio de janeiro. Os cardápios mais antigos encontrados datavam de 1858. A conclusão desta coleção é feita pelo cardápio do último baile do Império no dia 8.11.1889, na Ilha Fiscal, por ocasião da visita de um navio de bandeira chilena no Rio de janeiro. Escritas em grande parte em francês e impressas para uma determinada ocasião, elas 20 eram em parte trabalhadas com capricho artístico, o que demonstrava o estilo de vida elevado da classe alta brasileira. Especialmente interessante é a instrumentalização de alguns pratos, a fim de tentar produzir uma identificação com o Brasil. Receitas culinárias anotadas a mão foram, da mesma forma, utilizadas como fonte. Essas raridades se encontram até os dias de hoje quase exclusivamente em propriedade privada, e as do período imperial são extremamente raras. Por um feliz acaso foi possível localizar vários exemplares destas coleções particulares através de uma famosa cozinheira e autora de livros de culinária em Minas Gerais, que já há muitos anos tinha começado sua coleção e as disponibilizou para esta dissertação. Na viagem de pesquisa em Pernambuco e no Rio Grande do Sul pôde-se também ter acesso a outros cadernos de receitas. O mais interessante nestas fontes é a predominância de receitas doces nos livros de culinária, o que ainda será tematizado ao longo do trabalho. Importante tipo de fonte para a realizaҫão desta dissertação são, sem dúvida, os livros de culinária do período imperial. Ao longo das pesquisas foram utilizados sete livros de receitas em diferentes edições e pôde-se partir do princípio de que não existem outros. A comparação das diferentes edições mostrou-se providencial em virtude das transformações e complementações, principalmente do Cozinheiro Imperial. O acesso a esses livros de culinária também se mostrou, da mesma forma, complicado. Enquanto os livros de cozinha, Cozinheiro Imperial, na 7ª. Edição, e o Dicionário do Doceiro Brasileiro, na 3ª. Edição, foram digitalizados pela Fundação Joaquim Nabuco e disponibilizados na Internet, o acesso aos demais livros mostrou-se muito mais difícil. O livro de culinária Cozinheiro Imperial, na 4ª. Edição, se encontra de posse da Library of Congress e, na 11ª Edição, de posse da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, bem como diferentes edições se encontram na posse de particulares. O livro de culinária, Cozinheiro Nacional, como edição original, encontra-se de posse de alguns amantes do Brasil e da Biblioteca Nacional Francesa. Mais complicado se mostrou, em contrapartida, o caso do livro de culinária, Doceira Domestica e Doceiro Nacional, que, na verdade foi, encontrado, mas, que no âmbito das pesquisas, se mostrou como obra extremamente rara. Quase que completamente excluído do acesso ao público e para pesquisa se mostrou, no entanto, o livro Doceira Brasileira, que, aparentemente, só existe ainda na posse da Bosch-GmbH em Stuttgart. Após a superação de várias barreiras que impediam o acesso a este livro, e apenas passando por desvios, foi possível, no entanto, ter acesso a este livro. 21 Uma outra fonte também muito informativa é representada pelos almanaques da época, dos quais alguns do Rio de janeiro e do Recife foram examinados exemplarmente no tocante à gastronomia e a indústria de alimentos. Uma fonte mista pode ser encontrada nos demais livros, de conselhos e introduções, que, de uma forma ou de outra, se ocupam com alimentação. Neste leque, devem ser vistos livros sobre escravidão e manutenção de trabalho escravo e da força de trabalho bem como livros de aconselhamento familiar, medicinal e dicionários de línguas indígenas. Pesquisas estatísticas sobre preҫo e consumo no período imperial, são, infelizmente, bem raras e incompletas, e não tendo sido, portanto, levadas em consideração. 2.4 Metodologia da pesquisa A análise das mais diversas fontes foi realizada de forma diferenciada. A fonte mais importante, os livros de culinária, foi analisada primeiramente, levando em consideração o prefácio. O prefacio de um livro de culinária pretende introduzir o leito no contexto do conteúdo e, no âmbito dos prefácios das diferentes edições,as complementações foram tematizadas. Através da formulação e da relação do conteúdo na introdução, na maioria das vezes escrita pelo editor, mostra-se também a classificação do livro de culinária no contexto histórico. A importância do prefácio se mostra especialmente no exemplo do livro Cozinheiro Nacional, que equivale a um manifesto político. Os prefácios foram instrumentalizados para delimitação ou para complementação explícita da literatura culinária existente. O próximo princípio metodológico consiste na análise das receitas com relação aos ingredientes e às técnicas utilizadas, bem como à denominação de cada prato. Esta denominação tem, na cozinha um significado especial. No vocabulário de cozinha internacional isso resulta no conceito de “Garnitur”, que serve para uma determinada forma de preparar e de servir um determinado prato3. Nos livros de culinária, muitos pratos foram denominados de acordo com este contexto. Correspondendo isso, as receitas foram examinadas de acordo com esta denominação, especialmente quando estas tinham uma relação regional ou nacional com o Brasil. Neste contexto, os ingredientes e as técnicas de 3 Por exemplo, existe o conceito clássico e a forma de preparo do Wiener Schnitzels (escalope à moda de Viena). Como Wiener Schnitzel deve-se entender um pedaço fino de carne da parte superior do bezerro, que é batida de forma larga, e então empanada e que deve ser servida com uma fatia de limão, sobre qual está uma sardinha enrolada com três alcaparras. Esses conceitos se transformaram hoje em dia na cozinha popular, de forma que frequentemente um bife de porco é servido à moda do Wiener Schnitzel. 22 preparo tinham sua importância. Com base nos ingredientes e nas técnicas os pratos podem ser classificados de acordo com um determinado contexto. No tocante aos livros de culinária utiliza-se também o princípio metodológico da comparação das diferentes edições, até onde estas foram encontradas. Assim, com base na complementação pôde-se mostrar, um desenvolvimento culinário, especialmente no livro Cozinheiro Imperial. O mesmo princípio metodológico relativo aos nomes, ingrediente, e técnicas foi também aplicado no caso dos cadernos de receitas anotados à mão e no caso dos cardápios. O método de análise de uma variedade de outras fontes diversas se orientou no conteúdo por aspectos da alimentação, como, por exemplo, os relatórios de viagem. Neste aspecto, quase todos os relatórios mostraram que o viajante, independentemente de sua origem, da região viajada e de seu status social, abordou a temática da alimentação e dos hábitos alimentares. Da mesma forma, os almanaques foram examinados neste sentido. Esta fonte deve ser interpretada como um retrato do comércio de uma cidade e mostra, em comparação, os diferentes anos, interessantes desenvolvimentos, como, por exemplo, o desaparecimento de determinadas profissões, como o do abatedor de tartarugas, com a crescente extinção de uma determinada espécie. Entretanto, os almanaques devem ser vistos exclusivamente como um importante testemunho do desenvolvimento urbano numa metrópole. Através deles chegava- se a uma relevante complementação da pesquisa e literatura existentes, que este tipo de fontes até o momento subestimou, apesar de, através delas, poder-se muito bem analisar o desenvolvimento urbano do Brasil. No geral, a análise metodológica das fontes não se orientou por material econômico histórico de fonte utilizável, mas sim pela premissa de abordar o material de fonte através do conceito cultural de cozinha. Neste sentido, fontes e literatura secundária foram percebidas da mesma forma em alimentos e pratos típicos de uma região no contexto do ambiente natural e da agricultura, bem como foram analisados relatórios de viagem, memoriais, cadernos de receitas escritos à mão e cardápios. Com estes princípios e metodologia históricos-cultural holísticos, orientados no material de fonte existente, deve ser realizada uma reconstrução da alimentação e da cozinha brasileira, a fim de comprovar uma instrumentalização política. 23 3. Identidade, Império brasileiro e Alimentação 3.1 Identidade 3.1.1 Formas de identidade O ser humano cria, para a sua orientação em seu meio ambiente, modelos de identificação que formam as diferentes identidades4. As identidades de uma pessoa baseiam-se em sua autopercepção e em sua socialização e estão, assim, submetidas a processos de modificação, por um lado, por meio de transformação individual, e, por outro, através de transformação no meio ambiente. Ao lado da identidade pessoal subjetiva5 existem formas sobrepostas de identidade coletiva que se baseiam no pertencimento a grupos de indivíduos que, consequentemente, se entrecruzam. O tipo mais difundido de identidade coletiva está no micronível da relação familiar. É também neste âmbito que ocorre a maior parte da socialização do indivíduo: na comunidade familiar e nos modelos sociais, nos valores e comportamentos nos quais a família está assentada. Este conhecimento cultural se baseia na integração da família em identidades coletivas maiores com características muito diferenciadas. Existem diferentes formas de identidade coletiva. Uma delas é a da relação geográfica6. A identidade local7 se manifesta numa identificação de influência regional do individuo com uma base cultural nítida na qual ele pode se orientar. Daí é que se forma, num próximo nível 4 “Como fato objetivo, identidade quer dizer a inequívoca determinação de um objeto ou ser que possibilita o seu reconhecimento no tempo e no espaço”.… Subjetivamente identidade é uma condição a respeito da qual a própria pessoa pode dar informação e cuja existência se expressa no uso correto do pronome pessoal “Eu”. A teoria do reconhecimento denomina essa condição também de “autoconsciência epistêmica”, cujo status especial foi constatado na frase de Descartes “Cogito, ergo sum”. Ver Fellmann, Kulturelle und personale Identität, pág. 31 em Neumann, Teuteberg. Wierlacher, Kulturthema Essen Band 2, Essen und kulturelle Identität. De modo geral, o conceito de identidade é tratado em muitas áreas de pesquisa e se mostra, por isso como um conceito complexo. No âmbito deste trabalho, entretanto, identidade deve ser entendida em relação à nação, sob a forma da identidade nacional e deve ser observada a função da alimentação como um meio capaz de criar identidade. Ver Liebsch, Identität und Habitus, em Korte, Schäfers, Einführung in Hauptbegriffe der Soziologie: ou Eickelpasch, Rademacher, Identität: Böhme, Identität in Wulf, (Hrsg.), Vom Menschen Handbuch historische Anthropologie. Ver sobre a utilização do conceito plural de identidade http://www.identityresearch.eu/theorie/Identitaet.pdf (28.1.2009), Forschungskonzept Identität, Weigl, Michael, Was bedeutet Identität? – Wie entsteht regionale Identität?, pág. 2: “Identidade é construída dependendo do contexto, apesar de essas “identidades múltiplas” não existirem paralelamente, mas estarem em um contexto geral que o indivíduo acredita fazer sentido.”. 5 Ver Fellmann, Kulturelle und personale Identität, pág. 28-33 sobre as funções e a obviedade da identidade pessoal em Neumann, Teuteberg, Wierlacher, Kulturthema Essen Band 2, Essen und kulturelle Identität”. 6 Ver Neumann, Teuteberg, Wierlacher, Kulturthema Essen Band 2, Essen und Kulturelle Identität, pág. 19, “À vinculação dominante de identidade cultural a espaços físicos, onde essas identidades teriam ocorrido definir-se- iam como regional, nacional, ou transnacional, e está relacionada a um segundo fenômeno: a tentativa de uma abordagem cartográfica destes espaços.… Com isso fica claro que, o caráter fictício e conceitual de tais categorias de ordenamentoespacial traz a lume a falta de precisão de conceitos como “Territorialidade” ou extraterritorialidade.”. 7 No sentido do método geográfico, este seria uma cidade ou uma aldeia, ou ainda um bairro. 24 maior, a identidade regional8. A identidade regional, na maioria dos casos, se adequa ao conceito cientifico, parcialmente questionado, de identidade nacional9, no qual diferentes identidades regionais são reduzidas a uma identidade coletiva10. A respectiva identidade muda em sua valoração de acordo com a circunstância. Se no cotidiano se sobrepõem mais as identidades de “grupos pequenos”, no âmbito de ações que vão além das nações, (como, por exemplo, competições esportivas ou guerras), utiliza-se 8 Ver http//www.identityresearch.eu/theorie/Identiaet.pdf (28.1.2009), Forschungskonzept Identität, Weigl, Michael, Was bedeutet Identität? – Wie entsteht regionale Identität? Pág. 4: “..., que identidades regionais também de fato expressem a região como o universo das pessoas e tenham que caracterizar para que possam funcionar. As pessoas têm que reencontrar o seu universo e as suas experiências deste universo nas ofertas de identidade, do contrário elas recusarão essa identidade. Neste contexto, deve ser, além disso, ressaltado que identidade coletiva permanece em última instância sempre um conceito individual. Como uma região é integrada na identidade pessoal de cada cidadão, depende de muitos fatores individuais.“ Ver quanto ao significado de região também Jansen, Borggräfe, Nation, Nationalität – Nationalismus, pág. 16”. 9 Sobre o conceito de identidade nacional existem atualmente muitos trabalhos de pesquisa. Justifica-se, pois questioná-lo cientificamente de forma fundamental, já que existem muitas subidentidades e identidades parciais. Ver Cox, Kulturgrenzen und nationale Identität, pág. 8: ““…, aos poucos vai se clareando a posição de que uma identidade nacional, primeiramente, forme uma construção ideológica com base em supostas características comuns como língua, cultura e religião, em segundo lugar, não se trate, no caso de identidade nacional, de forma alguma, de algo estático por natureza, mas, sim, muito mais que sua “realização’ ou “não-realização” só é condicionada por diferentes fatores histórico-políticos e socioeconômicos”. O conceito é observado de maneira crítica e não existe uma definição uniforme do que deve ser entendido como identidade nacional. Ver também Wilberg, Nationale Identität. Segundo o autor citado, o núcleo de todas as teorias da identidade é formado pela auto-reflexão da pessoa. “… Identidade coletiva e identidade nacional são mitos e ficções, com consequências concretas.”. Ver Schoibert, Jäger, (Hrsg.) Mythos Identität, Fiktion mit Folgen, pág. 5. Tentativa de uma definição em Wodak, Zur diskursiven Diskussion nationaler Identitäten, Pág. 69: “Identidade nacional é um complexo internalizado no traço da socialização de convicções e opiniões comuns ou semelhantes…, de posicionamentos e comportamentos comuns ou semelhantes…, bem como de disposições comportamentais comuns ou semelhantes, às quais contam, entre outras, inclusive, disposições solidárias ou exclusivas e limitadoras, mas em muitos casos linguisticas e etc…” Ver também Eisenstadt, Die Konstruktion nationaler Identitäten in vergleichender Perspektive, in Giesen (Hrsg.), Nationale und kulturelle Identität, pág. 21: “Sua ubiquidade (e o grande número de suas formas de realização) torna difícil oferecer uma formula palpável para esse processo de construção. Como consenso mínimo é válido que a construção da identidade nacional se apóie em uma base de combinações de primordiais (históricas, territoriais, ligúisticas, étnicas), respectivamente símbolos e limites políticos. Os fatores primordiais estão ligados, de variadas formas, a conceitos fornecedores de identidade, apesar de aqui não existir nenhum contexto igualmente natural entre eles e a diferenciação de identidades nacionais modernas”. Ver quanto a isso Hobsbawm, Nationen und Nationalismus, pág. 22: “Três pontos são essenciais: Primeiramente, as ideologias oficiais dos Estados e movimentos não fornecem nenhuma referência concreta sobre o que passa pela cabeça até mesmo de seus cidadãos mais leais. Em segundo lugar, não existe nenhum motivo para a suposição de que, para a maioria das pessoas a identificação com a nação – até onde ela existir – exclua, ou seja, sempre e de qualquer forma superior a todas as outras identificações que formem um conhecimento da sociedade. De fato, ela se vincula sempre com identificações de outro tipo, mesmo se ela diante dessas for tida como primordial. E, em terceiro lugar, uma identificação nacional pode, com todas as suas extensões, mesmo em períodos muito curtos, se alterar ou transferir ao longo do tempo.” 10 Ver Celik, “Wir-Die-Ich”, pág. 193: “Neste sentido, nações são sempre pensáveis e realizáveis apenas em um nível simbólico lingüístico. São construções discursivas, relativamente estáveis, que são produtos da interação político social. A identificação com uma nação acompanha, na maioria das vezes, a aceitação dos argumentos sociais e culturais dominantes nos discursos de identidade nacional. Vale dizer: as estratégias e ofertas discursivas.” em Schobert, Jäger, (Hrsg.), Mythos Identität, Fiktion mit Folgen. 25 a relação nacional de identidade. Especialmente o fator guerra tem e tinha um efeito sobre o surgimento de identidades nacionais bem como sobre o surgimento dos Estados nacionais11. Enquanto a formação da construção de identidade, especialmente no âmbito da família, mas também no âmbito da região, já há um contexto histórico longamente desenvolvido, o conceito da identidade nacional, bem como o do nacionalismo ou da nação é relativamente moderno12 . A pesquisa relativa a essa temática gera um consenso nesse ponto, bem como sobre a construção do conceito de nação13 e a instrumentalização do mesmo para o uso no poder político através da elite de um país14. Mas o conceito da identidade nacional como variante da identidade coletiva que o Estado Nacional15 construiu mentalmente nas pessoas e, 11 Ver Einfalt, Jurt, Nollenhauer, Pelzer, (Hrsg.), Konstrukte nationaler Identität: Deutschland, Frankreich und Grossbritanien (19. und 20. Jahrhundert), pág. 9/10. Ver também, Koch, Nationale Identität im Prozess nationalstaatlicher Orientierung, pág., 34-35; Jansen, Borggräfe, Nation – Nationalität – Nationalismus, pág. 104-106. 12 Mas existia, sim, também um pensamento pré-nacional com relação a uma identidade coletiva territorial. Hobsbawn caracteriza isso como um protonacionalismo popular. Ver Hobsbawm, Nationen und Nationalismus, pág. 59-66. No caso brasileiro, existiria o exemplo da Guerra de restauração no nordeste do Brasil, contra o domínio holandês no século XVII, que levou a um tipo de protonacionalismo, principalmente já que essa restauração foi iniciada sem a ajuda do poder colonial português. 13 Sob a rubrica “conceito de nação” deve servir como base, no âmbito desse trabalho, o modelo de definição de Benedict Anderson. Ver Anderson, Die Erfindung der Nation, Zur Karriere eines folgenreichen Konzepts, pág. 15 – 16: “Ela é uma comunidade política imaginada. Imaginada como limitada e soberana. Imaginada ela é pelo fato de que os membros, mesmo da menor nação, não conhecerem, terem contato com ou apenas ouvirem falar dos outros, mas mesmo assim, na cabeça de cada um deles existir uma idéia de sua comunidade. Na realidade, todas as comunidades que são maiores do que o seu contato face-to-face da aldeia, são comunidades imaginadas. A nação é apresentada como limitada, por que até mesmo a maior delas, com talvez um bilhão de pessoas viva em limites determinados, além daqueles nos quais estão localizadas outrasnações. Nenhuma nação se iguala à humanidade. A nação é apresentada como soberana porque o seu conceito surgiu em um momento em que o iluminismo e a revolução destruíram a legitimidade de impérios hierárquica e dinasticamente pensados como súditos de Deus”. 14 A pesquisa sobre o surgimento do fenômeno da nação já está hoje bastante adiantada. Ver o panorama atual em Jansen, Borggräfe, Nation – Nationalität – Nationalismus. Trabalhos fundamentais sobre a coletânea de temas são Anderson, Die Erfindung der Nation, Zur Karriere eines folgenreiches Kanzepts; Hobsbawm, Nationen und Nationalismus; Gellner, Nationalismus – Kultur und Macht. O contexto da estabilização das relações de poder social está de fato no primeiro plano, mas tem, no entanto, também inúmeros efeitos colaterais. Ver Berke, Imperialismus e identidade nacional, pág. 17: “na verdade, não há muito que duvidar que a construção do nacional primariamente fosse uma técnica política de poder e domínio. Apesar disso, estaria errado entender a construção de sentido do moderno mito nacional como apenas e unicamente um aspecto da propaganda. Querer desmascarar a quimera do nacionalismo como pura tática de domínio, significaria negligenciar os componentes estruturais do poder, vale dizer, a sua maneira de atuação no processo de interação.”. 15 Uma equiparação tática do conceito de nação com o conceito de estado nacional parece ser legítima em um contexto temático, já que a identidade nacional é determinada pelas elites que dominam o sistema. Claro que no âmbito de interpretação do conceito de identidade nacional, é possível uma desvinculação do conceito de estado da nação. No caso em tela, do império brasileiro parece ser este o caso, já que a antiga identificação com o imperador se transformou em uma identificação com a nação, mas essa transformação de estado imperial mesma foi influenciada, por exemplo, pela utilização de conceitos como nacional ou pátria. O Estado instrumentalizou, assim a identidade nacional conforme os próprios interesses. Ver sobre a equiparação dos conceitos no contexto de identidade também Koch, Nationale Identität im Prozess nationalstaatlicher Orientierung, pág. 58. Ver também Hobsbawm, Nationen und Nationalismus, pág. 20: “Nação não é uma unidade originária ou uma unidade social imodificável. Ela pertence exclusivamente a uma jovem época histórica determinada. Ela é uma unidade social apenas na medida em que se refere a uma determinada forma do estado territorial, ao estado nacional, e não faz sentido falar em nação e nacionalidade se essa relação não tiver sido pensada também.”. 26 por outro lado, com a qual se diferenciou um indivíduo do outro, é muito diversificada e a formação varia, em cada caso, com diferenciadas nuances16 temporais e locais. Como fator decisivo para o surgimento da identidade nacional se demonstrou o papel da comunicaçãocomo instância central de construção e intermediação17, sobretudo, de forma escrita18. Neste ponto, o fator de uma língua comum foi importante no âmbito da formação das nações como elemento comum. No exemplo das colônias americanas, o fator língua, entretanto, não se mostrou como muito importante já que os antigos senhores coloniais, dos quais se desejava se distinguir, utilizavam a mesma língua e com isso, língua não pode mais ser um elemento constitutivo como, por exemplo, no caso da fundação da nação do império alemão ou italiano19. Neste ponto, a idéia principal desta identidade coletiva também gira em torno do entendimento de nação, o que deve ser observado, sobretudo, no pensamento 16 Ver, quanto a aspectos da identidade nacional, Koch, Nationale Identität im Prozess nationalstaatlicher Orientierung, pág. 35: Nessa medida, a questão da identidade nacional possibilita, ao responder a pergunta “quem somos nós?”, um tipo de ponte entre a abstração da nação como idéia, o conceito de coletivo, resumido nesse a identidade individual. Ao lado das inúmeras possibilidades de se formar identidade pessoal, a identidade nacional aparece como uma consciência de grupo grande complementar, que, por meio do fato de ter sido percebida ou dividida por muitos, em sua determinação de conteúdo de cada indivíduo – se é que – oferecer um espaço de formação extremamente pequeno, mas, contudo, possuir a atratividade de responder a questão do pertencimento de um contexto social contínuo para o indivíduo. “Neste caso, ela tem efeito mais complementar à identidade individual que, com toda a obviedade e diferenciação do sistema total, é correlacionada, respectivamente, oferecida”. Ver também Hobsbawm, Nationen und Nationalismus, pág. 23. 17 Ver Koch, Nationale Identität im Prozess nationalstaatlicher Orientierung, pág. 11. Ver também Giesen (Hrsg.), Nationale und kulturelle Identität, pág. 12: “Neste âmbito (paradigma culturalistico da nação cultural) literatura e descrição histórica aparecem não mais como autocertificação da nação já anteriormente existente, mas sim como procedimentos nos quais apenas a identidade da sociedade é afirmada, descrita e criada.” A pesquisa fala aqui também da narração construtiva da identidade coletiva. Ver, neste contexto, com relação ao exemplo Brasil, Wink, Brasilien als “vorgestellte Gemeinschaft”?, eine kulturwissenschaftliche Untersuchung der Erzählung Brasiliens vom Reich zur Nation im lateinamerikanischen Kontrast. 18 Em relação especial à comunicação como base da escrita, que pôde criar uma idéia de uma comunidade dividida estava a construção do sistema de ensino. Ver, com relação a isso, por exemplo, Jansen, Borggräfe, Nation – Nationalität – Nationalismus, pág. 31: “Isso aconteceu, sobretudo, com a ajuda das instituições como escola e exército, cuja importância como correia transmissora para construção interna da nação, não pode ser subestimada”.; Hall, A identidade cultural na pós-modernidade, pág. 49, ou Hobsbawm, Nationen und Nationalismus, pág. 73-76 sobre a importância de uma forma de comunicação em comum. Isso se mostra também no surgimento de uma literatura nacional que através da tomada de consciência da nação também a influencia. Ver Giesen, Nationale und kulturelle Identiät, pág. 10, continuando, pág. 14: “A ascensão da nação como identidade coletiva da sociedade moderna é por isso inseparavelmente ligada com a disseminação de textos escritos e com a alfabetização de mais partes da população. Apenas ela possibilitaria aquela comunicação de amplitude social na qual a nação poderia se imaginar como público e ator.” Ver, também, Rodrigues–Moura, Von Wäldern, Städen und Grenzen. Narration und kulturelle Identitätsbildungsprozesse in Lateinamerika. 19 Ver, também, com relação ao significado da língua, Cox, (Hrsg.), Kulturgrenzen und Nationale Identität, pág. 9: “Línguas nacionais padrão são na maioria dos casos, uma construção artificial: o número de línguas aumenta conhecidamente com o número de estados e não o contrário.” Ver quanto à importância das línguas também Hobsbawm, Nationen und Nationalismus, pág. 67-77. Ver, com relação à importância do desenvolvimento na América, Anderson, Die Erfindung der Nation, Zur Karriere eines folgenreichen Konzepts, pág. 55-60, continuando, pág. 72-87 e pág. 133: é sempre um erro tratar línguas como certas ideologias nacionalistas costumam fazer: como símbolo do ser-nação como bandeiras, vestimentas, danças folclóricas e coisas do tipo. “A característica muito mais importante da língua é muito mais do que isto a sua capacidade, de produzir comunidades imaginadas, na medida em que permite criar certas solidariedades e torná-las efetivas.” 27 contemporâneo da época e do respectivo desenvolvimento histórico20. A diretriz temporal está, conforme isso, no tempo moderno e modernidade como um critério da nação21, apesar de também uma lembrança compartilhada do passado
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