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LENIO LUIZ STRECK - TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

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Prévia do material em texto

Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
1
Ficha Técnica 
Direção 
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon 
Conselho
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira 
 Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz 
Assessoria
Isabel Cristina Lima Selau 
Direção de Secretaria
Eliane Maria Salgado Assumpção 
Organização 
Maria Luiza Bernardi Fiori Schilling 
Revisão 
Leonardo Schneider 
Maria Aparecida Corrêa de Barros Berthold 
Maria de Fátima de Goes Lanziotti 
Capa e Editoração 
Alberto Pietro Bigatti 
Arthur Baldazzare Costa 
Marcos André Rossi Victorazzi 
Rodrigo Meine 
Apoio 
Seção de Reprografia e Encadernação 
Contatos 
E-mail: emagis@trf4.gov.br
Fone: (51) 3213-3041, 3213-3043 e 3213-3042 
Este Caderno está disponível para download no site do TRF 4ª Região 
(Emagis → Currículos Permanentes →Módulo V – Dir.Constitucional → Cadernos de Direito Constitucional 
ou Emagis → Publicações → Cadernos de Direito Constitucional ) 
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
2
Apresentação 
O Currículo Permanente criado pela Escola da Magistratura do 
Tribunal Regional Federal da 4ª Região - EMAGIS - é um curso realizado em 
encontros mensais, voltado ao aperfeiçoamento dos juízes federais e juízes 
federais substitutos da 4ª Região, que atende ao disposto na Emenda 
Constitucional nº 45/2004. Tem por objetivo, entre outros, propiciar aos 
magistrados, além de uma atualização nas matérias enfocadas, melhor 
instrumentalidade para condução e solução das questões referentes aos casos 
concretos de sua jurisdição. 
O Caderno do Currículo Permanente é fruto de um trabalho conjunto 
desta Escola e dos ministrantes do curso, a fim de subsidiar as aulas e atender 
às necessidades dos participantes. 
O material conta com o registro de notáveis contribuições, tais como 
artigos, jurisprudência selecionada e estudos de ilustres doutrinadores 
brasileiros e estrangeiros compilados pela EMAGIS e destina-se aos 
magistrados da 4ª Região, bem como a pesquisadores e público interessado 
em geral. 
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
3
Índice: 
Teoria da Constituição e Jurisdição Constitucional 
Ministrante: Lenio Luiz Streck 
Ficha Técnica................................................................................................................................................. 01
Apresentação................................................................................................................................................. 02
Texto: “A Concretização de Direitos e a Validade da Tese da Constituição Dirigente em Países de 
Modernidade Tardia” 
Autor: Lenio Luiz Streck 
1. Notas Introdutórias: sintomas de uma baixa constitucionalidade............................................................... 04
1.1. O dia em que os juízes aplicaram um dispositivo fantasma............................................................... 06
1.2. De como ainda a Constituição continua a ser interpretada de acordo com leis infraconstitucionais.. 07
1.3. O problema da não suscitação de incidentes de inconstitucionalidade – o enfraquecimento do 
controle difuso................................................................................................................................................. 08
1.4. A coexistência pacífica de leis inconstitucionais com a Constituição: de como estamos longe de 
consubstanciar uma autêntica filtragem hermenêutico-constitucional........................................................... 09
1.4.1. A extinção da punibilidade nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor pelo 
“casamento (ou concubinato ou união estável) da ofendida com terceiros”.................................................. 09
1.4.2. A transformação de crimes de média e alta ofensividade em soft crimes.................................... 09
1.4.3. O art. 94 do Estatuto do Idoso e o pragmatismo irresponsável do legislador ou de como 
escravizar um idoso ou deixá-lo morrer de inanição passaram a ser crimes passíveis de transação 
penal............................................................................................................................................................... 11
1.4.4. Do dever fundamental de pagar impostos ao “direito inalienável de sonegá-los”: a inércia da 
jurisdição constitucional ou “la ley es como la serpiente; solo pica al descalzos”.......................................... 12
1.4.5. As emendas ao Novo Código Civil e a (longa) espera pelo legislador........................................ 13
1.4.6. A obrigatoriedade da presença de advogado no interrogatório: de como a dogmática jurídica 
somente admitiu a tese depois da aprovação de lei ou de como é mais fácil obedecer à lei do que à 
Constituição.................................................................................................................................................... 14
1.4.7. As contravenções penais e sua não-recepção pela Constituição ............................................... 15
2. Os “dilemas” do constitucionalismo - a tensão (inexorável) entre jurisdição e legislação ........................ 18
3 A continuidade da validade da tese do dirigismo constitucional em países periféricos.............................. 28
4. O papel da hermenêutica nesse (necessário) rompimento paradigmático e o (novo) papel da jurisdição 
constitucional na concretização dos direitos fundamentais-sociais................................................................ 35
5. Porque ainda é possível (necessário) sustentar a tese da Constituição Dirigente e Compromissória 
(adequada a países de modernidade tardia) – algumas notas conclusivas.................................................. 42
5.1. A Constituição como remédio contra maiorias – o papel da regra contramajoritária......................... 43
5.2. A Constituição e sua dimensão material: de como estamos longe de concretizar/cumprir as 
promessas da modernidade ......................................................................................................................... 47
5.3. De como devemos capilarizar a força normativa da Constituição: a necessária antropofagia das 
teses importadas – as especificidades da crise que obstaculiza o acontecer (Ereignen) da Constituição... 50
5.4. A perda do substrato social do Direito: a cegueira do positivismo normativista ou de como o 
establishment jurídico continua refém de um pensamento metafísico........................................................... 54
5.5. O constituir da Constituição: a necessária reação contra a “fala falada”.......................................... 58
Bibliografia...................................................................................................................................................... 61
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS E A VALIDADE DA TESE DA
CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE EM PAÍSES DE MODERNIDADE TARDIA 
Lenio Luiz Streck 1
1. Notas Introdutórias: sintomas de uma baixa constitucionalidade 
Nunca se falou tanto em Constituição como nos últimos cinco ou seis 
anos. Congressos, seminários, dissertações, teses e ampla produção bibliográfica 
têm apontado para as “constitucionalizações” do direito civil, do direito penal, do pro-
cesso civil, etc. Se um estrangeiro não versado no estado da arte da crise do direito 
no Brasil comparecesse, por estes dias, aos congressos e simpósios ou até mesmo 
fizesse parte de bancas na pós-graduação ou ainda passasse os olhos na produção 
bibliográfica, acharia, com toda a certeza, que o Brasil estaria passando por uma 
verdadeira Allgegenwart der Verfassung, isto é, a onipresença da Constituição em 
todo o sistema jurídico. 
 Na prática,entretanto, a solidão constitucional2 continua – e se agrava. 
Há, efetivamente, um abismo separando o discurso sobre a Constituição da efetiva 
operacionalização/concretização do Direito Constitucional. 
 Afinal, o que pensamos da Constituição? O que é isto, a Constituição? 
E qual o papel da jurisdição constitucional em um país periférico e de modernidade 
tardia? Uma coisa resta muito clara: quando aprofundamos o debate sobre a força 
1 Doutor em Direito do Estado; Pós-Doutor em Direito Constitucional e Hermenêutica; Procurador de 
Justiça-RS; Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da UNISINOS. Professor con-
vidado da UNESA-RJ; Universidad de Valladolid-ES e Faculdade de Direito da Universidade de Lis-
boa-PT. Coordenador da parte brasileira do ACORDO INTERNACIONAL CAPES-GRICES entre a 
UNISINOS e a FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA-PT. Autor de 
Hermenêutica Jurídica E(m) Crise (5ª ed), As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais, 
Ciência Política e Teoria Geral do Estado, Tribunal do Júri – Símbolos e Rituais, entre outras, todas da 
Editora Livraria do Advogado, RS; também Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma Nova 
Crítica do Direito, 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003. 
2 A expressão “solidão constitucional” vem a propósito do romance de Gabriel Garcia Marquez “Cem 
anos de solidão”, numa alusão à baixa constitucionalidade - representada pelo papel secundário que 
tem sido dado à Constituição - que tem assolado o país, desde a independência aos nossos dias. Ocor-
reu, pois, um “esquecimento” constitucional. 
4
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
normativa da Constituição3 e seu papel dirigente e compromissário, de imediato sal-
tam pesadas acusações de ativismo judicial, de judicialização da política, invasão de 
subsistemas, para dizer o mínimo.
 No fundo, tais acusações têm como pano de fundo o contraponto entre 
as teorias processuais e as teorias materiais da Constituição, ou se quisermos, o 
debate entre procedimentalistas e substancialistas. Ocorre que esse contraponto 
não aparece explicitado teoricamente (a partir de matrizes teóricas) nem nas discus-
sões da assim denominada dogmática jurídica – no campo da operacionalidade (não 
há notícias de que em algum acórdão ou decisão essa temática tenha sido aborda-
da) - e tampouco nas discussões doutrinárias. 
 Ou seja, de pouco adianta exaltar a Constituição e fazer uma ode ao 
constitucionalismo ou dissertar dogmaticamente sobre o controle de constitucionali-
dade (deve haver mais de três dezenas de boas obras explicando o que é e como 
funciona o controle de constitucionalidade no Brasil), se os juízes pouco fazem uso 
do controle difuso de constitucionalidade e os tribunais evitam a suscitação dos in-
cidentes de inconstitucionalidade: na verdade, isto ocorre porque ainda somos re-
féns de um senso comum teórico no interior do qual vigência é “igual” a validade e 
texto é “igual” a norma, como se um texto carregasse consigo um sentido próprio, 
em si (imanente), e que restasse ao intérprete a tarefa de extrair esse sentido, numa 
espécie de Auslegung de cunho reprodutivo. 
 Isto é perfeitamente constatável se examinarmos nosso sistema jurídi-
co, em que convivemos de há muito com normas inconstitucionais, sem que a juris-
dição constitucional – da qual tanto se fala – tenha sido acionada para a devida fil-
tragem hermenêutico-constitucional. Mais do que isto, muitas vezes a Constituição é 
interpretada de acordo com os Códigos ou de acordo com súmulas. Veja-se, para 
tanto, de forma exemplificativa, os seguintes casos que atestam aquilo que venho 
denominando de “baixa constitucionalidade”4, sendo despiciendo, a toda evidência, 
recordar o destino dado ao mandado de injunção e a supressão - inconstitucional - 
da legitimidade ativa em favor do cidadão na argüição de descumprimento de precei-
3 Não se deve olvidar que, quando falamos de força normatica da Constituição, estamos falando em “levar o seu 
texto a sério”, na medida em que a força normatica tem o condão de superar o problema (ideológico) da divisão 
entre Constituição formal e Constituição real, questão que tem atravessado o debate acerca do constitucionalsmi 
desde Lassale à Konrad Hesse. 
4 Ver, para tanto, meu Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – uma Nova Crítica do Direito. 2ª. 
Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003. 
5
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
to fundamental (ADPF), e tampouco parece necessário fazer maiores referências ao 
efeito avocatório inconstitucionalmente introduzido na própria ADPF e na ação decla-
ratória de constitucionalidade (ADC), além das inconstitucionalidades constantes na 
Lei 9.868/99. Assim, de forma exemplificativa: 
1.1. O dia em que os juízes aplicaram um dispositivo fantasma 
Não deixa de ser elucidativo o episódio que envolveu a aplicação, por 
centenas de juízes, de um dispositivo fantasma introduzido de forma clandestina no 
corpo da Lei 9.639/98 (parágrafo único do art. 11). Naquela ocasião, o Congresso 
Nacional aprovou projeto do Poder Executivo concedendo anistia aos agentes públi-
cos que retiveram contribuições previdências dos segurados da Previdência Social. 
Tal matéria constou no art. 11. Antes que fosse à sanção presidencial, foi introduzido 
um parágrafo único “fantasma”, estendendo a anistia aos sonegadores de tributos. O 
Presidente da República sancionou a Lei sem perceber o dispositivo introduzido à 
socapa. Constatado o equívoco, o ato foi republicado no dia seguinte. Pois bem: 
com base na “vigência” do parágrafo fantasma “por um dia”, começaram a ser con-
cedidas anistias a todas as pessoas envolvidas nos crimes alcançados por esse “a-
créscimo”, sob fundamentos do tipo “em nome da segurança jurídica, o texto publi-
cado, apesar de erro, existe e entrou em vigor...”, etc., aduzindo-se ainda citações 
doutrinárias (sic) acerca da interpretação do art. 1o. parágrafo 4o. da LIIC...! Em face 
disso, o Ministério Público Federal teve que ingressar com milhares de recursos ex-
traordinários, a ponto de o Min. Marco Aurélio deferir, em seção plenária, liminar com 
efeito ex tunc (HC n. 77724-3), comunicando à nação a coisa mais prosaica do mun-
do: a de que uma lei fantasma não pode gerar efeitos no mundo jurídico...! O inusi-
tado da questão é que um grupo expressivo de juízes não conseguiu resolver o 
“problema gerado por uma lei fantasma”; o STF teve que ser chamado para solver o 
litígio; pior do que isto é que ficou patente a crise de baixa constitucionalidade, pela 
metafísica equiparação entre vigência e validade que serviu de base para as deci-
sões que determinaram o arquivamento (sic) dos processos.
6
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
1.2. De como ainda a Constituição continua a ser interpretada de a-
cordo com leis infraconstitucionais 
Parece inconcebível que a Constituição possa vir a ser interpretada de 
acordo com uma lei ordinária ou com uma Súmula. Parece que ninguém admitia tal 
possibilidade. Entretanto, o próprio Supremo Tribunal Federal recentemente decla-
rou a inconstitucionalidade de dispositivo de medida provisória tendo como parame-
tricidade uma Súmula de origem anterior à Constituição.5 Mais ainda, em várias o-
casiões o Supremo Tribunal Federal deixou de apreciar inconstitucionalidades, sob 
pretexto de que a violação, antes de ser da Constituição, é da lei ordinária (é o caso, 
por exemplo, dos casos em que a parte alega violação do dispositivo do art. 5o. da 
CF, que trata do direito adquirido, ocasião em que o STF remete a discussão da in-
constitucionalidade para o plano da resolução de antinomia, uma vez que o direito 
adquirido também está previsto na Lei de Introduçãoao Código Civil – sic). Em linha 
similar, veja-se o caso do julgamento do processo n. 70006855142, no qual a 5a.
Câmara Criminal do TJ-RS, à unanimidade, rejeitou preliminar que suscitava o inci-
dente de inconstitucionalidade do inciso IV do parágrafo 3o. do art. 10 da Lei n. 
9.437/97, que a mesma Câmara, de há muito, vinha “julgando” inconstitucional, mas 
sem a remessa ao full bench, nos termos do art. 97 da CF. Ao arrepio da Constitui-
ção, o órgão fracionário entendeu que, antes de violar a Lei Maior, o dispositivo em 
tela entrava em choque com o dispositivo do Código Penal que estabelece o princí-
pio da reserva legal, verbis: “...o inciso IV do par. 3. do art. 10 da Lei n. 9.437/97 não 
padece necessariamente de inconstitucionalidade. Seu vício é outro e está relacio-
nado com o princípio da reserva legal, este também consagrado na legislação ordi-
nária (art. 1o. do CP), situação a fazer dispensável o incidente de inconstitucionali-
dade para arredar a aplicação do dispositivo legal identificado”. Mutatis mutandis, a 
partir de tal raciocínio, seria (ou é) possível afirmar que, acaso o Código Penal repe-
tisse todo o conteúdo da Constituição, não haveria mais inconstitucionalidades...! 
5 Informativo do STF n. 240/2001. 
7
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
1.3. O problema da não suscitação de incidentes de inconstituciona-
lidade – o enfraquecimento do controle difuso 
A dificuldade em operacionalizar o controle difuso é visível em alguns jul-
gamentos, como é o caso da decisão proferida pela 9a. Câmara de Férias do Tribu-
nal de Justiça de São Paulo, em data de 24 de janeiro de 2003, cujo mérito teve re-
percussão nacional, porque tratou da inconstitucionalidade do “foro privilegiado insti-
tuído pela Lei n. 10.628/02”. Equivocadamente, o órgão fracionário “declarou” in-
constitucional dispositivo legal, sem suscitar o incidente. 6 Há casos em que o Tribu-
nal ignora até mesmo que seja possível controlar a constitucionalidade de lei em se-
de de habeas corpus, in verbis: “ 
(...) A inconstitucionalidade de uma lei, ou ato normativo, sabida-
mente, não se presume, nem seria possível declará-la no âmbito restrito do 
habeas corpus” (sic).7
Em linha similar, veja-se a equivocada visão sobre o controle difuso de 
constitucionalidade proveniente do TJRS: 
“Embora no Regimento Interno deste Tribunal seja possível um Ór-
gão Fracionário levar ao Órgão Especial uma possível argüição de inconstitu-
cionalidade de lei municipal ou mesmo estadual, frente a Constituição Esta-
dual, o Órgão Especial não tem competência para decidir matéria de lei esta-
dual que fira a Constituição Federal. Então, a matéria não está na competên-
cia deste Tribunal nem deste Órgão Fracionário.”8
Tais decisões representam, simbolicamente, a crise exsurgente da – his-
tórica – baixa aplicação do controle difuso de constitucionalidade pelos tribunais da 
República. 
6 Agravo de Instrumento 313.238-5/1-00, Rel. Des. Antonio Rulli. 
7 Ac. 94.116 – TJDF, DJU 14.5.97, p. 9.378. No mesmo sentido, o acórdão n. 94.117. 
8 Apelação e Reexame Necessário n. 70000205609 – 4a. Câmara Cível – TJRS; incorrendo no mesmo 
equívoco, o acórdão 70003602152 – Primeira Câmara Cível – TJRS. 
8
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
1.4. A coexistência pacífica de leis inconstitucionais com a Constitu-
ição: de como estamos longe de consubstanciar uma autêntica filtragem her-
menêutico-constitucional
1.4.1. A extinção da punibilidade nos crimes de estupro e 
atentado violento ao pudor pelo “casamento (ou concubinato ou união estável) 
da ofendida com terceiros” 
O sistema jurídico brasileiro convive há décadas com um dispositivo que 
afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e não há notícias de que algum 
Tribunal o tenha declarado inconstitucional. Trata-se do art. 107, VIII, que estabelece 
a extinção da punibilidade (sic) dos crimes sexuais pelo casamento da vítima com 
terceiro. Mais grave que o disposto no aludido dispositivo são as decisões de alguns 
tribunais, que estendem a benesse aos casos de concubinato e de união estável 
(RHC 79.788-1, STF, julgado em 02/05/2000). O dispositivo nunca havia sofrido con-
testação no plano da aferição da constitucionalidade9 e tampouco teve restrições por 
parte da doutrina. Constata-se facilmente, também aqui, o problema positivista-
normativista da identificação entre vigência e validade (ou, se se quiser, entre texto e 
norma). De qualquer modo, é alvissareira a notícia de que a correção dessa anoma-
lia legislativa foi, agora, finalmente efetivada, com a edição da Lei 11.106, de 2005, 
que revogou o malsinado inciso VIII do art. 107 do Código Penal.
1.4.2. A transformação de crimes de média e alta o-
fensividade em soft crimes 
 Outro exemplo ilustrativo da crise de baixa constitucionalidade advém 
da aprovação da Lei 10.259/01, que passou a considerar crimes de menor potencial 
ofensivo (soft crimes) todos aqueles a “que a lei comine pena máxima não superior a 
9 Confrontado pela vez primeira com um caso concreto em que um pai, condenado a 12 anos de reclu-
são por ter estuprado sua filha, solicitava o benefício, suscitei a inconstitucionalidade (não-recepção) 
do aludido dispositivo (70006451827 – 5a Câmara Criminal do TJRS), com base no princípio da pro-
porcionalidade, em face da violação da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). Ver, para 
tanto, Streck, Lenio Luiz. “Da Proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção defici-
ente (Untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais”. In: Re-
vista IHJ, n. 2, pp. 243-284. 
9
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
dois anos, ou multa”. Com isto, dezenas de infrações passaram, por um passe de 
mágica, a fazer parte do rol de crimes de menor potencial ofensivo, como: infrações 
previstas no Código Penal: exposição ou abandono de recém nascido (art. 134) e 
subtração de incapazes – que equivale, mutatis mutandis, a um seqüestro (art. 249); 
violação de domicílio, cometido durante a noite ou em lugar ermo, ou com o empre-
go de violência ou de arma ou por duas ou mais pessoas (art. 150, par. 1º); atentado 
ao pudor mediante fraude (art. 216); desacato (art. 331), desobediência (art. 359) e 
fraude processual (art. 347); infrações previstas em leis esparsas: crimes contra a 
ordem tributária (art. 2º da Lei n. 8.137); crimes ambientais (art. 45 da Lei n. 9.605); 
crimes cometidos contra criança e adolescente (arts. 228, 229, 230, 232, 234, 235, 
236, 242, 243 e 244 da Lei n. 8.069); “crime de porte ilegal de arma”10 (art.10, caput,
e parágrafo primeiro, incisos I, II e III, da 9.437); crimes ocorridos nas licitações (arts. 
93, 97 e 98 da Lei n. 8.666); crimes de abuso de autoridade11. Embora a contrarie-
dade de parte da comunidade jurídica, que demonstrou, inicialmente, uma certa per-
plexidade de “índole pragmática”, pelo choque que representou o “rebaixamento” de 
determinadas infrações, nada foi feito – em termos de jurisdição constitucional - para 
corrigir essa anomalia. Novamente a crise aparece pela metafísica equiparação en-
tre vigência e validade. Inconformado, suscitei a inconstitucionalidade de parte da 
lei12, a partir da propositura de uma nulidade parcial sem redução de texto (Teilni-
10 No crime de porte ilegal de arma é que se pode aquilatar a dimensão da crise do direito. Com efeito, 
como que para demonstrar o total afastamento da materialidade da Constituição, o legislador, primeiro 
através da Lei n. 10.259/01, rebaixou o delito à categoria “crime de menor potencial ofensivo” (sic), 
para, depois, pela recentíssima Lei n. 10.826/03, catapultar o mesmo delito ao rol dos crimes de 
“grandepotencial ofensivo”, a ponto de colocá-lo como “inafiançável” (sic). Como não há critério, 
nada surpreenderia se, amanhã, o legislador optasse por descriminalizar o porte de arma. De qualquer 
sorte, tais “idas e vindas” do legislador não encontrar(i)am qualquer obstáculo de índole constitucional 
no seio dos operadores jurídicos. Afinal, “lei vigente é lei válida”...! E pronto! 
11 A justificativa constitucional encontra-se em Streck, Lenio Luiz. “Juizados Especiais Criminais à 
Luz da Jurisdição Constitucional. A filtragem hermenêutica a partir da aplicação da técnica da nulida-
de parcial sem redução de texto”, in Caderno Jurídico, v. 2, n. 5, São Paulo: ESMP, 2002. 
12 Na 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, a tese da inconstitucionalidade parcial sem 
redução de texto tem sido rejeitada sob o fundamento de que, na medida em que a norma (art. 2º da Lei 
n. 10.259/01) traz benefícios ao cidadão-réu, a declaração da inconstitucionalidade parcial de algumas 
incidências “importa em afronta aos princípios básicos do direito penal e inversão da leitura constitu-
cional da legislação penal – interpretação restritiva de norma para beneficiar o débil: dirigida para 
dentro, na direção autoritária!” (sic) (v.g., por todos, o Processo n. 70005655584, Rel. Des. Amilton 
Bueno de Carvalho). É possível perceber um nítido viés iluminista na tese esboçada pelo aludido Ór-
gão Fracionário, que nitidamente obstaculiza as possibilidades de extensão da função de proteção pe-
nal aos bens de interesse para além da relação inter-individual. No fundo, trata-se da assunção da 
velha oposição (iluminista) entre Estado e Sociedade (Ferreira da Cunha, Maria da Conceição. Consti-
10
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
chtigerklärung ohne Normtextreduzierung). A argüição foi rechaçada. E a lei continua 
em vigor ... e “válida” ..., fazendo suas vítimas, a partir da banalização da teoria do 
bem jurídico, isto para dizer o menos!
1.4.3. O art. 94 do Estatuto do Idoso e o pragmatismo ir-
responsável do legislador ou de como escravizar um idoso ou deixá-lo morrer 
de inanição passaram a ser crimes passíveis de transação penal 
Outra irresponsabilidade legislativa não corrigida através da jurisdição 
constitucional foi a edição da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), pela qual (art. 94) 
inacreditavelmente foram rebaixados à categoria de “crimes de menor potencial o-
fensivo” todos os crimes previstos naquela lei, desde de que a pena, abstratamente 
considerada, não ultrapasse há 4 anos.13 Isto faz com que crimes como “deixar de 
prestar assistência a idoso”, com resultado morte, “expor a perigo a integridade e a 
saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo a condições desumanas”, com a 
sujeição deste a trabalho escravo e disso resultando lesão corporal grave, sejam 
levados aos juizados especiais criminais, estando aptos a receber benesse da tran-
sação penal, através da qual, mediante o pagamento de uma ou algumas cestas 
básicas, a persecutio criminis estará esgotada! O art. 94 é absolutamente inconstitu-
cional por violação da cláusula de proibição de proteção deficiente (Untermassver-
bot). Também aqui aparece a crise de baixa constitucionalidade, como se houvesse 
uma “blindagem” protegendo o legislador ordinário, obstaculizando a força normativa 
da Constituição. 
tuição e Crime – uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade 
Católica Portuguesa, 1995, p. 274-275) , no interior da qual o Estado é visto como intrinsecamente 
“mau” e o cidadão intrinsecamente “bom”. 
13 Em face da perplexidade gerada pela nova lei, amplos setores da dogmática jurídica – ao invés de admitir a 
inconstitucionalidade – optaram pelo tangenciamento. Com efeito, passou-se a entender que aos crimes estabele-
cidos no Estatuto do Idoso apenas se aplica o procedimento (sumaríssimo - arts. 77 a 83) da Lei n.º 9.099/95, 
expungindo-se a possibilidade de composição civil e transação penal. Ou seja, fez-se uma releitura – também 
inconstitucional - do procedimento previsto na referida lei, como se a transação e a composição não fizessem 
parte do procedimento. Ora, se existe uma ordem (primeiro é possibilitada a composição civil e depois ofertada a 
transação), parece óbvio que se está diante de um procedimento. O que quero registrar é que, a pretexto de resol-
ver paradoxos de uma lei, não se pode tangenciar o necessário exame de constitucionalidade, que precede qual-
quer exame no plano infraconstitucional. Por isto, apesar da interpretação que a dogmática jurídica tem conferi-
do ao aludido dispositivo (art. 94), continuo a entender que o mesmo é inconstitucional. 
11
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
1.4.4. Do dever fundamental de pagar impostos ao “direito 
inalienável de sonegá-los”: a inércia da jurisdição constitucional ou “la ley es 
como la serpiente; solo pica al descalzos” 
Recentemente foi promulgada a Lei n. 10.684/03, que, seguindo a tradi-
ção inaugurada pela Lei n. 9.249/95 (que, no art. 34, estabelecia a extinção de puni-
bilidade dos crimes fiscais pelo ressarcimento do montante sonegado antes do rece-
bimento da denúncia), estabeleceu a suspensão da pretensão punitiva do Estado 
referentemente aos crimes previstos nos arts. 1o. e 2o. da Lei n. 8.137/90, e nos arts. 
168-A e 337-A do Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica rela-
cionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcela-
mento( art. 9o.). Mais ainda, estabeleceu a nova lei a extinção da punibilidade dos 
crimes antes referidos quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o 
pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive 
acessórios. De pronto, cabe referir que inexiste semelhante favor legal aos agentes 
acusados da prática dos delitos do art. 155, 168, caput, e 171, do Código Penal, i-
gualmente crimes de feição patrimonial não diretamente violentos. Fica claro, assim, 
que, para o establishment, é mais grave furtar e praticar estelionato do que sonegar 
tributos e contribuições sociais. Daí a pergunta: tinha o legislador discricionariedade 
(liberdade de conformação) para, de forma indireta, descriminalizar os crimes fiscais 
(lato sensu, na medida em que estão incluídos todos os crimes de sonegação de 
contribuições sociais da previdência social)? Poderia o legislador retirar da órbita da 
proteção penal as condutas dessa espécie? Creio que a resposta a tais perguntas 
deve ser negativa. No caso presente, não há qualquer justificativa de cunho empírico 
que aponte para a desnecessidade da utilização do direito penal para a proteção dos 
bens jurídicos que estão abarcados pelo recolhimento de tributos, mormente quando 
examinamos o grau de sonegação no Brasil. No fundo, a previsão do art. 9º da Lei n. 
10.684/03 nada mais faz do que estabelecer a possibilidade de converter a conduta 
criminosa – prenhe de danosidade social – em pecúnia, favor que é negado a outras 
12
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
condutas.14 Também aqui – com raríssimas exceções – não tem havido qualquer 
resistência constitucional no plano da operacionalidade do Direito. 
1.4.5. As emendas ao Novo Código Civil e a (longa) espera 
pelo legislador 
 A dogmática jurídica tem se sustentado historicamente na (metafísica) 
equiparação entre vigência e validade (o que equivale hermeneuticamente a equipa-
rar texto e norma e vigência e validade). Com isto, a Constituição fica relegada a um 
segundo plano, porque sua parametricidade perde importância na aferição da vali-
dade de um texto. Ora, um texto pode ser vigente e, ao mesmo tempo, inválido, nulo, 
porque inconstitucional. Assim, todos os juízes e os tribunais podem deixar de apli-car leis inconstitucionais; podem, também, aplicar as técnicas da interpretação con-
forme e da nulidade parcial sem redução de texto, para “salvar” determinados textos 
jurídicos de sua expulsão do sistema. O recente episódio da entrada em vigor do 
Código Civil em 2003 dá mostras concretas da condição de refém de um pensamen-
to dogmático que parte considerável da doutrina e da jurisprudência ainda conser-
vam. Como o Código demorou quase três décadas para ser aprovado, é inexorável 
que o produto final estivesse eivado de erros (de simples incompatibilidades no pla-
no das antinomias até flagrantes inconstitucionalidades). Assim, já nos primeiros 
meses centenas de emendas foram encaminhas ao Congresso Nacional, esperando 
que este venha a corrigir as anomalias. O que causa maior estranheza é que deze-
nas dessas emendas são absolutamente despiciendas, uma vez que os alegados 
vícios são perfeitamente sanáveis a partir de um adequado manejo da interpretação 
constitucional, mediante a aplicação da jurisdição constitucional. É evidente que 
sempre é melhor que uma lei seja corrigida pelo próprio legislador. Entretanto, a ci-
dadania não pode ficar à mercê dessa longa espera pelo legislador. O inusitado ad-
vém do fato de que, em alguns casos, os juízes continuam aplicando determinados 
dispositivos, mesmo que haja emendas propondo a derrogação dos mesmos, por 
violação da Constituição (v.g., art. 1.621, parágrafo 2o., art. 1641, II, art. 1614, 1694, 
parágrafo segundo, para citar tão-somente algumas incidências). Em outros casos, 
14 Vale lembrar que o Procurador-Geral da República ingressou com Ação Direta de Inconstitucionali-
dade contra o aludido art. 9 (ADIn n. 3002). 
13
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
bastaria a aplicação da interpretação conforme e as emendas se tornariam dispen-
sáveis (v.g. art. 1602, art. 1.638, inc. III, 1566, inc. I e II, art. 1727-A, para ficar ape-
nas em alguns dos casos objetos de emendas). Ou seja, uma adequada filtragem 
hermenêutico-constitucional do novo Código eliminaria, de imediato, a maior parcela 
de suas anomalias. 
1.4.6. A obrigatoriedade da presença de advogado no in-
terrogatório: de como a dogmática jurídica somente admitiu a tese depois da 
aprovação de lei ou de como é mais fácil obedecer à lei do que à Constituição 
Até o advento da Lei 10.792, de 1o. de dezembro de 2003, embora a 
Constituição deixe claro o princípio da ampla defesa, o devido processo legal e ou-
tras garantias, eram raros os tribunais15 que admitiam a tese da obrigatoriedade da 
presença do advogado no interrogatório e, conseqüentemente, da nulidade dos in-
terrogatórios realizados sem essa formalidade. Mais do que isto, os acórdãos que 
anulavam interrogatórios realizados sem a presença de advogado eram atacados via 
recursos especial e extraordinário. Não há notícias de que os manuais de direito 
processual penal, neste espaço de quinze anos de vigência da Constituição, tenham 
apontado na direção de que seria nulo qualquer interrogatório sem a presença do 
defensor. Bastou que a nova Lei viesse ao encontro da jurisprudência forjada inici-
almente na 5a. Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para que a po-
lêmica se dissolvesse no ar. Trata-se, a toda evidência, de uma demonstração sim-
bólica da crise de baixa constitucionalidade: os juristas preferiam não obedecer a 
Constituição, da qual era possível extrair, com relativa facilidade, o império do prin-
cípio do devido processo legal e da ampla defesa; mas, com o advento da lei n. 
10.792/03, estabelecendo exatamente o que dizia a Constituição, cessaram os pro-
blemas.
15 A 5ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, junto a qual tenho acento como 
Procurador de Justiça, já de há muito vinha aplicando a tese da obrigatoriedade da presença do defen-
sor no interrogatório, aferível, facilmente, do princípio constitucional da ampla defesa. 
14
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
1.4.7. As contravenções penais e sua não-recepção 
pela Constituição
 O advento de uma nova Constituição necessariamente provoca profun-
das alterações no ordenamento jurídico de um país. Leis incompatíveis com o novo 
fundamento de validade deve(ria)m ser expungidas. Se forem anteriores à Constitui-
ção, ocorre o fenômeno da não recepção (como se sabe, o Brasil adota a tese da 
impossibilidade da existência de inconstitucionalidade superveniente). Assim, v.g., 
parece evidente que o Decreto-lei n.º 3.688/41, também denominado de Lei das 
Contravenções Penais, bem como os demais crimes de mera conduta, mostram-se 
absolutamente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito instituído pela 
Constituição Federal de 1988. As contravenções penais, ao punirem meras condu-
tas, vícios e comportamentos, entram em rota de colisão com o princípio da securali-
zação, ínsito ao Estado Democrático de Direito. Com efeito, na esteira do que lecio-
na Ferrajoli, afirma-se que o princípio da secularização (separação entre direito e 
moral), inerente ao direito e ao processo penal do Estado Democrático de Direito, 
exige que os juízos emitidos pelo julgador não versem ‘acerca de la moralidad, o el 
caráter, u otros aspectos substanciales de la personalidad del reo, sino sólo acerca 
de hechos penalmente proibidos que le son imputados y que son, por outra parte, lo 
único que puede ser empiricamente probado por la acusación y refutado por la de-
fensa. El juez, por conseguiente, no debe someter a indagación el alma del imputa-
dado, ni debe emitir veredictos morales sobre su persona, sino sólo investigar sus 
comportamientos prohibidos. Y un cidaudano puede ser juzgado, antes de ser casti-
gado, sólo por aquello que ha hecho, y no, como en el juicio moral por aquello que 
es.’ 16 Desse modo, sob os auspícios da teoria garantista, desde a promulgação da 
Constituição já deveria ter havido uma filtragem hermenêutico-constitucional de tais 
normas, adequando-as ao novo fundamento de validade, afastando dezenas de in-
16 Cfe. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal. Madrid: Editorial Trotta, 
1995, p. 223. Não se está tratando, neste ponto, da questão positivista da separação entre direito e 
moral. O que se está a tratar é a questão de o direito penal não ingressar na esfera da moralidade (jo-
gos, prostituição, ato obceno, etc.), estabelecendo criminalizações “behavioristas”. 
15
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
frações bagatelares que assolam as prateleiras da justiça brasileira.17 Em síntese: o 
direito penal deve estar voltado somente à punição de condutas que violem, concre-
tamente, bens jurídicos relevantes e especificados, e não de vícios e comportamen-
tos! Afinal, não há crime sem vítima. Assim, somente pode haver crime se, no caso 
concreto, ficar provado que houve risco, para um determinado bem jurídico. Em su-
ma: o Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que necessita de um 
processo de penalização de delitos que põem em risco a cidadania e os objetivos da 
República – como a sonegação de impostos e contribuições sociais, contrabando, 
crime organizado, etc. – tem, do mesmo modo, a necessidade de promover a des-
penalização de condutas que, inegavelmente, tornaram-se, através da própria soci-
edade, desmerecedoras da reprimenda penal. Assim, na medida em que o legislador 
longe está de (r)estabelecer a prevalência do fundamento superior de validade ad-
vindo da (nova) Constituição, a jurisdição constitucional, a partir da assunção da di-
ferença (ontológica) entre texto e norma e vigência e validade, poderia (e pode) rea-
lizar essa importante tarefa, expundindo, no plano do controle de constitucionalida-de, tipos penais e contravencionais incompatíveis com a validade constitucional. A 
sua prevalência vai mostrar – como mostra – a crise de baixa constitucionalidade.18
 Estes são, pois, alguns exemplos que representam simbolicamente a 
problemática aqui apontada. Na operacionalidade quotidiana do Direito ainda esta-
mos muito distantes de uma efetiva aplicação da Constituição, entendida em sua 
materialidade. Tantos outros poderiam ser aqui elencados. Mas é, talvez, nas pala-
vras de um Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que este-
jam presentes – e novamente é necessária a invocação da importância do simbólico 
– os ingredientes que engendram a crise de baixa constitucionalidade que pretendo 
discutir nesta obra: instado pelo advogado de defesa, em sustentação oral, a aplicar 
princípios constitucionais, sua excelência afastou-os “com base no Código de Pro-
17 Do conjunto de tipos contravencionais, apenas dois restam compatíveis com a Constituição: disparo 
de arma de fogo e perturbação do sossego. A retirada de tais tipos deixaria sem proteção penal bens 
jurídicos que podem ser considerados relevantes. 
18 Despiciendo referir a inconstitucionalidade (não recepção) de tipos penais como casa de prostitui-
ção, rufianismo, etc, bem como os crimes de dano, esbulho possessório, incompatíveis com os fins a 
que se destina o Direito Penal do Estado Democrático de Direito. 
16
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
cesso Penal”.19 Trago a lume, ainda, alguns episódios que, pela sua dramaticidade, 
procuram chamar a atenção da comunidade jurídica para aquilo que pode ser cha-
mado de a necessária republicanização do Direito em nosso país e a resistência 
constitucional como compromisso ético do jurista: recentemente, na cidade de Tra-
mandaí-RS, ocorreu a prisão em flagrante de uma mulher acusada de tentar furtar 
uma tampa de lata de lixo. Note-se que essa mulher tirava seu sustento do recolhi-
mento de materiais na rua para vendê-los. O flagrante foi homologado, sendo a indi-
ciada recolhida à Penitenciária Estadual Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre, 
distante mais de cem quilômetros, onde permaneceu presa durante longos seis dias.
Somente por intermédio de habeas corpus deferido pela 5a. Câmara Criminal do TJ-
RS é que a autora do delito foi posta em liberdade ( Processo nq 70004159984 – 
Rel. Des. Aramis Nassif). Comparece-se este caso com a recente estatística que dá 
conta de que, durante a vigência da lei da lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98), por-
tanto, entre 1998 e 2004, somente ocorreu uma condenação por esse crime com 
trânsito em julgado.
A pretensão destas reflexões, assim, restringe-se a insistir na tese de que 
a Constituição ainda constitui e que a Constituição constitui-a-ação do Estado. Tra-
ta-se, também, de fincar pé na defesa da continuidade do perfil dirigente e compro-
missário da Constituição de 1988, construindo o debate a partir daquilo que venho 
denominando de Teoria da Constituição Dirigente Adequada a Países de Moderni-
dade Tardia. E o ferramental para esse desiderato é a fenomenologia hermenêutica, 
centrado na hermenêutica filosófica. As reflexões são, portanto, muito breves. Para 
o mais, permito-me remeter o leitor aos meus textos mais robustos, como Jurisdição
Constitucional e Hermenêutica – Uma Nova Crítica do Direito e Hermenêutica Jurídi-
ca e(m) Crise – uma exploração hermenêutica da construção do Direito, que buscam 
aprofundar o que aqui apenas aponto de forma provocativa. 
Numa palavra: as presentes reflexões são um auto de fé na Constituição, 
entendida no seu sentido dirigente-compromissário e ontologicamente (no sentido da 
hermenêutica que defendo) comprometida com a realização daquilo que a Constitui-
19 Ver, para tanto, nota n. 2 da dissertação de mestrado intitulada Os Princípios do Direito Administra-
tivo e a Hermenêutica da Constituição Brasileira de 1988, de autoria de Everton Luis Mendes de Je-
sus. São Leopoldo, Pós-Graduação em Direito da UNISINOS, 2000. 
17
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
ção elegeu como prioridade do Estado: a construção do Estado Democrático de Di-
reito, para o qual o Estado Social, claramente constante no art. 3º, constitui-se em 
condição de possibilidade.20
2. Os “dilemas” do constitucionalismo - a tensão (inexorável) entre 
jurisdição e legislação
No ano de 2003 comemorou-se a passagem dos duzentos anos do caso 
Marbury v. Madison21, marco fundamental na instituição do que hoje denominamos 
20 Ficam evidentemente ressalvadas as inúmeras decisões implementadoras de direitos proferidas por 
juízes e pelos Tribunais da República. No decorrer desses quinze anos, houve significativos avanços 
na doutrina e na jurisprudência. Não se pode esquecer, de todo modo, que cumprir a Constituição é, 
mais do que um dever, é um compromisso ético. 
21 Em 1801 o Presidente Adams, do Partido Federalista, não conseguiu se reeleger, sendo derrotado 
por Thomas Jefferson, do Partido Democrata Republicano (que mais tarde redundaria no Partido De-
mocrata). Antes de entregar o poder, Adams fez uma série de nomeações para cargos do Poder Judici-
ário. Entre essas nomeações, estava a de John Marshall para a Supreme Court. Em 17 de fevereiro de 
1801, Jefferson foi eleito Presidente. Embora indicado para a Suprema Corte, Marshall permanece no 
cargo de Secretário de Estado do governo Adams até a posse de Jefferson, em 03 de março de 1801. 
Logo após a eleição de Jefferson, o Congresso Federalista iniciou seus esforços para manter o controle 
do Judiciário Federal. A lei conhecida como Circuit Court Act, de 13 de fevereiro de 1801, criou de-
zesseis cargos de Juiz Federal de Apelação – os Circuit Court Judges. Como esperado, todos os novos 
cargos foram para Federalistas. Foram chamados “midnight judges”, por terem sido nomeado no apa-
gar das luzes da administração de Adams. William Marbury, o protagonista do caso em exame, não 
estava entre os midnight judges. Ele foi nomeado ainda mais tarde: o Organic Act of the District of 
Columbia foi aprovado em 27 de fevereiro de 1801, menos de uma semana antes do fim do mandato 
de Adams. Aquela lei autorizava o Presidente a nomear juízes de paz para o Distrito de Columbia. 
Adams nomeou 42 juízes em 02 de março de 1801 e o Senado confirmou as nomeações em 03 de 
março, o último dia de Adams no cargo. As nomeações dos Juízes de paz que ajuizaram a ação, inclu-
indo William Marbury, foram assinadas de imediato por Adams – assim como assinadas e carimbadas 
(sealed) por seu Secretário de Estado, Marshall – mas nem todos tomaram posse antes do fim do dia.. 
Então, o novo Presidente, Jefferson, recusou-se a dar posse a eles, por considerar as nomeações nulas. 
Esse foi o contexto da decisão Marbury v. Madison (5 U. S.)137, 2 L. Ed. 60 (1803). Como a nova 
administração de Jefferson decidiu desconsiderar as nomeações do governo Adams, Marbury e alguns 
colegas desapontados decidiram ir diretamente à Suprema Corte, visando compelir o Secretário de 
Estado de Jefferson, James Madison, a lhes dar posse. Em 24 de fevereiro de 1803, saiu a decisão pro-
ferida pelo Chief Justice (John Marshall). A Corte não negou que Marbury tivesse direito à nomeação. 
O que não existia era um remédio jurídico para garantir essa nomeação. A lei (act) que estabelece as 
cortes judiciais dos Estados Unidos autorizam a Suprema Corte “a expedir ordens mandamentais 
(writs of mandamus) em casos garantidos pelos princípios e costumes de direito, a qualquer corte ofi-
cial, ou a pessoas no exercício de cargos, sob a autoridade dos Estados Unidos”. Sendo o Secretário de 
Estado (Secretary of State) uma pessoa exercendo um cargo sob a autoridade dos Estados Unidos, ele 
está precisamente dentro da descrição do texto legal; a se esta corte não estiverautorizada a emitir um 
mandado contra tal oficial, só poderá ser por que a lei (o Judiciary Act) é inconstitucional e, portanto, 
absolutamente incapaz de conferir a autoridade e as obrigações que seus termos buscam conferir e 
determinar. Ou seja, se a Constituição estabelece que a Suprema Corte é um órgão recursal (appellate 
18
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
de controle (jurisdicional) da constitucionalidade das leis. Muito embora a maioria 
dos países tenha optado, contemporaneamente, por um controle concentrado a ser 
realizado por tribunais constitucionais ad hoc (Alemanha, Áustria, Espanha, Portugal, 
Itália e mais dezenas de países do leste europeu, da África e da América Latina), o 
Brasil segue fiel ao modelo implementado pela Constituição Republicana de 1891: 
um sistema de controle misto, que congrega a forma difusa e a concentrada.
O leading case norte-americano, malgrado a ineludível distância temporal 
de dois séculos, continua a ensejar as mais complexas discussões acerca do valor 
do constitucionalismo e das condições de possibilidade de sua sobrevivência nesta 
quadra da história. Afinal, a discussão do constitucionalismo implica o enfrentamento 
de um paradoxo, representado pelo modo como esse fenômeno é engendrado na 
história moderna. Com efeito, a Constituição nasce como um paradoxo porque, do 
mesmo modo que surge como exigência para conter o poder absoluto do rei, consti-
tui-se igualmente como um necessário mecanismo de contenção do poder das mai-
orias. É que se denomina, pois, de contramajoritarismo. 
Talvez na existência de uma regra contramajoritária é que resida o grande 
dilema da democracia naquilo que ela finca raízes históricas no direito (constitucio-
nal) e com ele guarda um profundo débito. É neste ponto, aliás, que Laurence Tribe 
começa seu influente tratado sobre direito constitucional22, procurando enfrentar es-
se dilema fundamental representado pela discórdia entre a política majoritária e os 
anteparos previstos no texto constitucional: em sua forma mais básica, a pergunta é 
por que uma nação que fundamenta a legalidade sobre o consentimento dos gover-
nados decidiria constituir sua vida política mediante um compromisso com um pac-
to/acordo original estruturado deliberadamente para dificultar mudanças.
jurisdiction), não poderia a lei ordinária dizer mais do que a Lei Suprema do país. Se o Congresso 
mantém a liberdade de atribuir à Corte jurisdição recursal, onde a Constituição declarou que sua juris-
dição deve ser original; e atribuir jurisdição originária onde a Constituição declarou que deveria ser 
jurisdição recursal; então, a distribuição de jurisdição feita na Constituição é forma sem substância. 
Não há meio termo: ou a Constituição é uma lei superior, direito supremo, imutável por meios ordiná-
rios, ou estará no mesmo nível de leis ordinárias e, como tais, poderá ser alterada segundo a vontade 
do Legislativo. Por isto, a norma deve ser anulada (The rule must be discharged). Para um exame 
mais aprofundado, ver o excelente trabalho de Paulo Klautau Filho. A primeira decisão sobre controle 
de constitucionalidade: Marbury v. Madison (1803). 
22 Cfe. Tribe, Laurence. American Constitutional Law. Foundation Press, Meneola, 1978, p.9,; tb. Os 
comentários feitos por Holmes, Stephen. “El precompromisso y la paradoja de la demcoracia”. In: 
Constitucionalismo y Democracia. Jon Elster y Rune Slagstad (org). México, Fondo de Cultura Eco-
nómica, 2003, pp.217. 
19
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
De diversas maneiras este problema tem sido apresentado, aduz Tribe, 
indagando: como se pode reconciliar o consentimento dos governados com a garan-
tia de um consentimento ulterior mediante uma convenção constitucional? Por que 
um marco constitucional, ratificado há dois séculos, deve exercer tão grande poder 
sobre nossas vidas atuais? Por que somente alguns de nossos concidadãos possu-
em a faculdade para impedir que se façam emendas à Constituição? A revisão judi-
cial, quando está baseada em uma lealdade supersticiosa em relação à intenção de 
seus criadores, é compatível com a soberania popular?23
Se se compreendesse a democracia como a prevalência da regra da mai-
oria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é antidemocrático, na medida em 
que este “subtrai” da maioria a possibilidade de decidir determinadas matérias, re-
servadas e protegidas por dispositivos contramajoritários. O debate se alonga e pa-
rece interminável, a ponto de alguns teóricos demonstrarem preocupação com o 
fato de que a democracia possa ficar paralisada pelo contramajoritarismo constitu-
cional, e, de outro, o firme temor de que, em nome das maiorias, rompa-se o dique 
constitucional, arrastado por uma espécie de retorno a Rousseau.
Daí que, desde logo, considero necessário deixar claro que a contraposi-
ção entre democracia e constitucionalismo é um perigoso reducionismo. Não fosse 
por outras razões, não se pode perder de vista o mínimo, isto é, que o Estado Cons-
titucional só existe e tornou-se perene a partir e por meio de um processo político 
constitucionalmente regulado (Loewestein). Na verdade, a afirmação da existência 
de uma “tensão” irreconciliável entre constitucionalismo e democracia é um dos mi-
tos centrais do pensamento político moderno,24 que entendo deva ser des-
mi(s)tificado. Frise-se, ademais, que, se existir alguma contraposição, esta ocorre 
necessariamente entre a democracia constitucional e democracia majoritária, ques-
tão que vem abordada em autores como Dworkin, para quem a democracia constitu-
cional pressupõe uma teoria de direitos fundamentais que tenham exatamente a 
função de colocar-se como limites/freios às maiorias eventuais.25
A regra contramajoritária, desse modo, vai além de estabelecer limites 
formais às assim denominadas maiorias eventuais; na verdade, ela representa a ma-
23 Idem, ibidem. 
24 Cfe. Holmes, op.cit., p.219. 
25 Cfe. Dworkin, Ronald. Uma questão de Princípio. São Paulo, Martins Fontes, 2000, pp. 80 e segs. 
20
Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
terialidade do núcleo político-essencial da Constituição, representado pelo compro-
misso – no caso brasileiro, tal questão está claramente explicitada no art. 3o. da 
Constituição – do resgate das promessas da modernidade, que apontará, ao mesmo 
tempo, para as vinculações positivas (concretização dos direitos prestacionais) e 
para as vinculações negativas (proibição de retrocesso social), até porque cada 
norma constitucional possui diversos âmbitos eficaciais (uma norma pode ser, ao 
mesmo tempo, programática no sentido clássico, de eficácia plena no sentido pres-
tacional ou servir como garantia para garantir o cidadão contra os excessos do Esta-
do).26 Por isto, o alerta que bem representa o paradoxo que é a Constituição: uma 
vontade popular majoritária permanente, sem freios contramajoritários, equivale à 
volonté générale, a vontade geral absoluta propugnada por Rousseau, que se reve-
laria, na verdade, em uma ditadura permanente.27
É nesse contexto, e levando em conta o forte conteúdo contramajoritário 
representada por Marbury v. Madison, que pretendo sustentar a tese da absoluta 
possibilidade de convivência entre democracia e constitucionalismo. Mais do que 
isto, a Constituição, nesta quadra da história, a partir da revolução copernicana que 
atravessou o direito público depois do segundo pós-guerra, passa a ser – em de-
terminadas circunstâncias – condição de possibilidade do exercício do regime demo-
crático, naquilo que a tradição (no sentido que Gadamer atribui a essa expressão)
nos legou.
Afinal, a Constituição não obstrui a democracia, questão que já estava 
bem clara nas críticasde James Madison a Thomas Jefferson. Pelo contrário: regras 
contramajoritárias não são necessariamente ataduras, mas podem, sim, vir a pro-
mover a liberdade, dizia ele. A tese de que, pela regra contramajoritária, os vivos 
passam a ser governados pelos mortos igualmente já encontrava em Madison a ne-
cessária crítica. Com efeito, por uma parte o repúdio ao passado é uma espécie de 
26 Também nesse sentido, ver Sarlet, Ingo. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre, Livra-
ria do Advogado, 2003. 
27 Com propriedade, Koselleck assevera que Rousseau, sem perceber, desencadeou a revolução per-
manente em busca de um verdadeiro Estado. Buscava a unidade da moral e da política, mas acabou 
encontrando o Estado total, a revolução permanente sob o manto da legalidade. A vontade geral, que é 
absoluta e não tolera exceção, reina sobre a nação. Soberana pelo simples fato de existir, é sempre – e 
totalmente – o que deve ser. A vontade geral que não tolera exceção é a exceção pura e simples. As-
sim, a soberania de Rousseau revela-se uma ditadura permanente. É congênita da revolução permanen-
te em que seu Estado se transformou. Cfe. Koselleck, Reinhart. Crítica e Crise. Trad. de Luciana Vil-
las-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro, Contraponto, pp. 141 e 142. 
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Caderno de Direito Constitucional – 2006 
Lenio Luiz Streck
espada com dois fios. As decisões atuais, tomadas tendo em mente o futuro, logo 
pertencerão ao passado. E o mesmo Madison pergunta: se podemos estabelecer 
que gerações subseqüentes tratarão com soberano desprezo nossas escolhas feitas 
pensando no futuro, por que haveríamos de pensar mais no futuro do que no passa-
do? Desejamos atuar de maneira responsável acerca das gerações sucessivas en-
quanto tendemos a rechaçar o conceito de que as gerações anteriores são por nós 
responsáveis. Porém, é congruente adotar essa atitude? A resposta é dada por Jon 
Elster, em forma de paradoxo: cada geração deseja ser livre para obrigar as suas 
sucessoras, sem estar obrigada por suas predecessoras.28
Na verdade – e a tradição que engendrou o constitucionalismo nas suas 
diversas fases aponta para esse desiderato – a democracia constitucional é o siste-
ma político talhado no tempo social que vem tornando-o a cada dia mais humano 
porque se enriquece com a capacidade de indivíduos e comunidades para reconhe-
cer seus próprios erros.29 A Constituição é uma invenção destinada à democracia 
exatamente porque possui o valor simbólico que, ao mesmo tempo em que assegura 
o exercício de minorias e maiorias, impede que o próprio regime democrático seja 
solapado por regras que ultrapassem os limites que ela mesma – a Constituição – 
estabeleceu para o futuro. Esta, aliás, e a sua própria condição de possibilidade. Ve-
ja-se, e a lembrança vem novamente de Holmes, que Locke, Kant e tantos outros 
aprovaram as regras constitucionais duradouras ainda que não inalteráveis. E assim 
fizeram porque reconheciam que tais regras podiam fomentar o futuro aprendizado. 
Os mortos não devem governar os vivos; devem, sim, facilitar a que os vivos se go-
vernem a si próprios.30
Por tudo isto, a discussão acerca do constitucionalismo contemporâneo – 
e de suas implicações políticas - é tarefa que (ainda) se impõe. O constitucionalismo 
não morreu. As noções de força normativa da Constituição e de Constituição dirigen-
te e compromissória não podem ser relegadas a um plano secundário, mormente em 
um país em que as promessas da modernidade, contempladas nos textos constitu-
cionais, carecem de uma maior efetividade. Daí a pergunta: como relegar a um se-
28 Ver, para tanto, Holmes, op.cit., p. 262. 
29 Idem, ibidem, p. 262. 
30 Idem, ibidem. 
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gundo plano as promessas que fizemos a nós mesmos (para utilizar as palavras de 
François Ost31)?
Nesse sentido, torna-se fundamental discutir, para uma melhor compre-
ensão de toda essa problemática, o papel da Constituição e da jurisdição constitu-
cional no Estado Democrático de Direito, bem como as condições de possibilidade 
para a implementação/concretização dos direitos fundamentais-sociais a partir desse 
novo paradigma de Direito e de Estado. Afinal, o Estado Democrático de Direito trás 
ínsita a pactuação que aponta para o resgate das promessas da modernidade, re-
presentada pela concretização dos direitos sociais (Estado Social - art.3º da CF), 
que, a toda evidência, constituem direitos fundamentais prestacionais, como bem 
lembra Sarlet. Nesse sentido, a preocupação primordial é com a esfera dos direitos 
fundamentais a prestações, que tem por objeto uma conduta positiva por parte do 
destinatário, consistente, em regra, numa prestação de natureza fática ou normativa. 
Assim, aduz Sarlet, enquanto os direitos de defesa se identificam por sua natureza 
preponderantemente negativa, tendo por objeto abstenções do Estado, os direitos 
sociais prestacionais (portanto, o que está em causa aqui é precisamente a dimen-
são positiva, que não exclui uma faceta de cunho negativo) têm por objeto precípuo 
uma conduta positiva do Estado ou particulares destinatários da norma. 32
Parece que a inserção da Constituição na noção de paradoxo – pelos “in-
teresses” contraditórios que nasceu para albergar – trás implícita a discussão da 
problemática da tensão entre legislação e jurisdição, pela simples razão de que a 
primeira é fruto da vontade geral (majoritária) e a segunda coloca freios nessa mes-
ma vontade geral.
31 Ver, para tanto, Ost, François. O Tempo do Direito. Lisboa, Piaget, s/d. 
32 Cfe. Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, op.cit., pp. 272 e segs. Relati-
vamente à vinculação dos particulares (eficácia inter privatos) aos direitos fundamentais, consultar 
Bilbao Ubillos, Juan Maria. Los derechos fundamentales em la frontera entre público y lo privado.
Madrid, Estúdios Ciências Jurídicas, 1997. Essa problemática – horizontalidade dos direitos funda-
mentais – vem muito bem desenvolvida na sentença 122/1970 do Tribunal Constitucional Italiano, 
dando conta de que os direitos subjetivos garantidos pela Constituição – incluídos aí os direitos de 
liberdade – não são “direitos públicos” no sentido da doutrina alemã do século XIX, isto é, direitos 
“frente ao Estado”; pelo contrário, são direitos garantidos erga omnes, frente a qualquer um. Isto signi-
fica que as normas constitucionais são aplicáveis não somente nas controvérsias que oponham um 
cidadão frente a um poder público, senão também nas relações entre particulares, entre cidadãos. Por
conseqüência, todos os juízes têm o poder – e o dever – de aplicar diretamente as normas constitucio-
nais nas controvérsias que se encontram por julgar. Cfe. Guastini, Ricardo. “La “constitucionaliza-
ción” del ordenamiento juridico”. In: Neoconstitucionalismo(s), op.cit., p. 68. 
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Talvez seja por isto que Bachof tenha chamado atenção para a inevitabili-
dade do surgimento de uma “certa relação tensionante entre o direito e a política. O 
juiz constitucional aplica certamente direito; mas a aplicação deste direito acarreta 
consigo necessariamente que aquele que a faz proceda a valorações políticas.” 33
E parece que disto não podemos escapar. Afinal, a evolução da Teoria do 
Estado – que não pode existir à margem da Constituição (Bercovici) - implica o sur-
gimento da “politização” da Constituição. Afinal, do normativismo constitucional sal-
tamos para a Teoria Material da Constituição. Este é o momento da imbricação entre 
Constituição e política. E o Estado Democrático de Direito será o locus privilegiado 
deste acontecimento.
Por isto, é possível afirmar que a dimensão política da Constituição não éuma dimensão separada, mas, sim, o ponto de estofo em que convergem as dimen-
sões democrática (formação da unidade política), a liberal (coordenação e limitação 
do poder estatal) e a social (configuração social das condições de vida) daquilo que 
se pode denominar de “essência” do constitucionalismo do segundo pós-guerra. Por-
tanto, nenhuma das funções pode ser entendida isoladamente. É exatamente por 
isto que Hans Peter Schneider vai dizer que a Constituição é direito político: do, so-
bre e para o político. 34
Decorre daí a importância que deve ser dada à discussão acerca do tipo 
de justiça constitucional encarregada de realizar o controle da constitucionalidade do 
ordenamento jurídico de cada país. O deslocamento do pólo de tensão relacionado à 
clássica questão da divisão-separação de Poderes recebe, destarte, uma nova con-
cepção a partir do estabelecimento de tribunais que não fazem parte – stricto sensu
– da cúpula do Poder Judiciário, trazendo consigo, em sua estruturação, a efetiva 
participação do Poder Legislativo. Registre-se, desde logo, que o Brasil, durante o 
33 Cfe. Bachof, Otto. “Estado de Direito e Poder Político”. Boletim da Faculdade de Direito de Coim-
bra, vol. LVI. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 10. 
34 As três dimensões das funções da Constituição podem ser encontradas em Schneider, Hans Peter. La
Constituición – Función y Estrutuctura. In: Democracia y Constituición. Madrid, CEC, 1991, pp. 35-
52; tb. Bercovici, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo, Max Limo-
nad, 2002, p. 288. Importa registrar que, se a Constituição é direito político e, portanto, se o direito 
constitucional é direito político, isto não pode significar – e a advertência vem de Eloy Garcia e Ber-
covici – que a Constituição venha a resumir ou abarcar em si a totalidade do político, para que não se 
caia em um positivismo jurisprudencial, a partir da despolitização das questões constitucionais. A 
Constituição deve ser compreendida também de acordo com o papel que desempenha no processo 
político, ou seja, o pensamento constitucional precisa ser orientado para a necessária reflexão sobre 
conteúdos políticos. 
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processo constituinte de 1986-88, optou por permanecer com o modelo do judicial 
review de inspiração norte-americana, rejeitando a fórmula dos tribunais constitucio-
nais, de tanto êxito na Europa continental.
Dizendo de outro modo, o constitucionalismo engendrado a partir da revo-
lução copernicana que atravessou o direito público implica uma abertura à participa-
ção da justiça constitucional – ao menos isto tem se mostrado bem presente na Eu-
ropa - de modo que, se o que o Estado de Direito ganha por um lado não quer per-
der de outro, esta fórmula política reclama entre outras coisas uma depurada teoria 
da argumentação capaz de garantir a racionalidade e de suscitar o consenso em 
torno das decisões judiciais,35 questão que será examinada mais adiante. 
É razoável afirmar, nesse contexto, que a força normativa da Constituição 
– e, se assim se quiser, o seu papel dirigente e compromissário – sempre teve, as-
sim, uma direta relação com a atuação da justiça constitucional na defesa da imple-
mentação dos valores substanciais previstos na Lei Maior. Para uma tal constatação, 
basta um exame na jurisprudência dos tribunais constitucionais – mormente a dos 
primeiros anos – de países como Alemanha, Espanha e Portugal, sem olvidar, aqui, 
a importância do assim denominado “ativismo judicial” da Supreme Court dos Esta-
dos Unidos, por exemplo, do “Tribunal Warren”. 
Não há dúvidas, pois, que esse novo modelo de justiça constitucional – o 
modelo de tribunais ad hoc introduzido stricto sensu a partir da Áustria e reafirmado 
nas Constituições da Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, para falar apenas nas 
principais –, deixa marcas indeléveis no constitucionalismo contemporâneo. A dou-
trina alemã, especialmente ela, em grande medida baseada no estudo da Lei Fun-
damental e da atuação do Bundesverfassungsgericht, influenciou todo o pensamen-
to constitucional, mormente no que se relaciona ao estudo da eficácia dos direitos 
fundamentais e dos mecanismos interpretativos que sustenta(va)m as teses advin-
das da idéia de força normativa do texto constitucional e seu caráter dirigente (dirigi-
erende Verfassung).
Claro que sempre haverá temores em relação a esse “intervencionismo” 
da justiça constitucional, questão que aparece nitidamente nas posturas de autores 
de claro perfil procedimentalista como Jürgen Habermas e John Hart Ely, para citar 
35 Cfe. Prieto Sanchis, op.cit., p. 157. 
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apenas estes, aos quais se opõem os teóricos de perfil substancialista,36 como Gar-
cia Herrera,37 para quem cuando se defiendem los princípios constitucionales no se 
36 Para uma melhor compreensão acerca do debate entre procedimentalismo e substancialismo, isto é, 
entre as teses processuais-procedimentais e as materiais-substantivas acerca da Constituição, remeto o 
leitor para o meu Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, op.cit., em especial capítulos III e IV; na 
especificidade, Habermas, Jürgen. Direito e Demcoracia – entre faticidade e validade. Rio de Janeiro, 
Tempo Brasileiro, 1997, vol. I e II; The Constitution, the Court and Human Rights. An Inquiry into the 
Legitimacy of Constitutional Policymaking. Yale University Press, New Haven and London, 1982; 
Más allé del Estado Nacional. Madrid, Trotta, 1997; Ely, J.H. Democracy and Distrust. A theory of 
Judicial Review. Cambridge, Mass, 1980; Tribe, L. H. “The Puzzling Persistence of Process-Based 
Constitutional Theories”, in The Yale Law Journal, vol. 89, 1073, 1980, p. 1065 e segs.; Ibidem, 
American Constitutional Law. The Foundation Press, Mineola, New York, 2a. ed., 1988; Ibidem 
“Taking Text and Structure Seriously: reflection on free-form method in constitutional interpretation”, 
In Harvard Law Review, vol. 108, n. 6, 1995. Conferir, também, Diaz Revorio, Francisco Javier. La 
constituición como orden abierto. Madrid: Estudios Ciencias Jurídicas, 1997. p. 161 e segs; Perry, 
M.J. “The Constitution, the Courts and Human Rights. An Inquiry into the Legitimacy of Constitu-
tional Policymaking by the Judiciary”. Yale University Press, New Haven and London, 1982; tb. Wel-
lington, H. H. “Common Law Rules and Constitutional Double Standards: Some Notes on Adjudica-
tion”. The Yale Law Journal, vol. 83, n. 2, dezembro de 1973; Bercovici, Gilberto. Desigualdades 
Regionais, op.cit., p. 278; Estevéz Araújo, José Antonio. La Constituición como Proceso y la Des-
obediencia Civil. Madrid, Trota, pp. 139-143; Leite Sampaio, José Adércio. A Constituição reiventa-
da. Belo Horizonte, Del Rey, 2002. Tenho, assim, a convicção de que o papel da Constituição, sua 
força normativa e o grau de seu dirigismo vão depender da assunção de uma das duas teses (eixos 
temáticos) que balizam a discussão do constitucionalismo e da democracia: de um lado, os defensores 
das teorias processuais-procedimentais, e, do outro, os que sustentam posições materiais-substanciais 
acerca da Constituição. Parece não haver dúvidas, também, que esse debate é de fundamental impor-
tância para a definição do papel a ser exercido pela jurisdição constitucional. A toda evidência, as 
teses materiais reforçam a regra contramajoritária, colocando freios às vontades de maiorias eventuais, 
o que, do lado dos substantivistas só vem a reforçar a relação Constituição-democracia, e do lado dos 
defensores das teorias procedimentalistas, enfraquece a democracia, pela falta de legitimidade da justi-
ça constitucional. No Brasil, há um elenco considerável de juristas que – contrapondo-se às teorias 
processuais-procedimentais- defendem uma atuação mais efetiva da justiça constitucional, questão 
que assume maior visibilidade em face da notória inefetividade da Constituição e da omissão dos po-
deres legislativo e executivo na execução de políticas públicas, circunstância que demanda a utilização 
dos mecanismos (ações constitucionais, controle de constitucionalidade, etc) aptos à realização dos 
direitos substantivos previstos na Constituição (veja-se, nesse sentido, Paulo Bonavides, Fabio K. 
Comparato, Lenio Streck, Clémerson Clève, Ingo Sarlet, para citar apenas alguns). Do outro lado, as 
teses procedimentais ganham corpo a cada dia, a partir das posturas self restraint assumidas pelos 
Tribunais Superiores e pela acusação de judicialização da política que sofrem as teses que sustentam a 
possibilidade de revisão judicial de atos parlamentários – e do próprio poder executivo - que dizem 
respeito às questões diretamente relacionados à dimensão assumida pela omissão no disciplinamento e 
na efetivação das políticas relacionadas ao cumprimento dos direitos de índole prestacional. Minha 
crítica às teses procedimentais vai no sentido de que, em nome de uma democracia de perfil nivelador 
– e estou fazendo uso aqui do contraponto feito por Ackerman entre o dualismo e as posturas nivela-
doras - , e em nome de uma leitura procedimental da Constituição, relega-se direitos fundamentais-
sociais a um plano secundário, o que enfraquece a noção de Constituição compromissária. Na verdade, 
determinadas teses procedimentais, como as advogadas por Juan Carlos Bayón, (“Derechos, Demcora-
cia y Constituición”. In: Neoconstitucionalismo(s), op.cit., p. 211 e segs) apontam para um constitu-
cionalismo débil, pelo qual a Constituição tem a função de somente limitar o poder existente, sem 
prever especificamente uma defesa material dos direitos fundamentais. Nesse sentido, talvez não seja 
desarrazoado afirmar que o problema fundamental das teorias processuais reside no fato de procura-
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hace política sino defensa juridiscional de la Constitución. Talvez por isto alguns 
autores aduzem ser el Tribunal Constitucional el protector último de los derechos 
fundamentales.38
Parece inexorável – e isto não deveria causar nenhuma surpresa - que 
ocorra um certo tensionamento entre os Poderes do Estado: de um lado, textos 
constitucionais forjados na tradição do segundo pós-guerra estipulando e apontando 
a necessidade da realização dos direitos fundamentais-sociais; de outro, a difícil 
convivência entre os Poderes do Estado, eleitos (Executivo e Legislativo) por maiori-
as nem sempre concordantes com os ditames constitucionais.
Daí o constante questionamento da legitimidade de o Poder Judiciário 
(justiça constitucional) deter o poder de desconstituir atos normativos do Poder Exe-
cutivo ou declarar a inconstitucionalidade de leis votadas pelo parlamento eleito de-
mocraticamente pelo povo, questão que assume ainda maior complexidade em paí-
ses (Brasil, por exemplo) que mantém o sistema difuso de controle de constituciona-
lidade. 
Esse tensiosamento assume contornos mais graves quando o sistema se 
depara com decisões do Poder Judiciário (brasileiro) tidas como “invasoras de sub-
sistemas” ou epitetadas como típicas decisões que “judicializam a política”, como é o 
caso de sentenças emanadas pelos juízes e tribunais brasileiros determinando a 
inclusão/criação de vagas em escolas públicas, fornecimento de remédios com fun-
damento no art. 196 da Constituição, a extensão, com base no princípio da isonomi-
a, de benefícios a categorias de trabalhadores não contempladas em ato normativo, 
rem colocar no procedimento o modo (ideal) de operar a democracia, a partir de uma universalização 
aplicativa. Com isto, o procedimento acaba sendo uma espécie de “novo princípio epocal”, na tenta-
tiva de superar aquilo que na fenomenologia hermenêutica podemos denominar de “diferença ontoló-
gica”, afastando qualquer possibilidade de intervenção substantiva-subjetiva, uma vez que calca o 
“resultado” final nos “valores adjetivos”. Afinal, como afirma Luhmann, nas sociedades complexas a 
natureza das decisões deve ceder lugar aos procedimentos, que generalizam o reconhecimento das 
decisões; os procedimentos (processo legislativo e o próprio processo judicial) tornam-se a garantia de 
decisões que terão aceitabilidade. Por tudo isto, alinho-me aos defensores das teorias materiais-
substanciais da Constituição, porque trabalham com a perspectiva de que a implementação dos direi-
tos e valores substantivos afigura-se com condição de possibilidade da validade da própria Constitui-
ção, naquilo que ela representa de elo conteudístico que une política e direito. 
37 Cfe. Garcia Herrera, Miguel Angel. Prólogo a la segunda edición del Manual de Derecho Constitu-
cional. Benda, Maihofer, Vogel, Hesse, Heide. Madrid: Marcial Pons, 2001. 
38 Cfe. Juan Antonio Doncel Luengo. “El modelo español de justicia constitucional. Las decisiones 
más importantes del tribunal constitucional”. Sub judice, janeiro/junho, 20/21. Coimbra: Docjuris, 
2001, pp. 79 e segs. 
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o problema das ocupações de terras improdutivas por movimentos sociais que cla-
mam pelo cumprimento do dispositivo constitucional que estabelece a função social 
da propriedade, só para citar alguns exemplos. 
3. A continuidade da validade da tese do dirigismo constitucional em 
países periféricos 
O debate acerca dos limites do Direito e do grau de vinculariedade da 
Constituição, embora já tenha o seu fim anunciado pelos defensores das teorias 
processuais-procedimentais, continua absolutamente atual. Afinal, ainda é possível 
falar em Constituição compromissária? Pode um texto constitucional “determinar” o 
agir político-estatal? Ainda é possível sustentar que a Constituição especifica “o que 
fazer” e o governo – lato sensu – estabelece o “como fazer”? A vontade geral popu-
lar, representada por maiorias eventuais, pode alterar substancialmente o conteúdo 
da Constituição, naquilo que é o seu núcleo político? Ainda é possível falar em sobe-
rania dos Estados? Quais os limites do “constituir” da Constituição? Para o enfren-
tamento desses questionamentos, parece apropriado lembrar, de pronto, com Eros 
Grau,
“que a Constituição do Brasil não é um mero “instrumento de go-
verno”, enunciador de competências e regular de processos, mas, além disso, 
enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela 
sociedade. Não compreende tão somente um “estatuto jurídico do político”, 
mas um “plano global normativo” da sociedade e, por isso mesmo, do Estado 
brasileiro. Daí ser ela a Constituição do Brasil e não apenas a Constituição da 
República Federativa do Brasil. Os fundamentos e os fins definidos em seus 
artigos 1º e 3º. São os fundamentos e os fins da sociedade brasileira. Outra 
questão, diversa dessa, é a relativa a sua eficácia jurídica e social e a sua a-
plicabilidade. De tal modo, o legislador está vinculado pelos seus preceitos, 
ainda que sob distintas intensidades vinculativas, conforme anotava Canotilho 
já na primeira edição de sua tese, ao cogitar genericamente dessa questão.39
39 Cfe. Grau, Eros Roberto. Canotilho e a Constituição Dirigente. Jacinto N.M. Coutinho (org). Rio de 
Janeiro, Renovar, 2003. 
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Daí a perene importância daquilo que se convencionou chamar de diri-
gismo constitucional ou Constituição Dirigente, tese elaborada inicialmente por Peter 
Lerche (dirigierende Verfassung)40 e devidamente adaptada à doutrina constitucional 
portuguesa por J.J. Gomes Canotilho.41 No decorrer dos anos, a tese do dirigismo 
constitucional tem sofrido críticas

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