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P á g i n a | 1 ANDRÉ ULIANA LUIZ – RA T57091-3 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO O ACÚMULO DE FUNÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Entendimento jurisprudencial e aplicação dos princípios Projeto de trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Paulista junto à disciplina de Direito do Trabalho. Orientador: Professor Denis Hermida. P á g i n a | 2 UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP ANDRÉ ULIANA LUIZ – RA T57091-3 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO O ACÚMULO DE FUNÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Entendimento jurisprudencial e aplicação dos princípios Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade Paulista-UNIP. Banca Examinadora: _________________________________________ _________________________________________ P á g i n a | 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por tudo que fez em minha vida, por permitir a concluir o curso de Direito após dez anos de início. Foram momentos difíceis, tranquei a matricula da faculdade por três vezes, dessas, duas para tratar um câncer e para realização do meu transplante de medula óssea. Agradeço minha família por tudo. Agradeço a todos os professores que contribuíram para o meu aprendizado. Em especial ao meu Orientador Denis Hermida. Agradeço as colegas de turma por tudo que fizeram desde que cheguei de transferência para concluir com eles o curso de Direito. P á g i n a | 4 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo abordar a evolução histórica do direito do trabalho. A evolução das constituições brasileiras e as conquistas trabalhistas. Aborda um tema ainda esquecido pela Consolidação das Leis do Trabalho, não abordado pela Reforma Trabalhista, o acúmulo de função. Procura abordar os fundamentos jurídicos que são considerados pela jurisprudência para sanar esse conflito. Expõe os argumentos dos doutrinadores a respeito do acúmulo de função e o entendimento dos tribunais, levando em consideração se é devido ou não a retribuição em forma salarial nos casos de acúmulo de função realizada pelo empregado. Os princípios constitucionais, cíveis e trabalhistas são o ponto de partida para o questionamento da licitude da prática do acúmulo de função, avaliando o contexto histórico da evolução do direito do trabalho. Dentre esses princípios serão abordados o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana; princípio do direito civil, a exemplo da boa-fé objetiva; e princípios do direito do trabalho, como primazia da realidade, inalterabilidade contratual in pejus, princípio da irrenunciabilidade de direitos. Palavras-chave: evolução história do direito do trabalho, acúmulo de funções, dupla função, contrato de trabalho, princípios. P á g i n a | 5 ABSTRACT This paper aims to address the historical evolution of labor law. The evolution of the Brazilian constitutions and the labor achievements. It addresses a theme still forgotten by the Consolidation of Labor Laws, not addressed by the Labor Reform, the accumulation of function. It seeks to address the legal foundations that are considered by the jurisprudence to remedy this conflict. It expounds the arguments of the lecturers regarding the accumulation of function and the understanding of the courts, taking into account whether or not the salary remuneration is due in cases of accumulation of function performed by the employee. The constitutional, civil and labor principles are the starting point for the questioning of the lawfulness of the practice of the accumulation of function, evaluating the historical context of the evolution of labor law. Among these principles will be addressed the constitutional principle of the dignity of the human person; principle of civil law, such as objective good faith; and principles of labor law, as primacy of reality, contractual inalterability in pejus, principle of inalienability of rights. Keywords: evolution history of labor law, accumulation of functions, dual function, employment contract, principles. P á g i n a | 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ______________________________________________________07 1. HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO__________08 1.1 Constituições e o direito do trabalho_____________________________11 1.2 Evolução no Brasil __________________________________________13 1.3 A criação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) _____________14 2. ACÚMULO DE FUNÇÃO _______________________________________15 2.1 O contrato de trabalho e o acúmulo de função______________________20 2.2 Diferença de desvio de função e acúmulo de função ________________ 21 2.3 Acúmulo de função e jurisprudência ____________________________ 28 2.4 Aplicação e interpretação do artigo 456 da CLT____________________31 2.5 Alteração da função no contrato de trabalho _______________________35 3. LESÃO CONTRATUAL E O ENRIQUCIMENTO SEM CAUSA______ 36 4. PRINCÍPIOS E INTERPRETAÇÃO DA NORMA___________________40 4.1 Princípio fundamental da dignidade da pessoa humana________________41 4.2 Princípio da boa-fé objetiva _____________________________________43 4.3 Princípio da primazia da realidade________________________________ 44 4.4 Princípio da inalterabilidade contratual in pejus______________________46 4.5 Princípio da irrenunciabilidade de direitos__________________________48 5. CONCLUSÃO__________________________________________________50 6. BIBLIOGRAFIA______________________________________________ 52 P á g i n a | 7 INTRODUÇÃO As condições de trabalho derivam de uma evolução histórica e da sua introdução nas Constituições, primeiramente, na do México e da Alemanha, que foram os pioneiros a tratar dos direitos trabalhistas. Com o mundo voltado a conquistas da classe trabalhadora não seria diferente no Brasil. Começou a preocupação de assegurar ao empregado condições adequadas para o exercício do serviço, bem como uma remuneração adequada, preocupação com os desgastes físicos e psicológicos oriundos de um trabalhado forçado. Na revolução industrial as condições de trabalho equiparavam-se a condições análogas à escravidão. Os trabalhadores eram submetidos a mais de 12 (doze) horas de serviço, sem descanso e com alimentação precária. Os direitos assegurados nas constituições brasileiras eram exatamente para coibir essa prática, principalmente quanto se tratava de mulheres e crianças, considerada a época mão de obra barata. O contexto histórico resultou em conquistas ao empregado, principalmente quando houve a criação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. Leis estas que visam estabelecer limites e proteger o empregado do abuso do empregador. Tem como objetivo estabelecer normas para contratação, assegurar direitos, proteger o empregado, tentando equilibrar as diferenças de forças existentesentre um e outro. Num segundo capítulo abordaremos a exploração da mão de obra contemporânea: o acumulo de função. Primeiramente, estabelecemos quando ocorrerá o a relação de emprego, abordando que toda relação de emprego deriva de uma relação de trabalho, contudo, nem todo trabalho é considerado emprego. Depois de concluída essa análise, diferenciamos o acúmulo de função ou dupla função, do desvio de função. Uma não se confunde coma outra. O acumulo de função se caracteriza pela realização de duas ou mais funções realizadas de concomitantemente durante a vigência do contrato de trabalho. O desvio de função é a realização de uma única função contraria da qual foi o empregado contratado. Passaremos a discutir o posicionamento da jurisprudência em razão do acumulo de função. Abordaremos ainda, quando ocorrida o acumulo de função de forma esporádica e de forma rotineira. A omissão da Consolidação das Leis do Trabalho, bem P á g i n a | 8 como a omissão dos doutrinadores em relação ao fato. A negação da jurisprudência em reconhecer o acréscimo salarial em virtude de não haver previsão legal para isso e a falta de aplicação dos princípios gerais do direito para a solução da lide. Finalmente, no terceiro e último capítulo, será abordada a importância da aplicação dos princípios como norteadores do todo o ordenamento jurídico. A aplicação dos princípios para a solução de casos onde haja lacuna na lei, mais especificamente no acúmulo de função. A retribuição adequada que deve ser feita ao trabalhador vítima do acumulo de função, fundamentando em razão da evolução histórica do direito do trabalho, das conquistas e dos princípios gerais do direito, princípios esse como: princípio da dignidade humana, princípio da boa-fé objetiva, princípio da primazia da realidade, princípio da inalterabilidade do contrato in pejus e princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Esses princípios já são utilizados para determinar uma contraprestação em razão do acumulo de função, entretanto uma parte considerável da jurisprudência ainda perdura em afirmar que a falta de previsão legal nos casos de acumulo de função e a contraprestação salarial por esse desempenho, não acarreta em indenização. 1. HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO Ao longo dos anos o significado da palavra trabalho, em seu teor prático e teórico, vem tomando proporções completamente distintas do seu verdadeiro significado de origem. Atualmente, o trabalho é dito como meio de realização e conquista, entretanto, sua origem está associada a uma punição ou a um castigo. Conforme menciona Sergio Pinto Martins (2013, p. 3, ed. 29), inicialmente, na Bíblia, o trabalho foi denominado como castigo posto a Adão por ter desobedecido às ordens de Deus, ao comer do fruto proibido. Após a desobediência, Adão foi submetido ao trabalho para garantir a sua alimentação (Genesis, 3). Nesse mesmo sentido, de castigo, segue a etimologia da palavra trabalho que “vem do latim tripalium que era uma espécie de instrumento de tortura de três paus.” (MARTINS, 2013, p. 4, ed. 29). P á g i n a | 9 Até o momento, pode-se observar que o trabalho não estava associado a nenhuma característica de virtude e honraria, a sua denominação estava atrelada ao castigo e a tortura. Outro dado histórico que é importante ressaltar foi o exercício do trabalho escravo. No momento da escravidão, aqueles denominados escravos, não possuíam nenhum direito, eram considerados como objeto, tendo como única função servir seus donos, sem qualquer remuneração ou descanso, “Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo [...] Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha significado de realização pessoal.” (MARTINS, 2013, p.4, ed. 29). Como exposto, o serviço era realizado de forma braçal, invés de intelectual, era considerado serviço degradante, sendo realizado tão somente por classes menos favorecidas, pois aos nobres caberiam mandar e aos demais obedecer. O trabalho em nada dignificava o homem, pelo contrário, era forma clara de submissão, pois somente aqueles que não detinham poder e dinheiro, eram submetidos ao trabalho escravo. É importante ressaltar que no momento da escravidão, em nada havia de se cogitar direitos trabalhistas ou algum meio de remuneração, o seu pagamento era tão somente sua alimentação, e que ocorria de forma precária. O escravo como menciona o dicionário é: Aquele que é propriedade de um senhor, por ter sido comprado ou aprisionado por ele [...] Aquele que está submetido à vontade de outra, ou a qualquer coisa que tire sua liberdade.” (AURÉLIO ILUSTRADO, 2011, p. 196, ed. 1ª). Com o final da escravidão e a chegada de um mundo industrial, o cenário do trabalhador acabou mudando. Embora o trabalho não estivesse mais associado a escravidão, perdendo a característica do homem que trabalha ser um escravo, um objetivo que pertence ao seu dono e deve por ele desenvolver todo o serviço braçal, o trabalhador continuou sua luta por encontrar condições de trabalho de forma sub- humana, ainda que tivesse uma remuneração, a mesma era ínfima, não representando dignidade, tanto na questão salarial quanto nas questões sócias, pois as condições de P á g i n a | 10 trabalho não refletiam real preocupação com o trabalhador. Ao contrário, estavam expostos a todo tipo de perigo, sem descanso e nada de direito. As horas de trabalho se mantinham longas, com pouco tempo para descanso, sem preocupação com a sua alimentação, muito menos com a higienização do ambiente de trabalho. Homens, mulheres e crianças trabalhavam horas para garantir uma remuneração ínfima. Diante do cenário apresentado houve a: Necessidade de intervenção estatal nas relações de trabalho, dados de abusos que vinham sendo cometidos, de modo geral, pelos empregadores, a ponto de serem exigidos serviços em jornadas excessivas para menores e mulheres.” (MARTINS, 2013, p. 7, ed. 29). A luta do trabalhador ficou voltada para uma qualidade digna de serviço em seu ambiente de trabalho. O descaso do empregador para com seu empregado acarretou inconformismo da classe operária que não mais queria se submeter aos que os patrões impunham. De acordo com Amauri Mascaro Nascimento (2009, p.13, ed. 24) “o proletário é um trabalhador que [...] não tem oportunidades de desenvolvimento intelectual, habita em condições subumanas, em geral nas adjacências do próprio local da atividade.” A legislação do trabalho é o resultado da reação contra a exploração dos trabalhadores pelos empregados. (MARTINS, 2013, p. 8, ed. 29). Contudo, é preciso frisar que, ainda de modo precário, “a revolução industrial acabou transformando o trabalho em emprego. Os trabalhadores, de maneira geral, passaram a trabalhar por salários.” (MARTINS, 2013, p.6, ed. 29). O emprego adquirido pelo trabalhador se tornou sua fonte de remuneração e assim, a sua garantia de sobrevivência. No entanto, ainda como nos dias atuais, a demanda de oferta e procura de emprego eram desproporcionais, ainda mais com a substituição da mão de obra do trabalhador pela máquina. Não se questiona o fato do trabalho ser realizado de forma precária, contudo é preciso entender que embora a evolução nesse período seja lenta, a mesma existiu. O P á g i n a | 11 proletariadoao receber o salário pelo serviço prestado, ainda que de forma indigna, começa uma luta por direitos que perduram até os dias atuais. As dificuldades encontradas na época são as mesmas encontradas atualmente, existe uma demanda de mão de obra maior que oferta de emprego. 1.1 Constituições e o direito do trabalho As constituições ao redor do mundo passaram a tratar do direito do trabalho, como forma de assegurar ao empregado melhores condições no exercício do emprego. Conforme menciona Sergio Pinto Martins (2013, p. 9, ed. 29), a características das constituições era garantir a defesa de um coletivo, visando em seu conteúdo normas de interesse social, para que pudesse se garantir a ordem e o bem-estar. De acordo com Maurício Godinho Delgado (2010, p. 91, ed. 9) e Sergio Pinto Martins (2013, p. 9, ed. 29), as primeiras Constituições que impulsionaram uma visão em relação ao Direito do Trabalho foi em 1917, com a Constituição do México, em 1919, com a Constituição da Alemanha, conhecida também como Constituição de Weimar e ainda em 1919, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Constituição do México de 1917 trouxe evoluções significativas para os trabalhadores em seu artigo 123. De acordo com Sérgio Pinto Martins (2013, p. 9, ed. 29): O artigo 123 da referida norma estabelecia jornada de oito horas, proibição de trabalho de menores de 12 anos, limitação da jornada dos menores de 16 anos a seis horas, jornada máxima noturna de sete horas, descanso semanal, proteção a maternidade, salário-mínimo, direito de sindicalização e de revê, indenização de dispensa, seguro social e proteção contra acidentes de trabalho. A constituição do México buscava estabelecer limites de jornadas de horas de trabalho, tentando diminuir o domínio do empregador sobre o empregado e ainda demonstrava preocupação social com os trabalhadores tentando garantir a eles melhor condição de trabalho e um convívio social. P á g i n a | 12 Observa-se pelo presente artigo, a intenção de proteger os menores, tão explorados, no começo da revolução industrial, bem como as mulheres. Estabelece limite de jornada de trabalho para garantir ao trabalhador momento de descanso adequado e poder usufruir de um convício familiar. É importante esclarecer que a era da revolução industrial é o período em que houve a criação da máquina a vapor, e com isso a mudança da produção de manufatura pelas maquinas. Segundo Sergio Pinto Martins (2014, p. 6, ed.30) “(...) a principal causa econômica do surgimento da Revolução Industrial foi o aparecimento da máquina a vapor.” A Constituição da Alemanha de 1919, também conhecida como Constituição de Weimar, também avançou em relação a conquistas para a classe do trabalhador. De acordo com Serio Pinto Martins (2013, p. 9, ed. 29): A segunda Constituição a versar sobre o assunto foi a de Weimar, de 1919. Disciplinava a participação dos trabalhadores nas empresas, autorizando a liberdade de coalização dos trabalhadores; tratou, também, da representação dos trabalhadores na empresa. Criou um sistema de seguros sociais e também a possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixação de salários e demais condições de trabalho. Nota-se que a Constituição da Alemanha de 1919, procurava atribuir liberdade de expressão para o trabalhador dentro da empresa que estava empregado. Garantia o direito dos trabalhadores de unirem para buscar melhores condições de trabalho. No ano de 1919 surge também a Organização Internacional do Trabalho (OIT) como forma de regulamentar as relações internacionais de trabalho e garantir a sua aplicação. O seu fundamento se dá na defesa dos direitos do trabalho em âmbito internacional, para que os países venham a se comprometer de forma assídua a respeito da humanização do trabalho. 1.2 Evolução no Brasil P á g i n a | 13 As Constituições Brasileiras em sua evolução trataram em proteger também os Direitos Trabalhistas, de forma a minimizar os problemas enfrentados pelos trabalhos. A evolução foi lenta, mas de extrema importância para a consolidação das leis protetivas e regulamentadoras das relações de trabalho atuais. As Constituições de 1824 e 1891 trataram da abolição das corporações de ofício, a primeira, e a segunda garantiu a liberdade de associação e reunião, sem porte de arma, não podendo ter intervenção da polícia a não ser que precise manter a ordem pública. De acordo com Sergio Pinto Martins (2013, p.11, ed. 29): A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do Direito Trabalho [...] Garantia a liberdade sindical (art. 120), isonomia salarial, salário mínimo, jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso semanal, férias anuais remuneradas (§ 1º do art. 121). Surge em 1934 a primeira Constituição Brasileira que levasse o Direito do Trabalho a uma discussão. Começa em 1934 a luta pela classe trabalhadora no Brasil de forma Constitucional. Busca-se a proteção do trabalhador quanto do poder econômico, quanto dar a ele o direito de descanso, podendo desfrutar de suposto momento de lazer e repouso. Porém, a Constituição de 1934 era somente o início de muita luta da classe trabalhadora para a inclusão do respeito a dignidade no trabalho dentro do aspecto Constitucional. A Constituição de 1937consolidou as leis trabalhistas já existentes, criando a CLT (Consolidação das Leis Trabalhista), contudo, é importante esclarecer que não se tratava da CLT que temos hoje, não se tratava de um código novo, era tão somente a junção das leis já existentes. A garantia a liberdade sindical, presente na Constituição de 1934, foi modificada na Constituição de 1937. O sindicato foi instituído como sindicato único e o estado tinha o poder de intervir de forma direta em sua administração. Considerou a greve como recurso antissocial e não estava de encontro ao desenvolvimento nacional. A próxima constituição foi em 1946, rompendo com os traços antidemocráticos da anterior. Veio com aspecto inovador ao tratar da participação dos trabalhadores nos lucros e voltou a considerar o direito de greve. P á g i n a | 14 Conforme menciona Sergio Pinto Martins (2013, p. 12, ed. 29): A Constituição de 1946 é considerada uma norma democrática [...] Nela encontramos a participação do trabalhador no lucro (art. 157, IV), repouso semanal remunerado (art. 157, VI), estabilidade (art. 157, XII), direito de greve (art. 158) e outros direitos que estavam na norma constitucional anteriores. A Constituição de 1967, bem como, a Emenda Constitucional de 1969, mantiveram os princípios constitucionais da Constituição de 1946. A Constituição Federal de 1988 abordou o direito trabalhista, assegurando-lhe a proteção em âmbito constitucional. Conforme menciona Sergio Pinto Martins (2010, p. 11, ed. 26) os direitos trabalhistas foram incluídos no Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Percebe-se que os direitos trabalhistas estão como direitos fundamentais, assegurando ao trabalhador um amparo legal em plena Constituição. 1.3 A criação da CLT (Consolidação das leis trabalhistas) A princípio, as leis trabalhistas eram leis esparsas, não se encontravam consolidadas em um único código. Eram leis criadas de formas autônomas, para categoriasespecíficas, não agregando proteção a todas as profissões e categorias. Conforme menciona Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 71, ed. 24) “as leis trabalhistas cresceram de forma desordenada; eram esparsas, de modo que cada profissão tinha uma norma específica.”. A Consolidação das Leis Trabalhista foi instituída pelo Decreto-Lei N° 5.452, de 1° de maio de 1943, data esta em que se comemora o dia do trabalho, sendo feriado nacional. Contudo, não se tratava de um novo ordenamento jurídico, tão somente, as leis que já existentes foram consolidadas num só Código. Após a Consolidação das Leis do Trabalho, inúmeras leis foram criadas para proteção do trabalhador, como descanso semanal remunerado e feriados, adicional de periculosidade, a respeito do trabalho rural, entre outros. Com isso, houve uma necessidade de se estudar todas as leis existentes, deixando a CLT (Consolidação das P á g i n a | 15 Leis do Trabalho) de forma harmônica, sem que viesse a se contradizer ou abordar um tema de forma ambígua. Surge a necessidade de uma reforma. O autor Amauri Mascaro Nascimento (2009, p.73, ed. 24) menciona: “Em 1955 foi instituída uma comissão de revisão da CLT, sem resultados. Em 1961, mediante a Portaria n. 482-B do Ministro da Justiça, foram designados os juristas Evaristo de Moraes Filho e Mozart Victor Russomano para a elaboração de anteprojetos do Código de Trabalho e do Código de Processo do Trabalho, respectivamente, também sem sucesso.” É possível compreender que a Consolidação das Leis do Trabalho, diante dos movimentos sociais, greve, condição insalubre de trabalho, por vezes até análoga à escravidão, ainda permanecia. Pois conforme exposto, as leis trabalhistas não defendiam um todo, não defendiam até então todas as classes e categorias profissionais. Havia a necessidade de reforma na CLT, reforma esta que fosse capaz de proteger de forma clara o trabalhador, assegurando-os direitos de não permanecer numa condição de inferioridade ao seu patrão. Não sendo tão somente um subordinado, mas um sujeito de direito, direitos estes garantidos tanto em matéria constitucional como nas Consolidações das Leis de Trabalho. Existia a necessidade de se aprimorar conceitos jurídicos, sistematizar leis e decretos num só ordenamento, bem como introduzir as convenções internacionais que o Brasil havia assinado, comprometendo-se a cumpri-las. Os estudos a respeito de todo ordenamento jurídico, suas alterações e atualizações foram concluídas, entrando em vigor através da Lei 6.514 de 1977. 2. ACÚMULO DE FUNÇÃO Primeiramente é preciso estabelecer no que consiste o acúmulo de função. De acordo com Mauricio Godinho Delgado (2010, p. 945, ed. 9): “Função é o conjunto sistemático de atividades, atribuições e poderes laborativos, integrados entre si, formando um todo unitário no contexto da divisão do trabalho estruturada no estabelecimento ou na empresa.” P á g i n a | 16 Com isso, o acúmulo de função é a realização de duas mais funções realizadas pelo trabalhador, de forma esporádica ou rotineira, sem previsão contratual. O acúmulo de função encontra-se presente no cotidiano do trabalhador, por vezes, o empregado chega a desenvolver duas ou mais funções, além da qual foi contratado, sem ao menos questionar a dupla função exercida por desconhecimento da matéria. Não há que se falar em desconhecimento da lei, pois a Consolidação das Leis Trabalhista não traz em seu dispositivo a vedação dessa prática. Um dos casos mais evidentes no cotidiano é a dupla função exercida pelo motorista de ônibus. Inúmeros são os municípios que permitem a prática, lembrando que não há proibição expressa. Os municípios de Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, possuem diferentes empresas licitadas para o transporte urbano. No entanto, todas as empresas aproveitam a contratação do motorista - função de motorista - para exercer também a função de cobrador. É importante também frisar que motorista e cobrador são funções distintas, necessitando de qualificação distinta para a contratação, caracterizando o acúmulo de função. Há no Congresso Nacional projeto de lei nº 2163/2003, proposta pelo Deputado Federal Vicentino, do Partido dos Trabalhados para que seja proibida a atividade concomitante de motorista e cobrador de passagens em transportes coletivos rodoviários urbanos e interurbanos e dá outras providências.1 No entanto, o projeto não visa resguardar direitos de todas as categorias. O projeto se encontra limitado a tentar proteger os trabalhadores de transporte urbanos. A pratica associa-se aos primeiros passos da consolidação das leis de trabalho, que visavam em regra categorias específicas, não buscando abranger as demais. O exercício da dupla função é exercido em outros ramos profissionais. Outro exemplo é o porteiro que exerce a função se segurança. O empregado é contratado para exercer a única e exclusiva função de porteiro, contudo no decorrer do contrato de trabalho, acaba também servindo de segurança. Os tribunais têm divergido quanto às penalidades aplicadas a cada caso em concreto, tornando o direito um campo incerto para os trabalhadores que sofrem com essa prática. 1 Disponível em: <http:/www.camara.gov.br/sileg/integras/168618.pdf>. Acesso em: 20 de abril. 2018, 01:20. P á g i n a | 17 A doutrina pouco tem contribuindo para uma análise mais profunda sobre o tema, mantendo-se de certa forma com a mesma omissão que a Consolidação das Leis do Trabalho vem tratando o caso, cabendo à jurisprudência a solução dos conflitos. Analisado os temas anteriores possui um conhecimento especifico do contrato de trabalho, relação de emprego e a definição do que é o acumulo de função. Todo o emprego é resultado de um contrato de trabalho estabelecido de forma verbal ou escrita. A relação de emprego, quando não estabelecida de forma escrita, pode acabar se mantendo omissa em relação à função que o empregado deveria exercer. Dificultando em alguns casos a prova cabal a respeito do acumulo de função, pois não se tem de forma escrita e concreta a função previamente acordada. Contudo, há contratos que mencionam de forma objetiva a função que deverá ser realizada pelo empregado sob a subordinação do empregador. Tendo a função estabelecida, qualquer outra função além da contratada, se caracterizará por acúmulo de função. Segundo definição de Vinícius Magalhaes Casagrande: A sobrecarga de trabalho e desempenho de atribuição diferente da qual ocorrera a contratação. Tal função não pode ser afim ou funcionalmente ligada à contratada. Deve ser totalmente desvinculada da anterior. As funções devem ser alheias ao conjunto de atribuições inerentes à contratada.2 Com isso, se verifica a necessidade de exercer duas funções concomitantemente para que ocorra o acúmulo de função. Não há previsão legal para a regulamentação da defesa da dupla função, nem mesmo uma norma proibitiva a respeito, com isso, há posições das mais variáveis na jurisprudência. A divergência nos julgados em relação a dupla função se dá em torno das seguintes análises: exercício das diversas funções de forma continua e exercido de forma esporádica. 2 Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/31513/1461%20JOAO%20PAULO% 20GABARDO.pdf?sequence=1>. Acesso em: 21 de abril de 2018, 14:34.P á g i n a | 18 EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. DIFERENÇA SALARIAL. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA DE ÔNIBUS. CARREGAMENTO E DESCARREGAMENTO DE BAGAGENS E CARGAS. CONFIGURAÇÃO. Devido o pagamento de diferença salarial quando evidenciado o desempenho de função que exija do trabalhador esforço ou capacidade superiores aos que está contratualmente obrigado a cumprir. Demonstrado nos autos que o motorista de ônibus exercia concomitantemente ao seu mister, de forma contínua ao longo do contrato, as atividades de carregamento e descarregamento de bagagens e cargas, impõe-se a recomposição financeira postulada. Recurso obreiro provido parcialmente.3 Na jurisprudência acima, em razão do serviço concomitante de motorista de ônibus e carregamento e descarregamento de bagagens, exercidos de forma continua, entendeu os nobres julgadores tratar-se de devido o pagamento de diferenças salarial, ainda que não haja previsão legal para tanto. Porém, em casos onde o acúmulo de função ocorre de forma esporádica, nem sempre o tratamento jurisprudencial tem o mesmo entendimento, em sua maioria, é considerado como decorrência natural de contratação. Vejamos. ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. O exercício esporádico de outra função correlata à contratual e de igual ou menor complexidade, durante a mesma jornada de trabalho, já se encontra remunerado pelo salário normal do empregado, sendo indevido o pagamento de acréscimo salarial. Recurso não provido.4 3 Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/48905173/trt-6-16-08-2012-pg-167>. Acesso em: 21 de abril de 2018, 18:25. 4 Disponível em: TRT-4, Relator: DENISE MARIA DE BARROS, Data de Julgamento: 05/10/1999, 1ª Vara do Trabalho de Erechim. Acesso em: 21 de abril de 2018, 18: 43. P á g i n a | 19 A jurisprudência segue em corrente majoritária que o acúmulo de função não gera o direito de receber os dois salários das funções exercidas. Em regra, quando comprovado que o abuso do poder do empregador ao exigir do empregado uma função diversa da qual foi contratado as decisões nem sempre entende que é devido um “Plus salarial” em virtude de não haver previsão legal. ADICIONAL POR ACÚMULO DE FUNÇÃO. INDEVIDO. Não há no ordenamento jurídico pátrio norma legal autorizando o adicional por acúmulo de funções. Com base no parágrafo único do artigo 456 da CLT "à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal". Assim, ante a inexistência de previsão legal ou normativa quanto à verba em questão, não há que se falar em acréscimo salarial por acúmulo de função.5 O direito é uma ciência de integralidade, onde todas as normas estão correlacionadas, sendo permitida a aplicação por analogia quando em determinado fato concreto a lei não trazer previsão legal. A dupla função exercida de forma continua e rotineira traz ao empregador o benefício de não efetuar a contratação de um empregado para a função acumulada por outro empregado. O empregador se desonera de uma contratação ao colocar um único empregado em função além da qual ele foi contratado. Com isso, tem menos custos trabalhistas. As decisões em relação ao acúmulo de função exercido de forma esporádica, em determinadas decisões é considerada como “ócio do ofício” não sendo concedido nenhum valor econômico para empregador em razão do exercício prestado. Outras decisões acabam por determinar uma remuneração de horas extras, como forma de não lesar o empregado. 5 Disponível em: TRT-2 – RO: 00001189720125020446 SP 00001189720125020446 A 28, Relator: ANA MARIA CONTRUCCI, Data do Julgamento: 03/09/2013, 3ª TURMA, Data de Publicação: 10/09/2013. P á g i n a | 20 2.1 O contrato de trabalho e o acúmulo de função Primeiramente, é de suma importância entendermos a etimologia da palavra trabalho para que se possa ter um entendimento mais profundo a respeito da definição de contrato de trabalho. A palavra contrato segundo dicionário é “acordo de duas ou mais pessoas, empresas, etc., que entre si transferem direito ou se sujeitam a obrigação. Documento que expressa esse acordo.” (AURELIO ILUSTRADO, 2011, p. 126, ed. 1ª) Conforme dispõe Sergio Pinto Martins (2010, p. 87, ed. 26) “Contrato de trabalho é gênero, e compreende o contrato de emprego. Contrato de trabalho poderia compreender qualquer trabalho, como o do autônomo, do eventual, do avulso, do empresário etc.” A definição de contrato de trabalho tem por si um caráter amplo de entendimento, abordando todos os contratos possíveis dentro do âmbito trabalhista, todas as relações de emprego são constituídas por um contrato de trabalho, sendo ele escrito ou verbal, tácito ou expresso. O trabalho é um gênero que, entre suas múltiplas espécies, contém emprego. Por isso é possível afirmar que o emprego será sempre uma forma de trabalho, embora nem todo trabalho seja considerado emprego. (LUCIANO MARTINEZ, 2010, pag. 110) Ainda no mesmo entendimento segue o autor Maurício Godinho Delgado (2010, pg. 266, ed. 9) “A relação de emprego, do ponto de vista técnico-jurídico, é apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas.” Conclui-se que a relação de emprego é uma ramificação do contrato de trabalho, sendo sempre uma forma de trabalho, pois deriva desta. Contudo o trabalho nem sempre será considerado emprego, pois a relação de emprego exige subordinação do empregado em relação ao empregador. O autor Sergio Pinto Martins (2010, p.87, ed. 26) “relação de emprego trata do trabalho subordinado do empregado em relação ao empregador.” O empregador de acordo com a CLT é: “art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” O empregado é aquele que está sujeito ao empregador, conforme dispõe o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho: “art. 3º - Considera-se empregado, toda P á g i n a | 21 pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Observa-se até aqui a diferença de contrato de trabalho e a relação de emprego, onde a primeira é tratada como gênero e a segunda como espécie. A relação de emprego é composta por empregado e empregador. O empregado para assim ser considerado, precisa preencher os requisitos apresentados no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho e o empregador, o disposto no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho. Por todo exposto a relação de emprego, entre o empregado e empregador, para ser estabelecida, necessita obrigatoriamente de um conjunto de fatores, sendo eles: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e salário. De acordo com Maurício Godinho Delgado (2010, p.269, ed. 9): A CLT aponta esses elementos em dois preceitos combinados. No caput de seu art. 3º. “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Por fim, no caput do art. 2º da mesma Consolidação: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica,admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.” Com esse entendimento passo a análise dos elementos apresentados: Trabalho por Pessoa Física: conforme estabelecido pela CLT, existe a necessidade do trabalho ser realizado por uma pessoa física, pois o Direito do Trabalho visa proteger o direito ao lazer, saúde e a vida do trabalhador, direitos esses, que são referentes às pessoas físicas e não as pessoas jurídicas, que não gozam desse direito. De acordo com Mauricio Godinho Delgado (2010, p. 270, ed. 9) “(...) a própria palavra trabalho já denota, necessariamente, atividade realizada por pessoa natural, ao passo que o verbete serviços abrange obrigação de fazer realizada quer por pessoa física, quer pela jurídica." Pessoalidade: a prestação do serviço precisa ser realizada de forma pessoal, intuito personae, tendo caráter de infungibilidade ao se tratar do empregado. A pessoa física deve ser a própria executora do trabalho para qual foi contratada. P á g i n a | 22 Conforme enfatiza Maurício Godinho Delgado (2010, p. 271, ed. 9), "é essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador." Ainda no mesmo entendimento Luciano Martinez (2010, p. 112) “No conceito de “pessoalidade” existe, portanto, a ideia de instranferibilidade”, ou seja, de que somente uma específica pessoa física, e nenhuma outra em seu lugar, pode prestar o serviço ajustado. Com isso, fica evidenciado que o empregado não pode se auto substituir, sob o risco de não ter sua relação de emprego estabelecida. Pois de forma clara o final do artigo 2º da CLT exige prestação pessoa de serviço. Contudo, a pessoalidade não será excluída em substituições autorizadas por dispositivo legal, como em relação ao direito a férias, licença maternidade/paternidade, entre outros. São situações previamente estabelecidas em lei, direito intransferível do trabalhador, não podendo o mesmo sofrer qualquer prejuízo por usufruir de seu direito. Ainda por ser direito personalíssimo, não haverá transferência com a morte do empregado. Delgado (2010, p. 272, ed. 9) “(...) sendo personalíssima a obrigação de prestar serviços, ela não se transmite a herdeiros e sucessores. A morte do empregado, portanto, dissolve, automaticamente, o contrato entre as partes.” Contudo, o vínculo empregatício ocorrerá, ainda que o empregador que o empregador seja substituído, caso se mantenha as mesmas regras contratuais do contrato anterior com o empregado. Enfatiza Mauricio Godinho Delgado (2010, p. 272, ed. 9) “(...) a pessoalidade é elemento que incide apenas sobre a figura do empregado. No tocante ao empregador, ao contrário, prevalece aspecto oposto, já que vigorante no Direito do Trabalho a diretriz da despersonalização da figura do empregador. O entendimento doutrinário encontra-se respaldado por dispositivo legal da Consolidação das Leis do Trabalho em seus artigos 10 e 448. Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.6 6 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2018, 11:43. P á g i n a | 23 Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.7 Pode-se concluir que a personalidade é requisito exclusivo do empregado para que possa se estabelecer uma relação de emprego com o empregador. Não eventualidade: o Direito do Trabalho em seu artigo 3º da CLT menciona “serviços de natureza não eventual”, devendo com isso, estabelecer uma continuidade, habitualidade do serviço prestado para que possa estabelecer uma relação de emprego. Maurício Godinho Delgado (2010, p. 273, ed. 9) explica: "(...) para que haja relação empregatícia é necessária que o trabalho prestado tenha caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando como trabalho esporádico.”. No mesmo sentido afirma Sergio Pinto Martins (2010, p. 99, ed. 26) “O trabalho deve ser prestado com continuidade. Aquele que presta serviços eventualmente não é empregado.” Observa-se que em todos os casos exige-se uma ideia de permanência e continuidade para que o vínculo de relação de emprego seja estabelecido. A Consolidação das Leis do Trabalho utiliza o termo “não eventualidade”, contudo, na Lei nº 5.59/72 que trata do trabalho doméstico foi utilizado o termo “serviços de natureza contínua”. Segundo Luciano Martinez (2010, p.114) A respeito dos termos mencionado surgem duas correntes, a primeira entende que “serviços de natureza contínua” e “não eventualidade” são sinônimos, não se tratando de situações divergentes e a segunda, majoritária, tem posição contrária à primeira, descaracterizando o vínculo empregatício do empregado doméstico que não exercer atividade de forma rotineira. 7 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2018, 11:52. P á g i n a | 24 A conduta mais sensata, nesse contexto, é valer-se o operador jurídico de uma aferição convergente e combinada das distintas teorias (...) (MAURICIO GODINHO DELGADO, p. 273, ed. 2010). Teoria da descontinuidade corresponde a uma linha fragmentada, fracionada, com rupturas, e com essas rupturas o trabalho estaria fragmentado no tempo, perdendo a característica de não eventualidade. Contudo, essa teoria encontra rejeição por parte da CLT. Teoria do evento é caracterizada pela contratação de empregados em razão de determinado fato ou evento, devendo em cada caso concreto observar-se se o trabalho deverá ser considerado eventual ou permanente. Teoria dos fins do empreendimento corresponde ao trabalhador chamado para realizar determinada atividade que não está inserida nos quadros normais da empresa, devendo a relação de emprego ser estabelecida em razão dos fins habituais da empresa. Teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços esclarece que eventual é o trabalhador que não possui um trabalho como fonte fixa, ao contrário do empregado que exerce uma um trabalho com uma fonte fixa. Salário: de acordo com o Dicionário Aurélio Ilustrado (2011, p. 441, ed. 1ª) “Dinheiro que uma pessoa recebe, regularmente, por seu trabalho.” Conforme estabelecido no artigo 3º da CLT menciona no final do cáput a expressão “mediante salário”. Entendendo que, a relação de emprego, além de todos os requisitos citados acima, necessita estar caracterizado o pagamento mediante a prestação de serviço, por meio de salário. Não é gratuito o contrato de trabalho, mas oneroso. (...) O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados. (SERGIO PINTO MARTINS, 2010, p. 99, ed. 26). O doutrinador Mauricio Godinho Delgado (2010, p.277, ed. 9) menciona “(...) a onerosidade manifesta-se pelo pagamento, pelo empregador, de parcelas dirigidas a remunerar o empregado em função do contrato empregatício pactuado.” A respeito da remuneração, um aspecto importante é a dependência econômica do empregado em relação ao empregador. De acordo com Claudia Sales Vilela Vianna (2008, p. 111, ed. 9) “O que será levado em consideração,portanto, para análise de ser P á g i n a | 25 ou não uma relação de emprego, é o grau de dependência do obreiro em face do contratante.” A dependência econômica é caracteriza pela única fonte de renda do empregado, que presta serviço de forma exclusiva para um determinado empregador, recebendo em como contraprestação, o salário. Embora alguns autores afirmem que o salário deva estar presente para que haja a relação de emprego, na falta da contraprestação do empregador em relação ao trabalho realizado pelo empregado por meio de salário, não se pode excluir de imediato o vínculo da relação de emprego. No mesmo entendimento segue Luciano Martinez (2010, p. 112): O simples fato de não existir contraprestação durante o tempo em que houve “trabalho” não autoriza a conclusão de que está descaracterizado a ocorrência de relação de emprego. Percebe-se que, havendo um contrato de atividade em sentido amplo, há que presumir existência de trabalho. Caberá ao tomador fazer prova de que, especificamente, a atividade na qual se inclui seu prestador é estágio ou prestação de serviço voluntário. Reiterando tudo o foi analisado, o salário é a contraprestação do empregador ao empregado, para que se possa estabelecer o vínculo empregatício pela Consolidação das Leis do Trabalho, contudo tendo-se um contrato de trabalho em exercício, e a não remuneração há de se analisar, mediante os fatos a serem comprovados se existia ou não o vínculo. Subordinação: ainda no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, utiliza- se o termo dependência, contudo a doutrina esclarece que a dependência tem o sentido de subordinação do empregado ao empregador. A doutrinadora Claudia Sales Vilela Viana (2008, p. 111, ed. 9) diz “Subordinação hierárquica: Requisito principal para a caracterização do vínculo empregatício, o trabalhador deve estar sujeito às determinações do empregador.” O trabalho, portanto, tem a obrigatoriedade se exercer as ordens emanadas pelo empregador. P á g i n a | 26 Ainda no mesmo entendimento Sergio Pinto Martins (2010, p. 99, ed. 26) “O empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo empregador.” A subordinação é fundamental para a caracterização do vínculo empregatício, pois para ser empregado, existe a necessidade de ser subordinado ao empregador. Por isso, diante desse contexto, é que o trabalhador autônomo não pode ser considerado como empregado, pois não encontra-se subordinado a ninguém. Ainda a respeito da subordinação Luciano Martinez (2010, p. 115) esclarece: (...) a subordinação, no plano jurídico, é uma situação que limita a ampla autonomia de vontade do prestador dos serviços. Essa situação se funda na intensidade de ordens, na obediência (e sujeição) ao comando do tomador de serviços e na situação de respeito à hierarquia. A subordinação está diretamente ligada a hierarquia do empregador em relação ao empregado, onde o primeiro emite as ordens a serem cumpridas, bem como, o segundo as cumpre. É preciso esclarecer que a subordinação está diretamente ligada ao que foi estabelecido em contrato, seja esse contrato escrito ou verbal, não podendo o empregador exigir do empregado função diversa do que a estabelecida, nem estabelecer funções a mais do que previamente acordado, sob pena de estar caracterizado desvio de função ou dupla função. 2.2 Diferença de desvio de função e acúmulo de função Primeiramente, para estabelecer a diferença entre desvio de função, acúmulo de função e alteração de função devemos observar o significado das palavras. De acordo com Dicionário Aurélio Ilustrado (2011, p. 161, ed. 1ª) “Desviar des.vi.ar verbo 1. Mudar de direção. 2. Afastar-se.” Ainda conforme o Dicionário Aurélio Ilustrado (2011, p. 16, ed. 1ª) “Acumular a.cu.mu.lar verbo 1. Juntar (coisas) umas sobre as outras. 2. Ajuntar. Reunir.” Notadamente se vê que desvio, está caracterizado por não seguir o estabelecido em um contrato, existe um desvio, muda-se a direção, muda-se o que foi o que foi P á g i n a | 27 concordado previamente entre as partes. Desvia a função do trabalhador para uma função que não foi estabelecida. Quando ocorre o acúmulo de função, o trabalhador junta a função previamente estabelecida com outra que não foi acordada, realiza duas ou mais tarefas, sendo que somente uma estava estabelecida em contrato. O empregador utiliza-se da subordinação do empregado para realização de tarefas além das quais fora contratado. Veja-se que a Consolidação das Leis do Trabalho, bem como os doutrinadores, menciona a subordinação hierárquica e não a submissão. Submissão esta, que faz o empregado realizar funções ou alheias ou além das que foi contratado, utilizando o empregador de seu poder econômico para explorar a atividade do empregado. Antes de prosseguir é importante esclarecer a diferença entre tarefa e função. A tarefa é considerada uma unidade do trabalho requerendo determinada habilidade. A função é determinada pelo conjunto de tarefas atribuídas ao empregado. De acordo com Mauricio Godinho Delgado (2010, p. 945, ed. 9) “Função é o conjunto sistemático de atividades, atribuições e poderes laborativos, integrados entre si, formando um todo unitário no contexto da divisão do trabalho estruturada no estabelecimento ou na empresa.” A respeito da definição de tarefa Delgado relata: “A tarefa consiste em uma atividade laborativa específica, estrita e delimitada. (...) A reunião coordenada e integrada de um conjunto de tarefas dá origem a uma função.” É importante essa definição para que consiga, na pratica, identificar de existiu o desvio ou o acumulo de função, ou se trata tão somente de uma tarefa que integra a função do empregado, não tendo nada a requerer. O acúmulo de função é também tratado na jurisprudência com o termo de dupla função. Como mencionado é a atribuição ao empregado de responsabilidades que vão além das que ele pactuou contratualmente. Entretanto o legislador não ofereceu respaldo legal ao se tratar tanto da dupla como do acúmulo de função. A Consolidação das Leis do Trabalho não trata de nenhum dos dois assuntos e a jurisprudência, bem como os doutrinadores, ainda pouco tem colaborado para a solução desses conflitos de forma uniforme. Observando a jurisprudência: Para haver o desvio de função, é necessário que o demandante execute todas as atividades de cargo diferente daquele para o P á g i n a | 28 qual foi contratado. Ocorre o mero acúmulo quando o empregado passa a desempenhar outras funções além das suas, dentro da mesma jornada, em virtude de um mesmo contrato.8 DESVIO DE FUNÇÃO - ACÚMULO DE FUNÇÕES - PLUS SALARIAL - O desvio de função não se confunde com o acúmulo de funções, pois enquanto o desvio de função se caracteriza quando o empregado passa a executar atribuições típicas de função diversa daquela para a qual foi contratado, o acúmulo se verifica quando por um desequilíbrio entre as funções inicialmente contratadas, o empregador passa a exigir do empregado, concomitantemente, outras atribuições alheias ao contrato de trabalho.9 Embora as distinções entre ambas já estejam de forma clara, o entendimento a respeito de uma eventual penalidade ao empregador ou de uma remuneração diferenciada devido a caracterização do acúmulo de função e da dupla função ainda não se encontram consolidadaspelos Tribunais Superiores. 2.3 Acúmulo de funções e a jurisprudência Analisado os temas anteriores possui um conhecimento especifico do contrato de trabalho, relação de emprego e a definição do que é o acumulo de função. Todo o emprego é resultado de um contrato de trabalho estabelecido de forma verbal ou escrita. A relação de emprego, quando estabelecida de forma escrita, pode acabar se mantendo omissa em relação à função que o empregado deveria exercer. Dificultando em alguns casos a prova cabal a respeito do acumulo de função, pois não se tem de forma escrita e concreta a função previamente acordada. 8 Disponível em: <http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/132826699/agravo-de-instrumento- em-recurso-de-revista-airr-1665720135090242/inteiro-teor-132826719>. Acesso em: 27 de abril de 2018, 12:42. 9 Disponível em: <http://trt3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/129551246/recurso-ordinario- trabalhista-ro-2487208-00741-2008-057-03-00-0>. Acesso em: 27 de abril de 2018, 12:58. P á g i n a | 29 Contudo, há contratos que mencionam de forma objetiva a função que deverá ser realizada pelo empregado sob a subordinação do empregador. Tendo a função estabelecida, qualquer outra função além da contratada, se caracterizará por acúmulo de função. Segundo definição de Vinícius Magalhaes Casagrande10 A sobrecarga de trabalho e desempenho de atribuição diferente da qual ocorrera a contratação. Tal função não pode ser afim ou funcionalmente ligada à contratada. Deve ser totalmente desvinculada da anterior. As funções devem ser alheias ao conjunto de atribuições inerentes à contratada. Com isso, se verifica a necessidade de exercer duas funções concomitantemente para que ocorra o acúmulo de função. Não há previsão legal para a regulamentação da defesa da dupla função, nem mesmo uma norma proibitiva a respeito, com isso, há posições das mais variáveis na jurisprudência. A divergência nos julgados em relação a dupla função se dá em torno das seguintes análises: exercício das diversas funções de forma continua e exercido de forma esporádica. As ações que acumulo de função por vezes requerem um Plus salarial devido a função extra exercida, visto que é pleiteado em juízo o reconhecimento do acumulo de função de fato e as verbas trabalhistas correspondentes. A jurisprudência segue em corrente majoritária que o acúmulo de função não gera o direito de receber os dois salários das funções exercidas. Em regra, quando comprovado que o abuso do poder do empregador ao exigir do empregado uma função diversa da qual foi contratado as decisões tem se resumido ao pagamento de diferenças salariais. 10 Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/31513/1461%20JOAO%20PAULO% 20GABARDO.pdf?sequence=1>. Acesso em 27 de abril de 2018, 15:14. P á g i n a | 30 COMPLEMENTO SALARIAL. IMPOSSIBILIDADE. Inconcebível que o empregado, ao argumento de desempenhar a função de vendedor, recuse-se a executar tarefas evidentemente correlatas à atividade, como reposição de mercadorias e recebimento de valores. Pautar-se pela absoluta restrição do conceito, afirmando que o vendedor é aquele que só vende, e impondo-se complemento salarial por quaisquer outras atribuições vinculadas à atividade, fere o dever de colaboração inerente às relações de emprego. Ademais, ainda que provado o exercício de atividade dissociada da estrita função, é imprescindível destacar que a legislação trabalhista não faz qualquer previsão acerca da possibilidade de pagamento de duplo salário, no caso de o empregado acumular o exercício de tarefas pertinentes a duas funções distintas.11 O direito é uma ciência de integralidade, onde todas as normas estão correlacionadas, sendo permitida a aplicação por analogia quando em determinado fato a lei não trazer previsão legal. A dupla função exercida de forma continua e rotineira traz ao empregador benefícios de não efetuar a contratação de um empregado para a função acumulada por outro empregado. O empregador se desonera de uma contratação ao colocar um único empregado em função além da qual ele foi contratado. Com isso, tem menos custos trabalhistas. As decisões em relação ao acumulo de função exercido de forma esporádica, em determinadas decisões é considerada como “ócio do ofício” não sendo concedido nenhum valor econômico para empregador em razão do exercício prestado. Outras decisões acabam por determinar uma remuneração de horas extras, como forma de não lesar o empregado. 11 Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/54733953/trt-9-23-05-2013-pg-400>. Acesso em: 27 de abril de 2018, 14:18. P á g i n a | 31 A jurisprudência, de forma majoritária, entende ainda, que não tendo a outra função um grau de complexidade maior da qual o empregado foi contratado, não há que se falar em “Plus salarial” por acumulo de função. (...) as atividades que, conforme a exordiam teriam "ultrapassado" aquelas atinentes ao seu cargo, foram executadas dentro do horário de trabalho, sendo compatível com a sua condição pessoal, em conformidade com a regra insculpida no parágrafo único do art. 456 da CLT, de modo que não se justifica a pretensão ao pagamento de um Plus salarial, já que, quando realizava uma tarefa, deixava de realizar outra. De mais a mais, as tarefas realizadas não se caracterizam como sendo daquelas que exijam maior capacitação técnica ou pessoal para ensejar a quem as executa uma remuneração maior do que a percebida. (...)12 É possível perceber que o entendimento adotado entre os Tribunais, exigem que para ser considerado o acúmulo de função, além da prova de realmente foi exercido dupla função, de que não ocorreu de forma continuam, sendo que em casos esporádicos nem sempre se reconhece a dupla função e ainda comprovar que a função divergente do contrato está em qualificação superior para a função no qual foi contratado para exercer. 2.4 Interpretação e aplicação do artigo 456 da CLT A consolidação das Leis de Trabalho menciona em seu artigo 456, parágrafo único um eventual prejuízo ao empregado. Vejamos: Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito. (Vide Decreto-Lei nº 926, de 1969) 12 Disponível em: <http://trt-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128186036/recurso-ordinario-ro- 13465520115040004-rs-0001346-5520115040004/inteiro-teor-128186046>. Acesso em 30 de abril de 2018, 19:32. P á g i n a | 32 Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.13 O parágrafo único é taxativo ao afirmar que faltando provas ou não tendo uma clausula expressa, o entendimento deverá ser de que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço. Com isso, não raros são decisões judiciais que utilizam desse artigo afim de pôr fim ao reconhecimento da dupla função e uma eventual “Plus salarial” como uma possívelindenização ao empregado. Inexistindo falta de provas para qual função o empregado foi contratado pelo empregador, em razão do artigo 456 da CLT, a dupla função não se caracteriza por não ter como identificar se o empregado aceitou ou não todo o serviço para qual foi contratado. Contudo, o disposto nesse artigo não pode ser utilizado como termo crucial para a decisão. É inegável a desproporcionalidade de força que existe entre o empregador em relação ao empregado. Um contrato realizado de maneira verbal, sem eventuais testemunhas já daria ao empregador larga vantagem em um futuro processo judicial. O artigo 456 da CLT coloca o empregado como mero objeto de direito e não sujeito do mesmo. É preciso levar em consideração que ainda que o empregado haja aceitado os termos inicialmente contratados, a dupla função existe, com exigência de uma qualificação diferenciada para as funções prestadas. Porém o entendimento jurisprudencial, está em concordância com a lei, não atribuindo ao empregado nenhuma bonificação em caso de dupla função realizado desde o início do contrato do trabalho, contrato esse que pode ser formal ou verbal. (...) informa o autor em depoimento pessoal que "trabalhou como técnico de enfermagem e suas tarefas consistiam em aferir sinais vitais, conferir medicação a pacientes, fazer contenção 13 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 01 de junho de 2018, as 17:15. P á g i n a | 33 mecânica de pacientes, acolhimento dos pacientes novos, remoção hospitalar na ambulância da prefeitura, e internação de pacientes nos novos locais se não houvesse familiares; que além dessas tarefas, fazia parte da Cipa; que as tarefas apontadas sempre foram desenvolvidas desde a admissão, salvo as funções da Cipa; que nada mudou durante o curso do contrato" - grifei. Entendo que as tarefas discriminadas podem ser consideradas como inerentes ao cargo e não se constituem em acúmulo de funções a justificar o pagamento do plus salarial, em especial porque passou a exercê-las desde o início da contratualidade, por isso não há que se cogitar em alteração de contrato. As tarefas executadas são compatíveis com a condição pessoal do autor enquanto "técnico de enfermagem", na conformidade com a regra insculpida no parágrafo único do art. 456 da CLT (...)14 Embora o artigo 456 da CLT tenha adotado uma posição mais “tradicional” dando margem para que a dupla seja exercida em gratificação ao empregado, existem profissões que regulamentaram o acúmulo de função, atribuindo ao a quem exercê-la, bonificações em função do serviço prestado. Um caso que ganhou as mídias, foi o do apresentador e locutor Milton Neves, que pleiteou na justiça a indenização por acúmulo de função de locutor anunciador, locutor comentarista esportivo e locutor entrevistador. A decisão do tribunal foi favorável. O Tribunal Superior do Trabalho condenou a rádio Jovem Pan a pagar ao jornalista Milton Neves Filho o percentual de 40% relativo ao acúmulo de funções de locutor anunciador, locutor comentarista esportivo e locutor entrevistador a partir do início da década de 1990. A decisão fundamentou-se no artigo 13, 14 Disponível em: <http://trt4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128839885/recurso-ordinario-ro- 13942020115040002-rs-0001394-2020115040002/inteiro-teor-128839894>. Acesso em: 01 de junho de 2018, 19:45. P á g i n a | 34 inciso I, da Lei 6.615/1978, que assegura ao radialista o adicional mínimo de 40% pela função acumulada, com base no que for melhor remunerada.15 O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve decisão que condenou a Rádio Panamericana S.A. (Rádio Jovem Pan) a pagar ao jornalista Milton Neves Filho o percentual de 40% relativo ao acúmulo de funções de locutor anunciador, locutor comentarista esportivo e locutor entrevistador. (...) A decisão fundamentou-se no artigo 13, inciso I, da Lei 6.615/78, que assegura ao radialista, na hipótese de exercício de funções acumuladas, um adicional mínimo de 40% pela função acumulada, "tomando-se por base a função melhor remunerada".16 É importante esclarecer que o artigo 456 CLT não foi utilizado como fundamentação para a condenação da rádio jovem Pan, pois a profissão de locutor está regulamentada pela Lei nº 6.615/78, exposto no site do Ministério do Trabalho e Emprego, da classificação brasileira de ocupações, esclarecendo de forma taxativa a porcentagem que deverá ser paga ao empregado em caso de acumulo de função.17 Contudo precisamos refletir sobre os fatos apresentados. Embora não haja previsão na CLT sobre dupla função e o artigo 456 CLT impeça por vezes de um “Plus salarial” ser dado ao empregado, existem profissões que estão regulamentando essa prática que não podem permanecer omissa pela Consolidação das Leis do Trabalho. 15 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-mai-04/milton-neves-receber-indenizacao- acumulo-funcoes-jovem-pan>. Acesso em: 01 de junho de 2018, 19:56. 16 Disponível em: <http://tst.jusbrasil.com.br/noticias/118255151/jovem-pan-e-condenada-a- pagar-acumulo-de-funcoes-a-milton-neves>. Acesso em: 01 de junho de 2018, 19:59. 17 Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/regulamentacao.jsf>. Acesso em: 01 de junho de 2018, as 21:32. P á g i n a | 35 2.5 Alteração da função no contrato de Trabalho. De acordo com Carla Teresa Romar (2001, p. 89) “O trabalhador deve ser contratado para serviço certo e determinado. Como consequência, o empregador só pode exigir do empregado serviços contidos nos limites de suas funções.” Com isso, percebe-se que a exigência do empregador ao empregado deve limitar-se ao que foi estipulado inicialmente em contrato, sendo o mesmo realizado de forma formal ou informal. Contudo, a consolidação das leis do trabalho, estabelece em seu artigo 468 as alterações dos contratos individuais de trabalho e sua licitude. Vejamos: Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.18 O autor Marcos Garcia Hoeppner menciona (2006, p. 30) (...) a alteração das condições ajustadas tácita ou expressamente quando, cumulativamente: a) as partes, de comum acordo, consentirem com a alteração; b) desta alteração não resultar prejuízo direto ou indireto para o empregado. (grifo nosso) O artigo 468 da CLT deixa de forma expressa que as alterações contratuais só serão consideradas lícitas quando não vierem a prejudicar o trabalhador, devendo tanto 18 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 02 de junho de 2018, 00:39. P á g i n a | 36 o empregado quanto o empregador estarem de acordo com as alterações, sob penade nulidade. A Constituição Federal de 1988 foi clara em artigo 7, VI mencionou de forma expressa a proibição de redução do salário do empregado, salvo de houver convenção coletiva de trabalho, elaborado em negociação com o sindicato.19 Veja que as alterações do contrato de trabalho e da alteração da função encontra respaldo tanto na consolidação das leis do trabalho como na constituição federal, intuito este de proteger o empregado por ser considerado o polo mais fraco da relação jurídica entre empregado e empregador. Exige-se a observância de todos os artigos mencionados para que se possa efetivamente alterar a função e o contrato de trabalho, não devendo o trabalhador ter seu salário rebaixado por expressa determinação legal. 3. LESÃO CONTRATUAL E O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. Um importante ponto a ser tratado, quando abordamos os conceitos de desvio de função e acúmulo de funções no contrato de trabalho, é o da aplicação do instituto da lesão contratual. Em primeiro, importante citar o princípio do equilíbrio econômico, nas palavras de Teresa Negreiros: “O princípio do equilíbrio dos efeitos econômicos dos contratos é um relevante norte na atuação do intérprete, o que deverá ser rigorosamente observado, a despeito da vontade das partes. Se, num dado momento da história do direito contratual, a justiça foi sinônimo de liberdade e autonomia, hoje, ela se baseia e se projeta no equilíbrio, de modo a convocar o intérprete ao incessante compromisso de vigília das relações contratuais”. 19 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 02 de junho de 2018, 21:12. P á g i n a | 37 Assim, por óbvio deve haver determinado equilíbrio econômico entre os contratantes. Por sua vez, a ideia de repelir a lesão pode ser encontrada já no Antigo Testamento, sendo certo que o instituto jurídico da lesão era previsto em todas as ordenações portuguesas (Ordenações Manuelinas, Afonsinas e Filipinas), cumprindo salientar que o Código Civil Brasileiro de 1916 abandonou o instituto da lesão. Com efeito, a CLT é de 1943, razão pela qual o artigo 456, fundamento da maioria das improcedências dos pedidos de desvio de função e acúmulo de funções, vem sendo interpretado erroneamente com base no Código Civil de 1916. O artigo 456 da CLT deve ser interpretado com base no Código Civil de 2002, que prevê no artigo 157: Artigo 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. De fato, o Código Civil de 2002 adotou a figura da lesão especial, ou seja, a má- fé passou a ser irrelevante, o que importa é a justiça contratual. Portanto, para caracterização da lesão, basta que uma das partes emita declaração de vontade sob forte necessidade ou inexperiência, não sendo exigível o vício de consentimento. O fundamento do instituto da lesão é verificado no estado subjetivo da “situação de inferioridade”, ou seja, a hipossuficiência, e, o elemento chave da lesão é a necessidade. P á g i n a | 38 Ora, esses requisitos, embora sejam conceitos do contrato do Direito Civil, são inerentes ao contrato de trabalho, tendo em vista que a hipótese de que uma das partes emita declaração de vontade sob forte necessidade ou inexperiência é verificada com maior intensidade no Direito do Trabalho, principalmente se considerarmos a hipossuficiência do empregado e o princípio da proteção que rege as relações de trabalho. Ademais, deve ser observado para aplicação do instituto da lesão aos contratos de trabalho o disposto no artigo 421 do Código Civil, que trata da função social do contrato, e, o artigo 170, § 3º da Constituição Federal de 1988, que versa sobre a repressão ao abuso do poder econômico. Diante do exposto, deve ser feita uma nova interpretação do artigo 456 da CLT sob a égide do instituto da lesão, e isto porque, o empregador, ao dispensar empregados e repassar as atribuições destes para outros, sem o pagamento de qualquer contraprestação, ensejará o enriquecimento sem causa do empregador, consoante o disposto no artigo 884 do Código Civil, que assim versa em seu caput: Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Neste sentido já se posicionou o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região: DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO/ACÚMULO DE FUNÇÕES. PROIBIÇÃO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. Sempre houve remédio jurídico contra o desvio/acúmulo de função: o princípio que veda o enriquecimento sem causa, reconhecido e existente entre nós, desde o alvorecer do nosso direito; todavia, ainda que se entendesse que, antes da entrada em vigor do vigente Código Civil, não havia o que, no ordenamento jurídico pátrio, pudesse ser invocado para remediar semelhante situação, hodiernamente, o artigo 884, do aludido Diploma Legal, dá remédio eficaz para resolver o problema. Um empregado celebra um contrato de trabalho, por meio do qual se obriga a executar determinado P á g i n a | 39 serviço, aí toleradas pequenas variações, vedadas, por óbvio, as que alterem qualitativamente e/ou se desviem, de modo sensível, dos serviços a cuja execução se obrigou o trabalhador; em situações quejandas, caracterizado resta o enriquecimento sem causa, vedado pelo direito. (Processo nº 02027-2003-042-15-00- 8 RO. Publicação 3.2.2006. Terceira Turma. Rel. Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani) Ainda que assim não fosse, é defeso ao empregador alterar unilateralmente o contrato de trabalho, de modo a prejudicar o trabalhador, ainda que haja consentimento deste, consoante exposto alhures e nos termos do artigo 468 da CLT, e, portanto, ao aumentar de forma exacerbada a carga de trabalho do empregado sem a correspondente contraprestação remuneratória, o empregador terá alterado ilicitamente o contrato de trabalho. Este é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região: ACÚMULO DE FUNÇÃO - ALTERAÇÃO LESIVA DO CONTRATO DE TRABALHO - ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. Verificado o acúmulo de função pelo empregado sem a devida contraprestação, configura-se a alteração lesiva do contrato de trabalho (art. 468, caput, CLT), pelo que o empregador deve repará-lo, sob pena de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC), já que auferiu os benefícios de prestação de serviços que não remunerou. Recurso ordinário não provido, por unanimidade. (TRT-24 - RO: 763009420095241 MS 76300- 94.2009.5.24.1, Relator: NICANOR DE ARAÚJO LIMA, Data de Julgamento: 24/03/2009, Data de Publicação: DO/MS Nº 729 de 10/03/2010, pag.) Destarte, seja pelo instituto da lesão, seja pelo enriquecimento, o ordenamento jurídico, diante da nova teoria dos contratos, proíbe o desequilíbrio entre prestação e contraprestação, de maneira que, sendo o contrato de trabalho um contrato de trato
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