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Brunello Stancioli e Nara Carvalho - Da Integridade ao Livre Uso do Corpo

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DA INTEGRIDADE FÍSICA AO LIVRE USO DO CORPO: 
RELEITURA DE UM DIREITO DA PERSONALIDADE 
 
Brunello Stancioli 
Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de 
Minas Gerais. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-
Graduação da UFMG. 
 
 
Nara Pereira Carvalho 
Bacharela e Mestranda em Direito pela Universidade 
Federal de Minas Gerais. 
 
 
 
SUMÁRIO 
1. “Desnaturalizando” os Direitos da Personalidade; 2. Em Busca de Formas de Vida Melhores: A 
Autonomia e a Felicidade; 3. Modificações Corporais: Atentado à Natureza?; 4. Os Usos do Corpo; 
4.1. Os Usos Estéticos do Corpo; 4.2. Os Usos Médicos do Corpo; 4.3. Os Usos Esportivos do 
Corpo; 4.4. O Uso Sexual e Hedonista do Corpo; 5. Conclusão; Referências Bibliográficas. 
 
 
 
1. “DESNATURALIZANDO” OS DIREITOS DA PERSONALIDADE 
 
Uma das maiores e mais longevas construções do Ocidente é a de Direito Natural. Na 
verdade, o jusracionalismo dos séculos XVIII e XIX consistiu apenas numa das manifestações do 
fenômeno jusnaturalista, que apresentou inúmeras facetas ao longo da História. Como identificou 
WIEACKER, houve várias tentativas de se buscarem leis válidas atemporal e universalmente
1
. 
O argumento jusracionalista é, por certo, o mais invocado para se fundamentar os Direitos 
da Personalidade. Não são poucos os autores, mais tradicionais ou mais “modernos”, que o utilizam. 
Hoje, pode-se afirmar, com certa tranquilidade, que não há mais sentido em se falar em 
Direito Natural. De fato, a fundamentação dos direitos da personalidade será reconduzida para a 
ética da autonomia
2
. Nela, pessoas dotadas de historicidade produzem, voluntariamente, normas de 
 
1
 Cf. WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno [Privatrechtsgeschichte der Neuzeit unter 
besonderer Berücksichtigung der deutschen Entwicklung]. Trad. A. M. Botelho Espanha. 2. ed. Lisboa: 
Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 290-302. 
2
 Cf. WIEACKER. História..., cit., p. 402. 
2 
 
direito positivo, que, por sua vez, também serão dotadas de historicidade (vinculadas a espaço e 
tempo), e compartilhadas por sujeitos de direito capazes de argumentação e fala. Assim, no 
pensamento contemporâneo, o papel, outrora desempenhado pelo direito natural, passa a ser 
exercido pelo pensamento político, ou mesmo pela ética
3
. 
 Nesse sentido, adotar-se-á o conceito, já desenvolvido em tese, de Direitos da 
Personalidade: 
 
Direitos da Personalidade são direitos subjetivos que põem em vigor, através de 
normas cogentes, valores constitutivos da pessoa natural e que permitem a vivência 
de escolhas pessoais (autonomia), segundo a orientação do que significa vida boa, 
para cada pessoa, em um dado contexto histórico-cultural e geográfico
4
. 
 
Os Direitos da Personalidade devem ser entendidos como autoconstruções que viabilizam a 
seus autores-destinatários aquilo que, hoje, pode ser tomado como a grande busca do Direito: a 
autorrealização. 
É verdade que toda realização pessoal não pode prescindir de uma vivência comunitária. 
Porém, e ao mesmo tempo, o Direito deve, em uma lógica democrática, permitir espaços para que 
cada um possa “perseguir reciprocamente seus interesses egoístas”5. 
 
 
 
2. EM BUSCA DE FORMAS DE VIDA MELHORES: A AUTONOMIA E A 
FELICIDADE 
 
A conclusão imediata do que foi até agora exposto conduz à afirmação de que é impossível 
abordar a pessoalidade e os direitos da personalidade sem se valer da autonomia como manifestação 
da Liberdade. Isso porque “a ideia de Pessoa é inseparavelmente ligada à ideia de liberdade”. Frise-
se: sem liberdade e autonomia não há Pessoa Natural
6
! 
 
3
 Cf. QUEIROZ, Cristina. A Tradição Ocidental do Direito Natural. In: CUNHA, Paulo Ferreira da (Org.). 
Direito Natural, Religiões e Culturas. [S. l.]: Coimbra, 2004, p. 189. 
4
 STANCIOLI, Brunello. Renúncia ao Exercício de Direitos da Personalidade ou Como Alguém se Torna o 
que Quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. [No prelo] 
5
 HONETH, Axel. Sofrimento de Indeterminação. Uma Reatualização da Filosofia do Direito de Hegel. 
[Leiden an Unbestimmtheit: Eine Reaktualisierung der Hegelschen Rechtsphilosophie Reclam]. Trad. Rúrion 
Soares Melo. São Paulo: Esfera Pública, 2007, p. 55. 
6
 Cf. SPAEMANN, Robert. Persons: The Difference Between ‘Someone’ and ‘Something’. Oxford: Oxford 
University Press, 2006, p. 197. 
3 
 
É na Liberdade como elemento indeclinável da Pessoa Humana, que se é possível conduzir 
a própria vivência segundo valores eleitos como “hiperbens” (TAYLOR). Ou seja, a Pessoa articula 
sua vivência com aqueles valores que considera “superiores” na busca da vida que vale ser vivida7. 
Observe-se, por outro lado, o artigo 11 do Código Civil Brasileiro, que dispõe: 
 
Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são 
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação 
voluntária. 
 
Tal dispositivo nega o próprio devir à pessoa natural: 
 
Só uma visão estática da personalidade poderia levar a uma categorização absoluta 
do exercício dos direitos que lhe são próprios
8
. 
 
Pode-se ir além: o artigo 11 é, na verdade, um oximoro jurídico! Se a Liberdade é condição 
de possibilidade para a existência da pessoa; e se, mais que não poder renunciar ao exercício de 
direitos da personalidade, não se pode renunciar à condição de Pessoa, proibir a “renúncia ao 
exercício de direitos da Personalidade” é inviabilizar a própria existência pessoal! 
Pessoas são seres dotados de sentido de vida. Há sempre uma “meta-vontade” ou um 
“desejo de formas de vivência superior” que fazem parte da própria constituição da Pessoa, e que só 
podem ser escolhidos pelos atores envolvidos, na busca da “meta-vontade” de serem felizes9. 
Assim, na tentativa de contornar os efeitos indesejáveis do art. 11 do Código Civil 
Brasileiro, houve um esforço hermenêutico realizado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo 
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Na ocasião, VILLELA propôs como 
leitura ao art. 11 do Código Civil: 
 
O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde 
que não seja permanente nem geral
10
. 
 
É nas próprias palavras de VILLELA que se encontra a melhor justificativa para o 
enunciado: 
 
 
7
 Cf. TAYLOR, Charles. Sources of the Self: the Making of the Modern Identity. Cambridge: Harvard 
University Press, 1989©, p. 53 et seq; TAYLOR, Charles. The Malaise of Modernity. Toronto: House of 
Anansi Press, 1991, passim. 
8
 VILLELA, João Baptista. O Novo Código Civil Brasileiro e o Direito à Recusa de Tratamento Médico. 
Modena, Roma e America. Diritto Romano Comune. n. 16, 2003, p. 58. 
9
 Cf. SPAEMANN. Persons..., cit., p. 206. 
10
 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 4. ed. São Paulo: 
Revista dos Tribunais, 2006, p. 1057. 
4 
 
O art. 11 não pode ter querido excluir em caráter absoluto a abdicação voluntária 
dos direitos da personalidade, pois isso equivaleria a fazer deles antes uma prisão 
para seu titular, do que uma proteção de sua liberdade [...]
11
. 
 
A mesma lógica pode ser aplicada ao art. 13 do Código Civil Brasileiro, que coloca a 
indisponibilidade do próprio corpo como regra geral, suscetível de exceção apenas para a exigência 
médica ou para fins de transplantes de órgãos e/ou tecidos. Trata-se, novamente, de negar o devir da 
pessoa e de sua dimensão corporal. De fato, se não se tem liberdade quanto aos usos do próprio 
corpo, torna-seimpossível a vivência do Estado Democrático de Direito. 
Pode-se afirmar que o corpo deve ser o primeiro e mais fundamental espaço de realização e 
vivência da democracia. O estudo do corpo, não só no âmbito da biomorfologia, mas também da 
antropologia, da ética e do direito, deve levar em conta a busca da constituição de nós mesmos 
como pessoas humanas em processo de constante (re)leitura, 
 
 
 
3. MODIFICAÇÕES CORPORAIS: ATENTADO À NATUREZA? 
 
Poder-se-ia argumentar que a modificação corporal voluntária viola a Natureza, aqui 
entendida como tudo quanto existe no cosmos sem ação humana consciente. Só assim se justificaria 
a proibição contida no artigo 13 do Código Civil. 
O entendimento dessa acepção “antinatural” dos usos do corpo deve ser buscado na própria 
história do corpo no Ocidente
12
. 
A Idade Média pode ser tratada como a época de maior rejeição e expurgo das práticas 
corporais. O cristianismo impôs um regime de controle dos corpos, através do cerceamento da 
sexualidade e do hedonismo corporal. 
 Controlar o corpo foi o caminho utilizado para o controle da própria subjetividade. 
Dispõe, de maneira ostensiva, TRUONG, acerca do “banimento do corpo” das esferas de 
convivência: 
 
As manifestações sociais mais ostensivas, assim como as exultações mais íntimas 
do corpo, são amplamente reprimidas. É na Idade Média que desaparecem, 
 
11
 VILLELA. O Novo..., cit., p. 58. 
12
 A Nova História tem propiciado a inclusão de temas antes tidos como marginais pela historiografia 
tradicional. Um dos assuntos mais negligenciados foi o “corpo”, ou a dimensão corpóreo-sensível da Pessoa 
Natural. 
5 
 
sobretudo, as termas, o esporte, assim como o teatro herdado dos gregos e dos 
romanos [...]
13
. 
 
Mais além, o autor fala das inúmeras formas de repressão ao corpo: 
 
Mulher diabolizada; sexualidade controlada; trabalho manual depreciado; 
homossexualidade no princípio condenada, depois tolerada e enfim banida; riso e 
gesticulação reprovados; máscaras, maquiagem e travestimento condenados; 
luxúria e gula associadas... O corpo é considerado a prisão e o veneno da alma
14
. 
 
Muitas dessas atitudes perante o corpo ainda se fazem presentes, mesmo no século XXI... 
O Direito Natural serviu, também, como manutenção do status quo da acepção de corpo. 
Mesmo que não demonizado de maneira explícita, ainda hoje é tido por muitos como Sagrado e 
Intocável. 
Na verdade, a ideia de Direito Natural, tão cara ao Ocidente, foi uma das mais sofisticadas 
formas de se alicerçarem a vida e o viver da pessoalidade em bases estáticas: seja em Deus, seja na 
Natureza como ordem pré-estabelecida. 
Mas a noção de Natureza, desde a Modernidade, foi substituída por outro conceito, o de 
Realidade
15
. Não se trata de mero jogo semântico. A carga de sentido é absolutamente diversa. 
A Realidade, em seus vários aspectos, substitui a Natureza, havendo grandes 
consequências teórico-práticas. Destaquem-se algumas: 
 
 CONCEPÇÃO PRÉ-MODERNA DE 
REALIDADE 
CONCEPÇÃO MODERNA DE REALIDADE 
1 Natureza dada, estática, digna de contemplação. Realidade como processo, fluxo contínuo de 
mudanças. 
2 Corpo é lugar da alma e, portanto, inviolável. Corpo visto como parte da realidade e, portanto, 
sujeito a mudanças constantes. 
3 Explicação teológica sobre o início da pessoa; na 
concepção (fusão dos gametas), há a infusão da 
alma. 
Explicações biológicas acerca do início da vida; 
pessoalidade como vivência na alteridade. 
4 Usos do corpo repleto de tabus. 
 
Pessoas têm papel ativo na (re)construção da 
realidade, sendo autoras da manipulação do 
próprio corpo. 
 
 
13
 LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma História do Corpo na Idade Média [Une histoire du corps au 
Moyen Âge]. Trad. Marcos Flamínio Peres. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 36-37. 
14
 LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma História..., cit., p. 37. 
15
 BOAVENTURA defende a ideia de realidade a partir do binômio possibilidades/ alternativas. Cf. SOUSA 
SANTOS, Boaventura. A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício de Experiência. São Paulo: 
Cortez, 2000, p. 23. 
6 
 
Há, ainda, a ideia de que a Natureza é “mãe” e “sábia”, não podendo ser modificada: 
 
Há uma intuição comum de que a Natureza frequentemente é sábia [...]. Mas a 
heurística também mostra que a validade dessa intuição é limitada, ao revelar casos 
excepcionais e importantes em que podemos melhorar a „Natureza‟, usando ciência 
e tecnologia, recentes e futuras
16
. 
 
Nesse contexto, vários argumentos podem ser elencados contra a leitura naturalizante do 
corpo. 
Em primeiro lugar, cabe a afirmação de que a evolução levou a um desenvolvimento 
biomorfológico inadequado ao meio ambiente atual, carregado de modificações antrópicas. A 
escassez de alimentos em uma savana, aliada à necessidade de reprodução para mantença de grupos 
de defesa e caça, por exemplo, não existem mais. O provimento de necessidades alimentícias é 
bastante diverso. Temos carboidrato, proteína e gordura em profusão nos alimentos cotidianamente 
ingeridos
17
. Várias são as consequências: as epidemias de obesidade tornam-se cada vez mais 
comuns. Já a escassez de alimentos para uma dada população é, em regra, um problema sócio-
político e não de “adaptação ao meio”18. 
A sociedade muda com muito mais rapidez do que a “Natureza”. A busca da melhor 
adaptação passa, agora, por demandas sociais e (auto)afetivas. Há um “atraso genético” (genetic 
lag) em relação a essas mudanças, como as adaptações devido a migrações, novas dietas e novas 
doenças
19
. Ou mesmo a longevidade, que tem inúmeras demandas específicas (senilidade e 
mudança corporal). Em suma, nosso corpo “natural” é inadequado ao meio ambiente hodierno. 
Por outro lado, a Natureza nunca se preocupou com a eudaimonia ou a autorrealização das 
pessoas humanas. Os valores humanos não são os mesmos da “Natureza”. A “lei da selva” não é a 
melhor escolha. A competição individual ou entre clãs por comida, água e outros insumos de 
sobrevivência não faz mais sentido. Logo, não há coincidência entre metas da “Natureza” e as das 
pessoas humanas, como ética da busca da solidariedade e da felicidade
20
. 
 Assim, o corpo faz parte da realidade ao mesmo tempo em que é mediador de todas as 
formas de exercício da pessoalidade
21
. Ele pode ser modificado, pois também é um processo em 
 
16
 BOSTROM, Nick; SANDBERG, Anders. The Wisdom of Nature: AN Evolutionary Heuristic for Human 
Enhancement. In: SAVULESCU, Julian; BOSTROM, Nick. Human Enhancement. Oxford: Oxford 
University Press, 2009, p. 377. 
17
 Paradoxalmente, ainda há, em pleno século XXI, algumas nações, em especial na África, cujo principal 
problema é o acesso a comida e água potável. 
18
 Cf. BOSTROM, Nick; SANDBERG, Anders. The Wisdom…, cit., p. 378-379. 
19
 Cf. BOSTROM, Nick; SANDBERG, Anders. The Wisdom…, cit., p. 403. 
20
 Cf. BOSTROM, Nick; SANDBERG, Anders. The Wisdom…, cit., p. 394-395. 
21
 WILLIAMS, Bernard. Problems of the Self. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 1-25, 64-
81. 
7 
 
contínua mudança. Dessa forma, as demandas acerca da corporeidade devem ser atendidas pelas 
próprias pessoas no exercício de sua autonomia. 
 
 
 
4. OS USOS DO CORPO 
 
 A partir do momento em que o fundamento dos direitos da personalidade é lastreado na 
ética da autonomia, a integridade corporal assume novos contornos. Isso porque, ao implicar 
manifestação, e mesmoafirmação, da liberdade humana, o direito da personalidade deve, antes, 
possibilitar que cada um se realize pessoalmente. 
 Nesse contexto, o próprio entendimento do papel da corporeidade foi modificado ao longo 
da História. Tratado de maneira dual no medievo (ora como fonte de pecado, o que conduzia à sua 
negação; ora como morada da alma, devendo permanecer intocado), o corpo passa a ser 
componente indispensável da pessoalidade. 
 
[No século XX,] mostra-se cada vez mais o corpo: cada etapa desse desnudamento 
parcial começa provocando certo escândalo, depois se difunde rapidamente e acaba 
se impondo, pelo menos entre os jovens, aumentando a distância entre as gerações. 
É o caso da minissaia nos meados dos anos 1960 ou, dez anos depois, do 
monoquíni nas praias [...]. O corpo não é apenas assumido e reabilitado: é 
reivindicado e exposto à visão de todos
22
. 
 
 Afinal, é esse aparato bio-físico-químico, provido de enorme plasticidade, que medeia toda 
a vivência da pessoa. Nele, estão contidos tradições, concepções de vida, valores que se apresentam 
nas esferas pública e privada, com vistas à obtenção de reconhecimento. Simultaneamente, o corpo 
é a primeira forma de apresentação social (e frise-se que mesmo os relacionamentos virtuais não 
prescindem dessa base empírico-sensitiva), de modo que é (con)formador da identidade: pessoas 
são (também) corpos! 
 
De fato, o corpo se tornou o lugar da identidade pessoal. Sentir vergonha do 
próprio corpo seria sentir vergonha de si mesmo. As responsabilidades se 
deslocam: nossos contemporâneos se sentem menos responsáveis do que as 
gerações anteriores por seus pensamentos, sentimentos, sonhos ou nostalgias; eles 
os aceitam como se lhes fossem impostos de fora. Em contraposição, habitam 
plenamente seus corpos: o corpo é a própria pessoa. Mais do que as identidades 
 
22
 PROST, Antoine. Fronteiras do Espaço Privado. In: PROST, Antoine; VINCENT, Gérard (Org.). História 
da Vida Privada: Da Primeira Guerra a nossos dias [Histoire de la vie privée: De la Premièr Guerre 
mondiale à nous jours]. Trad. Denise Bottmann. V. 5. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 89. 
[Destacou-se] 
8 
 
sociais, máscaras ou personagens adotadas, o corpo é a própria realidade da 
pessoa
23
. 
 
 Na medida em que a sua importância é reconhecida no âmbito social, o corpo passa a ser 
levado em conta nos projetos de vida das pessoas. Visando à autossatisfação, é manipulado e 
utilizado, no cotidiano, de maneiras bastante diversas. 
 Dessa maneira, os usos do corpo na estética, na medicina, nos esportes e mesmo no âmbito 
sexual, são apenas alguns dos possíveis recortes para se evidenciar, na realidade fática, o quanto 
essa visão do corpo, enquanto entidade intocada, vem sendo criativamente dirimida. Verifica-se, 
assim, que a preconização jurídica de uma integridade física, intransponível, consistiria num contra-
senso, já que o Direito deve acompanhar a vivência das pessoas que o reconstroem a todo instante. 
 
 
 
4.1 Os Usos Estéticos do Corpo 
 
 A contemplação da beleza física não é atributo exclusivo dos Modernos. Na civilização 
grega, o físico era associado a saúde, virilidade e capacidade atlética, assim como rigorosamente 
considerado na formação de guerreiros
24
. Na mitologia greco-romana, Afrodite (no panteão grego) e 
Vênus (no panteão romano) são exaltadas como as deusas da beleza, ao passo que Narciso, na 
célebre versão ovidiana, apaixona-se pela própria imagem refletida num lago. 
 Em outros contextos, a prática da escarificação em tribos africanas, a compressão dos pés 
de mulheres na China, as mulheres-girafa na Tailândia, a pintura dos corpos em festas indígenas, 
são alguns exemplos possíveis de como o uso estético do corpo não é recente e está bastante ligado 
à manifestação cultural. 
 Contudo, na Civilização Ocidental Moderna, é sobretudo no século XX que se tem um 
aumento vertiginoso da preocupação com o senso estético
25
. A (re)descoberta do corpo, agora 
como elemento configurador da identidade pessoal, traz novos padrões de beleza, inexoravelmente 
atrelados a uma crescente instigação ao consumo, em que se têm incrementos tecnológicos até então 
inimagináveis. 
 
23
 PROST, Antoine. Fronteiras..., cit., p. 89-90. [Destacou-se] 
24
 A “contra-história” da beleza grega começa a ser contada através do estudo de deformados e debilitados. 
Para tanto, cf. GARLAND, Robert. The Eye of the Beholder: Deformity & Disability in the Graeco-Roman 
World. Ithaca: Cornell University Press, 1995. 
25
 Beleza e feiura passaram a ser objeto de estudo histórico. Cf. ECO, Umberto (Org.). História da Beleza 
[Storia della Bellezza]. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2004; ECO, Umberto (Org.). História 
da Feiúra [Storia della Bruttezza]. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2007. 
9 
 
 O cuidado com o corpo assume importante papel econômico inclusive. Acesso a vestuário, 
acessórios, calçados, cosméticos são necessidades da população (não apenas feminina). Dietas, 
práticas de esporte, academias de ginástica, meios alternativos de exercitar-se são cada vez mais 
buscados. 
 Tem-se a busca pelo corpo saudável, pelo aumento da qualidade de vida, mas sobretudo 
porque corpo saudável é sinônimo de beleza e, por conseguinte, de sensualidade. A indústria da 
moda passa a ditar, à maioria, um ideal não só de aparência, mas também de comportamentos. 
 A tecnologia viabiliza, a quem a “Natureza” não foi “generosa”, uma melhor adequação a 
esses padrões estéticos. Cirurgias plásticas, aparelhos ortodônticos, clareamento e aplicação de 
resinas nos dentes, bronzeamento artificial, cremes redutores de medida, técnicas de alisamento e 
implante de cabelo, depilação definitiva... Oferece-se um repertório bastante diversificado para 
atingir-se um patamar de beleza, que, por sua vez, possui grande receptividade pelas pessoas em 
geral. 
 Ressalte-se que os avanços tecnológicos, bem como os cuidados, tantas vezes excessivos, 
com o corpo resgatam a obsessão de se lograr o “elixir da imortalidade”26. A preocupação estética é, 
então, acompanhada pelo medo da doença e do envelhecimento, num cenário em que “[a] norma 
social dita a aparência jovem, e a personalidade se confunde a tal ponto com o corpo que „continuar 
a ser o que é‟ acaba se confundindo com „continuar a ser jovem‟”27. 
 Assim, usos estéticos e médicos do corpo imiscuem-se. Intervenções cirúrgicas são feitas 
com a única finalidade de se obter melhoramento físico. Nos receituários médicos, são prescritos 
cosméticos. A depilação definitiva a laser é aplicada por dermatologista ou por esteticista que não 
tenha o diploma de medicina. Cirurgias plásticas não são feitas apenas em hospitais. Cosméticos 
perdem o status de medicamentos e podem ser encontrados não só nas antigamente denominadas 
boticas, mas também em supermercados e lojas específicas. Tem-se uma ampla variedade de 
produtos e serviços para cuidar-se do corpo – para todas as idades e todos os bolsos. 
 Paradoxalmente, o senso estético (de conotação subjetiva eminente: sentir o belo) assume 
contornos midiáticos tão vultosos, que, muitas vezes, não dão espaço para reflexão, propendendo a 
suprimir as escolhas individuais. Adere-se a um padrão ditado pela indústria da moda, tendências 
que mudam conforme as estações do ano. 
 Ao mesmo tempo, há aqueles que se insurgem contra os padrões estéticos vigentes e/ou 
querem se diferenciar, manifestando suas opções no corpo. O movimento punk, surgido na década 
 
26
 Já há autoresde renome que defendem a ideia de que a imortalidade está mais próxima de ser alcançada do 
que parece ao senso comum. Cf. HARRIS, John. Enhancing Evolution: The Ethical Case for Making Better 
People. Princeton: Princeton University Press, 2007, p. 59-71, passim. 
27
 PROST, Antoine. Fronteiras..., cit., p. 92. 
10 
 
de 1970, é exemplo corriqueiro de rebeldia, cujos membros, também na aparência, expressam a 
busca da individualidade, um contundente “ser dono de si mesmo”. À época, tatuagens, piercings, 
roupas e moicanos, usados por seus adeptos, eram motivo de grande reprimenda social e, hoje, não 
é raro inspirarem a indústria da moda
28
. 
 Persistem, no entanto, modificações corporais (body modifications) que geram grande mal-
estar dentre a maioria das pessoas, por preconizarem um distanciamento do físico tido como 
“natural”/ideal para um ser humano. Têm-se os brandings (cicatrizes realizadas a ferro quente), a 
implantação de próteses subcutâneas, a bifurcação da língua e o serrilhamento dos dentes. 
 É possível identificar uma linha de continuidade: pintam-se os cabelos, pintam-se as 
unhas, pinta-se o corpo (aqui, a tatuagem é apenas uma das possibilidades). Apõem-se brincos, 
„piercings’, próteses subcutâneas no corpo29... 
 Dessa maneira, e apesar dos diferentes graus de aceitação social, observa-se que o corpo é 
espaço de estética e de manifestação cultural-artística. Trata-se, assim, de um dos primeiros 
elementos de identificação e identidade: como a pessoa quer ser reconhecida no meio social. 
Destaque-se que tais manifestações não são solipsistas, isoladas, mas sempre construções sociais. 
 
 
 
4.2 Os Usos Médicos do Corpo 
 
 Assim como na estética, a tecnologia possibilita uma série de inovações no campo da 
medicina, o que implica aumento da expectativa e da qualidade de vida. Por outro lado, tal avanço 
tem possibilitado a ampliação do que tradicionalmente se entende(u) como corpo. A fusão homem-
máquina, por exemplo, não é mais temática restrita a filmes de ficção científica
30
. 
 
28
 Curiosamente, pela sua perenidade em meio à volátil indústria da moda, a tatuagem tem passado a ser vista 
como anti-fashion. Cf. SWEETMAN, Paul. Anchoring the (Postmodern) Self? Body Modification, Fashion 
and Identity. In: FEATHERSTONE, Mike (ed.). Body Modification. London, Thousand Oaks, New Delhi: 
SAGE Publications, 2000, p. 58 et seq. 
29
 Há, ainda, os recém-denominados wannabes, pessoas que vivenciam uma inadequação do corpo objetivo 
com o subjetivo, por sentirem que seriam melhores, mais felizes, se amputassem um determinado membro 
do corpo, que embora sadio, não o sentem como seus. Sendo tachados como portadores de anomalia 
neurológica e psicológica, compõem caso extremo acerca do livre uso do corpo. Todavia, dada a 
complexidade do tema, inclusive pelas suas nuances médicas, optou-se por não o tratar de maneira 
suficientemente profunda. 
30
 KURZWEIL, Ray. The Singularity is Near: When Humans Transcend Biology. London: Penguin Books, 
2005. 
11 
 
 Se na estética, a opção por manipular-se o corpo gera constrangimentos (como para com 
aqueles que realizam modificações corporais para adquirirem aparência de um felino ou um 
lagarto), na área médica, os usos do corpo tendem a ser aceitos com facilidade, sob a justificativa de 
que se trata de uma indicação profissional, científica. Tem-se uma noção pressuposta de que, na 
medicina, lidar com o corpo tem o propósito inexorável de restabelecer um estado de 
“normalidade”, desequilibrado por acidente. Os usos médicos do corpo circunscrever-se-iam, assim, 
a tratar e curar, tendo em vista um padrão do que é “normal” e a garantia dada pela Constituição de 
que todos têm direito a uma vida saudável. 
 Nesse sentido, para além de cirurgias, da utilização de fármacos e da invenção de aparelhos 
capazes de proceder diagnósticos cada vez mais precisos, a tecnologia tem viabilizado uma 
crescente fusão do homem com a máquina. Já é comum a colocação de metal de titânio no osso da 
boca em implantes dentários; o emprego de marca-passo para regularização dos batimentos 
cardíacos; próteses auriculares para deficientes auditivos; e membros biônicos para deficientes 
físicos. Corpo, aqui, não pode ser adstrito ao aparato biológico geneticamente “herdado”, vez que a 
este se associam elementos que passarão a integrar o físico da pessoa ao longo de toda a sua vida. 
 A engenharia genética, inclusive, tem possibilitado enorme incremento na qualidade de 
vida. Sob a epígrafe de “melhoramentos humanos” (human enhancement), procedimentos para 
evitar o nascimento de crianças portadoras de síndrome genéticas graves já é uma realidade. Tais 
melhoramentos têm, inclusive, suscitado debates calorosos acerca dos seus limites éticos (e se os 
há), visto que é possível desde a criação de pessoas loiras de olhos azuis (numa alusão à malfadada 
eugenia nazista) a pessoas que metabolizam melhor o açúcar ou tenham melhor predisposição a 
estudar
31
. 
 Assim, se uma vida saudável consiste naquela em que se prioriza o bem-estar do indivíduo, 
que busca a sua realização segundo projetos de vida traçados, a medicina passaria a preocupar-se 
não só com a cura ou o tratamento de doenças, mas também com o melhoramento da vida das 
pessoas. 
 Desse modo, afirma-se que os melhoramentos do corpo já estão presentes e tendem a 
aumentar. A fusão, em maior ou menor grau, com a máquina é cotidianamente realizada. 
Tecnologias para modificações gênicas do humano já estão sendo desenvolvidas, com vistas a 
melhorar a qualidade de vida. Independente dos questionamentos éticos que envolvem a questão, os 
usos do corpo conduzem a uma desconstrução da ideia de corpo como “dado”, que é substituída por 
corpo como “construção”. 
 
31
 Cf. SAVULESCU, Julian; BOSTROM, Nick (ed.). Human Enhancement. Oxford: Oxford University 
Press, 2009. 
12 
 
 
 
 
4.3 Os Usos Esportivos do Corpo 
 
 Inspirado na Grécia Antiga, Pierre Coubertin organizou as primeiras Olimpíadas 
Modernas, em 1896. Para ele, a função do esporte estava em contribuir para a formação e o 
autodomínio das pessoas
32
. 
 A partir da década de 1920, o furor competitivo e os interesses financeiros conduziram à 
profissionalização do esporte, que passa a ser dominado pelos poderes financeiro, médico e da 
mídia. O atleta profissional, visando a obter resultados e, consequentemente, remuneração, recebe 
treinamento apoiado por equipe multidisciplinar constituída de médicos, fisioterapeutas, químicos, 
nutricionistas, etc. Ao mesmo tempo, há todo um trabalho para que a disciplina a que o atleta se 
submete seja bem noticiada pelos veículos de comunicação. Se esporte entretém espectadores, 
atinge níveis elevadíssimos de audiência e movimenta todo um mercado financeiro, faz-se um 
enorme esforço para se transmitir ao público uma concepção de esporte associada a prazer e bem-
estar
33
. 
 Contudo, uma observação mais atenta à rotina de um atleta de elite acaba por desconstruir 
a crença de que seu modo de vida e, também, seu corpo, tantas vezes bem delineado, seja modelo de 
saúde. 
 Nas Olimpíadas de 2008, realizadas em Pequim, o nadador norte-americano Michael 
Phelps foi apontado à exaustão como o destaque dos Jogos. Elogiado por seu treinamento, 
disciplina e dieta, o nadador quebrou o recorde de maior número de medalhas de ouro conseguidas 
numa única edição das Olimpíadas – oito no total. Para obter tamanho êxito, Phelps declarou ter 
uma rotina de dois treinos por dia, seis vezes por semana. Oitenta quilômetros são nadados pelo 
atleta semanalmente.Ao intenso treinamento e à genética privilegiada, associa-se uma dieta que 
prevê o consumo de 12000 calorias diárias, quando a Organização Mundial de Saúde recomenda 
um consumo diário de cerca de 2500 calorias. Da mesma maneira, o atleta ingere, por dia, 14 vezes 
 
32
 VINCENT, Gérard. Uma História do Segredo? In: PROST, Antoine; VINCENT, Gérard (Org.). História 
da Vida Privada: Da Primeira Guerra a nossos dias [Histoire de la vie privée: De la Premièr Guerre 
mondiale à nous jours]. Trad. Denise Bottmann. V. 5. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 286. 
33
 VINCENT, Gérard. Uma História..., cit., p. 286-287. 
13 
 
mais colesterol, 15 vezes mais sódio, 5 vezes mais cálcio, 7 vezes mais ferro e 9 vezes mais fósforo 
do que é recomendado a uma pessoa “comum”34. 
 Phelps é apenas um dos possíveis exemplos de como atletas de elite vivem sob um regime 
de clausura e treinamento intenso, exaustivo: o corpo é condicionado a superar os limites humanos. 
Com isso, o elevado risco de ocorrência de lesões, fraturas e estiramentos musculares é constante. 
Quando machucados, a recuperação tem que ser rápida e, não raramente, bastante dolorosa. 
 Inclusive, uma das técnicas recentes que tem sido empregada no meio esportivo com vistas 
a obter uma célere recuperação do atleta é a PRP (plasma rico em plaqueta). Nela, utiliza-se sangue 
do próprio atleta na recuperação de traumas e lesões em músculos e tendões: extrai-se sangue do 
paciente, que é filtrado; após, esse sangue é processado numa centrífuga que separa as plaquetas (de 
alto poder regenerativo), que, por sua vez, serão usadas nas áreas atingidas
35
. 
 Ressalte-se que grandes equipes esportivas possuem médicos, químicos e farmacêuticos 
dentre os seus integrantes, para desenvolverem terapias, métodos de treino e fármacos que otimizem 
os resultados de seus atletas. Concomitantemente, tem-se a contínua preocupação de que essas 
novas técnicas não impliquem a detecção em exames antidoping. 
 Aliás, no que tange aos melhoramentos humanos no âmbito dos esportes, o doping é 
assunto de proeminência. Inicialmente traduzido pelo uso de drogas que aperfeiçoem o desempenho 
dos atletas, o doping adquiriu uma acepção mais restrita ao uso de drogas ilícitas que visam a 
melhorar a atuação de um atleta de elite
36
. Para tanto, a Agência Mundial Anti-Doping (WADA) 
edita, todos os anos, em seu Código Mundial Anti-Doping, a “Lista Proibida”, que contém a relação 
das substâncias vetadas aos atletas de elite
37
. Numa análise comparativa entre as últimas listas, 
observa-se um recrudescimento das normas, em que se tem uma preocupação de se aumentar o rol 
de proibições, descritas, cada vez mais, de maneira minuciosa. Paralelamente, a WADA tem 
 
34
 OYAMA, Thaís. Phelps, O Super-Homem. Com reportagem de Anna Paula Buchalla e Naiara Magalhães. 
Veja, São Paulo, ed. 2074, ano 41, n. 33, p. 88-90, 20 ago. 2008. 
35
 ESPORTE ESPETACULAR. Técnica revolucionária melhora índice de recuperação de lesões. 10 jan. 
2010. [Vídeo disponível em: <http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM1188225-7824-
TECNICA+REVOLUCIONARIA+MELHORA+INDICE+DE+RECUPERACAO+DE+LESOES,00.html>. 
Acesso: 16 jun. 2010.] 
36
 Nesse sentido, a cafeína, embora tenha a potencialidade de melhorar o desempenho dos atletas que a 
utilizem, foi retirada da lista antidoping. Em esportes de resistência, ela aumenta em 20% a diferença do 
tempo de exaustão dentre os atletas que estão competindo. Hoje, o uso da substância é tido como 
suficientemente seguro, de modo que não é mais considerada doping. Cf. FODDY, Bennett; SAVULESCU, 
Julian. Ethics of Performance Enhancement in Sport: Drugs and Gene Doping. In: ASHCROFT, R. E.; 
DAWSON, A.; DRAPER, H.; MCMILLAN J. R. (ed.). Principles of Health Care Ethics. 2. ed. Londres: 
John Wiley & Sons Ltd., 207, p. 511-520. 
37
 A respeito da última lista editada, referente ao ano de 2010, cf. WORLD ANTI-DOPING AGENCY. The 
World Anti-Doping Code: The 2010 Anti-Doping List: International Standard. 19 set. 2009. Disponível em: 
<http://www.wada-ama.org/en/World-Anti-Doping-Program/Sports-and-Anti-Doping-
Organizations/International-Standards/Prohibited-List/>. Acesso: 16 jun. 2010. 
14 
 
destacado e incentivado os governos estatais a criarem normas internas antidoping, bem como a 
assinarem acordos internacionais antidoping, a exemplo da Convenção da UNESCO
38
, da qual o 
Brasil é signatário. 
 Todavia, enquanto as organizações esportivas internacionais, inclusive o Comitê 
Olímpico, consideram a prática de doping antiética, filósofos-éticos sustentam que melhorar as 
habilidades humanas faz parte do espírito dos esportes humanos – afinal, “escolher ser melhor é ser 
humano”39. Propõem, assim, a flexibilização das regras antidoping e/ou o banimento delas40. 
 De todo modo, a incursão tecnológica nos esportes é flagrante. Uniformes e equipamentos 
esportivos aumentam o desempenho e o próprio conforto dos atletas. A preocupação não mais se 
restringe ao uso de substância intracorporais, mas também a produtos que, tal como o uso de 
doping, se associam ao corpo do atleta, aumentando-lhe o desempenho – fala-se, então, em doping 
high-tech
41
. É o caso dos maiôs usados na natação. Tanto que, para garantir condições mínimas de 
competitividade no esporte, a Federação Internacional de Natação atualiza, constantemente, a lista 
de uniformes permitidos
42
. 
 Assim, ao mesmo tempo em que implica vantagens, a tecnologia deflagra situações 
imprevisíveis e que carecem de soluções desvinculadas de pré-conceitos. Cite-se o caso de Oscar 
Pistorius, que teve duas pernas amputadas abaixo do joelho, e cujo uso de próteses o possibilitou a 
disputar provas de corrida, como atleta de elite. Não obstante os índices significativos alcançados e 
o desejo de ser o primeiro corredor amputado a disputar as Olimpíadas, a possibilidade de 
participação do atleta em corridas que não sejam destinadas a para-atletas tem sofrido forte 
resistência. Alega-se, frequentemente, que as próteses lhe dão vantagem injusta sobre os demais 
competidores que fazem uso de suas pernas “naturais”, de modo que a sua participação atingiria a 
pureza do esporte
43
. 
 
38
 Sobre a Convenção Internacional contra o Doping no Esporte, cf. UNESCO. International Convention 
Against Doping in Sport. Paris, 19 out. 2005. Disponível em: <http://www.wada-
ama.org/Documents/World_Anti-Doping_Program/Governments/UNESCO_Convention.pdf>. Acesso: 16 
jun. 2010. 
39
 SAVULESCU, J.; FODDY, B.; CLAYTON, M. Why we should allow performance enhancing drugs in 
sport. British Journal of Sports Medicine. n. 38, dez. 2004, p. 670. 
40
 Cf. SAVULESCU, J.; FODDY, B.; CLAYTON, M. Why we should…, cit., p. 666-670; FODDY, Bennett; 
SAVULESCU, Julian. Ethics of Performance…, cit., p. 511-520. TÄNNJÖ, Torbjön. Medical Enhancement 
and the Ethos of Elite Sport. In: SAVULESCU, Julian; BOSTROM, Nick (ed.). Human Enhancement. 
Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 315-326. 
41
 LUZ, Sérgio Ruiz. Doping high tech. Veja, São Paulo, ed. 1649, 17 maio 2000. Disponível em: 
<http://veja.abril.com.br/170500/p_102.html>. Acesso: 16 jun. 2010. 
42
 Cf. FINA. Lista de Uniformes de Natação Permitidos. Disponível em: 
<http://www.fina.org/H2O/index.php?option=com_content&view=article&id=917&Itemid=461>. Acesso: 
18 jun. 2010. 
43
 TÄNNJÖ, Torbjön. Medical Enhancement…, cit., p. 323. 
15 
 
 Desse modo, a velocidade com que se produzem novas tecnologias tem suscitado debates 
constantes acerca do que deva ser proibido econduzem à própria reflexão de qual é o verdadeiro 
significado do esporte e do chamado espírito esportivo. 
 Conforme já apontado, com a progressiva profissionalização, atletas procuram nos esportes 
muito mais do que entretenimento: esporte é fonte de renda, e ganhar competições implica ganhar 
dinheiro. O esporte passa, então, a ser fortemente considerado como projeto de vida e, para obtê-lo, 
não são medidos esforços: treinamentos, dietas, uso de substâncias (lícitas e ilícitas)... Nega-se, 
portanto, a imagem arraigada no senso comum de que esporte está intimamente atrelado à saúde. 
 Não obstante, é indispensável frisar a diferença entre os usos do corpo nos esportes de elite 
e nos esportes amadores. Nestes, é possível identificar o ideal de Paideia Grega, resgatado por 
Coubertin na reorganização das Olimpíadas nos tempos modernos: o esporte auxiliando na 
formação da pessoa humana. Não por acaso as atividades físicas são constantemente incentivadas 
por profissionais, especialmente da área da saúde, como elemento importante na obtenção do bem-
estar físico, mental e social. 
 
 
 
4.4 O Uso Sexual e Hedonista do Corpo 
 
 Uma das maiores contradições na história dos usos do corpo no Brasil diz respeito às 
práticas sexuais. Há uma permanente tensão entre a normalização do sexo e a sua vivência 
cotidiana. Tal remonta aos tempos da Colônia, de forma perene e contumaz, devido, também, à 
forte influência da Igreja Católica. 
 As Ordenações Filipinas, por exemplo, cuidavam de reprimir, com severidade, qualquer 
forma de relação homossexual ou de bestialismo: 
 
Título XIII 
Dos que cometem pecado de sodomia, e com alimárias [bestialismo] 
 
Toda pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por qualquer 
maneira cometer, seja queimado, e feito por fogo em pó, para que nunca de seu 
corpo e sepultura possa haver memória [...]. E esta Lei queremos que também se 
entenda, e haja lugar nas mulheres que umas com as outras cometem pecado contra 
a natureza [...]. Outrossim, qualquer homem ou mulher que carnalmente tiver 
ajuntamento com alguma alimária, seja queimado e feito em pó [...]. 
 
16 
 
Porém, o contraste entre a Lei e os diversos usos sexuais do corpo era patente, como se 
depreende do texto de VAINFAS, acerca das relações entre escravidão e sexo: 
 
Enlaces entre senhores e escravas, utilização homossexual de cativos, paixões ou 
violências que pontuavam, no mundo sexual, as relações entre o mundo dos 
senhores e o da senzala, nada disso falta à documentação judiciária relacionada à 
Colônia
44
. 
 
Mais além, VAINFAS afirma sobre a homossexualidade: 
 
Veja-se, por exemplo, o caso da sodomia, comportamento sexual que, assimilado 
pela Inquisição portuguesa ao crime de heresia, rendeu centenas de processos [...]. 
Há relações entre mulheres adultas, jogos sexuais entre moças e crianças, 
brincadeiras eróticas de meninas, tudo envolvendo brancas, índias, negras e 
mestiças em circunstâncias as mais variadas
45
. 
 
Ressalte-se que as práticas sexuais sempre tiveram lugar marginal na vida das pessoas. 
Situavam-se, sobretudo, na “senzala”, sendo proibida a busca do sexo para mero deleite ou prazer, 
pelas “boas” famílias. 
A mudança de postura ante as práticas sexuais, no Brasil, começa a ser vivida somente a 
partir da República. A dissociação entre religião e sexo ocorre de maneira lenta, de forma que a 
“boa família burguesa” passa a buscar o prazer sexual dentro e fora do casamento46. 
No entanto, o amor homossexual permanece bastante carregado de pechas, principalmente 
na primeira metade do século XX no Brasil47. Mesmo vivendo em um estado laico, não faltaram 
intervenções de cunho religioso e médico para “curar” esses “desvios”, como o “transplante de 
testículos”, a convulsoterapia, a injeção de insulina e a internação psiquiátrica48. 
Não se pretende, aqui, reconstruir todo esse processo, da Colônia aos dias de hoje, da 
tensão entre busca de deleites sexuais, ou da realização da Vida Boa no sexo e o aparato legal 
regulatório. Porém, é correto afirmar que, nos tempos hodiernos, o mesmo paradoxo ocorre, em 
 
44
 VAINFAS, Ronaldo. Moralidades Brasílicas. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da Vida Privada no 
Brasil: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 234-
235. 
45
 VAINFAS, Ronaldo. Moralidades..., cit., p. 243 e 244. 
46
 DEL PRIORE, Mary. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005, p. 231. 
47
 DEL PRIORE, Mary. História..., cit., p. 296. 
48
 DEL PRIORE, Mary. História..., cit., p. 296. A situação chega a impressionar nos EUA, onde somente em 
1961 o Estado de Illinois tornou a sodomia um ato legal. Na Inglaterra, a prática também só foi legalizada na 
década de 1960. Cf. HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991 [Age of 
Extremes]. Trad. Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 316. 
17 
 
outros níveis, havendo choque entre a mentalidade judiciária e a multifacetada vivência dos usos 
eróticos, sexuais e hedonistas do corpo. 
Para evidenciar o anacronismo brasileiro, faz-se necessária uma breve incursão sobre as 
mudanças comportamentais no que tange a sexo e gênero no Ocidente, no período que sucede a 
Segunda Grande Guerra. 
 
 
A. O Sexo como Prazer 
 
Em nível mundial, pode-se afirmar com mais convicção que, apenas a partir dos anos de 
1960, sexo é abordado sob a ótica da “satisfação de necessidade e dos desejos para alcançar o tema 
da felicidade”49. 
Dentre os antecedentes mais importantes, está o famoso Relatório Kinsey
50
, de 1948. Uma 
das afirmações mais relevantes derivadas da equipe de Kinsey foi a de que “apenas minorias da 
população americana eram puramente heterossexuais ou homossexuais”; a ocorrência circunstancial 
de amores diversos pelo mesmo sexo, por parte de homens, em alguma fase da vida, era bem mais 
comum do que se pensava
51
. 
Posteriormente, muitas pesquisas científicas destacaram o papel do prazer feminino no 
sexo, que não estava circunscrito à maternidade
52
. Citem-se a pesquisa Human Sexual Response, de 
1966, com análise científica do gozo feminino
53
, e o Hite Report on Female Sexuality, de 1976
54
. A 
descoberta da pílula anticoncepcional, nos anos 1950, também foi imprescindível nesse processo, 
auxiliando no desencadeamento da revolução de costumes das décadas de 1960 e 1970. Em síntese, 
houve uma inédita dissociação entre sexo para fins reprodutivos e sexo para mero deleite, ou prazer 
e felicidade. 
O próximo passo é o que poderia ser chamado de “revolução gay”. As possibilidades de 
realização do prazer sexual com pessoas do mesmo sexo já são razoavelmente aceitas. O 
homossexual contemporâneo pode mesmo se desligar do caráter supostamente desviante de sua 
atuação. A bissexualidade, por sua vez, já é comum, e pode ser vivida sem se tornar uma opção 
definitiva. 
 
49
 MUCHEMBLED, Robert. O Orgasmo e o Ocidente: Uma história do prazer do século XVI a nossos dias 
[L‟Orgasme et L‟Occident]. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 281. 
50
 Trabalho acerca da sexualidade humana liderado pelo pesquisador Alfred Kinsey. 
51
 MUCHEMBLED, Robert. O Orgasmo..., cit., p. 304. 
52
 MUCHEMBLED, Robert. O Orgasmo..., cit., p. 286. 
53
 MUCHEMBLED, Robert. O Orgasmo..., cit., p. 305. 
54
 MUCHEMBLED, Robert. O Orgasmo..., cit., p. 327. 
18 
 
Nesse sentido, a heterossexualidade é vista não como a “opção natural”, mas apenas uma 
das diversas opções de vivência do prazer sexual. As diversasteorias que enquadravam a 
homossexualidade como patologia são tidas como anacrônicas, ao menos do ponto de vista 
científico. O que se chamava “perversão” revela-se como opção individual de escolha da busca pelo 
prazer, ao mesmo tempo em que se preconiza a democracia como uma possível afirmação da 
pluralidade sexual
55
. 
 
 
 
B. Sexo e Morfologia 
 
Uma nova revolução, ainda mais radical que a dos anos 1970, está em curso, e, novamente, 
passa desapercebida pelas práticas judiciais: a da plena dissociação entre morfologia corpórea e 
identidade sexual. 
Apesar de se tornarem cada vez mais comuns as cirurgias de modificação de sexo 
(transgenitalização), o Conselho Federal de Medicina ainda considera a transexualidade como 
patologia – conforme depreende da exposição de motivos da resolução CFM nº 1.652/2002. A 
cirurgia só pode ser praticada segundo requisitos previstos na citada Resolução, que caracteriza o 
transexual: 
 
Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios 
abaixo enumerados: 
1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 
2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e 
secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 
3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, 
dois anos; 
4) Ausência de outros transtornos mentais. 
 
[Destacou-se] 
 
Parece, entretanto, que a cirurgia é apenas mais uma das possibilidades de reinvenção 
sexual. Superado o “determinismo morfológico”, bem como os tabus relativos às práticas sexuais 
(desalojadas da pecha de perversões), as possibilidades tornam-se infinitas. A apresentação pública 
do corpo, bem como o seu uso sexual hedonista, não precisa coincidir com a morfologia genital, por 
 
55
 GIDDENS, Anthony. A Transformação da Intimidade: Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades 
Modernas [Transformation of Intimancy]. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Unesp, 1993, p. 197. 
19 
 
exemplo. Aliás, esse novo espaço de intimidade ganha força cogente em uma nova leitura do 
“Direito à Intimidade”, positivado no Art. 5º, X da Constituição de 1988. 
Como expressão das identidades individual e coletiva, a sexualidade não se resume ao ato 
sexual em si. Pelo contrário, a busca da vida boa (ainda que tendente ao egoísmo), como 
fundamento último do Direito, deve abranger todas as formas de vivência sensual. Decorrência 
lógica é que a sensualidade/sexualidade caminha na exata tensão entre morfologia corporal e 
sociabilidade. Se, por um lado, essa morfologia pode condicionar as opções sexuais, por outro, o 
uso da liberdade corporal não se faz de maneira solipsista. 
Assim, na medida em que a identidade só se constrói na presença do outro, é necessário 
que haja o reconhecimento público das diversas formas de vivência sexual. Tal aporte passa pela 
política de autoafirmação de identidades possíveis (homossexualidade, heterossexualidade, 
bissexualidade, pansexualidade, celibato, etc.) e nunca limitadas heteronomamente como forma de 
bem viver
56
. 
Para tanto, o direito fundamental do livre uso do corpo deve implicar a acessibilidade a 
técnicas médicas de manipulação, como a cirurgia de transgenitalização, a ser franqueadas na esfera 
pública
57
. 
 
 
 
5. CONCLUSÃO 
 
 O corpo é um dos maiores reveladores da identidade. É ele quem medeia a comunicação 
simbólica, cada vez mais intensa, numa época em que se primam pela mídia de massa e pela 
reprodutibilidade quase infinita da imagem. 
 Pensar a integridade física nos moldes tradicionais do intangível torna-se, então, 
inadequado. Os usos estéticos, médicos, esportivos e sexuais do corpo solapam as tentativas de 
sacralizá-lo. 
 
56
 Tal assunto já foi tratado pelos autores no trabalho intitulado de “Para Além das Heterodoxias: O Direito à 
Autodeterminação Sexual”, apresentado no “I Congresso da Associação Mineira de Pós-Graduandos em 
Direito, Edição Belo Horizonte”, realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas 
Gerais, em 14 de maio de 2010. 
57
 O conceito de saúde, pela OMS, envolve bem-estar físico, mental e social. Logo, as terapias a serem 
financiadas pelo Estado, especificamente, não podem ser reduzidas ao tratamento de doenças estrito senso. A 
discussão acerca do financiamento da saúde pública, num contexto de recursos escassos, é problema bastante 
complexo, a ser tratado em outra oportunidade. 
20 
 
 O desafio que se apresenta é outro: a busca da verdadeira autonomia no uso do próprio 
corpo. 
 A partir do momento em que se ressalta a estética corporal, corre-se o risco de se ter a 
identidade massificada pela indústria da moda, pela medicina altamente cosmética e pela busca 
(impossível) do corpo perfeito. Da mesma maneira, o esporte profissional, como uma das poucas 
alternativas de enriquecimento, pode conduzir a uma manipulação corporal irrefletida, com vistas a 
superar recordes estabelecidos. 
 Contudo, a vivência verdadeira da autonomia da vontade implica a (auto)apropriação 
consciente do corpo dentro de um projeto de vida mais amplo, que inclua noções de construção da 
dignidade. 
 Desse modo, o caminho para a vivência da democracia corporal propende ao 
recrudescimento. Uma vez experimentado o autodomínio de si, a intangibilidade torna-se um mito a 
ser esquecido e o livre uso do corpo sobreleva-se como direito da personalidade adutor da 
autorrealização e da vida boa. 
 
 
 
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