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�1 1ª PROVA PIDH Unidade 1 Cap. 1 “Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos” – Cançado Trindade A proteção internacional dos DH: antecedentes e primeiros passos Na época dos dois grandes conflitos mundiais não existiam órgãos internacionais de implementação e aos indivíduos não era reconhecida a capacidade processual no plano internacional. A proteção dos direitos individuais se efetuava inevitavelmente com algumas variantes no contexto das relações interestatais. Assim, não era de se estranhar que um mecanismo baseado em ultima analise no livre arbítrio dos Estados viesse a dar margem a inúmeros abusos de que dá testemunho a prática diplomática do século XIX e inicio do século XX. Os indivíduos e grupos particulares, até então desprovidos de capacidade processual no plano internacional, passaram a atuar nesse muito timidamente através de petições a conferências ad hoc. Mas ainda faltava um órgão internacional permanente para processar tais petições. A capacidade processual dos indivíduos passou a ser gradualmente reconhecida. Na era da SDN destacam-se os sistemas de minorias e de mandatos; em que os habitantes das minorias de certos países europeus podiam enviar petições aos comitês de minorias, e ainda, as petições dos habitantes dos territórios sob mandato eram enviadas a Comissão Permanente dos Mandatos. Tal sistema veio a ter como sucessor na ONU o atual sistema de tutela, sob o qual também se reconhece o direito de petição individual. A capacidade processual internacional dos indivíduos contou assim com reconhecimento em experiências de direito internacional antes mesmo da adoção das Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos (1948), ponto de partida do processo de generalização da proteção internacional dos DH. A Carta Internacional dos Direitos Humanos Ao final das reuniões celebradas em Paris, em 26/06- 02/07/1947, A comissão so Princípios Filosóficos dos DH, da UNESCO, reuniu suas conclusões no documento intitulado: Bases de uma Declaração Internacional de DH. A referida Comissão observou que uma declaração universal confrontar-se-ia com interpretações varias derivadas das distintas filosofias prevalecentes em cada época. Na Declaração, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10/12/1948, foram inclusos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Há que reconhecer o mérito da Comissão de Direitos Humanos por ter conclusivo o Projeto dos dois Pactos, apesar da diversidade de pontos de vista, tarefa difícil de realizar em uma época caracterizada pelos conflitos ideológicos da Guerra Fria e também marcada pelo processo incipiente de descolonização, cujos impactos se podiam fazer sentir em seus trabalhos. O quadro geral de implementação, adotado em 1966, compreendia 3 medidas principais: o sistema de relatórios, comum a ambos os pactos; o sistema de comunicações interestatais, constantes do Pacto de Direitos Civis e Políticos; e o sistema de comunicações individuais. O Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entrou em vigor em 03/01/1976 e o de Direitos Civis e Políticos em 23/03.1976. Com os dois Pactos em vigor, concretizava-se a Carta Internacional dos DH, acelerava-se o processo de generalização da proteção internacional dos DH e abria-se o campo para a gradual passagem da fase legislativa à de implementação dos tratados e instrumentos internacionais de proteção. Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé �2 O Processo de Generalização da proteção internacional dos Direitos Humanos No tocante à projeção normativa, constituíram ambas as Declarações (Americana e de DH) um ímpeto decisivo. Este processo passou a visar a proteção dis ser humano como tal, e não mais sob certas condições ou em setores circunscritos como no passado. As declarações sobre DH abriram caminho para a adoção de tratados sobre a matéria. No decorrer dos anos, e a partir da DUDH de 1948, multiplicaram-se os tratados gerais de DH e os dois Pactos da ONU (supra) e as 3 convenções regionais (Europeia, Americana e Africana) de DH, quanto especializados, voltados a setores ou aspectos especiais da proteção dos DH. A DUDH afigura-se assim como fonte de inspiração e um ponto de irradiação e convergência dos instrumentos sobre DH em nível global e regional. Isso sugere que os instrumentos regionais e globais sobre DH, inspirados e derivados de fonte comum, se complementam, desviando o foco de atenção ou ênfase da questão clássica da estrita delimitação de competências para a da garantia de uma proteção cada vez mais eficaz dos DH. Assim, a multiplicação desses instrumentos globais e regionais teve o propósito e a consequência de ampliar a proteção devida às supostas vítimas. Ressalta-se ainda a interação entre as declarações de DH e os dispositivos das cartas constitutivas de organizações internacionais voltados à observância dos DH. Desse modo, tanto os dois Pactos de DH da ONU quanto as convenções especializadas referem-se não só à DUDH, mas também à Carta das Nações Unidas. Em nível global, a interação entre a DUDH e a Carta das Nações Unidas explica-se pelo fato de que os próprios órgãos da ONU tem não raro utilizado a DUDH como fonte de interpretação dos dispositivos de DH da Carta das Nações Unidas. Independentemente das posições individuais de Estados Membros da ONU em relação a tais convenções, instrumentos tecnicamente não mandatório têm igualmente exercido efeitos jurídicos sobre Estados Membros da Organização. Também, tem-se feito uso do direito internacional no propósito de ampliar e aprimorar a proteção dos DH. No Plano Processual, três são os principais métodos de implementação internacional dos DH, com variantes: o sistema de petições ou reclamações ou comunicações, o sistema de relatórios e o sistema de determinação dos fatos ou investigações. O primeiro é acionado ou provocado pelas supostas vitimas, ao passo que os dois últimos constituem métodos de controle exercidos ex officio pelos órgãos de supervisão internacionais. Os órgão de supervisão internacionais têm operado sobre bases jurídicas distintas, a saber, tratados ou convenções de DH, instrumentos constitutivos das OI e instrumentos outros que tratados (resoluções de OI). Em 1967, a Comissão ECOSOC, passou a lograr de condições necessárias ao estabelecimento de mecanismos para a proteção efetiva dos DH. Assim, a velha objeção da competência nacional exclusiva em relação aos DH passou a não valer mais. Adentramo-nos então, definitivamente na era dos DH, na qual Estado algum pode deixar de responder pelo tratamento dispensado a seus habitantes. Longe de recair em seu domínio reservado, como se invocava no passado, é essa hoje uma matéria de interesse reconhecidamente legítimo por parte da comunidade internacional. Deve-se destacar também o importante papel exercido pelo processo dinâmico de interpretação na evolução da proteção internacional dos DH. Construção jurisprudencial dos distintos órgãos de supervisão internacionais tem se mostrado consistentemente convergente, ao enfatizar o carretam objetivo das obrigações e a necessidade de realização do objeto e propósito dos tratados ou convenções em questão. Alcançamos hoje, um estagio de evolução em que a busca alentadora de um núcleo comum de direitos fundamentais interrogáveis, como conquista definitiva da civilização, ao passo que, concomitantemente, no plano processual, continua a prevalecer a ausência de hierarquia entre os distintos mecanismos de proteção. Tais mecanismos têm, na pratica, se reforçado um ao outro revelando ou compartilhando uma natureza essencialmente complementar. Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé BeatrizSartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé �3 O processo histórico da generalização e expansão da PIDH tem sido marcado pelo fenômeno da multiplicação dos instrumentos de proteção, os quais tem feito acompanhar pela identidade bazuca de propósito e a unidade conceitual (indivisibilidade) dos DH. Tal fenômeno tem acarretado a extensão ou ampliação da proteção devida às supostas vitimas. No presente contexto, o que mais importa é precisamente o grau de proteção devida, e não o plano ou nível em que é exercida; no presente domínio, tem-se feito uso, então, do direito internacional para aprimorar e fortalecer o grau de proteção dos direitos consagrados. A I Conferência Mundial de DH (Teerã, 1968) Essa conferência adotou a Proclamação de Teerã, uma avaliação das duas primeiras décadas de experiência da PIDH na era da ONU, alem de 29 resoluções sobre questões diversas. O ato final reproduziu, ademais, em seus anexos, alguns dos discursos proferidos na Conferência. A grande contribuição dessa conferencia constituiu no tratamento e reavaliação globais da matéria, o que propiciou p reconhecimento e asserção, endossados por resoluções subsequentes da Assembléia Geral da ONU, da interrelação ou indivisibilidade de todo os DH. Algumas resoluções adotadas pela Conferência referem-se à promoção da observância e gozo universais dos DH, tomam os direitos civis e politicos e econômicos, sociais e culturais em seu conjunto, e avançam assim um enfoque essencialmente globaliza da matéria. No entanto, foi a Proclamação de Teerã sobre DH, a que melhor expressão deu a esta nova visão da matéria, constituindo um marco na evolução doutrinária da PIDH. Essa proclamação propugnou pela garantia, pelas leis de todos os países, a cada ser humano, da liberdade de expressão, de informação, de consciência e de religião, assim como do direito de participar da vida política, econômica, cultura, e social de seu pais. Ademais, propugnou pela implementação do principio básico da não discriminação como uma tarefa da maior urgência da humanidade, nos planos internacional assim como nacional. Referiu-se também ao desarmamento geral e completo como uma das maiores aspirações de todos os povos. “Uma vez que os DH e as liberdades fundamentais são invisíveis, a realização plena dos direitos civis e politicos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais é impossível”. A Institucionalização dos Direitos Humanos nas Relações Internacionais do Pós II Guerra Mundial – Renato Zerbini Os preâmbulos dos tratados internacionais são as justificativas éticas, históricas, morais, políticas e sociais da necessidade de existência desses documentos normativos internacionais. O reconhecimento dos DH’s no cenário mundial caminhou junto com o desenvolvimento das Relações Internacionais. Entre o séc XVII e XX a comunidade internacional possuíam as seguintes características principais: 1) os Estados viviam em estado de natureza; 2) um cenário movido por um principio que consistia a consequência necessária das relações individualistas entre os membros daquela sociedade anárquica , o principio da reciprocidade – as normas entre associados regiam-se principalmente por acordos bilaterais ou, em certos casos, multilaterais; entretanto, todos baseados nas reciprocas vantagens dos contratantes; 3) os povos e indivíduos carecem de peso. Os indivíduos aparecem como sujeitos passivos do direito internacional, ou seja, titulares apenas de obrigações internacionais, contra os quais os soberanos poderiam e deveriam lutar com todas as forças. Naquela época os direitos humanos estavam confinados dentro das fronteiras dos Estados pelo principio da soberania estatal. Após a Carta de São Francisco e a Declaração Universal dos Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé �4 DH’s, todas as constituições nacionais proclamadas tiveram, com maior ou menos intensidade, os impactos de suas influencias. Ademais, as Organizações internacionais e regionais existem em coordenação absoluta com a ONU e a DUDH. Portanto, os DH’s estão necessariamente na orbita de todos esses entes de DIP. A positivação dos DH’s no pós II G.M. No segundo pós-guerra lança-se uma doutrina jus naturalista dos DH’s a fim de que seu conteúdo tenha em conta as relações entre cada Estado e seus cidadãos. O conceito tradicional dos DH’s formado na tradição jus naturalista assenta-se em 3 pilares: 1) são inerentes à pessoa humana e prescindem de qualquer reconhecimento positivo; 2) a ordem natural que os sustenta é valida em todas as partes e é imutável, prescindindo do contexto social do indivíduo; 3) Esses direitos são próprios do indivíduo enquanto tais, não dos grupos sociais. A ONU foi criada no pós 2ª G.M, na qual, em seu conselho de segurança, estavam representados os vitoriosos da guerra, de um lado os representantes da democracia liberal e do outro do socialismo. Como Marx acreditava que os princípios dos DH’s eram uma expressão das exigências burguesas, e proclamava que a justiça social e a dignidade humana traziam elementos que transcendiam as fronteiras do Estado como a consciência social de se fazer parte de uma classe trabalhadora onde quer que se esteja. Ou seja, a doutrina dos DH’s estava em conflito com a ideologia e a pratica na URSS. Como a Carta Internacional de Direitos Humanos foi discutida e aprovada durante a bipolaridade, o Preâmbulo da DUDH pugne pela afirmação do indivíduo como sujeito do DIP. Trata-se portanto de um construção factual e jus filosófica consubstanciadora de uma ideia fincada a partir de uma lógica sequencial sustentada nos sujeitos contemporâneos do DIP: Estados, OI’s e os Indivíduos. Pode-se afirmar então que, o preambulo da DUDH é a consagração política da passagem de uma sociedade internacional de viés estatocêntrica, para uma sociedade internacional que reposiciona o indivíduo no epicentro das discussões. Com esse reposicionamento emergem os grandes documentos e tratados internacionais de DH’s. Os direitos humanos nas grandes conferências que antecederam a criação das Nações Unidas O objetivo principal das conferências patrocinadas pelas potências mundiais no período imediatamente anterior à criação da ONU, foi certamente, a manutenção da paz e a segurança internacional, entretanto a vertente dos direitos humanos jamais deixou de configurar como parte da essência de tais documentos. A Conferência de Dumbarton Oaks é de importância fundamental para o atual estagio dos DH’s na ONU, porque foi daí que emergiram as ideias que originariam a Comissão de DH’s tal como concebida atualmente, sob a supervisão do ECOSOC. A Comissão teve papel decisivo na redação e codificação dos artigos que compõe os documentos da Carta Internacional, pois, pela primeira vez, estabelecia explicitamente um compromisso internacional acerca da promoção dos DH’s/ A conferencia de Yalta também teve uma grande importância para a construção dos DH’s na ONU. Essa conferencia determinou por meio da Declaração sobre a Europa Liberada o estabelecimento de instituições democráticas e o compromisso de que os países liberados, sempre que possível, estabeleceriam, por meio de eleições livres, governos que fossem a expressão da vontade dos povos, construindo uma ordem internacional inspirada nas leis da paz, segurança, liberdade e bem-estar da humanidade em sua totalidade. A afirmação dos DH’s na ONU Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé �5 A ONU foi criada durante a Conferência de São Francisco. Desde sua criação notou-se a formação de 4 aglomerações bem definidas que mantinham umaforte influencia nas discussões, desenvolvimento e formação da doutrina dos direitos humanos no seio da entidade. Um grupo de países ocidentais, que rapidamente tomaram a liderança política da instituição. Um segundo bloco formado pelos países da América Latina que agarraram a causa dos direitos humanos, tomando, muitas vezes, nesse campo, decisões mais avançadas que a dos próprios países mais desenvolvidos do hemisfério. O bloco de países socialistas, em conformidade com seus princípios e ideias, aceitaram colaborar no avança dos direitos humanos. E os países asiáticos, com excessão dos muçulmanos dirigidos pela Arabia Saudita e pelo Paquistão, pouca presença tiveram nas discussões iniciais da matéria. Apesar dessas aglomerações, o grosso do confronto politico se deu entre o Ocidente e a Europa Socialista, ou seja, as discussões encarnavam o contexto politico e diplomático da Guerra Fria. Como as potências vitoriosas possuíam problemas no campo de DH’s, a Carta das Nações Unidas contemplava dispositivos bem distantes das expectativas suscitadas por Roosevelt. Os dispositivos da Carta de São Francisco não permitem uma definição clara e precisa dos direitos humanos, ela limita-se a mencionar a promoção e o desenvolvimento dos mesmos, considerados como uma das metas da ONU, juntamente ao seu outro grande objetivo: a manutenção da paz e segurança internacionais. A carta internacional dos direitos humanos Essa carta é um conjunto de documentos conformado pela DUDH, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e por seus protocolos e documentos adicionais. A DUDH legitimava a preocupação da sociedade internacional com a promoção e a proteção dos direitos humanos, condenando as violações maciças e persistentes, inclusive conflitos armados, elegendo a eliminação da pobreza extrema e da exclusão social prioridades internacionais. Portanto, tendo contraído essa obrigações perante a comunidade internacional, os Estados não poderiam, como tampouco podem atualmente, alegar que a matéria é de exclusiva jurisdição domestica. O preâmbulo da DUDH de cara à atualidade das relações internacionais O preâmbulo da DUDH registra as realidades éticas, históricas, morais, políticas, sociais e jurídicas que culminaram com sua proclamação. O preâmbulo constitui-se, então, como uma consideração comente de contornos histórico, politico, social e jurídico que marcam civilização humana da contemporaneidade. A nova multipolaridade é produto de 4 tendências: 1) ascensão ou ressurgimento de uma serie de Estados que prosperam ou renascem e cujos recursos energéticos competem com os das potências tradicionais do Ocidente. 2) O crescente poder dos atores não-estatais; atores que ainda sem nenhuma investidura ou capacidades oficiais, são perfeitamente capazes de mudar ou transformar a agenda de um ou de muitos Estados, assim como de outros sujeitos do Direito Internacional. 3) A transformações na moeda de troca do poder; os avanços nas tecnologias que se podem empregar para a violência oferecem a grupos reduzidos de pessoas a capacidade de desafiar Estados poderosos. 4) Os desafios mesmos do Direito Internacional; sia fragmentação à luz de seu vertiginoso crescimento e setorialização, a proliferação de jurisdições internacionais, a geração de regimes internacionais específicos como meio ambiente, direitos humanos, direito do mar, comercio internacional, e combate ao terrorismo. Em suma, o que produzem todas essas tendências tão Beatriz Sartori Bernabé Beatriz Sartori Bernabé �6 distintamente combinadas é a diminuição do poder relativo dos Estados ocidentais. Na contemporaneidade do multilateralismo desordenado global, a ética e a moral comum esfumam-se meio a um individualismo exacerbado. Os pilares dessa constatação contribuem para a fortaleza da atual crise. Um estado forte e presente, fincado em princípios da ética, da justiça social, da moral, dos direitos humanos indivisíveis, é a única perspectiva possível. A sociedade civil na atualidade das RI – Renato Zerbini A sociedade civil passa a ser um ator principal das relações internacionais no século XXI. Quando se fala em sociedade civil, se trabalha com um conceito sociológico que fala da liberalização das forças sociais, incluídas as forças de mercado, de suas relações autônomas, e também de suas interações com a esfera estatal. Cada um dos atores da sociedade civil organizada tem sua vontade própria, e dirigem suas ações para alcanças os objetos dessa vontade. São exatamente a ação e a vontade humana os fatores que conferem a sociedade civil , os estados e a comunidade internacional uma hierarquia de igualdade que se configura como um todo harmônico e coerente em pró da afirmação da dignidade humana nas relações internacionais. Sob a perspectiva dos direitos humanos, a sociedade civil abrange uma pluralidade de atores que trabalham em favor da dignidade humana. Na area da afirmação da dignidade humana, não se deve mistificar o trabalho da sociedade civil organizada em prol dos direitos humanos. A afirmação da dignidade da pessoa humana demanda um trabalho constante, que deve ser levado a cabo tanto pela sociedade civil, como pelos estados e comunidade internacional. O estado democrático é composto por todos os atores sociais, inclusive a sociedade civil organizada. O Estado deve atuar cada vez mais e decidir considerando a opinião dos outros atores, inclusive os da sociedade civil, como as ONG’s. É importante destacar que a atual sociedade mundial não é unicamente estatocêntrica e é muito difícil para os estados cuidarem de todos os temas atentamente. Assim, a multicentralidade dos atores nas relaciones internacionais tem sido diretamente responsáveis pelo incremento do debate de reconhecimento por parte das organizações internacionais, sobre tudo a ONU e os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos na europa e america, da contribuição dos atores não estatais ao fortalecimento destas organizações. Entretanto, o espaço oficial oferecido a elas para a sociedade civil não é significativo, tampouco representativo para o trabalho que a sociedade civil vem executando em prol da humanidade e da convivência harmonica e pacifica entre os povos e os estados. Os estados e as organizações não podem dar-se ao luxo de trazer a pauta da comunidade internacional sem escutar, elaborar planos comuns e desenvolver ações em conjunto com a sociedade civl, sobretudo em temas de domínio publico, como os direitos humanos. A repercussão da afirmação da sociedade civil nas relações internacionais e no direito internacional Muitas criticas recaem sobre a sociedade civil, sobretudo às ONG’s. As principais são que a a sociedade civil carece de legitimação democrática; é irresponsável; em seu conjunto é um agente do imperialismo; de alguma maneira, funciona como anestesista dos movimentos sociais; e esta aliada às organizações internacionais. A segurança coletiva, entendia no âmbito donde prevalece a concepção mais tradicional das relações internacionais, se fundamenta na soberania como chave do sistema. Recentemente, aconteceu o surgimento de forças não estatais com capacidade de intervenção em múltiplos planos normativos, de gestão de assuntos diversos, de vigilância dos cumprimentos das normas e regras �7 internacionais pelos atores tradicionais. Também é importante assinalar que nunca como agora as interações entre os atores internacionais tiveram efeitos recíprocos tão altos. No contexto global, a maneira em que a sociedade civil pode contribuir para um sistema internacional de segurança coletiva focada em direitos humanos através de três diferentes níveis de ação, nos quais são reconhecidos de forma mais ampla, pela Membros, a necessidade de uma interacçãomais formal e coordenada com a sociedade civil, para além do já existente. São eles: 1. Um plano interno: o desenvolvimento de um esforço conjunto com os Estados internamente no âmbito dos seus três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Ou seja, participar na formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas de segurança, direitos humanos, meio ambiente e redução da pobreza (nos países onde não há taxas de pobreza são registrados, poderá a a sociedade civil a participar de projetos de cooperação internacional para combater a pobreza, a segurança pública e desenvolvimento). 2. A nível regional: a participação em debates e na formulação de propostas de organizações internacionais regionais, formalmente (aumentando os atuais baixos níveis de participação formal) e oficial sobre as questões dos direitos humanos, meio ambiente e segurança coletiva . Isso não só facilitaria a realização e implementação destas propostas, mas também, gostaria de destacar a organização internacional e do seu trabalho, que permitiria o conhecimento da existência e finalidade da organização internacional, contribuindo para a consolidação da sua legitimidade no seio das sociedades e dos povos que fazem suas declarações. Isso pode contribuir para a identidade das organizações internacionais para os seus Estados membros e dos povos. 3. A nível universal: como no ponto anterior, participando de debates e na formulação de propostas de organizações universais internacionais, como o sistema das Nações Unidas, ainda mais formal e oficialmente, na temática direitos humanos, meio ambiente e segurança coletiva. Isso não só facilitaria a realização e implementação destas propostas, mas também seria compartilhada com a organização internacional e seu trabalho, possibilitando o conhecimento da sua existência e finalidade, contribuindo assim para reforçar a legitimidade da organização internacional dentro das sociedades e dos povos que compõem seus estados Partes, que possam contribuir para a identidade das organizações internacionais para os seus Estados membros e dos povos. O maior desafio das relações internacionais é a criação de um novo modelo de estado que deverá refletir a pluralidade dos povos e reconhecer seus direitos. Essa transformação passa incondicionalmente pela consolidação e universalização das normas de direitos internacionais dos direitos humanos. A importância especial da sociedade civil para a afirmação dos direitos econômicos sociais e culturais. Ativismo se refere ao processo politico disseminado para influir na tomada de decisões politicas, a nivel nacional e internacional. Esse processo parte de uma iniciativa cidadã e esta destinado a transformar os interesses as necessidades e os desejos populares nas políticas definidas, em praticas e direitos. No âmbito dos DESC o estado é o unico responsável pela sua vigência. O estado tem a tarefa principal de proteger e promover esses direitos, adquirindo a responsabilidade internacional ante tratados ratificados. Entretanto, a plena exigência dos DESC cabe também a outros atores sociais como as organizações internacionais e a sociedade civil organizada. A relação do estado e sociedade civil em prol da afirmação dos DESC é desenvolver uma cultura política que reivindique o publico sobre os interesse particulares e que reafirme a sociedade �8 civil como contraparte do estado na realização dos DESC, não como sua rival ou substituta, mas aquela que busca fortalecer o estado, fazendo-o eficiente e responsável ante a sociedade em seu conjunto e não apenas ante grupos de interesses. As ONG’s tem sido essenciais para a canalização das denuncias de violações de direitos humanos, em sido fundamentais também para o seguimento dos casos da vigilância e do comprimento das medidas cautelares emanadas pelos órgãos do sistema e para o próprio cumprimento das sentenças ditadas pela corte. Destaca-se a formação de três importantes espaços de discussão e analise dos DESC por parte da sociedade civil organizada, que se transformaram em conhecidos entes de influencia nas decisões dos governos e das OI’s em matéria dos DESC: a plataforma interamericana de direitos humanos, democracia e desenvolvimento (PIDHDD), a plataforma interamericana dos DESC e a coalizão de ONG. Diante dessa realidade, notamos que há um grande desafio no espectro do ativismo pelos direitos humanos por parte do sistema americano. O ativismo pelos direitos humanos responde ao interesse do cidadão em transformar os direitos humanos formais em direitos reais e efetivos. Nesse sentido, uma abordagem fundamental deve a sociedade civil Inter-americano com o objectivo de reforçar o sistema regional de proteção dos direitos humanos seria a colheita e propor demandas paradigmáticas para o fortalecimento não só do próprio sistema, mas também das noções crucial que beira do campo conceitual dos direitos humanos, especialmente as noções de complementaridade, indivisibilidade e da universalidade deles. Outro objetivo seria garantir ativista chave em todos os Estados signatários da Convenção Americana e do Protocolo de San Salvador, a aplicação das regras nele contidas de forma consistente. A sociedade civil, por suas características anteriormente mencionadas e por seu próprio, é o ator que diariamente lembra os estados, aos órgãos de supervisão de diferentes sistemas regionais de proteção dos direitos humanos e as respectivas organizações internacionais, a existência de um conjunto de direitos – consubstanciados nos documentos e tratados internacionais respectivos – que devem ser respeitados, protegidos e vigiados por cada um deles. Unidade 2 Cap. 2 – O direito internacional dos direitos humanos: consolidação e fase de implementação – Cançado Trindade Premissas de que os direitos humanos são inerentes ao ser humano, e como tais antecedendo a todas as formas de organização política, e de que seu proteção não esgota na ação do Estado. Como respostas às necessidades de proteção, tem-se multiplicado os tratados e instrumentos de DH. A primeira Conferência Mundial de DH (Teerã) representou a gradual passagem da fase legislativa, de elaboração dos primeiros instrumentos internacionais de DH. A segunda Conferência (Viena) procedeu a uma reavaliação global da aplicação de tais instrumentos e das perspectivas para o novo século. Nesse capitulo serão abordadas as trajetórias dos métodos de implementação internacional dos DH. De Teerã (1968) a Viena (1993): Balanço da Trajetória dos Métodos de Implementação Internacional dos DH em geral �9 Enquanto as primeiras decisões do Comitê diziam respeito essencialmente ao direito à vida e à proibição da tortura, as decisões adotadas mais recentemente são cada vez mais sofisticadas e versam sobre a maioria dos direitos previstos no Pacto. São órgãos de supervisão: Comitê para a eliminação de todas as formas de discriminação racial (CERD); Comitê de Direitos Humanos; Comitê para a eliminação da discriminação contra a mulher e o Comitê contra a tortura. Recentemente, o ECOSOC decidiu estabelecer o Comitê de Direitos Econômicos, sociais e culturais (1987), para velar pela supervisão do pacto de mesmo nome, e foi constituído o Comitê sobre os Direitos da Criança. A II Conferência Mundial de DH, 1993, criou um clima propicio a uma ampla reavaliação da experiência acumulada até o presente na implementação internacional dos direitos humanos. No tocante à atuação dos órgãos de supervisão dos tratados de DH eles têm seguido três métodos ou sistemas de implementação: mecanismos de petições ou reclamações, de relatórios, e de determinação dos fatos ou investigações. Os tratados de DH da ONU constituem a espinha dorsal do sistema universal de proteção dos DH, e portanto devem ser abordados de forma a relacionar uns aos outros. Os órgão de monitoramento criadospelos tratados e instrumentos de DH, que adquiriram ample experiência ao lidarem com situações de violações de direitos humanos em regimes autoritários, passam hoje a considerar situações de novas formas de violações, em atmosfera marcas por uma maior abertura aos esforços de construção de uma cultura de observância dos direitos humanos, daí um maior dialogo com os governos, inclusive com criticas abertas uns aos outros. Parece haver amplo espaço para a aplicação de modalidades distintas de soluções amistosas, para assegurar o respeito aos direitos protegidos. Impõe-se o pleno reconhecimento da faculdade de todos os órgãos de monitoramento de formular recomendações; é igualmente recomendável que se dê a mais ampla publicidade aos resultados de seus trabalhos. Dada a multiplicidade de procedimentos internacionais de proteção dos direitos humanos, tem-se nos últimos anos, invocado a noção de coordenação, ou a ela recorrido em relação aos métodos de implementação dos direitos humanos em níveis global e regional. Os mecanismos de proteção dos DH podem operar tanto ao serem provocados ou acionados, como no sistema de petições, quanto ex officio em base regular, como no sistema de relatórios, um e outro podendo requerer e conduzir a investigação in loco. Os esforços de coordenação ao se empenharem em evitar interpretações divergentes e duplicação de procedimentos, têm visado a preservação da autoridade dos órgãos de supervisão internacionais e suas decisões; no entanto tais órgãos foram criados por convenções e outros instrumentos internacionais para assegurar a salvaguarda apropriada dos direitos dos indivíduos e grupos. Aprimoramento do Sistema de Petições ou Denúncias e fortalecimento da Capacidade Processual Internacional das Supostas Vítimas Uma das grandes conquistas da proteção internacional dos DH é o acesso dos indivíduos às instancias internacionais de proteção e o reconhecimento de sua capacidade processual internacional em casos de violação dos seus DH. Com a consolidação do acesso dos indivíduos às instâncias internacionais, tornava-se patente o reconhecimento, também no plano processual, de que os direitos humanos, inerente à pessoa humana, são anteriores e superiores ao Estado e a toda outra forma de organização política, e emancipava-se o ser humano do jugo estatal e de todo outro tipo de poder. As soluções dadas pelos tratados e instrumentos de direitos humanos ao jus standi do reclamante parecem ligar-se à natureza dos procedimentos em questão (direito de petição ou comunicação ou representação). Diferenças na natureza jurídica desses procedimentos, no entanto, �10 significativamente não têm impedido o desenvolvimento de uma jurisprudência, dos distintos órgãos de supervisão internacionais, convergente quanto a uma proteção mais eficaz às supostas vitimas. Ademais, cada um desses procedimentos, apesar de diferenças na natureza jurídica, tem contribuído ao gradual fortalecimento da capacidade processual do demandante. É proibido fazer denúncia ou petição anônima, assim como é proibida a litispendência (criação de dois processos sobre o mesmo assunto). Nas ultimas décadas temos testemunhado a gradual expansão da proteção internacional dos DH, cujos instrumentos são claramente voltados à salvaguarda das vítimas. Tem-se logrado o fortalecimento e o aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção em grande parte graças ao tratamento adequado de questões de operação de tais mecanismos como a do esgotamento dos recursos de direito interno. É importante que critérios, técnicas processuais e presunções continuem sendo aplicadas em favor das supostas vitimas, como vistas em ultima analise à realização fiel e plena do objeto e propósito dos tratados e instrumentos de proteção do ser humano. […] Reflexões Finais Há hoje uma crescente atenção à busca de maior coordenação entre os órgãos e mecanismos de proteção, nos planos global e regional. Os instrumentos globais e regionais sobre DH têm se inspirado em uma fonte comum, a DUDH, ponto de irradiação dos esforços em prol da realização do ideal de universalidade dos DH. Em nada surpreende que ao indivíduo seja concedida a liberdade de escolha do procedimento internacional a ser acionado, o que pode reduzir ou minimizar a possibilidade de conflito no plano normativo. Tampouco que se aplique o critério da primazia da norma mais favorável à suposta vítima de violação de direitos humanos. Essa complementariedade de instrumentos em nível global e regional reflete a especificidade e autonomia da proteção internacional dos DH, um domínio do direito internacional caracterizado essencialmente como um direito de proteção. Ficam descartadas quaisquer pretensões ou insinuações de supostos antagonismos entre soluções globais e regionais. Do processo de generalização da PIDH resulta que a unidade conceitual dos DH, todos inerentes à pessoa humana, veio transcender as distintas formulações de direitos reconhecidos em diferentes instrumentos. Uma iniciativa transcendental na busca do aperfeiçoamento e maior eficácia de tais métodos de proteção foi constituída pela convocação, trabalhos preparatórios e realização da II Conferência Mundial de DH (Viena), verdadeira concertação mundial. Os Direitos Humanos como elemento essencial da sociedade internacional contemporânea – Zerbini O espírito da sociedade internacional contemporânea Os preâmbulos dos tratados internacionais são as justificações éticas, históricas, morais, políticas e sociais da necessidade de existência desses documentos normativos internacionais. São a fonte de inspiração civilizatória das normas constituintes de um documentos jurídico de DIP. A partir da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, todos os países do mundo, inclusive aqueles que não atravessaram o largo processo histórico de formação do Estado liberal e democrático moderno, dispõem de um código internacional para decidir como se comportar e como julgar os demais. É um código que não só se aplica no âmbito �11 universal mas encerra também preceitos que têm valor em áreas anteriormente não tomadas em conta nas Constituições dos Estados ocidentais. A positivação dos Direitos Humanos no Pós II Guerra Mundial A origem das Nações Unidas está forte- mente vinculada e influenciada pelo final da Segunda Guerra Mundial e pela ideologia de seus vencedores. Em conseqüência, o Conselho de Segurança, máximo órgão de decisão da ONU, esteve sob influência dos ideais dos países vencedores daquele confronto bélico global, desde sua criação. Tal Conselho, representado pelos cinco países vencedores da II GM, Estados Unidos da América, Inglaterra, França, China e a, então, URSS, refletia o ideal político, social, econômico e militar de cada uma daquelas potências. Basicamente, arena para um duelo entre as grandes democracias ocidentais e os países da Europa socialista. Os cinco grandes países, que representavam claramente duas correntes ideológicas opostas fincadas diametralmente no seio da ONU, marcariam a divisão precipitada e imprudente dos direitos humanos em civis e políticos, por um lado, e econômicos, sociais e culturais, por outro. Uma, ovacionando a liberdade de expressão, pensamento e religião, as liberdades individuais em geral, cultuando o neoliberalismo como o caminho in- questionável do cenário econômico mundial; a outra, ainda que contrária aos direitos humanos em um primeiro momento, defendendo os pilares socialistas, propondo direitos de extrema importância, como é o caso do princípio de igualdade (ou seja, a proibição de discriminações fundadas em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, nacionalidade, propriedade etc), direito de associação, direito à autodeterminação dos povos coloniais, dentre outros. Marx proclamava que a justiça social e a dignidadehumana traziam elementos que transcendiam as fronteiras do Estados como a consciência social de se fazer parte de uma classe trabalhadora onde quer que se esteja. Ou seja, a doutrina dos Direitos Humanos estava em conflito com a ideologia e a prática na URSS. Os Estados, mediante a celebração de um tratado internacional, criam as Organizações Internacionais, em cujo seio e à luz do patrocínio dos Estados, facilitam o surgimento dos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais emergem o indivíduo como um sujeito de DIP, capaz de demandar seus Estados por violação a uma das normas de um tratado internacional de direitos humanos. Conseqüentemente, se poderia afirmar que o Preâmbulo da DUDH é a consagração política da passagem de uma sociedade internacional, sobretudo desde a óptica do DIP, de viés estatocêntrica, para uma sociedade inter- nacional que reposiciona o indivíduo no epicentro de suas discussões. A partir da consolidação da ONU e da Carta Internacional de Direitos Humanos, todas as constituições nacionais promulgadas depois carregaram consigo as nor- mas, os princípios e os valores constantes desses instrumentos internacionais de salvaguarda da dignidade humana. Positivava-se, desse modo, a grande maioria dos direitos humanos. Vale dizer, grande parte dos direitos humanos se consubstanciava em direitos fundamentais. Pois, à luz do rigor voluntarista do Direito Internacional Público, os direitos fundamentais nada mais são do que os direitos humanos plasmados nas normas dos tratados internacionais e das constituições dos Estados. Os direitos humanos nas grandes conferências que antecederam a criação da ONU O dis- curso do presidente dos EUA , F. Roosevelt, de 26 de janeiro de 1941 ante o Congresso norte-americano, representou um dos antecedentes construtivos e normativos mais imediatos do direito internacional dos direitos humanos, o qual ser- viria para dar o ritmo e inspirar �12 outros tratados e documentos internacionais da ONU, inclusive os que consubstanciam a Carta Internacional de Direitos Humanos. Esse discurso exorta a construção de um mundo sedimentado em quatro liberdades fundamentais: a liberdade da palavra e expressão; liberdade de culto e crença religiosa; liberdade de desejar, de estar livre da miséria e da necessidade e o direito de ser liberado do medo, significando a redução de armamentos no cenário mundial. Outro documento, de que a história antecessora dos direitos humanos na ONU guarda guarida especial, é a Carta Atlântica22, firmada por Roosevelt e Churchill, em 14 de Agosto de 1941, cujos princípios seriam interpretados como sen- do a primeira formulação oficial dos objetivos da guerra e os fundamentos da paz para os Aliados23. Cumpre destacar o lugar reservado às liberdades individuais e aos direitos humanos e, definitiva- mente, as quatro liberdades fundamentais de Roosevelt que aparecem contempladas ali. O objetivo principal das Conferências patrocinadas pelas potências mundiais no período imediatamente anterior à criação da ONU foi, certamente, a manutenção da paz e a segurança internacional; entretanto, a vertente dos direitos humanos jamais deixou de configurar como parte da essência de tais documentos. A importância do Plano de Dumbarton Oaks é funda- mental para o atual estágio dos direitos humanos na ONU, porque foi daí que emergiram as ideias que originariam a Comissão de Direitos Humanos tal como concebida atualmente, sob a supervisão do Conselho Econômico e Social (ECOSOC). A Comissão teve um papel decisivo na redação e codificação dos artigos que compõem os documentos da Carta Internacional. Assim, o documento aprovado em Dumbarton Oaks estabelecia, explicitamente e pela primeira vez, um compromisso internacional acerca da promoção dos direitos humanos. A Conferência de Yalta, realizada entre os dias 4 e 11 de fevereiro de 1945 na Crimeia (URSS), também teve uma importância capital na construção e sedimentação histórica dos direitos humanos na ONU. Nela, Estados Unidos, Reino Unido e URSS publicaram uma Declaração na qual elogiavam os resultados obtidos em Dum- barton Oaks e convocaram uma Conferência das Nações Unidas a ser realizada em São Francisco, a partir de 25 de abril de 1945, com o objetivo principal de manter a paz e segurança internacionais. Especificamente no tocante aos direitos humanos, a Conferência de Yalta determinou através da “Declaração sobre a Europa Liberada” – documento adotado – o estabelecimento de instituições democráticas e o compromisso de que os países liberados, sempre que possível, estabeleceriam, por meio de eleições livres, governos que fossem a expressão da vontade dos povos, construindo uma ordem internacional inspirada nas leis da paz, da segurança, da liberdade e do bem-estar da humanidade em sua totalidade. O futuro dos Direitos Humanos teve na Conferência Interamericana de Chapultepec um de seus precedentes mais destacados. Os objetivos do conclave eram tratar problemas relativos à guerra e à paz. A Conferência abrigou um fato histórico muito importante para a temática em discussão, que foi a adoção de uma ata final contendo uma série de resoluções pilotos em matéria de direitos humanos. A contribuição interamericana à afirmação dos direitos humanos na ONU também se assentou na reverberação do direito a um recurso eficaz ante os tribunais nacionais. Em solo europeu, como já não havia mais guerra, realizou-se em Berlim, de 17 de julho a 2 de agosto de 1945, a Conferência de Potsdam. Estabeleceu-se que os aliados dariam ao povo alemão a oportunidade de se pre- parar para a reconstrução de suas vidas sobre uma base democrática e de cooperação pacífica à vida internacional. A afirmação dos DH na ONU A organização das Nações Unidas foi criada durante a Conferência de San Francisco, realizada entre os dias 25 de abril e 26 de junho de 1945, nos EUA. O tratado que forma o estatuto �13 chamado Carta das Nações Unidas (ou Carta de San Francisco) foi firmado em 26 de junho de 1945 e entrou em vigor em 24 de outubro daquele mesmo ano, no momento em que foi ratificado pela URSS, EUA, China, Reino Unido e França – as cinco potências – e pela maioria dos estados fun- dadores da Organização Internacional, participantes da Conferência. Notou-se, desde que se efetivou a criação da ONU, a formação de quatro aglomerações bem definidas que mantinham uma forte influência nas discussões, desenvolvimento e formação da doutrina dos direitos humanos no seio daquela entidade. Um grupo de países ocidentais, que rapidamente tomou a liderança política da instituição e tinha nos Estados Unidos, França e Inglaterra, seus mentores políticos e ideológicos, seguidos por muitos outros países do Ocidente político, entre os quais figurava a Austrália. Um segundo bloco formado pelos países da América Latina que agarraram, desde o início, a causa dos direitos humanos, tomando muitas vezes, nesse campo, decisões mais avançadas que a dos próprios países mais desenvolvidos do hemisfério. O bloco dos países socialistas, em conformidade com seus princípios e ideias, dotados de extremo cuidado político e desconfiança generalizada, aceitaram colaborar no avanço dos direitos humanos. E os países asiáticos, com exceção dos muçulmanos dirigidos pela Arábia Saudita e pelo Paquistão, pouca presença tiveram nas discussões iniciais da matéria. As discussões então travadas nas Nações Unidas encarnavam o contexto político e diplomático da Guerra-Fria.39A Carta das Nações Uni- das, no que diz respeito aos direitos humanos, contemplava dispositivos bem distantes das expectativas e esperanças que haviam sido suscitadas pela declaração do Presidente Roosevelt de 1941. Os dispositivos da Carta de San Francis- co não permitem uma definição clara e precisa dos direitos humanos. O documento limita- se a mencionar a promoção e/ou desenvolvimento dosmesmos, considerados como uma das metas da ONU, juntamente ao seu outro grande objetivo: a manutenção da paz e segurança internacionais. A relevância precípua e histórica da Carta de San Francisco, desde a perspectiva do Direito Internacional Público, salta na positivação dos princípios gerais que regem as relações amistosas entre os Estados. Estes estão iluminados ao longo de seus artigos primeiro e segundo: a igualdade soberana dos Estados; a não-intervenção nos assuntos internos dos Estados; proibição do uso ou ameaça da força; solução pacífica de controvérsias; igualdade de direitos e autodeterminação; dever de cooperação internacional; e, boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais. Carta Internacional dos DH A Carta Internacional de Direitos Humanos é um conjunto de documentos conformado pela Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PI- DESC) e por seus protocolos e documentos adicionais. O informe da Comissão Preparatória das Nações Unidas de 1945 recomendou originaria- mente a criação de uma comissão de direitos humanos, para redigir uma declaração internacional de direitos. A conclusão deste documento, a quarta e última etapa na obra de criação da ONU, teve, como nas três etapas anteriores: 1. Aprovação das propostas do Plano de Dumbarton Oaks (adotadas em 1944) completadas por decisões tomadas na Conferência de Yalta (fevereiro de 1945). 2. Firma da Carta das Nações Unidas em San Francisco, que cria a ONU e institui a Comissão Preparatória (26 de junho de 1945). 3. Reuniões de Londres (a partir de 16 de agosto de 1945) patrocinadas pelo Comitê Executivo dessa Comissão, encarregada de elaborar o informe. O documento da Comissão Preparatória relativo ao Conselho Econômico e Social (ECO- SOC) estabelecia a criação da Comissão de Direitos Humanos, cujas atividades deveriam estar �14 orientadas para uma declaração internacional de direitos humanos. Foi na Primeira Sessão do Conselho Econômico e Social que se criou a Comissão Nuclear de Direitos Humanos, a qual foi formada de nove membros designados com base em sua capacidade pessoal. Uma longa e controversa discussão cercava a atmosfera da CDH e do Comitê de Redação. Jurisconsultos internacionais e cientistas sociais ampliavam o leque de discussões, baseados em distintos pensamentos ideológicos que se assentavam no cenário mundial, a suscitarem indagações e questionamentos acerca da liberdade do indivíduo perante as forças da coletividade, dos juízos de valor na sociedade industrial, do fundamento jusnaturalista dos direitos consagrados, da inclusão dos direitos econômicos e sociais na futura declaração de direitos, e até das relações entre direitos individuais e sociais, e de suas diferenças na implementação de cada categoria de direito. Em 10 de dezembro de 1948, em sua Terceira Sessão Ordinária, a Assembléia Geral da ONU, reunida em Paris (Palais de Chaillot), por meio de sua Resolução 217 A (III), adotou a Declaração Universal de Direitos Humanos, que obteve 48 votos favoráveis, 8 abstenções e nenhum voto em contra.54 A Declaração Universal legitimava a preocupação da sociedade internacional com a promoção e a proteção dos direitos humanos, condenando as violações maciças e persistentes, inclusive em conflitos armados, e elegendo a eliminação da pobreza extrema e da exclusão social prioridades internacionais. Portanto, tendo con- traído essas obrigações perante a comunidade internacional, os Estados não poderiam, como tam- pouco podem atualmente, alegar que a matéria é de exclusiva jurisdição doméstica. Preâmbulo da DUDH de cara à atualidade das relações internacionais O preâmbulo da DUDH registra as realidades éticas, históricas, morais, po- líticas, sociais e jurídicas que culminaram com a sua proclamação. Consuma, assim mesmo, o espírito dos princípios gerais do direito internacional público56 estipulados explicitamente nos primeiro e segundo artigos da Carta de San Francisco. A comunhão destes com o registro daquelas consolida esse preâmbulo como a fonte ilumina- dora do direito contemporâneo da sociedade inter- nacional. O preâmbulo constitui-se, então, como uma consideração cogente de contornos histórico, político, social e jurídico que marcam a civilização humana da contemporaneidade. Estamos imersos em uma nova ordem, ou melhor dito, em uma desordem multipolar global, na qual se nota o término do momento unipolar onde a supremacia do hegemon, que se empenha por menoscabar as normas do direito internacional e do multilateralismo nas Relações Internacionais, parecera invencível. E essa nova multipolaridade é produto, ao menos, de quatro tendências: 1. Ascensão ou ressurgimento de uma série de Estados que prosperam ou renascem e cujos recursos energéticos competem com os das potências tradicionais do Ocidente. 2. O crescente poder dos atores não-estatais. Estes podem ser muito distintos. Compreendem desde as ONGs, das companhias energéticas e farmacêuticas, das regiões chamadas “autonômicas” e grupos religiosos, e aterrizam em movimentos como Hamás, Hezbolá e Al Quaeda. São atores que ainda sem nenhuma investidura ou capacidade oficiais são perfeitamente capazes de mudar ou transformar a agenda de um ou de muitos Estados, assim como de outros sujeitos do Direito Internacional. 3. As transformações na moeda de troca do poder. Os avanços nas tecnologias que se podem empregar para a violência ofere- cem a grupos reduzidos de pessoas a capacidade de desafiar Estados poderosos. É um fato que os avanços na tecnologia da informação e nos meios globalizados fa- zem com que o exército mais poderoso da história da humanidade possa perder �15 uma Guerra, não no campo de batalha cheio de sangue e mentira, senão no terreno da opinião pública mundial. Este fato se pode comprovar inclusive pelas pesquisas realizadas nos países tradicionalmente favoráveis às enganosas guerras recentes. 4. Os desafios mesmos do Direito Internacional. Esses, talvez, provêm da mente humana, fantasiados nos interesses dos Estados mais poderosos. Quem saberá? Mas, o certo é que observamos três grandes desafios do DI: a) sua fragmentação à luz de seu vertiginoso crescimento e setorialização; b) em conseqüência do anterior, a proliferação de jurisdições internacionais; e, c) a geração de regimes internacionais específicos como meio ambiente, direitos humanos, direito do mar, comércio internacional e atualmente, como tudo indica, o combate ao terrorismo. Há que se destacar o importante rol que o indivíduo passa a desempenhar na sociedade internacional a partir da segunda metade do século XX. Este passa a ser não só um sujeito do Direito Internacional Público, como também um ator transformador inquestionável da sociedade internacional. A sociedade civil organizada assume um papel preponderante na agenda internacional.
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