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Conhecendo um pouco a historia dos surdos

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Conhecendo um pouco da história dos surdos 
 
Silvana Araújo Silva1 
 
 Atualmente tem-se ouvido falar em surdos e em língua de sinais – Libras, 
mas, o que realmente sabemos sobre os surdos? Torna-se relevante apresentar 
momentos na história desses indivíduos que certamente contribuem para que os 
surdos a cada momento conquistem o espaço que lhes é devido. 
 Na antiguidade, os Gregos viam os surdos como animais, pois para eles o 
pensamento se dava mediante a fala. Sem a audição os surdos na época ficavam 
fora dos ensinamentos e com isso, não adquiriam o conhecimento. 
 Os Romanos privavam os surdos de direitos legais, eles não se casavam, 
não herdavam os bens da família e diante da religião, a igreja católica considerava 
os surdos sem salvação, ou seja, não iriam para o reino de Deus após a morte. 
Pode-se dizer que a condição do sujeito surdo era a mais miserável de todas, pois 
a sociedade os considerava como imbecis, anormais, incompetentes. 
A mudança começou a partir de um religioso surdo chamado Ponce de 
León, um monge beneditino, que vivia em uma cidade da Espanha.Seus alunos 
eram surdos filhos de nobres que, preocupados com a exclusão de seus filhos 
diante da sociedade e da lei, procuravam León para os auxiliar. O monge dedicou-
se a ensinar os surdos a ler, escrever, falar e aprender as doutrinas da fé católica, 
como afirma Moura (2000 p.18). “A possibilidade do Surdo falar implicava no seu 
reconhecimento como cidadão e conseqüentemente no seu direito de receber a 
fortuna e o título da família”. 
Partindo desse pressuposto de que o surdo teria que falar para ser 
humanizado, outros defensores do mesmo pensamento foram surgindo. Serão 
elencados alguns deles com suas contribuições. 
Juan Pablo Bonet – soldado do serviço secreto do rei, resolveu educar 
surdos. De acordo com a história, Bonet utilizava-se do alfabeto manual para 
 
1
 Professora de surdos na rede Estadual de Ensino, intérprete de Libras, professora de Libras na UEL e 
membro do Núcleo de Acessibilidade da UEL. 
- 2009 - 
Londrina – PR 
 
ensinar a leitura e a língua de sinais para ensinar a gramática apesar de ser um 
defensor da oralidade, não dispensou o auxílio da língua de sinais em seu 
trabalho. 
Jacob Rodrigues Pereire – educador fluente em língua de sinais, porém 
defensor da oralidade.Em suas aulas o objetivo a ser alcançado era o de fazer 
surdos falarem, no entanto, usava a língua de sinais, como cita Moura (2000 p.19). 
“Os sinais eram utilizados para instruções, explicações lexicais, 
conversações com os alunos, até eles terem a capacidade de poder se comunicar 
oralmente ou pela escrita [...]”. 
Johann Conrad Amman – medico suíço, acreditava que os surdos eram 
destituídos das bênçãos de Deus, pois não possuíam a fala.Para ele o uso dos 
sinais atrapalhava o desenvolvimento do pensamento e conseqüentemente da 
fala.Apesar de posicionar-se contra os sinais, Amman os utilizava como meio para 
que os surdos adquirissem a fala. 
 John Wallis – é considerado na Inglaterra, o fundador do oralismo. Seu 
trabalho resumiu-se em um livro sobre educação de surdos e uma história de 
desistência de fazer os surdos falarem. Possuiu pouca experiência prática com os 
surdos e como os outros, utilizava a língua de sinais. 
 Thomas Braidwood – seu objetivo em educar os surdos estava em faze-
los falar, pois para ele falar significava ser um sujeito pensante.A história relata 
que em suas aulas, os surdos aprendiam a escrever, ler,o significado das palavras 
bem como a leitura orofacial e pronuncia das palavras.Com o seu suposto 
sucesso, Braidwood viu que o trabalho com os surdos trazia-lhe benefícios 
financeiros e começou a comercializar o seu método.Aqueles que desejavam 
utilizar seus métodos assumiam o compromisso de pagar metade de seus ganhos 
ao criador e manter em absoluto segredo os passos para se trabalhar com os 
surdos.Moura (2000, p.22) faz uma observação relevante. 
 “Podemos perceber, nas histórias 
acima apresentadas, que o oralismo tinha 
como argumento aparente a necessidade de 
humanização do Surdo, mas que, na verdade, 
escondia outras necessidades particulares de 
seus defensores,que visavam o lucro e o 
prestigio social”. 
 
 Como seus antecessores, Braidwood e sua família perceberam que o 
fracasso de seu método estava exatamente na não utilização da língua de sinais. 
 Infelizmente, a tentativa de “curar” os surdos ainda estava em discussão, 
apesar dos resultados negativos. Oliver Sacks, em seu livro Vendo Vozes (1998, 
p. 38), relata a situação da época e deixa transparecer uma certa fragilidade no 
discurso dos defensores da oralidade. 
 “Havia, de fato, verdadeiros dilemas, como 
sempre houvera, e eles existem até hoje. De 
que valia, indagar-se, o uso de sinais sem a 
fala? Isso não restringiria os surdos, na vida 
cotidiana, ao relacionamento com outros 
surdos? Não se deveria, em vez disso, 
ensina-los a falar (e ler os lábios), permitindo 
a eles, plena integração com a população em 
geral? A comunicação por sinais não deveria 
ser proibida, para não interferir na fala?”. 
 
 
 Observa-se que havia uma certa resistência em aceitar o fracasso, mas ao 
mesmo tempo a visão da surdez como doença ainda persistia. Com isso, o falar 
oralmente continuava sendo o objetivo maior na educação dos surdos. 
 A história dos surdos começou a caminhar por outra direção, graças as 
discussões que giravam em torno da condição semi humana dos surdos. Alguns 
filósofos da época como Sócrates, pensava que os símbolos tinham que ser 
falados, já o Sócrates possuía o seguinte pensamento. 
“Se não tivéssemos voz nem língua e ainda 
assim quiséssemos expressar coisas uns aos 
outros, não deveríamos, como aqueles que 
ora são mudos, esforçar-nos para transmitir o 
que desejássemos dizer com as mãos, a 
cabeça e outras partes do corpo?”. 
 
 Apesar da ignorância que muitos possuíam sobre a surdez e o indivíduo 
surdo, o filósofo teve uma compreensão da realidade surda que poucos tiveram 
até aquele momento. 
 O médico e filósofo Cardano no século XVI percebeu de forma clara que os 
surdos poderiam ter acesso a língua falada de outras formas, ou seja, sem a 
necessidade de usar o canal oral , como será constatado no seguinte trecho de 
sua fala, citado por Sacks (1998, p.29) 
 “É possível dar a um surdo – mudo condições 
de ouvir pela leitura e de falar pela escrita [...], 
pois assim como diferentes sons são usados 
convencionalmente para significar coisas 
diferentes, também podem ter essa função as 
diversas figuras de objetos e palavras. [...] 
Caracteres escritos e idéias podem ser 
conectados sem a intervenção de sons 
verdadeiros.” 
 
 
 
 
 As discussões sobre os surdos geraram uma inquietação no coração de 
um religioso francês – Charles Michel de L´Epée. Em 1760 L´Epée, por motivos 
religiosos, aproximou-se dos surdos para aprender a língua de sinais francesa, 
pois como os surdos não ouviam e não falavam como os demais, estavam 
condenados diante da fé católica.Os surdos não tinham acesso aos ensinamentos 
do catolicismo e tão pouco os praticava, sem contar que não tinham direito a 
confissão de pecados. L´Epée aprendeu os sinais e iniciou a educação de surdos 
na França, ensinando além da religião, conhecimentos a nível escolar. Este fato 
pode ser constatado com a seguinte passagem “[...] E então, associando sinais a 
figuras e palavras escritas, o abade ensinou-os a ler; e com isso, de um golpe, 
deu-lhes o acesso aos conhecimentos e à cultura do mundo”. Sacks (1998, p.30) 
 Outro fator importante que justifica seu sucesso com a educação de surdos 
foi algo que pode ser considerado inovador para a época,ele possuía em sua sala 
a presença de um intérprete de língua de sinais, auxiliando no processo de ensino 
aprendizagem, Sacks explica de forma resumida a trajetória do abade como 
professor de surdos. 
 “O sistema metódico de L´Epée – uma 
combinação da língua de sinais nativa com 
gramática francesa traduzida em sinais – 
permitia aos alunos surdos escrever o que 
era dito por meio de um intérprete que se 
comunicava por sinais, um método tão bem 
sucedido que, pela primeira vez, permitiu que 
alunos surdos comuns lessem e escrevessem 
em francês e, assim, adquirissem educação”. 
 
 Os surdos viviam um momento especial em suas vidas, pois 
experimentavam o sabor de “falar” a sua própria língua, ser entendido, refletir e 
opinar sobre diferentes assuntos, como pode-se comprovar através do relato de 
Pierre Desloges – surdo que veio conhecer e utilizar a língua de sinais na idade 
adulta. 
“No início de minha enfermidade, e enquanto 
vivi separado de outras pessoas surdas [...] 
não tive conhecimento da língua de sinais. Eu 
usava apenas sinais esparsos, isolados e não 
relacionados. Desconhecia a arte de 
combina-los para formar imagens distintas 
com as quais podemos representar várias 
idéias, transmiti-las a nossos iguais e 
conversar em discurso lógico”. Sacks (1998 p. 
31). 
 
A experiência de Desloges foi realmente importante para se reconhecer a 
língua de sinais como uma língua natural dos surdos e o caminho para o 
conhecimento. Como a língua de sinais para os surdos é uma língua natural, 
independente do tempo que esse surdo demorar em ter contato com a língua de 
sinais, ele não terá dificuldades em aprende-la como teria com a língua oral. 
Sacks ao observar o relato de Desloges sobre seu período de total 
ignorância por ser um indivíduo surdo, faz uma reflexão sobre a situação de 
surdez sem uma língua. 
“Foi o que afirmei anteriormente que a surdez 
pré-lingüística é potencialmente muito mais 
devastadora do que a cegueira. Pois, ela 
pode predispor a pessoa, a menos que isso 
seja prevenido, à condição de ficar 
praticamente sem língua – e de ser incapaz 
de”proposicionar” - o que forçosamente se 
compara à afasia, um mal no qual o próprio 
raciocínio pode tornar-se incoerente e 
paralisado. Os surdos sem língua podem de 
fato ser como imbecis – e de um modo 
particularmente cruel, pois a inteligência, 
embora presente e talvez abundante, fica 
trancada pelo tempo que durar a ausência de 
uma língua.” ( 1998, p. 32-33). 
 
 Observa-se que as dificuldades que os surdos possuíam não estavam de certa 
forma associadas ao retardo mental, mas sim a falta de conhecimento de uma língua que 
o levasse a pensar. 
 Faz-se relevante a explicação com relação a surdez associada a outras doenças, 
pois o surdo nem sempre será apenas surdo. Em algumas situações, o surdo pode nascer 
surdo-cego, surdo com problemas mentais, surdo com problemas psíquicos, surdo com 
paralisia cerebral, entre outras. Essas situações podem ocorrer por dificuldades na hora 
do parto, doenças durante a gravidez e por fatores genéticos. 
 A situação de calamidade que envolvia os surdos era apenas lingüística, 
após o conhecimento da língua de sinais esta situação mudou, pois os surdos 
começaram a partir daí uma “nova vida”, com identidade e cultura própria. Eles 
passaram a acreditar mais em si, a reconhecer suas limitações e a buscar a 
superação desses limites. 
 Foi no auge da língua de sinais que houve um grande número de 
professores surdos nas escolas e consequentemente, mais escolas para surdos 
foram surgindo. Moura (2000), torna-se objetiva ao se referir a vida de um surdo 
que faz uso da língua de sinais para se comunicar: 
“Apenas quando o Surdo pode se ver e ser 
visto, encarnar e ser encarnado como um 
sujeito com capacidades e habilidades, 
possibilidades de ser e vir a ser é que ele 
poderá ter o seu papel de ser social 
totalmente desempenhado na sociedade”.(p. 
60) 
 Infelizmente os surdos não foram tão bem aceitos como esperavam, pois a 
sociedade mesmo vendo a capacidade dos surdos, demoraram a aceitar a 
utilização da língua de sinais, os surdos uniram-se cada vez mais em prol de uma 
comunidade, de uma cultura e de uma língua. 
 Em 1789, L´Epée morre e a França passa por um período difícil e de 
mudanças significativas que de certo modo atingiria os surdos. Abbé Sicard é o 
novo sucessor do abade morto e assume brilhantemente o seu cargo. Ele 
escreveu dois livros, um sobre gramática e o outro apresentando métodos de 
como educar os surdos. Como L`Epée, Sicard fez a escola crescer e isto 
despertou a inveja se assim pode-se dizer dos defensores do oralismo. 
A morte de Sicard em 1822 daria o direito natural a sucessão ao famoso 
professor surdo Jean Massieu. Infelizmente por motivos de força maior, Baron 
Joseph Marie de Gérando, diretor administrativo do Instituto, nomeou Jean Marc 
Itard. Juntos tornaram-se terríveis opositores da língua de sinais. 
Joseph Marie de Gérando, diretor administrativo do Instituto, nomeou Jean 
Marc Itard, juntos tornaram-se terríveis opositores da língua de sinais. Itard não 
possuía nenhuma formação para educar surdos, na verdade ele era médico 
cirurgião. Seu interesse iniciou com o atendimento de um surdo dentro do Instituto 
Nacional de Surdos – mudos e tornou-se médico residente lá. Como médico que 
era, empenhou-se em descobrir as causas da surdez. Suas experiências dão 
margem a diferentes tipos de interpretações, uma delas poderia ser vista como um 
ato desumano e cruel. A outra seria tomar o lugar de Deus, tentando realizar o 
impossível. Moura (2000,p.). 
“[...] Para realizar seus estudos, ele dissecou 
cadáveres de Surdos e tentou vários 
procedimentos: aplicar cargas elétricas nos 
ouvidos de Surdos, usar sanguessugas para 
provocar sangramentos, furar as membranas 
timpânicas de alunos (sendo que um deles 
morreu por este motivo). Fez várias 
experiências e publicou vários artigos sobre 
uma técnica especial para colocar cateteres no 
ouvido de pessoas com problemas auditivos, 
tornando -se famoso e dando nome à Sonda 
de Itard”. 
 
Todas as tentativas eram valorizadas com relação a cura dos surdos. Não 
importavam os caminhos, pois para a sociedade a surdez era uma doença que 
necessitava ser curada a qualquer preço. 
 Itard empenhou-se em treinar os surdos para a fala, pois de acordo com 
Moura (2000 p.27). 
“A única esperança para se” salvar “o Surdo 
seria através do desenvolvimento da fala, que 
o transformaria, e isto só poderia ser feito 
através de treinamento articulatório e da 
restauração da audição, pois, se a audição 
fosse restaurada, a fala também o seria”. 
 
Havia um grande equívoco, que mais tarde seria reconhecido, o surdo não 
precisaria falar pelo meio oral para se tornar um ser pensante ou um cidadão. A 
língua de sinais lhe dava as mesmas condições que uma língua falada dá aos 
seus usuários ouvintes. Como se pode confirmar através do brilhante e 
emocionante relato de Sacks (1989 p.32). 
 
 
“[...] Os surdos sem língua podem de fato ser 
como imbecis – e de um modo particularmente 
cruel, pois a inteligência, embora presente e 
talvez abundante, fica trancada pelo tempo 
que durar a ausência de uma língua. Assim, o 
abade Sicard está correto, além de ser 
poético, quando escreve que a introdução da 
língua de sinais ' abre as portas da [...] 
inteligência pela primeira vez”. 
“A língua [de sinais] que usamos entre nós, 
sendo uma imagem fiel do objeto expresso, é 
singularmente apropriada para tornar nossas 
idéias acuradas e para ampliar nossa 
compreensão, obrigando-nos a adquirir o 
hábito da observação e análise constantes. 
Essa língua é vívida; retrata sentimentos e 
desenvolve a imaginação. Nenhuma outralíngua é mais adequada para transmitir 
emoções fortes e intensas”. 
 
 
 
 
 Pode surgir a questão de que esse relato carrega a visão de um 
ouvinte, defensor da língua de sinais, com isso seu discurso talvez não tenha tanto 
“peso”. Neste caso, será exposto um trecho no qual Sacks (1989, p.33), coloca a 
fala de Pierre Desloges, um surdo que conheceu a língua de sinais após adulto. 
 
 “A língua [de sinais] que usamos entre nós, 
sendo uma imagem fiel do objeto expresso, é 
singularmente apropriada para tornar nossas 
idéias acuradas e para ampliar nossa 
compreensão, obrigando-nos a adquirir o 
hábito da observação e análise constantes. 
Essa língua é vívida; retrata sentimentos e 
desenvolve a imaginação. Nenhuma outra 
língua é mais adequada para transmitir 
emoções fortes e intensas”. 
 
 Apesar de seu fracasso com a oralidade Itard tentou se “safar” de uma 
possível culpa e Moura (2000, p.27) apresentam razões que comprovam esse 
fato. 
“Ele passou então a treinar a fala diretamente. 
Isto fez com que os alunos falassem, mas logo 
ele descobriu que eles não o faziam de 
maneira natural e fluente. Desde que a sua 
proposta era a transformação do Surdo em 
ouvinte, a ausência da fala fluente não serviu 
ao seu propósito e ele então culpou a Língua 
de Sinais usada na escola pela falha de 
desenvolvimento da capacidade de fala dos 
Surdos”. 
 
 Segundo a história, Itard após dezesseis anos de tentativas e experiências 
frustradas de oralização, reconheceu que o Surdo só pode ser educado através da 
língua de sinais. 
 O reconhecimento de Itard não foi em vão e muito menos sem uma 
comprovação de sua parte. Sacks (1998, p.67) apresenta em seu livro – Vendo 
Vozes, um trecho da carta escrita por uma intérprete de língua de sinais, Susan 
Schaller, em que ela coloca a situação antes e atual do surdo que ela 
acompanhava. 
“Atualmente [escreveu Schaller] estou 
escrevendo um relato sobre a bem – sucedida 
aquisição da primeira língua num surdo de 27 
anos com surdez pré – lingüística. Ele nasceu 
surdo e nunca tinha sido exposto a nenhuma 
língua, inclusive a língua de sinais. Meu aluno, 
que jamais se comunicara com outro ser 
humano durante 27 anos ( exceto por 
expressões concretas e funcionais via 
mímica), espantosamente sobreviveu à sua 
vida de “confinamento solitário”sem a 
desintegração de sua personalidade”. 
 
 Pode-se observar neste relato que um indivíduo surdo em idade adulta, ao 
ter contato com a língua de sinais, a adquiriu com naturalidade, comprovando o 
que Itard demorou em reconhecer. 
 
 
 
 
 
“Por que a pessoa surda sem instrução é 
isolada na natureza e incapaz de comunicar-
se com os outros homens? Por que ela está 
reduzida a esse estado de imbecilidade? 
Será que sua constituição biológica difere da 
nossa? Será que ela não possui tudo de que 
precisa para ter sensações, adquirir idéias e 
combiná-las para fazer tudo o que fazemos? 
Será que não recebe impressões sensoriais 
dos objetos como nós recebemos? Não 
serão essas, como ocorre conosco, a causa 
das sensações da mente e das idéias que a 
mente adquire? Por que então a pessoa 
surda permanece estúpida enquanto nos 
tornamos inteligentes? 
Sacks “(1998, p.28)”. 
 
 Pierre Desloges em 1779 foi o primeiro surdo a ter seu livro publicado, 
contando sua experiência como um surdo sem-língua, vivendo em uma sociedade 
preconceituosa e equivocada. No trecho a seguir, citado por Sacks(1998), 
observa-se a emoção do surdo ao se referir a língua de sinais que o tirou da 
ignorância aparente em que vivia: 
 
“A língua [de sinais] (grifo do autor) que 
usamos entre nós, sendo uma imagem fiel do 
objeto expresso, é singularmente apropriada 
para tornar nossas idéias acuradas e para 
ampliar nossa compreensão, obrigando-nos 
a adquirir o hábito da observação e análise 
constantes. Essa língua é vívida; retrata 
sentimentos e desenvolve a imaginação. 
Nenhuma outra língua é mais adequada para 
transmitir emoções fortes e intensas”.(p.33). 
 
 Quantos anos os surdos viveram de imagens das quais não possuíam idéia 
do que realmente eram ou do que se tratavam por não possuírem uma língua. A 
língua de sinais permitiu aos surdos o uso de suas capacidades intelectuais e 
emocionais. 
 Em 1789, ano da morte do abade de L'Epée, haviam criado cerca de vinte 
e uma escolas para surdos na França e Europa. 
possível, com isso, iniciou uma série de experiências médicas para tentar 
descobrir causas visíveis da surdez. Moura (2000) descreve os tipos de 
experiências realizadas pelo médico: 
“Para realizar seus estudos, ele dissecou 
cadáveres de surdos e tentou vários 
procedimentos: aplicar cargas elétricas nos 
ouvidos de surdos, usar sanguessugas para 
provocar sangramentos, furar as membranas 
timpânicas de alunos ( sendo que um deles 
morreu por este motivo) .( grifo do autor)[...] 
Ele também fraturou o crânio de alguns 
alunos e infeccionou pontos atrás das 
orelhas deles.”(p.25) 
 
 As tentativas de restaurar a audição dos surdos foram fracassadas, então, 
começou um treinamento auditivo com o intuito de fazer com que os surdos 
falassem.Os resultados foram negativos e fizeram com que Itard mais uma vez 
mudasse a sua estratégia, passando a treinar a fala, porém, sem resultados 
eficazes.Os surdos não possuíam nenhuma fluência como os ouvintes e, 
consequentemente associou-se este fracasso a língua de sinais,caso ela não 
existisse, os surdos não teriam outra forma de comunicação e seriam forçados a 
utilizar a língua oral. Este pensamento ainda permeia algumas mentes nos dias 
atuais, mentes de familiares de surdos e até de professores de surdos. 
 Itard após muitos anos de tentativas rende-se a um fato incontestável, os 
surdos precisam da língua de sinais para o seu aprendizado, como afirma Moura 
(2000). 
“O próprio Itard, após dezesseis anos de 
tentativas e experiências frustradas de oralização 
e remediação da surdez, sem conseguir atingir 
os objetivos desejados, rendeu-se ao fato de que 
o surdo só pode ser educado através da Língua 
de Sinais. Ele continuaria defendendo a tese de 
que alguns poucos poderiam se beneficiar do 
treinamento de fala, mas mesmo para estes ele 
passou a considerar que a única forma possível 
de comunicação e de ensino deveria ser a 
Língua de Sinais”.(p.27) 
 
 Apesar deste reconhecimento, outro poderoso defensor do oralismo se 
levanta, Alexander Grahan Bell, homem de autoridade e prestígio por ser um 
gênio tecnológico, votou a favor da oralidade no Congresso Internacional de 
Educadores de Surdos, em 1880 em Milão. 
 Vale apena ressaltar que neste Congresso, os professores surdos foram 
excluídos da votação, suas opiniões não eram de grande valia e sim, as opiniões 
dos ouvintes. 
 Sacks (1998), cita a situação do momento após a abolição oficial da Língua 
de Sinais, que deixa claro o momento de caos que se instala: 
“Os alunos surdos foram proibidos de usar sua 
própria língua” natural “(grifo do autor) e, dali 
por diante, forçados a aprender, o melhor que 
pudessem, a (para eles) (grifo do autor)” 
artificial “língua falada. E talvez isso seja 
condizente com o espírito da época, seu 
arrogante senso da ciência como poder, de 
comandar a natureza e nunca se dobrar a 
ela”.(p.40) 
 
 O oralismo foi uma proposta que não trouxe nenhum benefício para os surdos 
profundos, pois nem todos os surdos foram bem-sucedidos com a leitura labial e 
muitos emitiam sons incompreensíveis aos ouvintes.Com isso, os surdos se 
sentiam incapazes e doentes por não conseguirem ser como os ouvintes. De 
acordo com Bell, os surdos eram doentes e para serem curados deveriam negar a 
sua própria surdez e passar a agir como ouvintes. Pode-se dizer que este 
momento na vidados surdos foi de grande agonia, pois teriam que viver uma vida 
que não condizia com a sua natureza e ter que adotar posturas as quais não 
faziam parte da sua realidade surda. 
 Quadros (1997), define em poucas palavras o que o oralismo fez com os 
surdos além de desconsiderar a sua língua, ela “simplesmente desconsidera 
essas questões relacionadas à cultura e sociedade surda”.(p.23) 
 A proposta oralista a cada momento se fortalecia, pois surgiam fortes 
defensores como Ferreri, líder dos educadores de surdos na Itália, que via na 
língua de sinais algo rudimentar, constrangedor e primitivo, como Moura (2000) 
relata que “para ele a língua de sinais era uma mímica violenta e espasmódica”. 
 Esse tipo de preconceito com relação a língua de sinais se espalhou por 
muitos países que adotaram essa concepção de Ferreri. Os surdos ao usarem a 
língua de sinais em sala ou dentro do limite escolar eram repreendidos com a 
seguinte fala: _ Pare! Você é igual a um macaco? Os surdos sem direito de 
defesa, aceitavam aquela condição repressora, humilhante, sem respeito ao 
direito humano de usar a sua própria língua. Os familiares também viam a língua 
de sinais como algo feio, vergonhoso, inconcebível para um ser humano normal. 
 A proibição trouxe resultados negativos para a comunidade dos 
surdos, pois muitos com dificuldades na oralidade, deixaram de adquirir 
conhecimentos, de se comunicar em sala de aula e expor sua opinião.Os 
professores eram defensores da oralidade e em suas aulas davam enfoque ao 
falar palavras e expressões, do que trabalhar os conteúdos, pois o importante não 
era adquirir conhecimento e sim, a fala. 
Enquanto crianças ouvintes em escolas comuns aprendiam conteúdos 
relacionados a idade e série em que estavam, os surdos tinham seus preciosos 
horários gastos em exercícios que auxiliassem a oralidade. Se havia alguma 
pretensão em igualar os surdos com os ouvintes, essa situação não estava 
contribuindo. 
Ao percorrer um pouco da história dos surdos, pode-se observar um trajeto 
cheio de imposições, de experimentos sem sucesso e muito preconceito. Os 
surdos como eram vistos realmente não teriam muitas chances nesta sociedade 
oralista e denominada superior diante de uma língua espaço visual mas, alguém 
começou a enxergar diferente e hoje os surdos podem utilizar a sua língua sem 
medo e sem a vergonha que antes pesava sobre os seus ombros. Para que os 
surdos vivam em igualdade com os ouvintes, primeiramente eles precisam ser 
aceitos como são – surdos que utilizam uma língua diferente, porém rica e 
expressiva como qualquer outra língua. 
Com a utilização de sua língua natural, a língua de sinais, os surdos 
conseguiram mostrar que é capaz de pensar, aprender, interagir com o seu meio, 
exercer a sua cidadania, porém, ainda falta uma parcela da comunidade ouvinte 
que necessita mudar o seu olhar com relação ao ser surdo. O preconceito em 
grande parte é fruto da ignorância, ou seja, o desconhecimento gera crenças 
errôneas, mitos, desconforto e até uma certa repulsa. 
Nota-se que as tentativas de fazer o surdo se tornar ouvinte não foram 
poucas, felizmente os resultados mostraram que as tentativas deveriam caminhar 
para a aceitação da condição do surdo e de sua língua, que difere de uma língua 
oral sim, mas tão rica e tão expressiva quanto. Sem dúvida os surdos não poderão 
ser tratados iguais aos ouvintes em alguns aspectos, principalmente no aspecto 
da língua, pois isto levaria ao mesmo erro do passado, mas pode-se buscar meios 
aos quais o surdo possa sentir-se capaz em todos os sentidos e respeitado.

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