Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
V CEISAL - C/LIT- 2 Textos de la frontera y multilingüismo en la literatura latinoamericana de los siglos XIX y XX LIMITES E LINHAGENS: INTERPRETAÇÃO GEOGRÁFICA DOS CONTOS DE CONTRABANDO Adriana Dorfman adriana.dorfman@terra.com.br Professora do Colégio de Aplicação da UFRGS (Brasil), doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC (Brasil), em estágio doutoral no GGSEU da EHESS (França). Bolsista CAPES/Brasil. Através da análise de cinco contos e uma novela escritos ao longo do século XX por autores da “comarca do Pampa” destacam-se aspectos da sociedade e do imaginário dos habitantes da fronteira Brasil-Uruguai, especialmente aqueles relacionados às diversas práticas de contrabando. A elaboração de mapas auxilia na análise do objeto fronteira e das metáforas que a ele se aplicam nesse lugar. Os textos dão testemunho da importância do contrabando para o imaginário local e regional, dos processos de transmutação do sentimento de marginalidade geográfica e social em particularidade cultural manifesta, por vezes, em uma postura de dissidência em relação ao interesses do centro político-cultural dos estados- nação. Desenha-se uma “linhagem” de contrabandistas: a tradição de contrabando constitui um tipo regional, subvertendo o heroísmo do gaúcho, mas pleno de astúcia, honra, decência e humanidade. O (personagem) contrabandista pode ser, portanto, interpretado como um depositário de “verdades locais”, destacando a importância das passagens (vau, ponte, trem, atalho, paso) e dos pasadores como sujeitos do “ato perpendicular” ao “objeto fronteira” cotidiano. Palavras-chave: fronteira – contos de contrabando – cartografia literária – regionalismo gaúcho – Brasil/Uruguai 1. Introdução Há alguns anos resolvi estudar o contrabando na fronteira do Brasil com o Uruguai, a fronteira que, atributo do estado-nação, em termos fisiográficos se Leticia Realce descreve como tendo 1000 km, cruzando principalmente campos divididos em latifúndios, demarcada, de modo geral, nas primeiras décadas do século XIX. De acordo com os conceitos da Geografia Política essa fronteira estatal é artificial, na medida em que não se apóia sobre nenhum acidente natural; ela é viva, isto é, coloca-se no contato entre dois territórios habitados e, tendo sido palco de disputas, representa uma “isóbara de poder”, nas palavras de Jacques Ancel (1938). Logo se ultrapassa a concepção de fronteira como linha (ou limite, idéia mantida para os aspectos do contorno territorial e da soberania, ligada, portanto às lógicas de diferenciação entre os estados), para sublinhar o caráter poroso de certos trechos do perímetro estatal: aí a fronteira é zona ou faixa de contato entre duas arquiteturas estatais. Autores do fim do século XX, diante dos questionamentos que apontam para a multidimensionalidade do poder e dos territórios, colocariam a questão sob um prisma escalar: a fronteira estatal é então teorizada como um entrelaçamento de múltiplas escalas, onde as lógicas globais, estatais, regionais e locais se combinam e entram em contradição, o que pode ser observado em campos como o econômico, o político etc. Atenção: não se trata aqui das fronteiras de outros objetos geográficos que não o estado-nação (das fronteiras internas da/de uma cidade, por exemplo); trata-se de observar que no mesmo espaço fronteiriço, há processos que estão ligados a agentes e redes de maior ou menor extensão territorial, que colocam em prática projetos mais ou menos abrangentes ou específicos ao lugar. Reconhece-se, portanto, uma experiência local da fronteira estatal. É a fronteira vivida (FRÈMONT, 1999), ou seja, um lugar de experiência cotidiana. Esse percurso teórico recobre de nuances a idéia de fronteira, mas se atém ao seu aspecto espacial. Daniel Nordman (1998, p.17-8), diz que essa precisão se faz necessária a partir do século XX: “Ce mot n’étant jamais utilisé ici en dehors des emplois ou connotations spatiaux, pour la raison simple mais déterminante qu’il ne l’a pratiquement jamais l’eté avant le XIXe siècle.” As metáforas que se baseiam na idéia de fronteira são muito numerosas, já que todo objeto, material ou imaterial, que possui uma extensão, é também dotado de limites, que se podem deslizar para as idéias de fronteira, de contato ou de avanço. Essa operação é ainda mais visível quando se considera a idéia de frontier, ou fronteira americana, uma fronteira concebida como um movimento monológico. Assim, as ‘fronteiras do conhecimento’ se expandem. Apesar de toda essa mutação, a teorização geográfica sobre a fronteira como lugar de processos identitários e culturais precisou das ferramentas criadas pelos Estudos Culturais e pela Literatura para ir além da constatação da existência de contatos. Trabalhamos aqui com a fronteira como um terceiro espaço, nem marginal nem acessória às culturas nacionais, um híbrido com autonomia, que ultrapassa o desnível hierárquico presente em concepções como regionalismo, por exemplo, e que não opõe duas identidades puras, e sim identidades híbridas às puras. Voltando ao começo do argumento, minha pesquisa sobre o contrabando: os primeiros resultados levaram a uma mudança de enfoque, colocando como objeto os contrabandistas, agentes do savoir-passer a fronteira. E, mais importante para o trabalho aqui em discussão, mostraram a riqueza da exploração das obras de autores locais que, bem antes dos pesquisadores das ciências humanas, exploraram as formas de viver a fronteira. 2. Geografia e Literatura Geografia e Literatura encontram-se no estudo do espaço e da cultura. Ainda que não haja aqui a intenção de desenvolver uma teoria sobre as aproximações possíveis entre o espaço geográfico, seu estudo, as obras literárias e sua crítica, a articulação entre esses quatro pólos passa pela construção de pontes sólidas. Deixando de lado a discussão sobre a distribuição geográfica de objetos e práticas literárias (bibliotecas e livrarias, a difusão do romance); sobre a escritura geográfica (formas textuais e estratégias argumentativas correntes na disciplina, por exemplo); e sobre o espaço da página (Un coup de dés, Mallarmé), interessa aqui pensar dois aspectos: como o espaço geográfico se inscreve nas obras literárias (e, especificamente, nos contos de contrabando)? Como essa inscrição pode ser explorada em estudos geográficos (sobre as práticas dos contrabandistas na fronteira do Brasil com o Uruguai)? O espaço geográfico se inscreve nas obras literárias como cenário e como ancoragem da cultura (língua, identidade e tradição). Ainda que o espaço da ação seja necessariamente ficcionalizado, dificilmente será completamente descolado das experiências espaciais do autor. Esse é o sentido da expressão ‘ancoragem da cultura’: o lugar onde nascemos e somos criados, onde habita a comunidade para o qual produzimos nossas obras, é um só tempo tropo e locus, é uma paisagem e abriga um conjunto de práticas culturais, entre as quais se destacam a língua e os códigos para compreensão do espaço, estruturas do nosso horizonte. Toda obra está arraigada a um sistema lingüístico (STEINER, 1968), que tradicionalmente tem um rebatimento espacial estabilizado pelos processos políticos e culturais ligados ao nacionalismo. Essa afirmativa enquadra-se bem na teoria romântica, onde cada língua cristaliza a história interior, a visão específica do povo ou nação (STEINER, 1968) e o espaço em que essa se materializa. Passando da concepção romântica, em que uma dupla pertinência lingüística eraanômala, considerada como um ‘dualismo moderno’ – e, em casos mais agudos, como extraterritorial – chegamos ao presente, marcado pela reivindicação de identidades híbridas emergentes. No momento em que a estabilidade lingüística local e nacional é eclipsada por outras territorializações, a interpretação de produtos literários fornece pistas para o entendimento do desconhecido: só a imaginação pode tentar preencher a ausência dos documentos e a parcialidade dos monumentos, quando se quer enxergar os avessos (CHIAPPINI, 1988, p. 326). A leitura pós-colonial peculiar ao período pós-Guerra Fria mostra a pertinência geográfica da produção literária. Certas obras literárias – em seu conteúdo ou circulação – são indícios de territorialidades concretas pouco reconhecidas, como é o caso da literatura de fronteira. A exploração das inscrições da cultura de um lugar nas obras literárias permite estudar representações do espaço negligenciadas por fontes mais tradicionais da pesquisa geográfica. Entretanto, cada texto é escrito a partir de uma decisão heurística do autor, que diz respeito aos procedimentos formais adequados a sua natureza e recepção. Assim, não cabe, em princípio, julgar a veracidade de uma poesia ou o lirismo de uma nota de imprensa e sim respeitar as convenções de cada forma discursiva, seja ela o romance, o ensaio, o artigo científico ou o manual escolar. O discurso literário e a produção científica aproximam-se no momento atual. Por um lado, formas culturais menos canônicas somam-se ao romance, em suas aspirações à significação social e ao realismo. Por outro lado, a crítica à neutralidade da ciência denuncia a impossibilidade da apreciação objetiva. Assume- se que o trabalho científico é um recorte intencional de vários campos de referência extratextuais (os materiais recolhidos e selecionados no trabalho de campo) e intertextuais (os textos, acadêmicos ou não, levados em conta) criando uma verdade que se reconhece parcial, perspectivada pelo autor. Tzvetan Todorov (1989), ao discutir a diferença entre a verdade do romancista e aquela do cientista, estabelece uma distinção, que adotamos aqui, entre fatos (verdade-adequação, cotidiana) e interpretação (verdade-desvelamento, teórica, discursiva), sem estabelecer precedência entre os elementos do pares. O autor lança mão também da idéia de verossimilhança (efeito do real), mas o ponto central de sua argumentação é que a crítica relativisadora aplique-se à verdade-desvelamento, sem descartar a existência de verdades (mais simples talvez) que se encontram além do relativismo. Um estudo geográfico-literário busca no texto literário interpretações sobre os lugares estudados pela geografia. A semelhança entre a realidade e sua representação no texto literário não deve ser testada, já que o autor não deseja ser simplesmente uma testemunha. Deve-se examinar a sobreposição ou o distanciamento existente entre as figuras criadas pela literatura e pela geografia, a fim de revelar outros ângulos sobre o fenômeno em questão. A liberdade temática presente na literatura possibilita-lhe tratar de temas até há pouco interditados ao cientista social, o que explica a profusão de narrativas sobre contrabandistas e sua quase inexistência em trabalhos acadêmicos. 3. Uma literatura de fronteira No sul da América do Sul há uma região que se desenha sobre parte dos territórios do Uruguai, da Argentina e do Brasil, vernacularmente conhecida como de região da Fronteira. Essa expressão representa um afastamento em relação ao uso mais cristalizado do conceito de fronteira, ligado ao estado-nação. Nesse caso a fronteira é uma região formada por objetos de escalas políticas incongruentes, isto é, coloca em relação um estado da federação brasileira (o Rio Grande do Sul) e partes de estados-nação (Uruguai e Argentina), enfatizando a região formada pelas práticas ligadas à existência de trocas. Aqui a fronteira é a característica e não a cessação de características Dentro dos estudos literários e seguindo a proposta de Antônio Cândido (suponhamos que, para se configurar plenamente como sistema articulado, ela [a literatura] dependa da existência do triângulo “autor-obra-público”, em interação dinâmica, e de uma certa continuidade da tradição (1950, p.16)), aí desenvolve-se um (sub)sistema literário, que Angel Rama (1982) chama de Comarca literária do Pampa. O reconhecimento de uma “literatura de fronteira” em estudos sobre o Rio Grande do Sul legitima sua adoção aqui (MASINA, 1994; RUBERT, 2003; DORFMAN, 2003). A literatura de fronteira pode ser caracterizada a partir de vários índices, principalmente a origem geográfica de seus autores, a tematização da fronteira e a interpolação das línguas standart (no caso o português e o espanhol) e de termos locais em sua maioria oriundos das línguas indígenas. Para a constituição do gênero contribuem ainda referências recíprocas entre os autores, sejam eles precursores ou contemporâneos, a existência de editores e de um público-leitor. A literatura de fronteira não aparece apenas no Cone Sul. Internacionalmente, é a fronteira entre o México e os Estados Unidos aquela aceita como paradigmática, e não apenas no campo da literatura. Edward Soja apresenta a cultura e a identidade chicanas como formas inovadoras de interpretação do (terceiro) espaço (1996, p. 129). Sonia Torres (2001) organiza sua análise da literatura, etnografia e geografias de resistência pelo questionamento da hispanização da cultura norte- americana, da busca de uma voz pelos migrantes latinos que não abandonam suas origens, e das resistências geradas no processo. Uma análise preliminar da literatura da fronteira México-EUA revela que apenas os latinos e seus descendentes têm tomado a palavra, ou talvez eles sejam mais valorizados por serem considerados pelos teóricos como os portadores da nova representação. A comparação entre ambas as literaturas de fronteira revela ainda que os conflitos são muito mais claramente expostos no caso da fronteira México-Estados Unidos, refletindo as distintas realidades que as geram (DORFMAN, 2004). Freqüentemente incluem-se glossários nas obras regionalistas editadas nos centros culturais da nação, posicionando os termos ditos regionais na marginália da página e restabelecendo a posição periférica, a condição desviante, deste produto cultural. Por outro lado, o conteúdo da marginália é compartilhado entre as obras publicadas em outros países do Prata. Há, portanto, uma linguagem da margem, incompreensível no centro, mas capaz de estabelecer comunicações através da fronteira. Nem todos autores da Comarca do Pampa aceitam essa disposição editorial, vetando a inclusão de glossários que traduzam sua linguagem (é o caso de Sergio Faraco). Podemos nos perguntar se tais obras, ou pelo menos algumas delas, estão escritas em portuñol, dialeto emergente nesse espaço transitivo, objeto de disputas políticas e simbólicas, que problematizam os projetos nacionais de erradicação através da educação, mesmo que bilíngüe (em espanhol e português standart) e a reivindicação do portuñol como marca identitária da região. Dentro da literatura de fronteira, encontramos uma série que tem como personagem principal o contrabandista. 4. Interpretação geográfica dos contos de contrabando O corpus selecionado para análise é composto por cinco contos e uma novela, escritos por autores nascidos na fronteirado Brasil com o Uruguai e com a Argentina. As narrativas se distribuem entre 1912 e 1996, e algumas desenvolvem- se num tempo anterior ao da escrita. A escolha destes contos de contrabando se deu por uma série de razões, desde referências mútuas – intertextualidades mais ou menos explícitas – até o reconhecimento, por parte da crítica, de seu valor literário, aliadas à inevitável aleatoriedade. O contrabando é, em si, uma chave analítica, uma entrada para as práticas cotidianas da população fronteiriça. A leitura volta-se para cada peça em particular e, finalmente, para as recorrências entre as mesmas, em busca mais da verdade-desvelamento (interpretação) que da verdade-adequação (fatos) (TODOROV, 1989). 4.1. Contrabandista, de João Simões Lopes Neto, 1912 O conto mais antigo e conhecido aqui analisado é Contrabandista. É provável que João Simões Lopes Neto seja o pai dos contos de contrabando no Rio Grande do Sul. O título refere-se a Jango Jorge, descrito como um homem de muito valor e habilidade, fortemente arraigado no pago, que se notabilizava pelo conhecimento da região, que nunca errou vau, nunca perdeu atalho, nunca desandou cruzada, localizando-se pelo faro, pelo ouvido e até pelo gosto característico a cada lugar (LOPES NETO, 1912/1998, p.91). A história se passa em meados do século XIX, mas remete também ao tempo passado: já velho e afamilhado, Jango Jorge ia casar sua filha. Saiu na véspera da boda para buscar o enxoval do outro lado do rio – e da fronteira. Todos os preparativos estavam concluídos, mas a noiva não podia aparecer na festa enquanto o pai não chegasse com seus atavios. Depois de tensa espera, um movimento no terreiro anuncia Jango Jorge: deixando sua experiência de lado, insistira em enfrentar a guarda de fronteira e fora morto. Além da rica informação factual deliberadamente incluída nessa obra – o desejo de registro é tão explícito que pode-se afirmar tratar-se de um conto a serviço do documento – depreende-se que o contrabando é uma prática tradicional na região, e que desde sua origem, anterior a 1800, organizava-se em bandos ou “malocas”, atuando nos banhados do rio Ibirocaí, com qualquer tempo e a qualquer hora do dia (LOPES NETO, 1912/1998, p.91). Segundo Lopes Neto, o contrabando teria nascido porque os estancieiros iam ou mandavam buscar artigos necessários ou supérfluos para seu abastecimento do outro lado da fronteira ainda mal-definida. É evidente sua intenção em registrar a gênese e a organização do contrabando, apresentando-o como estratégia de sobrevivência da população diante de uma dinâmica histórica desterritorializante, e não como crime ou contravenção. O personagem-título surge com muita humanidade, como um pai dedicado, generoso e conhecedor da terra, e a ele opõem-se os “ordinários” guardas da fronteira. O contrabando que leva à morte de Jango Jorge não são armas nem drogas, mas um enxoval, a proteção e a delicadeza legada por um pai a sua filha. O casamento vira funeral, o dia vira noite, por causa do combate entre o capitão-contrabandista-pai da noiva, próximo e familiar, e os ordinários que defendem a lei do estado. E é preciso lutar para reaver o corpo do contrabandista morto. 4.2. Contrabando, de Darcy Azambuja, 1925 O conto de Azambuja reforça a idéia das “reencarnações” do personagem contrabandista, já que o autor reivindica-se como leitor-herdeiro que lê e reescreve Simões Lopes. Essa história se passa numa madrugada nebulosa, quando uma expedição campeira, a meio caminho entre Jaguarão e Aceguá, acaba custando a vida do jovem e leal batedor Chirú. Mais uma vez distingüem-se e opõem-se contrabandistas e guarda, representando o embate entre uma prática honrada pelo pertencimento ao lugar e o exercício de uma tarefa estranha à organicidade local. Aqui a fronteira encontra-se na origem do contrabando menos por representar uma alternativa de sobrevivência ou negócios “fáceis” do que por ter levado ao surgimento de uma índole corajosa em seus habitantes. Os contrabandistas são, antes de tudo, gaúchos. O bando é descrito em sua variedade ‘étnica’, sendo composto por um negro, um índio, um castelhano e outros membros; é também caracterizado como a reunião de diferentes segmentos sociais, unidos pela fidelidade ao bando. 4.3. Os contrabandistas, de Mario Arregui, 1960 Mario Arregui é uruguaio. Aqui temos a tentativa frustrada de travessia do fronteiriço Jaguarão por cinco homens, uma trintena de cavalos soltos e uma mula velha e cega, levando contrabando para o Brasil. Rulfo Alves lidera os irmãos Juan e Pedro Correa, acompanhados do velho da égua tordilha e do rapaz do zaino negro. O conto divide-se em dois momentos: primeiro apresentam-se informações minuciosas sobre as técnicas de organização de uma caravana, uma descrição bem focada no factual e no local. Ao tocarem a margem brasileira, os contrabandistas são recebidos com tiros, morrendo o velho e o rapaz, Rulfo ferindo-se gravemente. Inaugura-se a segunda parte do conto, aonde o sobrenatural vai tomando conta da “paisagem agora com mortos”, e a temática é menos ortgebunden, menos presa ao lugar (MORETTI, 2003). A caminhada pelo entardecer não informa muito sobre o ofício de contrabandista, mas faz da fronteira internacional uma metáfora para a morte, dando à paisagem um caráter sobrenatural e reforçando o papel dos contrabandistas como mediadores, pasadores, ora de mercadorias, ora entre vivos e mortos. O conceito de fronteira natural é relativisado pelos conhecedores do lugar. O fato de a fronteira ser desenhada por um rio não traz maiores dificuldades à sua travessia, ao menos por homens a pé ou a cavalo: O Jaguarão é muito largo naquele lugar solitário. Quem o conhece sabe bem que, precisamente por ser largo, é raso no verão: as correntezas invernais formam remansos e bancos de areia que parecem pequenas pontes submersas (ARREGUI, 1960/2003, p.31). A riqueza de detalhes verídicos oferecida pela descrição inicial reforça a verossimilhança da fantasmagoria que se descortina nessa jornada por mundos sobrepostos. O caráter documental da primeira parte coloca-se a serviço da narrativa, invertendo a hierarquia presente no “Contrabandista” de Simões Lopes Neto. 4.4 Guapear com frangos, Sergio Faraco, 1986. O título não explicita o alinhamento com os contos de contrabando, mas declara um outro vocabulário, aquele da fronteira, testemunhando o deslocamento no espaço e na cultura. O conto trata da tarefa de dar destino ao corpo de um contrabandista morto em ofício. Alinha-se com o conto anterior primeiramente por ter sido escrito pelo tradutor de Mario Arregui para o português; além disso, aqui também um homem é obrigado a cavalgar com a morte. Guido Sarasua morrera ao insistir em cruzar o rio Ibicuí durante uma enchente. Seus parceiros procuram-no pela obrigação de não deixar corpo de homem sem velório (p.289), até encontrar sua canoa presa nos galhos de um salgueiro. Como o morto não podia ser entregue aos bichos sem os recomendos do padre e uma vela que alumiasse os repechos do céu (p.290), López é encarregado de levar o corpo até a casa do morto. A tarefa não parece intimidá-lo: Na sua lida diária, de tropeadas secretas que varavam alambrados, de furtivas travessias secretas do grande rio que corria em cima da fronteira, na sua lida de partidas, miséria, punhaladas e panos ensangüentados, via a morte e a corrupção do corpo como outro mal qualquer, como os estancieiros, a polícia, fuzileirose fiscais do mato ( p.290-1). A missão revela-se impossível, pois o cadáver é destroçado por animais em busca de alimento. Assim, López vai abandonando a moral ao longo do caminho que não chega a concluir. No conto há três progressões simultâneas: a da paisagem, do mais úmido ao mais seco, do rio em direção ao povoado; a da moral, que vai da afirmação dos preceitos religiosos à aceitação da cadeia alimentar; e dos corpos, o morto literalmente se despedaçando e López, de náusea em náusea, abandonando crenças. Novamente, os contrabandistas constituem-se nos intermediários. Entre a cultura e a natureza, a integridade dos corpos e sua dilaceração, entre a vida e a morte, os passadores ativam a paisagem humanizada com suas práticas. Cabe citar Guilhermino César (1994, p.37) para comparar os dois primeiros contos com as obras analisadas a partir de “Guapear com frangos”. O crítico identifica duas fases no regionalismo literário gaúcho: na primeira, os clássicos do gênero trazem-nos o camponês rio-grandense à moda gaúcha, heróico e fanfarrão mesmo na sua miséria; na segunda, o protagonista, semi-proletário rural (...), percorre os livros dos autores rio-grandenses a pé e desencantado. 4.5 Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez, de Tabajara Ruas, 1990 O narrador adolescente é sobrinho de Juvêncio Gutierrez, que retirara-se havia anos da vida normal para tornar-se contrabandista. A volta do tio à Uruguaiana é anunciada para o mesmo fim-de-semana em que o narrador disputa uma partida de futebol decisiva. As razões para o exílio e posterior retorno de Gutierrez são misteriosas, acrescendo ao suspense quanto ao placar e à capacidade de Juvêncio em enganar o delegado Facundo e escapar do cerco policial. Esses eventos desencadeiam no narrador um amadurecimento que o conduz à vida adulta. A ação se dá em 1957, numa Uruguaiana compósita, onde o cotidiano mescla a cidade, o pampa, a ponte, o rio Uruguai, fronteira com a Argentina, e a cidade de Paso de los Libres, articulados pelo trem, um símbolo da passagem onipresente nos contos aqui trabalhados. Ao objeto fronteira corresponde sempre, como constituinte simétrico-perpendicular, o ato de passar. Não é a toa que entre os vários termos locais para contrabandista destaca-se aquele mais correntemente usado em Uruguaiana-Paso de los Libres: pasador. A fronteira delineia o cotidiano e é também evocada pelos símbolos do estado-nação, bandeira, placas, postos de aduana pontilham a narrativa. O contrabando é apresentado como uma atividade exercida também por pessoas ‘decentes’. Por exemplo: As famílias relacionavam-se há muito tempo; foram sócias num armazém na época da farinha. O contrabando de farinha tinha sido o grande negócio de Uruguaiana alguns anos antes (RUAS, 1990, p.18). A existência de fases ou ciclos no contrabando é sinalizada nessa passagem. Em vários momentos do livro aparece o interesse privado sobrepondo-se à ordem legal. O delegado persegue Juvêncio sobretudo por razões pessoais. Há também o coronel Fabrício, representando a preeminência do poder econômico e político sobre o exercício da lei. Fica claro que, para o personagem, o contrabando não se deseja político, constituindo uma contravenção particular contra o estado, demonstrando astúcia e não rebelião. O significado político do contrabando é sempre uma questão em aberto: será um ato de desobediência civil, de pretensões quase anarquistas, na medida em que representa um desvio à norma legal? Ou, ao contrário, é uma solução apolítica, ‘fácil’, na medida em que as demandas dos habitantes da fronteira se resolvem sem o recurso à organização política (o bando do contrabando não tem nada de político?), representando assim alienação ou esvaziamento das instâncias de organização coletiva e dos processos institucionalizados? As últimas vinte páginas da Perseguição... centram-se na ‘tragédia do corpo ausente’. O corpo de Juvêncio Gutierrez, varado por quarenta balas, está no necrotério. O pai do narrador dirige-se à morgue, e então ao delegado, reivindicando o corpo. A reivindicação do corpo pela família, ou ‘a tragédia do corpo’, já aparecera no Contrabandista de Lopes Neto, em Guapear com frangos de Sérgio Faraco, e nos remete à Antígona de Sófocles, a que desobedece pela justiça e pela verdade, aquela que desafia o tio e rei Creonte a fim de dar um destino ao corpo do irmão Polinices. Esta obra é freqüentemente interpretada como a representação do conflito entre a lei natural (da família ou dos deuses), defendida por Antígona, e a lei do estado, personificada em Creonte. O contrabandista é um contraventor frente à lei do estado mas, por outro ângulo, pode ser visto como um defensor da sobrevivência de sua família ou, como é usual formular na fronteira, sua ação pode ser ilegal, mas é legítima. A recuperação do corpo pela família encena, assim, a restituição da honra ao contrabandista. 4.6. Arreglo, de Amílcar Bettega-Barbosa, 1996 O conto se passa na fronteira marginal, entre quartos de cabarés e um parador na Federal, em Rosário do Sul. O parador da rodovia Federal, que poderia ser descrito como um não-lugar – não fosse o uso da expressão local – sublinha a presença da escala nacional e aponta para a articulação supranacional dessa estrada, que vai à Argentina. O entorno rural é descrito como miserável e o rio é só paisagem. Como na narrativa de Tabajara Ruas, a ação se desenrola na cidade. Não há menção a cavalos, sequer como ornamentos da masculinidade, mostrando ter-se terminado o tempo dos cavaleiros em tropeadas campo afora. A rede rodoviária organiza o território. Arreglo inicia com o assassinato do contrabandista Vico por Mendes. Como numa tragédia grega, o narrador é levado, por uma honra que oprime em sua impossibilidade, a vingar essa morte, apesar de querer mudar de vida para casar. Vico, o contrabandista, morto por Mendes ainda antes do início da narrativa, era chibeiro pequeno, talvez dos últimos numa época em que o chibo perdia a força e o rio já não passava de uma paisagem d’água irmanando a miséria. Aparentemente o assassinato tivera motivação passional, uma disputa pela prostituta adolescente Sarita, mas na verdade outra era mulher em questão. A irmã mais moça de Mendes havia sido estuprada por Vico e engravidara. A miséria e a violência atinge a todos. O desfecho é bárbaro: depois de surrar Mendes brutalmente, o narrador solta um cachorro esfomeado e feroz que termina de matá-lo. O corpo é desonrado definitivamente pelos cachorros, justamente o fim que Antígona aponta como vil. Em quarenta ou cinqüenta anos, a honra masculina parece ter-se coagulado em rituais desesperados, a decadência econômica da região levando à destruição do vínculo entre essa honra e seu significado social. O enterro de Vico é patético, sua morte é vingada a contragosto, e representa a restituição de uma ordem indesejada. Nessa narrativa há a manifestação de uma raiva contra o gaúcho mítico, que poderia ser o Jango Jorge criado por Simões Lopes. 5. Elementos para a pesquisa Alinhando os contos surge uma história do lugar em que primeiro trata-se de demarcar a fronteira, de estabilizar os contornos do território nacional. Em seguida, aparece a propriedade fundiária mais ou menos acessível, enquanto nos últimos contos há queixas sobre a expropriação, a dificuldade de aceder à terra. A aproximação entre a Perseguição... e o Arreglo é reveladora desse tempo novo em que a fronteira é predominantementeurbana, ora saudosa do imaginário rural, ora torturada por expectativas herdadas e inalcançáveis. As transformações na região, na forma da urbanização da população fronteiriça ou da ascensão do transporte rodoviário, podem ser detectadas por outras fontes, mesmo as mais objetivas, como a estatística. Entretanto, a compreensão do significado de tal processo para o imaginário e o cotidiano territorializado é viabilizada apenas pelo exame de fontes que se debruçam sobre a subjetividade local. Mesmo o mito oprime pela impossibilidade de sua concretização. Todos os contos insistem na questão da honra. As redes de fidelidade necessárias ao contrabando entrelaçam praticamente toda a população da fronteira: unem os integrantes (flutuantes) do bando, seus fornecedores e fregueses, a família que ajudam a sustentar, as mulheres que seduzem, e excluídos ficam apenas os guardas, geralmente apresentados como recém-chegados, venais ou ignorantes da lógica local. A legitimação do contrabandista é, portanto, a justificação da população local. Ao valorizar a astúcia, a bravura, a rebeldia do contrabandista, enfatizam-se traços positivos daquele que poderia ser descrito como um contraventor. Menos que um bandido, ele é um depositário de certas ‘verdades’ locais. Amílcar Bettega-Barbosa é a voz dissonante. A violência em seu conto é perpetrada entre os membros do mesmo grupo, esteja ela a serviço ou contra a honra. A miséria causa a ruína da comunidade à beira da estrada. A miséria também figura no conto de Sérgio Faraco, levando a adequação da honra a leis maiores, naturais. A fronteira aparece de várias formas nos textos analisados. Ela representa a passagem para a morte para Jango Jorge, Chirú, Rulfo Alves e Juvêncio Gutierrez, na forma do encontro com os guardas dos limites do estado. No conto de Lopes Neto, a fronteira é uma imposição do estado-nação sobre uma territorialidade anterior. Em Mario Arregui, ela é uma metáfora do sobrenatural. Tabajara Ruas mostra uma fronteira polissêmica, lugar do exílio de Gutierrez, símbolo da passagem da infância para a vida adulta do narrador, experiência do dia-a-dia para seus habitantes, materialização dos estados-nação. Bettega-Barbosa enfatiza a condição marginal do lugar e de seus moradores. A literatura ocupa-se incessantemente da fronteira, usando-a como tropo ou locus na representação da cor local ou dos dilemas universais. A poderosa polissemia da fronteira é sistematizada por Franco Moretti (2003), que afirma que os autores oitocentistas constroem personagens cômicas ou trágico- sublimes ao relatarem a aproximação a uma fronteira. As cômicas aparecem nos espaços que se opõem debilmente ao novo poder central, enquanto as trágico- sublimes povoam as áreas que oferecem resistência: O espaço age sobre o estilo, produzindo um deslocamento duplo (em direção à tragédia e à comédia: em direção ao “alto” e ao “baixo”) daquele registro “realista”, “sério”, médio, que é típico do século XIX. Embora o romance apresente uma baixa figuratividade (como diria Francesco Orlando), perto da fronteira a figuratividade surge: o espaço e os tropos se entrelaçam; a retórica depende do espaço (p.53-4). De acordo com essa análise, a fronteira gaúcha resiste até hoje a homogeneização pela cultura nacional. Nenhum contrabandista é narrador de sua história, são personagens dotados de ações silenciosas e astutas, realizadas nas sombras e nos caminhos secundários, na margem da margem. Representam a possibilidade de acionar a fronteira fora da lógica legal. Gradativamente afastam-se do perfil de soldados, tornando-se marginais na sociedade que os gerou. Pode-se traçar uma linhagem de contrabandistas, observando suas encarnações e, através de seus atos, a transformação do espaço da ação, literário mas, antes de tudo, geográfico. Todos os relatos são protagonizados pelos contrabandistas. Todos os algozes são menos legítimos que os contrabandistas – e não teria que ser necessariamente assim, nos westerns muitas vezes o delegado é o herói. Conclui-se que essa é uma literatura de pertencimento regional, em oposição ao estado nacional. Todos os contrabandistas morrem no fim da narrativa, em primeiro lugar, restabelecendo o contrabando como crime, mas possivelmente representando a dilaceração da unidade pressuposta na região e nos caminhos que a articulam pela fronteira, ‘matando’ – simbólica ou concretamente – os agentes da passagem. Mas como haveria contrabando sem a fronteira, sem a razão para ‘passar’? O trabalho de campo apontou, entretanto uma historia ainda por contar: as mulheres também tem feito contrabando mas não geram literatura. Entre as hipóteses para esse silêncio arriscamos que a masculinidade típica do gaúcho exclua a fabulação em torno dos personagens femininos. Ou talvez seja esse o argumento que me espera. 6. Referências bibliográficas Jacques ANCEL, Géographie des Frontières, Paris, Gallimard, 1938. 209 p. Mario ARREGUI, “Os contrabandistas”, em Mario ARREGUI, Cavalos do amanhecer, Porto Alegre, L&PM, 2003, 152 p. p.31-49. Darcy AZAMBUJA, “Contrabando”, No Galpão (contos gauchescos), Porto Alegre, Globo, 1925/1944. 172 p. Amílcar BETTEGA-BARBOSA, “Arreglo” em EQUIPE DA UNIDADE EDITORIAL (org.), Contos sem fronteiras, Edição bilíngüe em português e espanhol, Porto Alegre, UE/ Sec. Mun. da Cultura, 2000, 378 p, p.55-62. Antônio CÂNDIDO, “Prefácio da 2ª edição” e ”Introdução”, em Formação da literatura brasileira (momentos decisivos), São Paulo, Ed. da USP/ Ed. Itatiaia Ltda, 1950. Guilhermino CÉSAR, “Para um estudo do conto gauchesco II – O espaço físico da gauchesca: a mitização do gaúcho” em Notícia do Rio Grande, Porto Alegre, IEL/ Ed. da Universidade UFRGS, 1994, p.27-31. Ligia CHIAPPINI, No entretanto dos tempos: literatura e história em João Simões Lopes Neto, São Paulo, Martins Fontes, 1988, 416 p. Adriana DORFMAN, “O espaço age sobre o estilo”: comparando fronteiras através da literatura de gaúchos, chicanos e europeus”. Em Anais do VI Congresso Brasileiro de Geógrafos, Goiânia, AGB, 2004, 12 p. Adriana DORFMAN, “Literatura de fronteira: o caso do Rio Grande do Sul” em: IGU Commission on the Cultural Approach in Geography - Rio de Janeiro Conference - Historical Dimensions of the Relationship between Space and Culture, 2003. Sérgio FARACO, “Guapear com frangos”, em EQUIPE DA UNIDADE EDITORIAL (org.), Contos sem fronteiras, edição bilíngüe em português e espanhol, Porto Alegre, UE/ Sec. Mun. da Cultura, 2000, 378 p. p.289-295. Armand FRÉMONT, La région, espace vécu (nouv. ed.), Paris, Flammarion, 1999, 288 p. João Simões LOPES NETO, “Contrabandista”, em Contos gauchescos, São Paulo, Ática, 1998, 120 p., p.91-96. Léa MASINA, “O contrabando na confluência das culturas”, em: Iara CASTÉLLO et al (orgs.), Práticas de integração nas fronteiras: temas para o Mercosul, 1995, p. 165-175. Franco MORETTI, Atlas do romance europeu (1800-1900), São Paulo, Boitempo, 2003, 215 p. Daniel NORDMAN, Frontières de France: De l'espace au territoire XVI - XIX siècle, Paris, Gallimard, 1998, 644 p. Angel RAMA, Transculturación narrativa en América Latina, México, Siglo XXI, 1982. Tabajara RUAS, Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1997, 128 p. Nara Marley Aléssio RUBERT, O regionalismo de Sérgio Faraco. Uma visão universalista da literatura de fronteira, Dissertação de Pós-Graduação em Letras orientada pela Profa. Dra. Jane Tutikian,Porto Alegre, UFRGS, 2003, 135 p. Edward W. SOJA, Thirdspace. Journeys to Los Angeles and other real-and-imagined places, Cambridge, Massachusetts, Blackwell, 1996, 334 p. George STEINER, Extraterritorialité. Essai sur la littérature et la révolution du langage, Paris, Hachette Littératures, 2002, 286 p. Tzvetan TODOROV, « Fictions et Verités ». L'Homme, Paris, 1989, no. 111-112, p. 7-33. Sonia TORRES, Nosotros in USA: literatura, etnografia e geografias de resistência, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, 186 p.
Compartilhar