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Diógenes Afonso de Oliveira AMBIGUIDADE E POLISSEMIA NA PROPAGANDA: ESTUDO DE CASOS Trabalho de Conclusão de Curso de Pós- graduação lato sensu em Língua Portuguesa, apresentado ao Centro Universitário Barão de Mauá. Orientadora: Carolina Donega Bernardes Recife 2013 AMBIGUIDADE E POLISSEMIA NA PROPAGANDA: ESTUDO DE CASOS Diógenes Afonso de Oliveira1 RESUMO: O uso do recurso da ambiguidade lexical – como expediente semântico de compreensão da mensagem associada à linguagem não verbal – é cada vez mais presente na produção do gênero textual propaganda. Construções ambíguas, nesse gênero textual, implicitam forte motivação persuasiva, visando a atitudes comportamentais positivas no interlocutor diante da temática difundida. Nesse sentido, é pertinente avaliar a contribuição do fenômeno semântico da polissemia em textos de propagandas planejadamente ambíguos. Palavras-chave: Ambiguidade lexical; Linguagem verbo-visual; Polissemia; Propaganda; Semântica 1 INTRODUÇÃO De acordo com os estudos semânticos feitos até aqui, parece ser ponto pacífico que a ambiguidade lexical se configura, de um modo geral, como fenômeno semântico a partir do qual determinados segmentos construídos em alguns atos de comunicação projetam mais de um sentido. Segundo essas investigações, esse tipo de ambiguidade seguiria um caminho em que se verificaria, na construção da mensagem, uma dupla possibilidade interpretativa. Parece concordante entre os estudiosos, também, que a ambiguidade lexical pode apresentar dois vieses decorrentes de variados fatores. Um dos vieses estaria vinculado a um problema de construção: alguém pretende dizer ou escrever algo e, 1 Graduado em Letras pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE), especialização em Língua Portuguesa pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo - SP, Brasil. E-mail do autor: diafonsoport11@yahoo.com.br. Orientadora: Carolina Donega Bernardes. de repente, dois sentidos se apresentam ao interlocutor, comprometendo a clareza daquilo que se desejou expressar. Aqui, está-se diante da ambiguidade como problema de construção cujo "ruído" se faz perceber na relação entre interlocutores numa dada situação comunicativa, como na construção frasal que se segue: [1] A ambiguidade é um problema de construção na produção da mensagem. Ela se dá a partir de vários fatores. Nota-se que o pronome "Ela" pode ter os seguintes referentes: "ambiguidade", "construção", "produção", "produção da mensagem" e "mensagem". Qualquer que seja o referente escolhido, teremos vieses interpretativos. Ao que parece, o autor desejou informar que “A ambiguidade [...] se dá a partir de vários fatores", todavia o pronome "Ela" - que introduz o segundo período - poderia estar se referindo ao segmento "produção da mensagem", por exemplo. E o que se teria? Um deslocamento temático, pois o foco não seria mais a "ambiguidade", mas a "produção da mensagem" que se daria "a partir de diversos fatores". Já um outro viés interpretativo indica que nem tudo em relação à ambiguidade lexical é problema de construção que venha impedir a apreensão do exato sentido do que se quis dizer. Basta observar, em determinados textos publicitários e propagandísticos, por exemplo, o uso deliberado e intencional da ambiguidade, baseada no léxico, como recurso semântico expressivo. É o que se pode ler abaixo: [2] "Moreno pede Socorro!" Com esse slogan, uma candidata à Câmara de Vereadores da cidade de Moreno (região metropolitana de Recife, Pernambuco) intencionou conquistar os votos dos cidadãos apelando para a ambiguidade como um recurso para se fazer ouvir. Se há um pedido de "Socorro!", é porque problemas vários deviam estar ocorrendo na cidade, como má administração dos recursos públicos, falta de melhoria na estrutura sanitária, descaso com a saúde pública, com a segurança, com habitação etc. Diante desse contexto político, só uma candidata teria como atender ao "apelo" da cidade e sanar os problemas ali existentes: Socorro. De modo planejado, a candidata – de sobrenome Socorro - se utilizou do recurso da ambiguidade para angariar os votos necessários à sua eleição à Câmara Municipal da cidade de Moreno. As considerações acima2, anteriormente publicadas no site Brasil Escola e com outra perspectiva de análise, foram feitas em virtude de não só se delimitar o campo de abordagem desse artigo – que toma o fenômeno da ambiguidade enquanto construção planejada e intencional –, mas também identificar o campo textual de discussão, qual seja, textos propagandísticos construídos a partir da linguagem verbo-visual. Com efeito, é possível constatar que, em diversos textos de propaganda, a presença do recurso da ambiguidade lexical em associação com a linguagem não verbal é uma realidade que nos cerca enquanto leitores das frequentes produções verbo-visuais circulantes no meio social. Tem-se notado, nesse tipo de texto, certa recorrência quanto ao uso do recurso da ambiguidade lexical como expediente semântico de compreensão da mensagem veiculada. É possível perceber também que a utilização de determinadas construções planejadamente ambíguas – baseadas no léxico e com o apoio da linguagem não verbal – apresenta forte motivação persuasiva, visando a atitudes comportamentais positivas do interlocutor diante da temática difundida. Nesse sentido e tomando como referenciais teóricos a abordagem que Márcia Cançado (2008), Nelly Carvalho (2001), Claudio Cezar Henriques (2009), Antonio Vicente Pietroforte e Ivã Carlos Lopes (2008) fazem dos fenômenos semânticos da ambiguidade decorrente da polissemia, cabe avaliar, neste artigo, não só a aplicabilidade que segmentos planejadamente ambíguos apresentam em determinadas peças propagandísticas, mas também o seu exitoso alcance na direção do principal alvo: o interlocutor. Para tanto, tomar-se-ão, como exemplificação textual, duas peças propagandísticas sugeridas pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), órgão subordinado ao Ministério das Cidades, do Governo Federal. Ambas as peças – a primeira veiculada em 2011; a segunda, em 2013 – tratam do alerta persuasivo quanto ao perigo de se misturar bebida e direção. 2 Cf. <http://meuartigo.brasilescola.com/portugues/ambiguidade-para-alem-texto-verbal.htm> 2 O FENÔMENO DA AMBIGUIDADE EM TEXTOS VERBO-VISUAIS PROPAGANDÍSTICOS 2.1 Propaganda X Publicidade Ao tratar do recurso da ambiguidade em textos propagandísticos, é oportuno deixar clara, aqui, a distinção de sentido que se dá ao termo propaganda a fim de não tomá-lo como equivalente de publicidade. Nelly Carvalho (2001, p. 9) traça as peculiaridades destes dois termos da seguinte forma: Alguns autores, como Charaudeau (1984, p. 1), consideram o termo propaganda mais abrangente que publicidade. O primeiro estaria relacionado à mensagem política, religiosa, institucional e comercial, enquanto o segundo seria relativo apenas a mensagens comerciais. Afirma ainda a autora que, embora os métodos utilizados por uma e outra se assemelhem, elas se diferenciam quanto ao universo explorado: a propaganda estaria, então, “(...) voltada para a esfera dos valores éticos e sociais, enquanto a publicidade [exploraria] o universo dos desejos, um universo particular.” (Carvalho, 2001, p. 10). Assim sendo, pode-se afirmar ser a propaganda um gênero textual investido da condição precípua de transitar pelo universo da difusão de ideias visando a um público-alvo que, de alguma forma, necessita ser conscientizadona direção de uma mudança de atitude comportamental. Isso pode ser verificado nas diversas campanhas educativas ligadas a questões envolvendo o meio ambiente, o trânsito, a saúde pública etc. No intuito de “cumprir” essa “tarefa comunicativa conscientizadora”, o produtor das mensagens veiculadas em peças propagandísticas de cunho ideológico se vale dos mais diversos recursos disponibilizados pelas linguagens e códigos promotores de efetiva comunicação. Dentre esses recursos, vale ressaltar não apenas o uso articulado da linguagem verbal e não verbal, mas também – e no bojo dessa articulação – a utilização de expedientes semânticos, como, especificamente, a ambiguidade lexical gerada pelo fenômeno da polissemia e os efeitos persuasivos que essa conjunção provoca no interlocutor, alvo da mensagem. 2.2 Linguagem verbal, não verbal e mista Os atos de comunicação – considerados como um processo de interação estabelecido entre interlocutores: o produtor da mensagem e o alvo dessa mensagem – são construídos no uso da linguagem. Segundo Seila Mar Dias Barros (2012, p. 4), a linguagem [...] pode ser entendida como uma representação, feita por meio de sinais, que permite a comunicação e a interação entre as pessoas. Estão embutidas na linguagem de cada membro de uma comunidade linguística uma dimensão material – a dança, a pintura, a música, a fotografia, os gestos, a escultura, entre outros – e uma semântica, que carrega de sentido a linguagem e que está intrinsecamente ligada ao contexto em que foi empregada, ao momento histórico em que se concretiza e aos interlocutores que pressupõe. Dessa forma é que, no processo comunicativo, o produtor ou emissor da mensagem pode se valer da: a. linguagem verbal, cujo paradigma se assenta na palavra (falada ou escrita) ou, mais especificamente, no signo linguístico, como se pode verificar no exemplo abaixo: A Mata Atlântica A Mata Atlântica abrangia uma área equivalente a 1.315.460 km2 e estendia- se originalmente ao longo de 17 Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí). Hoje, restam 8,5 % de remanescentes florestais acima de 100 hectares do que existia originalmente. Somados todos os fragmentos de floresta nativa acima de 3 hectares, temos atualmente 12,5%. É um Hotspot mundial, ou seja, uma das áreas mais ricas em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta e também decretada Reserva da Biosfera pela Unesco e Patrimônio Nacional, na Constituição Federal de 1988. A composição original da Mata Atlântica é um mosaico de vegetações definidas como florestas ombrófilas densa, aberta e mista; florestas estacionais decidual e semidecidual; campos de altitude, mangues e restingas. Disponível em <http://www.sosma.org.br/nossa-causa/a-mata-atlantica/#.dpuf> Acesso em: 28 set.2013. b. linguagem não verbal, por meio da qual a interação se realiza com base na não palavra. A interação é feita, então, por meio de outras unidades, por meio de quaisquer expressões que venham a construir significados a partir do código não verbal. Desse modo é que essa linguagem faz uso de signos não linguísticos, como cores, expressões gestuais, sons não vocálicos, imagens etc., conforme se pode ver a seguir: Disponível em: <http://ong-alerta.blogspot.com.br/2009/09/faixa-de-seguranca-o-que-diz- o-codigo.html> Acesso em: 28 set. 2013. c. linguagem mista, que reúne as duas dimensões materiais da linguagem anteriormente citadas, utilizando-se de unidades distintas, mas com forte entrelaçamento para se alcançar o propósito comunicativo veiculado pela mensagem. É o que se percebe nas histórias em quadrinhos, no cinema, no teatro, nas peças publicitárias e propagandísticas etc., de acordo com o que se pode notar abaixo: Disponível em: <http://www.paradapelavida.com.br/wp-content/uploads/2013/06/CARTAZ- 46X64-M.CIDADES-JUNINA.pdf> Acesso em: 29 set. 2013. 2.3 O fenômeno semântico da ambiguidade decorrente da polissemia Partindo da discussão de alguns fenômenos semânticos sob a perspectiva da abordagem referencial3, isto é, aquela moldada pela relação entre expressões e objetos extralinguísticos em que o significado mantém uma referência com o mundo, Márcia Cançado (2008) aponta ambiguidade e seus tipos como sendo um fenômeno decorrente da associação “duplicada” que o leitor faz entre palavras ou grupo de palavras, atribuindo-lhes mais de um sentido. Nelly Carvalho (2011), por seu turno, diz que a ambiguidade não deve ser confundida com imprecisão. A ambiguidade se comportaria como uma qualidade que as línguas possuem de possibilitar duas interpretações de uma mesma mensagem, podendo ser aquilo que é veiculado resultante de uma construção frasal intencionalmente planejada. Já a imprecisão estaria circunscrita à acidentalidade e à involuntariedade. Claudio Cezar Henriques (2009), apoiado no que afirma Ullmann (apud Carlos Cezar Henriques, 2009), ensina-nos que a ambiguidade se manifesta por razões de ordem diversa e cita três delas: 3 Aqui, considera-se, como parâmetro investigativo, a noção de “significado” associada à ideia de referência tal como propõe a semântica formal, lógica ou referencial, por oposição à ideia de “significado” ligada à representação mental (CANÇADO, 2008, pp. 23-24). a. fonética – está ligada à oralidade ou à língua falada e decorre, em geral, das coincidências existentes (como possibilidade) entre palavras fonéticas e palavras, como em: “Quando eu era criança, todo mundo na minha casa tinha medo de ‘untar’. Era só chegar ‘untar’ de cobrador que a tristeza tomava conta da tropa.”. No exemplo, avalia-se a ambiguidade fonética entre “untar” e “um+tal”4. (HENRIQUES, 2009, p. 178) b. gramatical – refere-se à possiblidade combinatória de palavras com potencial inclinação a gerar duplicidade de sentidos, como se dá em: “Conselho: A sua mãe disse que o seu jantar vai ser servido na mesa do seu quarto? Nessa hora só me resta perguntar: quem tem uma mesa no seu quarto, você ou ela?” [grifo nosso]. Aqui se nota a duplicidade de sentido originária do uso do pronome possessivo “seu”. (idem, ibidem). c. lexical – diz respeito à produção ambígua oriunda das propriedades semânticas da homonímia e da polissemia. Em relação a esta última, expõe-se, como exemplo, a seguinte sentença: “O mundo todo só fala nele.” (chamada de um comercial de telefone celular). Avalia-se, neste exemplo, o uso ambíguo da forma verbal “falar” cujo sentido pode remeter tanto para o uso denotativo (= “conversar, fazer ligações telefônicas”), quanto para o uso conotativo (= “comentar com intensidade”) (idem, ibidem). A ambiguidade lexical pode, como já apontado acima, ser provocada por fenômenos de base semântica, como a homonímia e a polissemia, que é posta aqui como categoria semântica selecionada para o estudo de casos que se analisará mais adiante. Antonio Vicente Seraphim Pietroforte e Ivã Carlos Lopes (2008) afirmam ser a homonímia um fenômeno circunscrito ao significante, pois diz respeito a identidades e semelhanças entre suas imagens acústicas. É o caso, exemplificado pelos autores, de manga (da camisa) e de manga (fruta). Já polissemia está relacionada ao significado, isto é, palavras polissêmicas – por oposição às monossêmicas – apresentam mais de um significado para o mesmo significante. Assim, de acordo com esses autores, ao [...] significante vela correspondem os significados “objeto para iluminação formado de um pavio constituído de fios entrelaçados, recobertode cera ou 4 Em algumas comunidades linguísticas do Nordeste brasileiro, dada às variações diatópicas (geográficas), a produção fonética “um+tar” é pronunciada como “um+tá”, sem a pronúncia do –r. estearina”; “peça que causa a ignição dos motores”; “pano que, com o vento, impele as embarcações”, etc. (p. 131) Vale dizer que a polissemia, ainda em consonância com Antonio Vicente Seraphim Pietroforte e Ivã Carlos Lopes (2008), ganha “musculatura” semântica a partir do contexto em que a palavra é usada: “A linguagem humana é polissêmica, pois os signos, tendo um caráter arbitrário e ganhando seu valor nas relações com os outros signos, sofrem alterações de significado em cada contexto. A polissemia depende do fato de os signos serem usados em contextos distintos.” (p. 132) No bojo desses referenciais teóricos sobre o conceito de ambiguidade, é que, neste artigo, propõe-se a apresentação de um recorte duplo em duas produções propagandísticas: a abordagem específica quanto ao uso do recurso semântico da ambiguidade lexical – decorrente do fenômeno da polissemia – e um direcionamento reflexivo sobre a associação desse recurso – de cunho demarcadamente linguístico – com a confecção textual baseada na não verbalidade. Quer-se dizer com isso que se pretenderá fazer uma análise da ambiguidade gerada pela polissemia em textos cuja dimensão material se instaura a partir do verbal e do não verbal, além de, implicitamente, apontar para o propósito comunicativo, tendo como alvo o leitor. 3. ESTUDO DE CASOS 3.1 Propaganda 1: Denatran (Carnaval 2011) Disponível em:<http://pontoecontraponto.com.br/2011/03/05/denatran-apela-para-pegacao-em- campanha-educativa-para-o-carnaval/> Acesso em: 29 set. 2013. Já discutida sob outra perspectiva desprovida de um explícito referencial teórico5, a peça acima – parte da campanha “Sou Legal no Trânsito” e veiculada sob a tutela do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), órgão subordinado ao Ministério das Cidades – pretendeu estimular "a melhor pegada" no carnaval de 2011. As cidades-alvos foram Recife, Rio de Janeiro e Salvador que, como se sabe, são polos carnavalescos com grande convergência de foliões e folionas. Uma detida análise do texto em questão denuncia, por um lado, que a expressão "A melhor pegada" – associada às imagens de corpos masculinos e femininos se abraçando – “orienta” o destinatário da mensagem, a partir de uma primeira leitura, a inferir um sentido que, convencionalmente, se atribui à expressão cujo significado, nesse primeiro contato de decodificação da linguagem verbo-visual, diz respeito ao relacionamento marcadamente sensual com alguém ou mesmo a bolinação de outro[a]. Por outro lado, uma nova interpretação da mensagem se delineia à medida que se vai avançando pelos recursos verbal – “pegar táxi, ônibus ou carona depois de beber.” – e visual – imagens do transporte coletivo e da placa indicativa “TAXI" (sic). Mas a que se deve essa dupla possibilidade interpretativa tomando por base o primeiro segmento linguístico, sua sequência e o conjunto dos recursos visuais? A resposta está no uso que se fez, na propaganda, da palavra “pegada” cuja aproximação contextual do campo semântico de “pegação” é evidente, como evidente é a presença do recurso semântico da ambiguidade derivado da polissemia. O dicionário Aulete Digital lista dois sentidos para o termo “pegação”: 1. “busca de alguém para se relacionar sensualmente”; 2. “o mesmo que bolinação”, significando esta palavra, ainda segundo ao Aulete, (2) “Prática de buscar contatos íntimos com outra pessoa em aglomerações, veículos, salas de espetáculos etc.”. Por si só, a palavra “pegada” (ressalte-se a aproximação de sentido dessa palavra com “pegação”) não provoca nenhuma dubiedade semântica a não ser em consonância com as imagens de corpos se entrelaçando, vistos na peça propagandística. 5 Cf. <http://profdiafonsoeducacional.blogspot.com.br/2011/03/ambiguidade-como-recurso-de- construcao.html> Com efeito, “pegada” (“pegação”) assume um caráter polissêmico a partir do momento em que o leitor consegue entrelaçá-la à dimensão não verbal da mensagem. Nesse sentido, a peça evidencia uma maneira peculiar de perceber como o fenômeno da ambiguidade – ativado pela polissemia – pode se dar em estreita e concomitante relação com a confecção da linguagem não verbal. Desse modo é possível se falar em uma certa faceta da polissemia, qual seja a polissemia linguístico-visual. A ambiguidade decorrente da polissemia linguístico-visual, nas duas peças, intenciona atingir o imaginário do folião(ona) enquanto destinatário(a) por excelência, já que, ao apelar para o componente sexual – implicitado no campo semântico da expressão "A melhor pegada/pegação" e na apresentação de modelos masculino e feminino abraçados ou não -, ativa, subliminarmente, uma certa "interdição" para um outro ato: a "pegada" irresponsável do volante, isto é, a prática de dirigir após a ingestão de bebida alcoólica. A expressão “A melhor pegada” – relacionada à dimensão imagética – se reveste, dessa forma, de uma proposta pedagógica cuja intenção é conscientizar, no período momesco, motoristas-foliões e motoristas-folionas a não serem condutores de seus próprios veículos, valendo-se de outros meios de transportes. O propósito comunicativo da mensagem, presente na peça, e a eficiência comunicativa alcançada são plasmados pelo uso da ambiguidade provocada pela polissemia linguístico-visual, como já se afirmou. A peça manifesta a intenção comunicativa de evitar que carnavalescos(as) sejam causadores de acidentes de trânsito na volta para casa ou na ida para os polos de animação. Claro deve ficar que não só a abordagem global do que é veiculado na peça – envolvendo as dimensões verbo-visuais da linguagem –, mas também o conhecimento de mundo do receptor desfazem a ambiguidade e proporcionam uma leitura que pretende expressar uma vontade: a de que não haja acidentes automobilísticos por imprudência e irresponsabilidade. 3.2 Propaganda 2: Denatran (São João 2013) Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=t9_S1fs2QdA> Acesso em: 29 set. 2013 - captura de tela de vídeo disponibilizado no You Tube. Esta peça propagandística – que também aborda momentos festivos e a relação danosa entre direção e álcool – faz parte de um conjunto de peças da campanha “Parada Pela Vida” cujo propósito é promover a divulgação não só de informações importantes sobre o trânsito, mas também de ações criadas para que haja uma redução drástica no número de mortes e de acidentes nas estradas brasileiras. Nesse caso, a festividade a que se refere a peça é o São João, com forte predominância no Nordeste do Brasil. É possível verificar, nas peças criadas para esse período junino, a mensagem imperativa: “No São João, a tradição fica melhor quando preservamos a vida.”. A busca pelo alcance da eficiência comunicativa dessa mensagem trilha o mesmo caminho da peça anteriormente analisada, isto é, intenciona convencer o participante desse universo festivo a se precaver e a ser comedido na hora de ingerir bebida alcoólica e associar esse comportamento ao volante, denunciando as possibilidades perversas desse ato irresponsável. Esse convencimento é, também, construído com base nos recursos verbo- visuais utilizados nos atos de comunicação. Assim é que a ambiguidade derivada da polissemia – enquanto conjunção das dimensões linguísticas e não linguísticas – é percebida pela leitura da peça. A dupla possibilidade interpretativa se instaura a partir das cenas sequenciais veiculadas no vídeo. Ela se constrói a partir da combinaçãoentre: a terceira cena do vídeo (ambiente festivo, pessoas dançando e aparece um personagem eufórico que chega a uma mesa – na qual já se encontram outros personagens –, senta-se e diz: “Essa ‘rodada’ é por minha conta!”); e a quarta (um veículo descontrolado surge, de forma trágica e impactante, rodando ribanceira abaixo). Para efeito de exame da terceira cena, considera-se como predominante o meramente linguístico, isto é, a cadeia frasal que se pode ler, desprezando os aspectos não linguísticos presentes na cena. Assim é que, no contexto, a palavra “rodada” tem, em seu campo de sentido, um dos significados que o Aulete Digital no traz: cada uma das vezes em que são servidas bebidas às pessoas que, juntas, ingerem bebida alcoólica em um bar. Na cena subsequente, a imagem de um veículo rodando e se projetando para o que parece ser um quase acentuado declive geográfico “desloca” o sentido da palavra “rodada”. Agora, ela se reveste de um outro significado, qual seja, o de girar, rodopiar, capotar. Em outras palavras, pode-se afirmar que a construção frasal da mensagem realiza seu propósito comunicativo-pedagógico a partir do estabelecimento dessa relação verbo-visual: rodada (palavra) sem o carro rodando (imagem) jamais atingiria o significado pretendido. Uma vez mais, como se pode notar, a ambiguidade – fenômeno semântico que pode ser efeito da polissemia – se fez presente numa peça propagandística. Uma vez mais, também, pode-se perceber o êxito na construção de um texto em que os recursos semânticos emanam do cruzamento das dimensões materiais da linguagem. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cumpre esclarecer, à guisa de conclusão, que não se pretendeu realizar o esgotamento do leque de discussões propiciadas pela abordagem do tópico da polissemia, tampouco enveredar pela seara das diferentes constituições das linguagens e dos recursos expressivos da publicidade, da propaganda ou mesmo dos expedientes gráficos, ou cênicos dos exemplos eleitos para esta análise. Pretendeu-se, sobretudo, aventar o quanto se mostra prenhe de perspectivas de estudo o recurso da ambiguidade lexical como expediente semântico de compreensão da mensagem associada à linguagem não verbal e como se pode constatar, em uma produção do gênero textual propaganda, tal manifestação. As construções ambíguas, no gênero textual estudado, implicitam forte motivação persuasiva, visando a atitudes comportamentais positivas no interlocutor diante da temática difundida. Entretanto, compreender esse fenômeno não puramente linguístico transcende à investigação apenas da ambiguidade lexical; é ulterior ao entendimento dos aspectos semânticos da polissemia e se torna um vetor acadêmico para as investigações sobre as relações interacionais do interlocutor de textos planejadamente ambíguos. Resta oportuno, nesse sentido, ratificar os estudos que Márcia Cançado (2008), Nelly Carvalho (2001), Claudio Cezar Henriques (2009), Antonio Vicente Pietroforte e Ivã Carlos Lopes (2008) fazem dos fenômenos semânticos da ambiguidade decorrente da polissemia e apontar a necessidade de se perlustrar o quanto a elaboração de mensagens propagandísticas se apropria dos recursos estudados por tais referenciais teóricos e dos demais elementos próprios de diferentes linguagens (cinematográfica, pictórica, visual) na construção de sentidos na relação estabelecida com o interlocutor. Configura-se, portanto, a carência de se investigar essa perspectiva analítica do discurso persuasivo-pedagógico em textos propagandísticos como resultante dessa empreitada acadêmica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: PIETROFORTE, Antonio Vicente; LOPES, Ivã Carlos. A Semântica lexical. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à linguística II – princípios de análise. 4ª ed., 2ª reimpressão, São Paulo: Contexto, 2008. BARROS, Seila Mar Dias. Estudos da Linguagem. São Paulo: FTD, 2012. CANÇADO, Márcia. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2001. HENRIQUES, Claudio Cezar. Língua Portuguesa: semântica e estilística. Curitiba: IESDE, 2009.
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