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literatura e contrabando

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V CEISAL - C/LIT- 2 Textos de la frontera y multilingüismo en la
literatura latinoamericana de los siglos XIX y XX
LIMITES E LINHAGENS:
INTERPRETAÇÃO GEOGRÁFICA DOS CONTOS DE CONTRABANDO
Adriana Dorfman
adriana.dorfman@terra.com.br 
Professora do Colégio de Aplicação da UFRGS (Brasil), 
doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC (Brasil), 
em estágio doutoral no GGSEU da EHESS (França). Bolsista CAPES/Brasil. 
 Através da análise de cinco contos e uma novela escritos ao longo do século 
XX por autores da “comarca do Pampa” destacam-se aspectos da sociedade e do 
imaginário dos habitantes da fronteira Brasil-Uruguai, especialmente aqueles 
relacionados às diversas práticas de contrabando. A elaboração de mapas auxilia na 
análise do objeto fronteira e das metáforas que a ele se aplicam nesse lugar. 
 Os textos dão testemunho da importância do contrabando para o imaginário 
local e regional, dos processos de transmutação do sentimento de marginalidade 
geográfica e social em particularidade cultural manifesta, por vezes, em uma postura 
de dissidência em relação ao interesses do centro político-cultural dos estados-
nação. Desenha-se uma “linhagem” de contrabandistas: a tradição de contrabando 
constitui um tipo regional, subvertendo o heroísmo do gaúcho, mas pleno de astúcia, 
honra, decência e humanidade. O (personagem) contrabandista pode ser, portanto, 
interpretado como um depositário de “verdades locais”, destacando a importância 
das passagens (vau, ponte, trem, atalho, paso) e dos pasadores como sujeitos do 
“ato perpendicular” ao “objeto fronteira” cotidiano.
Palavras-chave: fronteira – contos de contrabando – cartografia literária – 
regionalismo gaúcho – Brasil/Uruguai
1. Introdução 
Há alguns anos resolvi estudar o contrabando na fronteira do Brasil com o 
Uruguai, a fronteira que, atributo do estado-nação, em termos fisiográficos se 
Leticia
Realce
descreve como tendo 1000 km, cruzando principalmente campos divididos em 
latifúndios, demarcada, de modo geral, nas primeiras décadas do século XIX. 
De acordo com os conceitos da Geografia Política essa fronteira estatal é 
artificial, na medida em que não se apóia sobre nenhum acidente natural; ela é viva, 
isto é, coloca-se no contato entre dois territórios habitados e, tendo sido palco de 
disputas, representa uma “isóbara de poder”, nas palavras de Jacques Ancel (1938). 
Logo se ultrapassa a concepção de fronteira como linha (ou limite, idéia mantida 
para os aspectos do contorno territorial e da soberania, ligada, portanto às lógicas 
de diferenciação entre os estados), para sublinhar o caráter poroso de certos trechos 
do perímetro estatal: aí a fronteira é zona ou faixa de contato entre duas arquiteturas 
estatais.
Autores do fim do século XX, diante dos questionamentos que apontam para 
a multidimensionalidade do poder e dos territórios, colocariam a questão sob um 
prisma escalar: a fronteira estatal é então teorizada como um entrelaçamento de 
múltiplas escalas, onde as lógicas globais, estatais, regionais e locais se combinam 
e entram em contradição, o que pode ser observado em campos como o econômico, 
o político etc. Atenção: não se trata aqui das fronteiras de outros objetos geográficos 
que não o estado-nação (das fronteiras internas da/de uma cidade, por exemplo); 
trata-se de observar que no mesmo espaço fronteiriço, há processos que estão 
ligados a agentes e redes de maior ou menor extensão territorial, que colocam em 
prática projetos mais ou menos abrangentes ou específicos ao lugar.
Reconhece-se, portanto, uma experiência local da fronteira estatal. É a 
fronteira vivida (FRÈMONT, 1999), ou seja, um lugar de experiência cotidiana. 
Esse percurso teórico recobre de nuances a idéia de fronteira, mas se atém 
ao seu aspecto espacial. Daniel Nordman (1998, p.17-8), diz que essa precisão se 
faz necessária a partir do século XX: “Ce mot n’étant jamais utilisé ici en dehors des 
emplois ou connotations spatiaux, pour la raison simple mais déterminante qu’il ne 
l’a pratiquement jamais l’eté avant le XIXe siècle.” 
As metáforas que se baseiam na idéia de fronteira são muito numerosas, já 
que todo objeto, material ou imaterial, que possui uma extensão, é também dotado 
de limites, que se podem deslizar para as idéias de fronteira, de contato ou de 
avanço. Essa operação é ainda mais visível quando se considera a idéia de frontier, 
ou fronteira americana, uma fronteira concebida como um movimento monológico. 
Assim, as ‘fronteiras do conhecimento’ se expandem.
Apesar de toda essa mutação, a teorização geográfica sobre a fronteira como 
lugar de processos identitários e culturais precisou das ferramentas criadas pelos 
Estudos Culturais e pela Literatura para ir além da constatação da existência de 
contatos. Trabalhamos aqui com a fronteira como um terceiro espaço, nem marginal 
nem acessória às culturas nacionais, um híbrido com autonomia, que ultrapassa o 
desnível hierárquico presente em concepções como regionalismo, por exemplo, e 
que não opõe duas identidades puras, e sim identidades híbridas às puras.
Voltando ao começo do argumento, minha pesquisa sobre o contrabando: os 
primeiros resultados levaram a uma mudança de enfoque, colocando como objeto os 
contrabandistas, agentes do savoir-passer a fronteira. E, mais importante para o 
trabalho aqui em discussão, mostraram a riqueza da exploração das obras de 
autores locais que, bem antes dos pesquisadores das ciências humanas, exploraram 
as formas de viver a fronteira.
2. Geografia e Literatura 
Geografia e Literatura encontram-se no estudo do espaço e da cultura. Ainda 
que não haja aqui a intenção de desenvolver uma teoria sobre as aproximações 
possíveis entre o espaço geográfico, seu estudo, as obras literárias e sua crítica, a 
articulação entre esses quatro pólos passa pela construção de pontes sólidas.
Deixando de lado a discussão sobre a distribuição geográfica de objetos e 
práticas literárias (bibliotecas e livrarias, a difusão do romance); sobre a escritura 
geográfica (formas textuais e estratégias argumentativas correntes na disciplina, por 
exemplo); e sobre o espaço da página (Un coup de dés, Mallarmé), interessa aqui 
pensar dois aspectos: como o espaço geográfico se inscreve nas obras literárias (e, 
especificamente, nos contos de contrabando)? Como essa inscrição pode ser 
explorada em estudos geográficos (sobre as práticas dos contrabandistas na 
fronteira do Brasil com o Uruguai)?
O espaço geográfico se inscreve nas obras literárias como cenário e como 
ancoragem da cultura (língua, identidade e tradição). Ainda que o espaço da ação 
seja necessariamente ficcionalizado, dificilmente será completamente descolado das 
experiências espaciais do autor. Esse é o sentido da expressão ‘ancoragem da 
cultura’: o lugar onde nascemos e somos criados, onde habita a comunidade para o 
qual produzimos nossas obras, é um só tempo tropo e locus, é uma paisagem e 
abriga um conjunto de práticas culturais, entre as quais se destacam a língua e os 
códigos para compreensão do espaço, estruturas do nosso horizonte. Toda obra 
está arraigada a um sistema lingüístico (STEINER, 1968), que tradicionalmente tem 
um rebatimento espacial estabilizado pelos processos políticos e culturais ligados ao 
nacionalismo. Essa afirmativa enquadra-se bem na teoria romântica, onde cada 
língua cristaliza a história interior, a visão específica do povo ou nação (STEINER, 
1968) e o espaço em que essa se materializa. 
Passando da concepção romântica, em que uma dupla pertinência lingüística 
eraanômala, considerada como um ‘dualismo moderno’ – e, em casos mais agudos, 
como extraterritorial – chegamos ao presente, marcado pela reivindicação de 
identidades híbridas emergentes. No momento em que a estabilidade lingüística 
local e nacional é eclipsada por outras territorializações, a interpretação de produtos 
literários fornece pistas para o entendimento do desconhecido: só a imaginação 
pode tentar preencher a ausência dos documentos e a parcialidade dos 
monumentos, quando se quer enxergar os avessos (CHIAPPINI, 1988, p. 326). A 
leitura pós-colonial peculiar ao período pós-Guerra Fria mostra a pertinência 
geográfica da produção literária. Certas obras literárias – em seu conteúdo ou 
circulação – são indícios de territorialidades concretas pouco reconhecidas, como é 
o caso da literatura de fronteira.
A exploração das inscrições da cultura de um lugar nas obras literárias 
permite estudar representações do espaço negligenciadas por fontes mais 
tradicionais da pesquisa geográfica. Entretanto, cada texto é escrito a partir de uma 
decisão heurística do autor, que diz respeito aos procedimentos formais adequados 
a sua natureza e recepção. Assim, não cabe, em princípio, julgar a veracidade de 
uma poesia ou o lirismo de uma nota de imprensa e sim respeitar as convenções de 
cada forma discursiva, seja ela o romance, o ensaio, o artigo científico ou o manual 
escolar. 
O discurso literário e a produção científica aproximam-se no momento atual. 
Por um lado, formas culturais menos canônicas somam-se ao romance, em suas 
aspirações à significação social e ao realismo. Por outro lado, a crítica à 
neutralidade da ciência denuncia a impossibilidade da apreciação objetiva. Assume-
se que o trabalho científico é um recorte intencional de vários campos de referência 
extratextuais (os materiais recolhidos e selecionados no trabalho de campo) e 
intertextuais (os textos, acadêmicos ou não, levados em conta) criando uma verdade 
que se reconhece parcial, perspectivada pelo autor. Tzvetan Todorov (1989), ao 
discutir a diferença entre a verdade do romancista e aquela do cientista, estabelece 
uma distinção, que adotamos aqui, entre fatos (verdade-adequação, cotidiana) e 
interpretação (verdade-desvelamento, teórica, discursiva), sem estabelecer 
precedência entre os elementos do pares. O autor lança mão também da idéia de 
verossimilhança (efeito do real), mas o ponto central de sua argumentação é que a 
crítica relativisadora aplique-se à verdade-desvelamento, sem descartar a existência 
de verdades (mais simples talvez) que se encontram além do relativismo.
Um estudo geográfico-literário busca no texto literário interpretações sobre os 
lugares estudados pela geografia. A semelhança entre a realidade e sua 
representação no texto literário não deve ser testada, já que o autor não deseja ser 
simplesmente uma testemunha. Deve-se examinar a sobreposição ou o 
distanciamento existente entre as figuras criadas pela literatura e pela geografia, a 
fim de revelar outros ângulos sobre o fenômeno em questão. 
A liberdade temática presente na literatura possibilita-lhe tratar de temas até 
há pouco interditados ao cientista social, o que explica a profusão de narrativas 
sobre contrabandistas e sua quase inexistência em trabalhos acadêmicos.
3. Uma literatura de fronteira 
No sul da América do Sul há uma região que se desenha sobre parte dos 
territórios do Uruguai, da Argentina e do Brasil, vernacularmente conhecida como de 
região da Fronteira. Essa expressão representa um afastamento em relação ao uso 
mais cristalizado do conceito de fronteira, ligado ao estado-nação. Nesse caso a 
fronteira é uma região formada por objetos de escalas políticas incongruentes, isto é, 
coloca em relação um estado da federação brasileira (o Rio Grande do Sul) e partes 
de estados-nação (Uruguai e Argentina), enfatizando a região formada pelas 
práticas ligadas à existência de trocas. Aqui a fronteira é a característica e não a 
cessação de características
Dentro dos estudos literários e seguindo a proposta de Antônio Cândido 
(suponhamos que, para se configurar plenamente como sistema articulado, ela [a 
literatura] dependa da existência do triângulo “autor-obra-público”, em interação 
dinâmica, e de uma certa continuidade da tradição (1950, p.16)), aí desenvolve-se 
um (sub)sistema literário, que Angel Rama (1982) chama de Comarca literária do 
Pampa. O reconhecimento de uma “literatura de fronteira” em estudos sobre o Rio 
Grande do Sul legitima sua adoção aqui (MASINA, 1994; RUBERT, 2003; 
DORFMAN, 2003). 
A literatura de fronteira pode ser caracterizada a partir de vários índices, 
principalmente a origem geográfica de seus autores, a tematização da fronteira e a 
interpolação das línguas standart (no caso o português e o espanhol) e de termos 
locais em sua maioria oriundos das línguas indígenas. Para a constituição do gênero 
contribuem ainda referências recíprocas entre os autores, sejam eles precursores ou 
contemporâneos, a existência de editores e de um público-leitor. 
A literatura de fronteira não aparece apenas no Cone Sul. Internacionalmente, 
é a fronteira entre o México e os Estados Unidos aquela aceita como paradigmática, 
e não apenas no campo da literatura. Edward Soja apresenta a cultura e a 
identidade chicanas como formas inovadoras de interpretação do (terceiro) espaço 
(1996, p. 129). Sonia Torres (2001) organiza sua análise da literatura, etnografia e 
geografias de resistência pelo questionamento da hispanização da cultura norte-
americana, da busca de uma voz pelos migrantes latinos que não abandonam suas 
origens, e das resistências geradas no processo. Uma análise preliminar da 
literatura da fronteira México-EUA revela que apenas os latinos e seus 
descendentes têm tomado a palavra, ou talvez eles sejam mais valorizados por 
serem considerados pelos teóricos como os portadores da nova representação. A 
comparação entre ambas as literaturas de fronteira revela ainda que os conflitos são 
muito mais claramente expostos no caso da fronteira México-Estados Unidos, 
refletindo as distintas realidades que as geram (DORFMAN, 2004).
Freqüentemente incluem-se glossários nas obras regionalistas editadas nos 
centros culturais da nação, posicionando os termos ditos regionais na marginália da 
página e restabelecendo a posição periférica, a condição desviante, deste produto 
cultural. Por outro lado, o conteúdo da marginália é compartilhado entre as obras 
publicadas em outros países do Prata. Há, portanto, uma linguagem da margem, 
incompreensível no centro, mas capaz de estabelecer comunicações através da 
fronteira. Nem todos autores da Comarca do Pampa aceitam essa disposição 
editorial, vetando a inclusão de glossários que traduzam sua linguagem (é o caso de 
Sergio Faraco).
Podemos nos perguntar se tais obras, ou pelo menos algumas delas, estão 
escritas em portuñol, dialeto emergente nesse espaço transitivo, objeto de disputas 
políticas e simbólicas, que problematizam os projetos nacionais de erradicação 
através da educação, mesmo que bilíngüe (em espanhol e português standart) e a 
reivindicação do portuñol como marca identitária da região.
Dentro da literatura de fronteira, encontramos uma série que tem como 
personagem principal o contrabandista. 
4. Interpretação geográfica dos contos de contrabando
O corpus selecionado para análise é composto por cinco contos e uma 
novela, escritos por autores nascidos na fronteirado Brasil com o Uruguai e com a 
Argentina. As narrativas se distribuem entre 1912 e 1996, e algumas desenvolvem-
se num tempo anterior ao da escrita. A escolha destes contos de contrabando se 
deu por uma série de razões, desde referências mútuas – intertextualidades mais ou 
menos explícitas – até o reconhecimento, por parte da crítica, de seu valor literário, 
aliadas à inevitável aleatoriedade. O contrabando é, em si, uma chave analítica, uma 
entrada para as práticas cotidianas da população fronteiriça. A leitura volta-se para 
cada peça em particular e, finalmente, para as recorrências entre as mesmas, em 
busca mais da verdade-desvelamento (interpretação) que da verdade-adequação 
(fatos) (TODOROV, 1989).
4.1. Contrabandista, de João Simões Lopes Neto, 1912
O conto mais antigo e conhecido aqui analisado é Contrabandista. É provável 
que João Simões Lopes Neto seja o pai dos contos de contrabando no Rio Grande 
do Sul. O título refere-se a Jango Jorge, descrito como um homem de muito valor e 
habilidade, fortemente arraigado no pago, que se notabilizava pelo conhecimento da 
região, que nunca errou vau, nunca perdeu atalho, nunca desandou cruzada, 
localizando-se pelo faro, pelo ouvido e até pelo gosto característico a cada lugar 
(LOPES NETO, 1912/1998, p.91). A história se passa em meados do século XIX, 
mas remete também ao tempo passado: já velho e afamilhado, Jango Jorge ia casar 
sua filha. Saiu na véspera da boda para buscar o enxoval do outro lado do rio – e da 
fronteira. Todos os preparativos estavam concluídos, mas a noiva não podia 
aparecer na festa enquanto o pai não chegasse com seus atavios. Depois de tensa 
espera, um movimento no terreiro anuncia Jango Jorge: deixando sua experiência 
de lado, insistira em enfrentar a guarda de fronteira e fora morto.
Além da rica informação factual deliberadamente incluída nessa obra – o 
desejo de registro é tão explícito que pode-se afirmar tratar-se de um conto a serviço 
do documento – depreende-se que o contrabando é uma prática tradicional na 
região, e que desde sua origem, anterior a 1800, organizava-se em bandos ou 
“malocas”, atuando nos banhados do rio Ibirocaí, com qualquer tempo e a qualquer 
hora do dia (LOPES NETO, 1912/1998, p.91). Segundo Lopes Neto, o contrabando 
teria nascido porque os estancieiros iam ou mandavam buscar artigos necessários 
ou supérfluos para seu abastecimento do outro lado da fronteira ainda mal-definida.
É evidente sua intenção em registrar a gênese e a organização do 
contrabando, apresentando-o como estratégia de sobrevivência da população diante 
de uma dinâmica histórica desterritorializante, e não como crime ou contravenção. O 
personagem-título surge com muita humanidade, como um pai dedicado, generoso e 
conhecedor da terra, e a ele opõem-se os “ordinários” guardas da fronteira. O 
contrabando que leva à morte de Jango Jorge não são armas nem drogas, mas um 
enxoval, a proteção e a delicadeza legada por um pai a sua filha. O casamento vira 
funeral, o dia vira noite, por causa do combate entre o capitão-contrabandista-pai da 
noiva, próximo e familiar, e os ordinários que defendem a lei do estado. E é preciso 
lutar para reaver o corpo do contrabandista morto.
4.2. Contrabando, de Darcy Azambuja, 1925
O conto de Azambuja reforça a idéia das “reencarnações” do personagem 
contrabandista, já que o autor reivindica-se como leitor-herdeiro que lê e reescreve 
Simões Lopes. Essa história se passa numa madrugada nebulosa, quando uma 
expedição campeira, a meio caminho entre Jaguarão e Aceguá, acaba custando a 
vida do jovem e leal batedor Chirú. Mais uma vez distingüem-se e opõem-se 
contrabandistas e guarda, representando o embate entre uma prática honrada pelo 
pertencimento ao lugar e o exercício de uma tarefa estranha à organicidade local. 
Aqui a fronteira encontra-se na origem do contrabando menos por representar 
uma alternativa de sobrevivência ou negócios “fáceis” do que por ter levado ao 
surgimento de uma índole corajosa em seus habitantes. Os contrabandistas são, 
antes de tudo, gaúchos. O bando é descrito em sua variedade ‘étnica’, sendo 
composto por um negro, um índio, um castelhano e outros membros; é também 
caracterizado como a reunião de diferentes segmentos sociais, unidos pela 
fidelidade ao bando.
4.3. Os contrabandistas, de Mario Arregui, 1960
Mario Arregui é uruguaio. Aqui temos a tentativa frustrada de travessia do 
fronteiriço Jaguarão por cinco homens, uma trintena de cavalos soltos e uma mula 
velha e cega, levando contrabando para o Brasil. Rulfo Alves lidera os irmãos Juan e 
Pedro Correa, acompanhados do velho da égua tordilha e do rapaz do zaino negro.
O conto divide-se em dois momentos: primeiro apresentam-se informações 
minuciosas sobre as técnicas de organização de uma caravana, uma descrição bem 
focada no factual e no local. Ao tocarem a margem brasileira, os contrabandistas 
são recebidos com tiros, morrendo o velho e o rapaz, Rulfo ferindo-se gravemente. 
Inaugura-se a segunda parte do conto, aonde o sobrenatural vai tomando conta da 
“paisagem agora com mortos”, e a temática é menos ortgebunden, menos presa ao 
lugar (MORETTI, 2003). A caminhada pelo entardecer não informa muito sobre o 
ofício de contrabandista, mas faz da fronteira internacional uma metáfora para a 
morte, dando à paisagem um caráter sobrenatural e reforçando o papel dos 
contrabandistas como mediadores, pasadores, ora de mercadorias, ora entre vivos e 
mortos.
O conceito de fronteira natural é relativisado pelos conhecedores do lugar. O 
fato de a fronteira ser desenhada por um rio não traz maiores dificuldades à sua 
travessia, ao menos por homens a pé ou a cavalo: 
O Jaguarão é muito largo naquele lugar solitário. Quem o conhece sabe 
bem que, precisamente por ser largo, é raso no verão: as correntezas 
invernais formam remansos e bancos de areia que parecem pequenas 
pontes submersas (ARREGUI, 1960/2003, p.31). 
A riqueza de detalhes verídicos oferecida pela descrição inicial reforça a 
verossimilhança da fantasmagoria que se descortina nessa jornada por mundos 
sobrepostos. O caráter documental da primeira parte coloca-se a serviço da 
narrativa, invertendo a hierarquia presente no “Contrabandista” de Simões Lopes 
Neto.
4.4 Guapear com frangos, Sergio Faraco, 1986.
O título não explicita o alinhamento com os contos de contrabando, mas 
declara um outro vocabulário, aquele da fronteira, testemunhando o deslocamento 
no espaço e na cultura.
O conto trata da tarefa de dar destino ao corpo de um contrabandista morto 
em ofício. Alinha-se com o conto anterior primeiramente por ter sido escrito pelo 
tradutor de Mario Arregui para o português; além disso, aqui também um homem é 
obrigado a cavalgar com a morte. Guido Sarasua morrera ao insistir em cruzar o rio 
Ibicuí durante uma enchente. Seus parceiros procuram-no pela obrigação de não 
deixar corpo de homem sem velório (p.289), até encontrar sua canoa presa nos 
galhos de um salgueiro.
Como o morto não podia ser entregue aos bichos sem os recomendos do 
padre e uma vela que alumiasse os repechos do céu (p.290), López é encarregado 
de levar o corpo até a casa do morto. A tarefa não parece intimidá-lo: 
Na sua lida diária, de tropeadas secretas que varavam alambrados, de furtivas 
travessias secretas do grande rio que corria em cima da fronteira, na sua lida de 
partidas, miséria, punhaladas e panos ensangüentados, via a morte e a corrupção do 
corpo como outro mal qualquer, como os estancieiros, a polícia, fuzileirose fiscais do 
mato ( p.290-1). 
A missão revela-se impossível, pois o cadáver é destroçado por animais em 
busca de alimento. Assim, López vai abandonando a moral ao longo do caminho que 
não chega a concluir.
 No conto há três progressões simultâneas: a da paisagem, do mais úmido ao 
mais seco, do rio em direção ao povoado; a da moral, que vai da afirmação dos 
preceitos religiosos à aceitação da cadeia alimentar; e dos corpos, o morto 
literalmente se despedaçando e López, de náusea em náusea, abandonando 
crenças.
Novamente, os contrabandistas constituem-se nos intermediários. Entre a 
cultura e a natureza, a integridade dos corpos e sua dilaceração, entre a vida e a 
morte, os passadores ativam a paisagem humanizada com suas práticas. 
Cabe citar Guilhermino César (1994, p.37) para comparar os dois primeiros 
contos com as obras analisadas a partir de “Guapear com frangos”. O crítico 
identifica duas fases no regionalismo literário gaúcho: na primeira, os clássicos do 
gênero trazem-nos o camponês rio-grandense à moda gaúcha, heróico e fanfarrão 
mesmo na sua miséria; na segunda, o protagonista, semi-proletário rural (...), 
percorre os livros dos autores rio-grandenses a pé e desencantado.
4.5 Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez, de Tabajara Ruas, 1990
O narrador adolescente é sobrinho de Juvêncio Gutierrez, que retirara-se 
havia anos da vida normal para tornar-se contrabandista. A volta do tio à Uruguaiana 
é anunciada para o mesmo fim-de-semana em que o narrador disputa uma partida 
de futebol decisiva. As razões para o exílio e posterior retorno de Gutierrez são 
misteriosas, acrescendo ao suspense quanto ao placar e à capacidade de Juvêncio 
em enganar o delegado Facundo e escapar do cerco policial. Esses eventos 
desencadeiam no narrador um amadurecimento que o conduz à vida adulta.
A ação se dá em 1957, numa Uruguaiana compósita, onde o cotidiano mescla 
a cidade, o pampa, a ponte, o rio Uruguai, fronteira com a Argentina, e a cidade de 
Paso de los Libres, articulados pelo trem, um símbolo da passagem onipresente nos 
contos aqui trabalhados. Ao objeto fronteira corresponde sempre, como constituinte 
simétrico-perpendicular, o ato de passar. Não é a toa que entre os vários termos 
locais para contrabandista destaca-se aquele mais correntemente usado em 
Uruguaiana-Paso de los Libres: pasador.
A fronteira delineia o cotidiano e é também evocada pelos símbolos do 
estado-nação, bandeira, placas, postos de aduana pontilham a narrativa. O 
contrabando é apresentado como uma atividade exercida também por pessoas 
‘decentes’. Por exemplo: As famílias relacionavam-se há muito tempo; foram sócias 
num armazém na época da farinha. O contrabando de farinha tinha sido o grande 
negócio de Uruguaiana alguns anos antes (RUAS, 1990, p.18). A existência de fases 
ou ciclos no contrabando é sinalizada nessa passagem.
Em vários momentos do livro aparece o interesse privado sobrepondo-se à 
ordem legal. O delegado persegue Juvêncio sobretudo por razões pessoais. Há 
também o coronel Fabrício, representando a preeminência do poder econômico e 
político sobre o exercício da lei.
Fica claro que, para o personagem, o contrabando não se deseja político, 
constituindo uma contravenção particular contra o estado, demonstrando astúcia e 
não rebelião. O significado político do contrabando é sempre uma questão em 
aberto: será um ato de desobediência civil, de pretensões quase anarquistas, na 
medida em que representa um desvio à norma legal? Ou, ao contrário, é uma 
solução apolítica, ‘fácil’, na medida em que as demandas dos habitantes da fronteira 
se resolvem sem o recurso à organização política (o bando do contrabando não tem 
nada de político?), representando assim alienação ou esvaziamento das instâncias 
de organização coletiva e dos processos institucionalizados?
As últimas vinte páginas da Perseguição... centram-se na ‘tragédia do corpo 
ausente’. O corpo de Juvêncio Gutierrez, varado por quarenta balas, está no 
necrotério. O pai do narrador dirige-se à morgue, e então ao delegado, reivindicando 
o corpo. A reivindicação do corpo pela família, ou ‘a tragédia do corpo’, já aparecera 
no Contrabandista de Lopes Neto, em Guapear com frangos de Sérgio Faraco, e 
nos remete à Antígona de Sófocles, a que desobedece pela justiça e pela verdade, 
aquela que desafia o tio e rei Creonte a fim de dar um destino ao corpo do irmão 
Polinices. Esta obra é freqüentemente interpretada como a representação do conflito 
entre a lei natural (da família ou dos deuses), defendida por Antígona, e a lei do 
estado, personificada em Creonte. O contrabandista é um contraventor frente à lei 
do estado mas, por outro ângulo, pode ser visto como um defensor da sobrevivência 
de sua família ou, como é usual formular na fronteira, sua ação pode ser ilegal, mas 
é legítima. A recuperação do corpo pela família encena, assim, a restituição da 
honra ao contrabandista.
4.6. Arreglo, de Amílcar Bettega-Barbosa, 1996
O conto se passa na fronteira marginal, entre quartos de cabarés e um 
parador na Federal, em Rosário do Sul. O parador da rodovia Federal, que poderia 
ser descrito como um não-lugar – não fosse o uso da expressão local – sublinha a 
presença da escala nacional e aponta para a articulação supranacional dessa 
estrada, que vai à Argentina. O entorno rural é descrito como miserável e o rio é só 
paisagem.
Como na narrativa de Tabajara Ruas, a ação se desenrola na cidade. Não há 
menção a cavalos, sequer como ornamentos da masculinidade, mostrando ter-se 
terminado o tempo dos cavaleiros em tropeadas campo afora. A rede rodoviária 
organiza o território.
Arreglo inicia com o assassinato do contrabandista Vico por Mendes. Como 
numa tragédia grega, o narrador é levado, por uma honra que oprime em sua 
impossibilidade, a vingar essa morte, apesar de querer mudar de vida para casar. 
Vico, o contrabandista, morto por Mendes ainda antes do início da narrativa, era 
chibeiro pequeno, talvez dos últimos numa época em que o chibo perdia a força e o 
rio já não passava de uma paisagem d’água irmanando a miséria. Aparentemente o 
assassinato tivera motivação passional, uma disputa pela prostituta adolescente 
Sarita, mas na verdade outra era mulher em questão. A irmã mais moça de Mendes 
havia sido estuprada por Vico e engravidara. A miséria e a violência atinge a todos. 
O desfecho é bárbaro: depois de surrar Mendes brutalmente, o narrador solta um 
cachorro esfomeado e feroz que termina de matá-lo. O corpo é desonrado 
definitivamente pelos cachorros, justamente o fim que Antígona aponta como vil.
Em quarenta ou cinqüenta anos, a honra masculina parece ter-se coagulado 
em rituais desesperados, a decadência econômica da região levando à destruição 
do vínculo entre essa honra e seu significado social. O enterro de Vico é patético, 
sua morte é vingada a contragosto, e representa a restituição de uma ordem 
indesejada. Nessa narrativa há a manifestação de uma raiva contra o gaúcho mítico, 
que poderia ser o Jango Jorge criado por Simões Lopes.
5. Elementos para a pesquisa
Alinhando os contos surge uma história do lugar em que primeiro trata-se de 
demarcar a fronteira, de estabilizar os contornos do território nacional. Em seguida, 
aparece a propriedade fundiária mais ou menos acessível, enquanto nos últimos 
contos há queixas sobre a expropriação, a dificuldade de aceder à terra. 
A aproximação entre a Perseguição... e o Arreglo é reveladora desse tempo 
novo em que a fronteira é predominantementeurbana, ora saudosa do imaginário 
rural, ora torturada por expectativas herdadas e inalcançáveis. As transformações na 
região, na forma da urbanização da população fronteiriça ou da ascensão do 
transporte rodoviário, podem ser detectadas por outras fontes, mesmo as mais 
objetivas, como a estatística. Entretanto, a compreensão do significado de tal 
processo para o imaginário e o cotidiano territorializado é viabilizada apenas pelo 
exame de fontes que se debruçam sobre a subjetividade local. Mesmo o mito oprime 
pela impossibilidade de sua concretização.
Todos os contos insistem na questão da honra. As redes de fidelidade 
necessárias ao contrabando entrelaçam praticamente toda a população da fronteira: 
unem os integrantes (flutuantes) do bando, seus fornecedores e fregueses, a família 
que ajudam a sustentar, as mulheres que seduzem, e excluídos ficam apenas os 
guardas, geralmente apresentados como recém-chegados, venais ou ignorantes da 
lógica local. A legitimação do contrabandista é, portanto, a justificação da população 
local. Ao valorizar a astúcia, a bravura, a rebeldia do contrabandista, enfatizam-se 
traços positivos daquele que poderia ser descrito como um contraventor. Menos que 
um bandido, ele é um depositário de certas ‘verdades’ locais.
Amílcar Bettega-Barbosa é a voz dissonante. A violência em seu conto é 
perpetrada entre os membros do mesmo grupo, esteja ela a serviço ou contra a 
honra. A miséria causa a ruína da comunidade à beira da estrada. A miséria também 
figura no conto de Sérgio Faraco, levando a adequação da honra a leis maiores, 
naturais. 
A fronteira aparece de várias formas nos textos analisados. Ela representa a 
passagem para a morte para Jango Jorge, Chirú, Rulfo Alves e Juvêncio Gutierrez, 
na forma do encontro com os guardas dos limites do estado. No conto de Lopes 
Neto, a fronteira é uma imposição do estado-nação sobre uma territorialidade 
anterior. Em Mario Arregui, ela é uma metáfora do sobrenatural. Tabajara Ruas 
mostra uma fronteira polissêmica, lugar do exílio de Gutierrez, símbolo da passagem 
da infância para a vida adulta do narrador, experiência do dia-a-dia para seus 
habitantes, materialização dos estados-nação. Bettega-Barbosa enfatiza a condição 
marginal do lugar e de seus moradores. A literatura ocupa-se incessantemente da 
fronteira, usando-a como tropo ou locus na representação da cor local ou dos 
dilemas universais. 
A poderosa polissemia da fronteira é sistematizada por Franco Moretti (2003), 
que afirma que os autores oitocentistas constroem personagens cômicas ou trágico-
sublimes ao relatarem a aproximação a uma fronteira. As cômicas aparecem nos 
espaços que se opõem debilmente ao novo poder central, enquanto as trágico-
sublimes povoam as áreas que oferecem resistência:
O espaço age sobre o estilo, produzindo um deslocamento duplo (em direção à tragédia 
e à comédia: em direção ao “alto” e ao “baixo”) daquele registro “realista”, “sério”, médio, 
que é típico do século XIX. Embora o romance apresente uma baixa figuratividade (como 
diria Francesco Orlando), perto da fronteira a figuratividade surge: o espaço e os tropos 
se entrelaçam; a retórica depende do espaço (p.53-4). 
De acordo com essa análise, a fronteira gaúcha resiste até hoje a 
homogeneização pela cultura nacional.
Nenhum contrabandista é narrador de sua história, são personagens dotados 
de ações silenciosas e astutas, realizadas nas sombras e nos caminhos 
secundários, na margem da margem. Representam a possibilidade de acionar a 
fronteira fora da lógica legal. Gradativamente afastam-se do perfil de soldados, 
tornando-se marginais na sociedade que os gerou. Pode-se traçar uma linhagem de 
contrabandistas, observando suas encarnações e, através de seus atos, a 
transformação do espaço da ação, literário mas, antes de tudo, geográfico.
Todos os relatos são protagonizados pelos contrabandistas. Todos os algozes 
são menos legítimos que os contrabandistas – e não teria que ser necessariamente 
assim, nos westerns muitas vezes o delegado é o herói. Conclui-se que essa é uma 
literatura de pertencimento regional, em oposição ao estado nacional. 
Todos os contrabandistas morrem no fim da narrativa, em primeiro lugar, 
restabelecendo o contrabando como crime, mas possivelmente representando a 
dilaceração da unidade pressuposta na região e nos caminhos que a articulam pela 
fronteira, ‘matando’ – simbólica ou concretamente – os agentes da passagem. Mas 
como haveria contrabando sem a fronteira, sem a razão para ‘passar’?
O trabalho de campo apontou, entretanto uma historia ainda por contar: as 
mulheres também tem feito contrabando mas não geram literatura. Entre as 
hipóteses para esse silêncio arriscamos que a masculinidade típica do gaúcho 
exclua a fabulação em torno dos personagens femininos. Ou talvez seja esse o 
argumento que me espera.
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