Buscar

Política Comercial Gov. Lula (artigo de 2005)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 32 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 32 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 32 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1RBCE - LATN
A POLÍTICA COMERCIAL
DO GOVERNO LULA
R
B
C
E 
- R
ev
is
ta
 B
ra
si
le
ira
 d
e 
C
om
ér
ci
o 
Ex
te
rio
r
n°
 8
3 
z
 a
br
il 
- j
un
ho
 d
e 
20
05
sé
rie
BR
IE
F
LATIN AMERICAN
TRADE NETWORKLATN
WITH THE SUPPORT OF IDRC (CANADA)
Decorridos dois anos e meio do mandato do governo Lula, sua política externa e sua estratégia
de negociações comerciais são, com freqüência, objeto de elogios e alvo de críticas. Isto reflete
acima de tudo o fato de que as negociações comerciais tornaram-se, além de um componente
essencial da política comercial brasileira desde meados da década passada, um tema relevante
na agenda de política doméstica do país, tendência que já se evidenciava nos últimos anos do
governo anterior.
Uma reflexão cuidadosa acerca dos fatores que condicionam e que movem a estratégia brasileira
de negociações comerciais, bem como acerca de seus limites e possibilidades, é o que se vai
ler nos quatro Briefs publicados por LATN em colaboração com a Funcex.
Trata-se da primeira publicação coordenada pelo núcleo brasileiro de LATN e nosso objetivo é,
com esta publicação, dar a mais ampla difusão possível a trabalhos técnicos que contribuam
para aprofundar os debates nas áreas pertinentes à política comercial.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
*Texto publicado em 04/2005
** Portanto, análise somente dos 2,5 primeiros anos do 1° mandato Lula (completo é de jan/2003 a jan/2007)
2 RBCE - LATN
A POLÍTICA COMERCIAL DO GOVERNO LULA:
CONTINUIDADE E INFLEXÃO
PEDRO DA MOTTA VEIGA
Pedro da Motta Veiga é sócio da Ecostrat Consultores Ltda.
1 Mas o que é o paradigma globalista, que está na base da política externa
brasileira há quatro décadas? É uma visão da posição brasileira nas
relações internacionais que resulta “da articulação (...) de diversas
influências intelectuais: a crítica nacionalista à matriz americanista da
política externa (...); a visão da CEPAL das relações centro-periferia; e a
tradição do pensamento realista nas relações internacionais, em particular
a concepção do sistema internacional como um âmbito anárquico” (Soares
de Lima, 1994). Segundo esta autora, “no início dos anos 60, a política
externa encontraria no eixo Norte-Sul o espaço adequado para o exercício
de um papel protagônico pelo Brasil. O eixo Norte-Sul possibilitaria ao
MRE (...) encontrar na diplomacia econômica multilateral uma missão
organizacional específica: complementar as políticas governamentais de
desenvolvimento industrial”.
O BRASIL E AS NEGOCIAÇÕES
COMERCIAIS: POSIÇÕES
NEGOCIADORAS E CONDICIONANTES
Ao longo dos anos 90, o Brasil abriu um vasto leque
de frentes de negociação comercial, nos âmbitos sub-
regional (Mercosul), regional (Alca) e birregional (União
Européia). Nestas negociações, o país adotou
posturas em geral defensivas. No Mercosul, resistiu
a propostas típicas de um processo de integração
que se pretendia “profundo” e que implicassem abrir
mão de graus todavia limitados de soberania na área
econômica. Na OMC, o Brasil tem na agricultura
praticamente o único componente de sua agenda
ofensiva. Nas negociações da Alca e com a União
Européia, situação semelhante se reproduz – posturas
defensivas dominando a posição brasileira nos
demais temas de negociação.
Esta situação não pode surpreender: ela traduz o fato
de que, no campo dos condicionantes domésticos que
moldam a estratégia comercial brasileira, houve, nos
anos 90, muito mais continuidade do que ruptura em
relação às décadas anteriores. Dois fatores parecem
especialmente importantes para explicar a dominância
das posturas defensivas do Brasil nas negociações
comerciais dos anos 90:
! o primeiro envolve a economia política do
processo de reformas liberalizantes no Brasil e, em
especial, a primazia que os setores import-competing
lograram manter, na área de política comercial, sobre
os setores e interesses exportadores, apesar da
liberalização unilateral levada a cabo no início da
década. Diversos setores beneficiados pelo regime
de substituição de importações mantiveram, depois
da liberalização, níveis elevados de proteção nominal
e efetiva e alguns deles receberam novos incentivos
aos investimentos; e
! o segundo diz respeito à matriz hegemônica de
política externa, caracterizada pelo objetivo de neutralizar
os fatores externos que possam comprometer os
objetivos de desenvolvimento econômico e de
consolidação da capacidade industrial, percebidas como
condição indispensável para uma atuação autônoma
do país no sistema internacional. Nessa área, a
continuidade prevaleceu com muito pouca ambigüidade:
o paradigma globalista, hegemônico na política externa
brasileira desde os anos 60, manteve-se nesta posição
e “enquadrou” a lógica política de participação do Brasil
no Mercosul e nas demais iniciativas de liberalização
preferencial em curso.1
O peso da matriz de política externa na definição
dos objetivos e instrumentos da política comercial
não poderia ser minimizado, no caso do Brasil. Como
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
3RBCE - LATN
A estratégia de negociações comerciais
é instrumentalizada domesticamente
para remediar, pelo menos em parte,
o desgaste causado junto ao eleitorado
do PT pela adesão governamental
à ortodoxia macroeconômica
2 De fato, a postura do Brasil frente ao Mercosul traduziu estritamente a
percepção de que os limites da cessão de soberania vinculada à integração
devem ser definidos por objetivos nacionais que antecedem, em termos
de prioridade política, os objetivos do projeto sub-regional e que não
deveriam ser por este afetados. Ou seja, no caso brasileiro, o projeto de
desenvolvimento industrial nacional mantém-se intacto na matriz
hegemônica de política externa no âmbito do Mercosul, sequer se
combinando com elementos de um projeto industrial regional. Ao contrário,
nas negociações com os sócios brasileiros no Mercosul, o projeto de
desenvolvimento nacional se expressou sistematicamente como um
processo de competição e conflito e quase nunca como cooperação.
3 Vale lembrar que, no início da Rodada Uruguai, o Brasil se opôs fortemente
à inclusão, na agenda multilateral, dos chamados novos temas de
negociação: comércio de serviços, investimentos e TRIPs. Na década de
90, embora o país tenha firmado vários acordos bilaterais de proteção de
investimentos, nenhum deles foi ratificado pelo Congresso.
observa Soares de Lima (2004), por questões de
formação histórica do Brasil, “as definições de ameaças
externas e as percepções de risco são basicamente
derivadas de vulnerabilidades econômicas e não de
segurança”, o que gerou, na visão das elites, a
percepção de que a política externa tem como função
principal reduzir aquele tipo de vulnerabilidade e “abrir
espaço” para as políticas de desenvolvimento nacional.
No campo estritamente comercial, esta função
atribuída à política externa se traduziu, no GATT, em
demandas por tratamento diferenciado e mais favorável
no âmbito multilateral e, na Rodada Uruguai, em
resistências para ampliar a agenda de comércio para
além das medidas fronteiriças.
O paradoxo da situação em que o Brasil diversificou
as frentes de negociação comercial, mas adotou
sistematicamente, em todas elas, posturas
essencialmente defensivas, remete ao peso destes
dois condicionantes domésticos na definição da
estratégia de política comercial do país.
Resta explicar, então, porque o Brasil envolveu-se
em processos ambiciosos de negociação preferencial
na década de 90 em vez de concentrar seus esforços
na esfera multilateral, menos exigente em termos de
liberalização efetiva e de estabelecimento de regras
em novas áreas como investimentos, compras
governamentais, etc.
No que se refere ao Mercosul,a iniciativa de investir
em um projeto de integração sub-regional relaciona-
se, no plano da política comercial, à meta de
consolidar a abertura do início dos anos 90 e, no
campo da política externa, ao objetivo de aumentar o
capital político do país no mundo da pós-Guerra Fria
e da difusão da “regionalização”. No entanto, a adesão
brasileira ao projeto sub-regional respeitou
estritamente os condicionantes domésticos acima
apontados, mesmo quando isso gerava conflitos com
os parceiros do bloco ou com os objetivos – explícitos
no caso do Mercosul – de integração profunda.2
No que diz respeito às negociações com os EUA e a
União Européia, os “riscos da exclusão” ou da perda
adicional de preferência frente a outros concorrentes
nesses grandes mercados ajudam a explicar a decisão
de participar dos processos negociadores. Mais
além, difundiu-se, nos meios responsáveis pela
formulação da política comercial, a idéia de que
acordos preferenciais são um instrumento adequado
para obter mais rapidamente ganhos de acesso a
mercados que podem tardar a concretizar-se no foro
multilateral.
Por outro lado, o processo de revisão do paradigma
de políticas públicas em curso no país nos anos 90,
ao longo de uma trajetória de revisão liberal dos marcos
regulatórios domésticos, tornava policymakers e parte
da opinião pública menos refratária não somente à
idéia, implícita nessas negociações, de que o Brasil
seria levado a viver um novo ciclo de liberalização
comercial, mas também ao tratamento, nas
negociações comerciais, de temas como serviços,
investimentos, serviços e compras governamentais.3
Ainda assim, o Brasil adotou, nas negociações
relativas a esses temas, posturas nitidamente
defensivas, especialmente na Alca, em que defendeu
acordos GATS-like na área de serviços e resistiu a
disciplinas ambiciosas nas áreas de investimentos e
compras governamentais.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
4 RBCE - LATN
A atitude dominante ainda é de
ambigüidade em relação ao projeto
sub-regional: positiva por seu
potencial para alavancar exportações
e “excessiva” quando requer regras
4 Visto desde Brasília, esse risco é mais político do que econômico. De
acordo com um ex-embaixador, a Alca “vai expandir e legitimar a
proeminência dos EUA nas Américas, favorecendo a emergência de um
mundo unipolar” (Souto Maior, 2001).
A POLÍTICA COMERCIAL DO GOVERNO
LULA: CONTINUIDADE E MUDANÇA NA
ESTRATÉGIA DE NEGOCIAÇÕES
COMERCIAIS
Na área de negociações comerciais, a estratégia do
Governo Lula apresenta, em relação àquela praticada
pelo dois governos Cardoso, ao mesmo tempo linhas
de continuidade e de mudança. Como se viu, nos
governos Cardoso, a estratégia de negociações
respeitou estritamente os limites impostos pelas
condicionalidades domésticas relacionadas à visão
dominante de política externa e à economia política
da política comercial, mas abriu espaço para
iniciativas que potencialmente entravam em conflito
com essas condicionalidades – ou, pelo menos,
testavam alguns dos seus limites: as negociações
preferenciais com os EUA e a União Européia.
Diante desse quadro, o governo Lula adota uma série
de orientações que reduzem a ambigüidade herdada
dos governos anteriores, especialmente no que diz
respeito às negociações preferenciais com os países
do Norte: nesses casos, a condicionalidade relacionada
à política externa voltou a pesar fortemente nas
posturas negociadoras do país e não por acaso esse
peso se faz sentir com maior intensidade nas
negociações com os EUA na Alca, processo
percebido, dentro do paradigma dominante de política
externa, como a opção estratégica menos desejável
e mais arriscada para o Brasil.4
Essas negociações foram paralisadas a partir do
primeiro trimestre de 2004 e a postura brasileira de
resistência a um projeto visto como ameaça não
apenas econômica, mas também política, foi
certamente um dos fatores que contribuíram para o
impasse em que foram lançadas as negociações.
Mesmo nas negociações com a União Européia, que
adquiriram uma funcionalidade política maior para o
governo após a paralisação da Alca, a postura
brasileira traduziu uma resistência ainda maior do
que a verificada nos anos anteriores em relação ao
tratamento de temas considerados sensíveis em si
mesmos, como serviços, investimentos e compras
governamentais. No caso deste último tema, inclusive,
o Brasil afastou-se de compromissos de negociação,
ao se recusar, a partir de 2003, a negociar questões
de acesso a mercados.
Portanto, as negociações preferenciais com os países
do Norte perderam peso, na estratégia do novo governo,
e as demandas brasileiras relacionadas aos países
desenvolvidos – essencialmente na área agrícola –
tendem a se concentrar na esfera multilateral. As
negociações preferenciais continuaram a ser percebidas
como instâncias relevantes para a negociação de
acesso a mercados (não de regras), mas, como
demandeur na área agrícola, tende a se tornar claro
para o Brasil que a melhoria das condições de acesso
nesta área também dependem, pelo menos em parte,
da negociação de regras aplicáveis a subsídios
agrícolas, o que somente ocorrerá na OMC.
Na OMC, a evolução da estratégia brasileira revela
crescente preocupação ofensiva com a liberalização
do comércio agrícola e, do lado defensivo, confere
importância ao tema da manutenção de margens de
liberdade na área de políticas microeconômicas com
impactos comerciais.
Também na Rodada de Doha, o Brasil liderou a
formação do G-20 – coalizão de países em
desenvolvimento focada nas negociações agrícolas –
e contribuiu ativamente para a obtenção do consenso
que permitiu o acordo de julho de 2004 sobre
frameworks de negociação. A vitória obtida na OMC
em dois panels agrícolas contra países desenvolvidos
legitima internamente tal estratégia e confirma, aos
olhos dos policy-makers brasileiros, a posição única
que cabe ao multilateralismo na estratégia de
negociações do Brasil. Mais recentemente, o país
sinalizou com a adoção de uma postura ofensiva nas
negociações de modo 4 em serviços, também na OMC.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
5RBCE - LATN
No que se refere às perspectivas
de aprofundamento da integração
internacional, prevalecem as posições
que vêem nas negociações muito mais
riscos do que oportunidades
5 Em boa medida, o G-20 pode ser entendido como uma externalidade
positiva associada a iniciativas não necessariamente comerciais de
aproximação entre países em desenvolvimento, especialmente Brasil e
Índia.
De fato, o governo brasileiro entende que a defesa da
liberalização em modo 4 constitui o principal
denominador comum dos interesses dos países em
desenvolvimento nas negociações de serviços e que
é, a partir desse tema, que se pode criar uma
“plataforma ofensiva” de negociação para esses países,
que certamente será objeto de muitas demandas dos
países desenvolvidos em outros modos de prestação
de serviços. Deve ser lembrado, a propósito, que alguns
países em desenvolvimento, como a Índia – parceiro
essencial do Brasil no G-20 – estão entre os principais
demandantes de liberalização em modo 4 na OMC.
A importância, na estratégia de negociações do
Governo Lula, de considerações de política externa
típicas do paradigma “globalista” não se evidencia
apenas na revisão do modelo de negociações com
os países do Norte, adotado nos anos 90, em que as
negociações preferenciais desempenhavam papel
relevante, senão central. Ela também se manifesta
na “volta” à estratégia brasileira do componente de
cooperação Sul-Sul.
De fato, a partir de 2003, adquiriram relevância na
estratégia do Brasilas negociações com outros países
em desenvolvimento. Dois elementos estão presentes
na reativação, pela política de negociações do Brasil,
da dimensão Sul-Sul. Em primeiro lugar, há a busca
de formas de cooperação econômica com outros
grandes países em desenvolvimento, situados fora
da América do Sul. A iniciativa IBSA (Índia-Brasil-
África do Sul) é uma ilustração desse tipo de
proposta, em que o componente comercial das
relações bilaterais pode, inclusive, não desempenhar
o papel central, embora a própria iniciativa possa
gerar externalidades positivas para o país em foros
multilaterais.5
Em segundo lugar, encontra-se a prioridade
explicitamente atribuída ao aprofundamento do
Mercosul e à intensificação das relações econômicas
com a América do Sul, que recoloca a região no centro
da estratégia brasileira, com duas qualificações:
! o componente comercial é percebido pelos
policy-makers como apenas um dos elementos da
estratégia de fortalecimento dos vínculos regionais do
Brasil: no caso do Mercosul, por exemplo, afirma-se a
necessidade de incluir na agenda temas relacionados
à política industrial, ao financiamento de investimentos,
enquanto, no caso das relações com o restante da
América do Sul, o tema da infra-estrutura recebe
prioridade por parte do Brasil. Além disso,
preocupações com questões políticas e de segurança
– narcotráfico, guerrilhas, etc – reforçam a prioridade
concedida, na política comercial, à América do Sul; e
! na área comercial, o Brasil tem admitido uma
abordagem das concessões baseada no conceito de
reciprocidade assimétrica: países menores e/ou menos
desenvolvidos recebem tratamento mais favorável do
que o Brasil, especialmente nas negociações com a
Comunidade Andina. Para os formuladores da política,
trata-se do preço a pagar pelo exercício de uma
liderança benévola do Brasil na região.
Não há nenhuma indicação concreta de que a
disposição a pagar um preço pela liderança regional
seja suficiente para gerar uma mudança substancial
na postura negociadora do Brasil em relação ao
Mercosul, especialmente quando objetivos de política
nacional entrarem em conflito com requisitos de
implementação de regras e disciplinas sub-regionais.
Por enquanto, o preço a pagar tem se traduzido em
uma postura de tolerância em relação a medidas
protecionistas da Argentina e em concessões
assimétricas negociadas com os países da CAN,
posição que se poderia denominar “unilateralismo
benévolo”.
Em suma, a estratégia de negociações do governo
Lula pode ser tida como um investimento simultâneo:
(i) em um multilateralismo compatível com objetivos
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
6 RBCE - LATN
A mudança mais significativa decorre
menos de uma revisão voluntarista
das estratégias de negociação
anteriores do que de um processo
de transformação estrutural da
economia brasileira
de desenvolvimento – via OMC e aproximação com
outros países em desenvolvimento –; e (ii) na inserção
regional do país, em detrimento da consolidação de
laços preferenciais com países desenvolvidos, que
absorveram boa parte dos esforços negociais dos
governos anteriores. Segundo Soares de Lima (2004),
esta estratégia tem como pano de fundo um
“entendimento da ordem internacional” em que “vetores
multipolares” são relevantes e devem ser fortalecidos
para evitar a consolidação de uma ordem unipolar,
moldada pelos interesses da potência hegemônica.
Essa estratégia inclui os seguintes elementos:
! intensificação das demandas na área agrícola,
tanto nas negociações preferenciais – para acesso a
mercados – quanto na OMC – para regras;
! postura defensiva na área de tarifas industriais,
tanto nas negociações preferenciais com países
desenvolvidos quanto na OMC, posição que pouco
difere daquela adotada nos governos anteriores. Esta
postura não exclui, no Governo Lula assim como no
que o precedeu, a idéia de que a conseqüência
“natural” das negociações de livre comércio (com
países desenvolvidos) seria um novo e amplo ciclo
de liberalização comercial decorrente da eliminação
das tarifas que atualmente protegem a produção
doméstica. Mas ela inclui a defesa, nas negociações
preferenciais com os países desenvolvidos, de prazos
de transição longos para a desgravação tarifária de
produtos sensíveis e algumas regras de tratamento
mais favorável para os países do Mercosul;
! intensificação da postura defensiva em temas
não fronteiriços, tidos como sensíveis por suas
implicações potenciais sobre margens de liberdade
do país para formular políticas industriais (serviços,
investimentos, compras governamentais, DPIs, etc.).
Seria correto afirmar que o núcleo duro do
protecionismo brasileiro deslocou-se, nos últimos
anos, da dimensão tarifária para a agenda de temas
não fronteiriços;
! postura ofensiva em modo 4 nas negociações de
serviços na OMC e manutenção de posição defensiva
em outros modos de prestação, especialmente modo 1;
! priorização da estratégia “sul-americana”, com
os componentes “aprofundamento do Mercosul” e
“intensificação dos laços com os países da CAN”,
ambos incluindo elementos não-comerciais e
esquemas assimétricos de troca de concessões na
área especificamente comercial;
! valorização das alianças com outros países
grandes em desenvolvimento fora da região, com base
em considerações e interesses econômicos e
políticos bilaterais, mas também “sistêmicos”
(fortalecimento do multilateralismo “multipolar”); e
! manutenção da posição tradicional da
diplomacia brasileira, de rejeição frontal ao tratamento
dos temas ambientais e trabalhistas em foros
comerciais, o que não deixa de ser curioso para um
governo de esquerda.
O ALCANCE E OS IMPACTOS
DA ESTRATÉGIA COMERCIAL
DO GOVERNO LULA
Decorridos quase dois anos e meio do mandato do
Governo Lula, sua política externa e sua estratégia
de negociações comerciais são, com freqüência,
objeto de elogios e alvo de críticas. A estratégia
comercial tem, no que se refere às negociações
comerciais, linhas de continuidade e de inflexão
quando comparada com aquela que prevaleceu sob
o governo de Cardoso. É como se, frente a um portfólio
de processos negociadores herdado do governo
anterior, o novo governo tivesse redistribuído suas
fichas. Esta redistribuição beneficiou a OMC – que
se tornou instância preferencial (quase exclusiva, se
poderia dizer) de negociações com os países
desenvolvidos – as negociações Sul-Sul (dentro da
região e fora dela) e o Mercosul, retirando ênfase das
negociações preferenciais com os países do Norte.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
null
null
7RBCE - LATN
Quais são os elementos centrais da estratégia posta
em prática pelo governo atual na área de negociações
comerciais? Três deles parecem hoje claros e é
interessante observar que eles não necessariamente
convergem para a definição dos meios e objetivos da
política.
Em primeiro lugar, há uma subordinação nítida da
estratégia de negociações comerciaisà política externa
tout court. Nos governos Cardoso, ensaiou-se um
movimento de “autonomização” da estratégia de
negociação comercial em relação aos objetivos mais
gerais da política externa, a partir da idéia geral (sujeita
a algumas qualificações pontuais) de que essas
negociações, e seus resultados, não seriam capazes
de comprometer aqueles objetivos, mas poderiam dar
alguma contribuição positiva à sua consecução.
No governo atual, esse movimento de “autonomização”
foi revertido e as negociações são avaliadas, em grande
medida, segundo critérios políticos, entre os quais a
clivagem Norte-Sul aparece como um critério de
primeira grandeza. A estratégia de negociação do atual
governo encaixa-se à perfeição no modelo de
legitimação da política externa hegemônica durante o
período desenvolvimentista: sua legitimidade derivava
de seu papel como política capaz de mitigar as
ameaças econômicas externas e de criar espaço para
políticas autônomas de desenvolvimento industrial.
Em segundo lugar, a estratégia de negociações
comerciais é instrumentalizada domesticamente para
remediar, pelo menos em parte, o desgaste causado
junto ao eleitorado do PT pela adesão governamental
à ortodoxia macroeconômica. Nesse sentido, a política
de negociações comerciais é um mecanismo de
legitimação política do governo e esse fato impõe limites
claros à flexibilidade que o Brasil pode demonstrar em
negociações com países desenvolvidos. Sem agregar
esse elemento, é muito difícil entender a paralisia das
negociações da Alca e a posição brasileira nesse
processo negociador.
Sem considerar esse componente de política
doméstica, também fica difícil entender o padrão de
relacionamento do governo com a sociedade civil
nesta área de governo: pouco institucionalizado, esse
relacionamento sujeita os grupos da sociedade civil à
discricionaridade dos atores públicos, criando incentivos
para que estes adotem práticas “instrumentalistas” em
suas relações com a sociedade civil. O acesso
heterogêneo da sociedade civil a diferentes processos
de negociação reflete em parte esse tipo de
comportamento dos atores públicos.
Em terceiro lugar, a estratégia governamental
internalizou e deu prioridade às demandas de
liberalização dos mercados agrícolas, que traduzem
essencialmente um processo de transformação
estrutural da economia brasileira expresso na
emergência de um agribusiness voltado para a
exportação e altamente competitivo.
Ao fim e ao cabo, a mudança mais significativa na
política comercial sob o Governo Lula – e aquela cujos
efeitos deverão ser mais duradouros e profundos –
decorre menos de uma revisão voluntarista das
estratégias de negociação anteriores do que de um
processo de transformação estrutural da economia
brasileira que levou à emergência de um agribusiness
competitivo e fez do Brasil um demandeur de peso
em uma área onde se concentra o “núcleo duro” do
protecionismo dos países desenvolvidos. Esse
processo “amadureceu” no final do Governo Cardoso
e durante o período Lula.
Ao governo atual, deve-se reconhecer o mérito de
haver “incorporado” em sua estratégia as implicações
dessa mudança estrutural, pressionando ativamente
os países desenvolvidos – nas negociações
multilaterais e preferenciais, mas também através do
mecanismo de solução de controvérsias da OMC –
pela liberalização do comércio agrícola internacional.
Esse componente ofensivo da estratégia brasileira
se encaixa adequadamente no modelo de política ,
porque “atualiza” a clivagem Norte-Sul, que desempenha
papel central na lógica daquele modelo. A constituição
do G-20 sanciona essa clivagem Norte-Sul em uma
área onde até então as coalizões eram heterogêneas,
do ponto de vista do nível de desenvolvimento de seus
membros.
Esses três elementos domésticos moldam a
estratégia brasileira de negociações comerciais, que
é favorecida por um fator externo, a saber, a marcada
reversão – observada nos últimos sete ou oito anos –
no ambiente em que ocorrem as negociações
comerciais no mundo.
Pode-se formular a idéia sinteticamente da seguinte
forma. O final da última década do século XX assistiu
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
8 RBCE - LATN
à crise do consenso pró-liberalização comercial e pró-
harmonização de regimes regulatórios e à emergência
de um modelo de percepção da globalização muito
mais pessimista, em que temas relacionados ao
desenvolvimento, ao combate à fome e à pobreza,
às clivagens Norte-Sul ganharam destaque.
Esse novo ambiente é muito mais permissivo em
relação a estratégias como a seguida pelo atual
governo do que o era aquele vigente até meados da
década de 90 e isto, além de conferir maior legitimidade
externa à estratégia brasileira de negociação comercial
(e à própria política externa), certamente ajuda a
entender porque líderes de países em desenvolvimento
que se esmeram em referências à polarização Norte-
Sul, como Lula, são tratados com extrema
benevolência, até mesmo por chefes de Estado dos
países mais protecionistas do mundo na área agrícola.
Como o ambiente externo não condiciona – no sentido
de restringir opções – senão de forma muito branda a
estratégia negociadora brasileira, esta resulta
fundamentalmente do jogo entre os fatores condicionantes
domésticos. E este jogo tende a opor, de um lado, os
dois primeiros fatores apontados acima, e, de outro, o
terceiro fator, tal polarização se manifestando de forma
particularmente intensa no que se refere à estratégia
a adotar nas negociações com países desenvolvidos.
Enquanto a subordinação da estratégia de
negociação a uma política externa que se baseia
na lógica da oposição Norte-Sul e o uso desta
polít ica para fins de legit imidade doméstica
desestimulam a busca de acordos comerciais com
os países desenvolvidos – e, em primeiro lugar, com
os EUA – a pressão ofensiva do agribusiness vê
nesses acordos uma oportunidade insubstituível de
acesso aos grandes mercados do Norte.
O resultado líquido das tensões existentes entre
esses fatores é uma estratégia de negociação
comercial que pretende fazer da OMC a instância
praticamente exclusiva de negociação com os países
desenvolvidos, denotando baixa disposição para firmar
acordos preferenciais com esses países,
especialmente quando tais acordos incluem temas
considerados sensíveis à luz dos objetivos gerais de
preservar o espaço para a formulação de políticas
de desenvolvimento (investimentos, compras
governamentais, etc.). Na visão do governo, o grande
risco associado às negociações com países
desenvolvidos é de natureza político-regulatória e
relaciona-se com a percepção de que acordos
abrangentes em áreas não diretamente comerciais
podem afetar a capacidade do país para fazer políticas
e, portanto, comprometer a soberania econômica
nacional.6
Se a posição negociadora do Brasil integrou um
componente ofensivo de peso e teve seu componente
defensivo deslocado dos temas estritamente
comerciais (proteção tarifária, principalmente) para
as áreas de política industrial, esta nova configuração
tende a tornar mais aceitável, para os negociadores
brasileiros, a hipótese de pagar, com concessões
em áreas como bens industriais e serviços, o preço
pelos ganhos a serem obtidos na agricultura,7 mesmo
que a matriz de política não incluia, entre seus
objetivos, a ampliação do grau de abertura da
economia brasileira à competição das importações.
Outro resultado da ação simultânea dos fatores
domésticos e externa apontados acima é a decisão
de utilizar os acordos comerciais Sul-Sul de alcance
muito limitado, em termos econômicos, como
instrumento deconstrução de coalizões que só
adquirem sentido pleno – na política do governo –
dentro de uma lógica de confrontação Norte-Sul em
instâncias multilaterais (OMC) ou em negociações
preferenciais (Alca).
No caso das negociações intra-Mercosul, houve
alguma mudança de postura do Brasil sob o Governo
Lula, mudança orientada pela idéia de que cabe ao
país “pagar o preço da liderança”. Os impactos desta
mudança no processo de integração foram – e
provavelmente continuarão a ser nos próximos anos
– limitados. De um lado, há que se reconhecer que a
crise do bloco é profunda. De fato, ao déficit de
institucionalização acumulado a partir de 1995 soma-
se, no período mais recente, o aprofundamento das
assimetrias estruturais entre as economias brasileira
e argentina: entre 1998 e 2003, as diferenças de
tamanho e de competitividade entre a grande maioria
6 A preocupação com o “risco regulatório” associado às negociações com
os países desenvolvidos – especialmente em áreas percebidas como
sendo “de política industrial” – não é nova na política comercial brasileira.
Não resta dúvida, no entanto, de que esta preocupação tornou-se mais
aguda sob o Governo Lula do que sob o anterior.
7 No Governo Lula, este trade-off é admitido no que se refere a acesso a
mercados, a concessões a serem feitas pelo Brasil nas áreas em que os
países desenvolvidos têm interesses ofensivos não incluindo o campo
de regras e disciplinas.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
9RBCE - LATN
dos setores manufatureiros dos dois países só fizeram
crescer (em favor da economia brasileira) e é este
fator estrutural que está na origem das medidas
protecionistas argentinas. De outro, a mudança de
postura do governo brasileiro não foi suficiente para
colocar em questão a resistência brasileira a aceitar
negociar regras e disciplinas sub-regionais que
possam vir a limitar as margens de liberdade do
governo no manejo de políticas consideradas
domésticas – embora tais regras constituam parte
essencial da agenda de qualquer processo de
integração econômica mais profunda.
Nesse sentido, a atitude dominante no Brasil ainda é
de ambigüidade em relação ao projeto: avaliado
positivamente por seu potencial para alavancar a
capacidade de negociação de seus membros
(inclusive o Brasil) e para beneficiar as exportações
industriais do país, o projeto sub-regional torna-se
“excessivo” quando requer o estabelecimento de
regras e disciplinas que cerceiam a liberdade de seus
membros – ou seja, do Brasil – para fazer políticas.
Obviamente, o somatório desses movimentos tem
sido, quando avaliado em termos comerciais, muito
limitado, gerando críticas vindas principalmente dos
setores que têm interesse ofensivo nas negociações
preferenciais com países desenvolvidos e de
segmentos da opinião pública que criticam os
pressupostos políticos da estratégia de negociação
comercial.
No que se refere ao primeiro tipo de crítica, M.R.
Soares de Lima lembra que a cobrança de resultados
concretos, de curto prazo, das iniciativas diplomáticas
é uma decorrência natural do protagonismo que os
temas econômicos adquiriram na política externa
brasileira. Se a legitimidade interna da política externa
é gerada pela percepção de que esta política tem
implicações positivas para o desenvolvimento
econômico, é legítimo esperar que as negociações
gerem resultados econômicos que vão mais além da
“prevenção de danos” e da “mitigação de riscos e
ameaças externas”. Na realidade, por trás desse tipo
de crítica, encontra-se a percepção de que os
resultados econômicos da política externa não podem
mais se reduzir àqueles perseguidos na época do
nacional-desenvolvimentismo (a prevenção de danos
e ameaças externas), mas devem incluir a geração
de oportunidades externas para a economia brasileira.
No que se concerne ao segundo tipo de críticas, estas
têm como alvo os pressupostos políticos da estratégia
de negociação comercial do Brasil. Num primeiro
plano, há as críticas à visão ideológica que permeia
esta estratégia: os objetivos de legitimação doméstica
junto a um eleitorado de esquerda frustrado com a
política macroeconômica explicam essa influência
ideológica que efetivamente está presente, mesmo
que o governo se empenhe em negá-la.
Num plano mais profundo, a crítica remete às hipóteses
sobre as quais se baseiam as escolhas concretizadas
pela estratégia de negociações comerciais e, em
particular, sobre a viabilidade (política) de tais hipóteses:
a clivagem Norte-Sul pode ser fonte de um aumento do
capital político do Brasil na cena internacional? É
possível operacionalizar estratégias Sul-Sul que vão
além de iniciativas pontuais como o G-20 quando as
clivagens entre países em desenvolvimento se
explicitam cada vez mais nas negociações multilaterais
e preferenciais? A política para a América do Sul pode ir
além de esforços de integração comercial e de infra-
estrutura, transbordando para iniciativas “pomposas”
como a Comunidade Sul-americana de Nações? Não
por acaso tais críticas atacam precisamente a distância
entre a retórica da política externa e os recursos de
poder que estariam efetivamente à disposição do Brasil.
Passado pouco mais da metade do Governo Lula,
parece claro que a política comercial adotada não foi
pautada principalmente pela preocupação de aumentar
o grau de integração internacional da economia
brasileira e de gerar impactos expressivos sobre os
fluxos de comércio e investimentos do Brasil com seus
principais parceiros. Embora essa preocupação não
tenha estado ausente do discurso e da prática da
diplomacia econômica brasileira nos últimos dois anos
– essencialmente através da demanda por maior
acesso aos mercados dos países desenvolvidos na
área agrícola – não foi ela, mas sim uma visão da
ordem mundial que prioriza claramente a clivagem
Norte-Sul o elemento-chave a orientar a estratégia
brasileira de negociação no Governo Lula.8 „
8 Se a preocupação de aumentar o grau de integração internacional da
economia brasileira e de gerar impactos expressivos sobre os fluxos de
comércio e investimentos do Brasil com seus principais parceiros tivesse
papel central na estratégia brasileira, a matriz de formulação de política do
governo incluiria como objetivo a perseguir o aumento do grau de exposição
da produção doméstica à competição dos importados e de novos
investidores externos.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
10 RBCE - LATN
O objetivo do presente trabalho é avaliar a política
comercial brasileira nos dois primeiros anos do Governo
Lula. O recorte empregado está circunscrito ao que a
literatura chama de análise de política externa,
especificamente no campo da política de comércio
internacional. Nesse caso, acompanha-se os
movimentos do governo brasileiro no âmbito das
negociações comerciais internacionais, ou seja, busca-
se discutir o processo de tomada de decisão à luz dos
constrangimentos e possibilidades colocadas às
autoridades brasileiras nas diferentes mesas de
negociação.
De maneira geral, o Governo Lula tem sinalizado, nas
negociações comerciais, uma continuidade com os
eixos centrais da política econômica externa do Brasil
herdada dos governos pós-abertura comercial no início
dos anos 90. Nesse aspecto, destaca-se a tradicional
prioridade conferida às negociações multilaterais, e
uma aposta inequívoca no sentido estratégico do
Mercosul (e da integração regional na América do
Sul), a despeito do aumento da fragilidade do bloco.
Ao mesmo tempo, percebe-se uma sensível mudança
na hierarquia das agendas de negociação hemisférica
e inter-blocos. Ao contrário do Governo FHC, há uma
manifestação de preferência explícita pela integração
Mercosul-UE emdetrimento da Alca.
Um balanço preliminar acerca dessas negociações
merece três ordens de considerações. A primeira diz
respeito à dimensão doméstica das negociações
internacionais, especificamente no que se refere à
formação de coalizões. A premissa é a de que o
contorno mais definido dos grupos de interesse
posicionados contra a Alca, aliado a uma mudança
na orientação governamental ,1 tornaram a integração
com os EUA o “patinho feio” das negociações do
Governo Lula.
Ao mesmo tempo, a configuração de poder formada
ao redor da agroindústria encontrou no Governo Lula
maior disposição para enfrentar os subsídios agrícolas
dos países desenvolvidos. A cautela do Governo FHC
deu lugar a atitudes mais agressivas e de interesses
melhor definidos, em âmbito doméstico. Como
resultado, sugere-se que o Governo Lula, além de
alargar o processo decisório no que diz respeito às
escolhas em matéria de política comercial, pode ter
contribuído para a organização dos setores
interessados.
A segunda trata da contribuição do governo para o
avanço das negociações multilaterais da OMC depois
de Cancun. A decisiva participação brasileira para o
fechamento do Framework Agreement em julho de
2004 aumentou o cacife do Brasil na construção de
consensos e manteve o G-20 em evidência. No
entanto, a consolidação dessa coalizão depende de
como será definida a eliminação dos subsídios
agrícolas em uma agenda positiva a ser aprovada na
reunião ministerial da OMC em Hong Kong. Além
disso, a coesão do G-20, até o momento bastante
AS NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS NO GOVERNO LULA
JOÃO PAULO CÂNDIA VEIGA
João Paulo Cândia Veiga é doutor em Ciência Política pela USP,
pesquisador do Caeni (Centro das Negociações Internacionais) e
professor de Relações Internacionais da PUC-SP.
1 Refiro-me às mudanças no plano retórico com a maior politização de
temas da agenda internacional, e na preferência explícita pela negociação
com a UE em detrimento da Alca.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
11RBCE - LATN
resistente à pressão norte-americana, deve ser posta
à prova com a discussão de outros temas onde o
consenso é mais difícil de ser alcançado.
A terceira faz algumas observações a respeito do eixo
Mercosul-UE, processo de negociação inédito entre
dois blocos. Nesse caso, a obrigatoriedade de ofertar
concessões em torno de temas muito sensíveis como
subsídios e compras governamentais contribuiu para
o engessamento das posições. A utilização de
recursos táticos discutíveis (fatiamento da agenda
sem proposta geral, falta de transparência) não
ajudaram. A contaminação da agenda interblocos
pelas negociações multilaterais bem como o
processo aberto pelo Brasil contra a UE no OSC
(Órgão de Solução de Controvérsias) da OMC, a
respeito dos subsídios ao açúcar, não facilitaram as
negociações. Por fim, o aumento da fragilidade do
Mercosul se fez presente na mesa de negociações
na discussão de vários temas.
AS VANTAGENS DA SIMULTANEIDADE
NÃO SE CONFIRMARAM
Quatro idéias circularam no segundo Governo FHC,
expressão de certo otimismo entre as elites políticas
e empresariais, acerca da margem de manobra
disponível para o presidente empossado em 2003 no
que se refere às negociações comerciais internacionais:
1. a simultaneidade das mesas de negociações
aumentaria o cacife brasileiro junto aos países
desenvolvidos – Os EUA e a UE fariam maiores
concessões para garantir o Brasil na Alca e no bloco
Mercosul-UE; 2. ficaria para o próximo presidente
colher os eventuais resultados positivos da
negociação da Alca com a co-presidência dividida
entre o Brasil e os EUA, e no acordo de livre-comércio
Mercosul-UE; 3. avançar-se-ia na luta contra os
subsídios agrícolas nas negociações da Rodada Doha
que continuaria a balizar os limites e obrigações do
Brasil nos planos regional e bilateral e; 4. O
“relançamento” do Mercosul, supostamente fortalecido
pelas eleições presidenciais no Brasil e na Argentina,
seria o ponto de partida comum para as demais
negociações internacionais.
Passados mais de dois anos do novo governo, a maior
parte dessas expectativas não se confirmou. A idéia
de que a simultaneidade, por si mesma, traria
vantagens ao Brasil acabou se mostrando ingênua.
De fato, para que ela pudesse trazer efeitos benéficos
às mesas de negociação era preciso uma estratégia
mais acabada acerca das ofertas do Brasil-Mercosul,
das possíveis concessões, e dos objetivos a serem
alcançados no processo de barganha entre EUA e
UE. As possibilidades de barganha em uma mesa
com os olhos voltados à outra estavam dadas pelo
timing entre as duas negociações. Os cronogramas
de ofertas do setor privado para a UE e para os EUA
eram praticamente os mesmos.2 Ademais, havia
certa expectativa, partilhada por governos e pelo setor
privado, de que uma negociação puxava a outra, ou
seja, as possibilidade de melhoria em relação a
acesso a mercados em uma mesa calibrava os
objetivos e concessões na outra.3
No caso específico da Alca, a dificuldade em alcançar
o conceito de “equilíbrio” nos temas em negociação,
esteve presente nos governos FHC e Lula. O equilíbrio
refere-se à troca entre a oferta do Brasil em áreas
consideradas sensíveis e avanços na negociação da
agricultura. Como os EUA querem tratar o tema dos
subsídios agrícolas na OMC, a negociação da Alca teria
2 No final de 2002, às vésperas da VII Reunião de Cúpula Ministerial da
Alca, o setor empresarial brasileiro se movimentava para apresentar suas
primeiras propostas (com listas de produtos). O cronograma de entrega
de propostas pelo setor privado era praticamente o mesmo para a Alca e
para a UE. Naquele momento, a decisão do Governo FHC foi deixar a
tarefa de apresentar as ofertas para o novo governo eleito, isto é, as
eventuais propostas fechadas pela Coalizão Empresarial foram
apresentadas à equipe de transição do Governo Lula, processo conduzido
pelo então ministro Celso Lafer (ver Lívia Ferrari, Gazeta Mercantil, 30 de
outubro de 2002.).
3 As possibilidades de a criação da Alca levar a UE a perder espaço no
Mercosul foi sugerida pelo presidente FHC ao primeiro-ministro francês,
Lionel Jospin em abril de 2001 (ver Reali Jr., O Estado de S. Paulo, 30 de
abril de 2001). Na perspectiva do setor privado, ao contrário, um avanço
nas negociações Mercosul-UE poderia colocar as empresas americanas
em desvantagem no comércio com o Brasil. Por exemplo, um acordo
automotivo com os europeus baseado em cotas reduziria os impostos
para as montadoras com sede na Europa, o que diminuiria a competitividade
dos automóveis americanos no Brasil-Mercosul (ver Geraldo Samor, The
Wall Street Journal Americas, reproduzido por O Estado de S. Paulo, 15 de
abril de 2004.).
Além de alargar o processo decisório
de escolhas em matéria de política
comercial, o Governo Lula pode ter
contribuído para a organização dos
setores interessados
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
12 RBCE - LATN
ficado desequilibrada, o que explica a atual posição
brasileira. Ocorre que congelar a Alca significa, em
grande medida, tirar da agenda a negociação comercial
com os EUA. Esse aspecto da política comercial do
Governo Lula tem sido alvo de críticas de setores
empresariais importantes que enxergam nessa posição
uma possibilidade perdida de melhorar o acesso dos
produtos brasileiros ao mercado americano.4
No caso da UE, a disputa em torno dos subsídios
agrícolas no âmbito multilateral contaminou a
negociação intrabloco e acabou jogando os dois
lados em uma barganha posicional da qual não houve
saída possível até 31 de outubro, momento em que
terminava o mandato dos comissários europeus
envolvidos na negociação.5 Parte das dificuldades
na condução das negociaçõescom a UE deveu-se
à divergência entre Brasil e Argentina em diferentes
temas da mesa de negociações.6
Ao mesmo tempo, o Brasil mostrou grande
capacidade de negociação multilateral ao contribuir
decisivamente para destravar a agenda da Rodada
Doha, em agosto de 2004. O Brasil, no âmbito do
G-20, articulou a “construção de consensos”7 e “foi
um dos responsáveis pela articulação política do
G-20”. Dessa forma, segundo destacado negociador
brasileiro em Genebra, “ao permitir a participação
mais decisiva dos países em desenvolvimento no
núcleo da negociação, o G-20 criou uma nova matriz,
um novo paradigma para a tomada de decisões na
OMC”.8 Na visão do ministro Celso Amorim, esse
novo “paradigma” teria modificado o processo de
tomada de decisão no interior da OMC: de uma
negociação centrada no “presidente de uma
comissão ou de um conselho e os [representantes]
dos grandes países, para uma negociação com a
participação efetiva dos principais interlocutores, algo
que só ocorreu por causa do G-20”.9
MERCOSUL É PARTE DO PROBLEMA
Paradoxalmente, no caso do Brasil e da Argentina, a
combinação de governos supostamente “de
esquerda”, teoricamente comprometidos com uma
estratégia regional de “relançamento” do Mercosul,
não se concretizou. A retórica do “relançamento” vem
sendo utilizada desde a desvalorização do real em
janeiro de 1999 quando os limites da agenda da
integração regional ficaram evidentes em razão das
assimetrias macroeconômicas. Desde então, o
Mercosul continua padecendo das fragilidades
estruturais10 que marcaram seus dez anos de vida.
Chama a atenção o fato de o período Lula ser marcado
pela ascensão de uma nova onda de conflitos
comerciais com a Argentina. Esses conflitos, sempre
presentes na agenda de negociação entre os dois
países, principalmente depois da desvalorização do
real em 1999, ganharam uma dimensão mais
dramática. Parte dessa sensibilidade é resultado da
forma como o Governo Kirchner vem lidando com os
conflitos. A maior parte deles foi incorporada à agenda
de política econômica externa do governo argentino
de forma automática, quase sem mediação. Em
A criação do G-20, em continuidade
à estratégia negociadora definida no
Governo FHC, é o resultado mais
importante do Governo Lula no
cenário internacional na primeira
metade de seu mandato
4 Os EUA são os maiores compradores de produtos manufaturados do
Brasil.
5 As negociações continuam depois desta data mas a nova Comissão
Européia, empossada em novembro de 2004, certamente vai sofrer uma
inflexão em seu posicionamento ante a negociação com o Mercosul. O
ingresso dos dez países do Leste europeu deve reorientar a formação das
preferências e dos interesses europeus com reflexos significativos para
a negociação inter-blocos.
6 Um dos mais salientes foi a discussão a respeito das cotas de veículos
automotores oferecidas pelo bloco aos europeus. Voltou à tona um dos
maiores conflitos comerciais do Mercosul, nunca resolvido, qual seja, as
diferentes políticas industriais direcionadas à indústria automotiva pelos
dois governos.
7 “Ninguém duvida de nosso compromisso com o sistema multilateral de
comércio e todos apreciam a capacidade do Brasil de construir consensos”.
Entrevista com o embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, Zero Hora,
02/01/2005.
8 Entrevista do embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, Zero Hora,
02/01/2005.
9 Entrevista com o ministro Celso Amorim, revista Carta Capital, ano XI,
número 330, 28 de fevereiro de 2005.
10 O dilema entre a organização do bloco em uma área de livre-comércio
ou uma união aduaneira, as divergências entre os modelos de política
externa adotados pelos governos Menem e Collor no início dos anos 90,
a ambigüidade entre o intergovernamentalismo e a institucionalidade, e
as enormes assimetrias macroeconômicas e setoriais (e a inexistência
de mecanismos para dirimi-las), podem ser vistos em Janina Onuki,
“O Mercosul enfrenta Brasil e Argentina”, artigo publicado no jornal Valor
Econômico, 13-15 de novembro de 2004.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
13RBCE - LATN
outras palavras, o presidente Kirchner assumiu a “linha
de frente” da relação com o Brasil, potencializando
as pressões dos setores econômicos prejudicados
com as importações brasileiras. Essa dinâmica
reforçou os grupos de interesse contrários à estratégia
de integração regional em ambos os países e passou
a sensação para a opinião pública de que o Mercosul
está irremediavelmente comprometido.
Um aspecto pouco abordado para a avaliação do
Mercosul diz respeito à (não) posição brasileira em
relação ao default argentino, adotado no final de 2001,
em meio à crise política que resultou na eleição do
presidente Kirchner alguns meses depois. Segundo
essa interpretação, o Governo Kirchner estaria
descontente com o baixo perfil do Governo Lula quando
o assunto é a governabilidade dos fluxos financeiros
internacionais. Com uma posição de confronto com o
FMI, e com os demais credores da dívida externa, a
movimentação do governo argentino contrasta com o
suposto conservadorismo da política econômica
brasileira. O governo brasileiro, incluindo suas
autoridades lotadas nos cargos do FMI em Washington,
não teria feito o que lhe cabia, em razão de sua liderança
regional, para apoiar a posição argentina e enfrentar o
governo americano. O resultado disso é o silêncio das
autoridades brasileiras, o que teria irritado o governo
argentino. Se essa variável for verdadeira, ela ajuda a
entender o atual distanciamento entre os dois governos
e as dificuldades presentes do Mercosul.11
AS PEÇAS SÃO AS MESMAS
MAS HÁ NOVA HIERARQUIA
Assim como aconteceu com o segundo mandato de
FHC, o Governo Lula iniciou 2003 diante de um grande
desafio, no âmbito da agenda de política econômica
externa, qual seja, o de enfrentar simultaneamente
quatro mesas de negociação com graus variados de
interdependência e hierarquia: as negociações pós-
default com a Argentina (Mercosul), bloco a bloco com
a UE, com os EUA na Alca e para a definição da agenda
da Rodada Doha no plano multilateral. É bom
considerar que, da perspectiva brasileira, o governo
se inicia em condições adversas, similares àquelas
que condicionaram o Governo FHC em início de seu
segundo mandado depois da desvalorização do real.
No caso de Lula, uma crise de confiança generalizada
submeteu o governo, em seus primeiros meses, à
forte pressão dos indicadores macroeconômicos
(desvalorização do real, expectativa de elevação de
juros, incerteza sobre a balança comercial, etc.).
Ao menos no plano da retórica, o Governo Lula impõe
uma mudança de ênfase sobre os issues da agenda
econômica internacional, em sentido mais amplo do
que a discussão da política comercial. Em geral, pode-
se dizer que o governo dá continuidade à política de
FHC com um discurso mais politizado e com uma
hierarquia baseada nas seguintes variáveis: 1. de forma
mais incisiva, acentua-se a insuficiência da globalização
como remédio “para os problemas do desenvolvimento
e a superação da pobreza”; 2. a necessidade do
crescimento econômico vir acompanhado de uma
agenda para o desenvolvimento social;12 3. um recorte
mais “Sul-Sul” para a diplomacia presidencial com
implicações para a política comercial;13 e 4. a utilização
de programas de governo, de forma mais explícita, como
recurso de poder (principalmente na relação com
organismos internacionais)14 são algumas variáveis que
organizam o tabuleiro de forma diferente sem mexer,
necessariamente, em suas peças.11 “Foi um grande erro diplomático o Brasil não ter sido solidário com a única
posição possível para a Argentina. O governo brasileiro teve medo de que
a crise do vizinho nos contaminasse e manteve-se distante. Isso terá
repercussões negativas, de longo prazo, no Mercosul” (Rubens Ricupero,
revista Carta Capital, ano XI, número 332, 09 de março de 2005.).
Os conflitos, sempre presentes na
agenda Comercial de negociação entre
Brasil e Argentina, ganharam dimensão
mais dramática pela forma como o
governo Kirchner vem lidando com eles
12 “Inserção global do Brasil: OMC, Mercosul, Alca, Zona de Livre Comércio
do Brasil com a União Européia”, Palestra do ministro Celso Amorim,
pronunciada pelo ministro interino, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães,
no XV Fórum Nacional, 21 de maio de 2003, Brasília; Política Externa,
v.12, n. 02, setembro/outubro/novembro de 2003.
13 A principal implicação comercial é o maior distanciamento/independência
dos tradicionais parceiros comerciais do Brasil, fundamentalmente os
Estados Unidos, e uma aproximação com países do Terceiro Mundo,
principalmente do Oriente Médio e da África.
14 Vale mencionar o programa Fome Zero, a proposta do Software Livre,
e os esforços para equilibrar o respeito às patentes com o atendimento à
saúde pública. Nesse campo, ganhos obtidos no Governo Lula foram a
fundamental participação brasileira para o fechamento do Acordo sobre
Medicamentos Genéricos, divulgado no final de agosto, cerca de duas
semanas antes do início da reunião ministerial de Cancun (2003).
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
14 RBCE - LATN
Há também contribuições originais do Governo Lula
que merecem uma consideração à parte.15 A principal
delas é a criação do G-20 – grupo de países em
desenvolvimento organizado no âmbito das
negociações multilaterais da OMC.16 Mesmo os
críticos mais destacados da política exterior de Lula
reconhecem ser essa uma “válida aliança (...) para a
condução das difíceis e ainda indefinidas negociações
[multilaterais]”.17 De fato, o principal resultado aferido
pelo G-20 até o momento foi a decisiva atuação, em
âmbito multilateral, para definir as diretrizes e princípios
da agenda da Rodada Doha. Como se sabe, o
documento síntese foi consensuado em Genebra, em
julho de 2004, dez meses depois do fracasso da reunião
ministerial da OMC em Cancun.
A SUBSTÂNCIA DO G-20
Há dois elementos a respeito do G-20 que ajudam a
entender os movimentos do Governo Lula na parte
final de seu mandato. Em primeiro lugar, o núcleo
duro do G-20 é composto por Brasil e Índia. Na
realidade, há um revival desta aliança, muito presente
ao longo da negociação da Rodada Uruguai do GATT
(1986-93). Naquele período, os dois países foram os
principais opositores ao ingresso dos então
chamados “novos temas” (investimento, propriedade
intelectual e serviços) no âmbito multilateral de
comércio. Mais tarde, fecharam posição contra os
temas do meio ambiente e de padrões trabalhistas.
O importante aqui é notar que essa aliança vem
ganhando densidade desde o lançamento da Rodada
Doha em novembro de 2001.
Durante o segundo mandato de FHC, o governo
implementou uma política de combate à AIDS que
se transformou em modelo para a ONU. Com ela o
país desenvolveu um programa para a indústria de
medicamentos genéricos, cujo principal objetivo era
reduzir os gastos com a compra de retrovirais.
Para isso, era preciso pressionar os laboratórios
multinacionais para que reduzissem os custos dos
remédios, sob a ameaça de quebra da patente
(licença compulsória concedida a outro laboratório).
O Governo Lula foi adiante e definiu uma política
industrial focada no setor de medicamentos.
No plano internacional, a política de combate à AIDS
esteve baseada em uma interpretação discutível do
acordo de Trips. A disputa basicamente estabelece
um conflito de interesses entre os laboratórios
farmacêuticos multinacionais, que buscam proteger
seus investimentos no desenvolvimento de
medicamentos, e os países pobres que precisam, a
curto prazo, oferecer remédios baratos para o combate
a doenças que ameaçam a saúde pública, como são
os casos da AIDS, da Tuberculose e da Malária.
Contudo, a política brasileira para o combate da AIDS
foi suficientemente bem-sucedida para conquistar
grande apoio internacional e esvaziar o processo
movido pelos EUA contra o Brasil, com base no acordo
de Trips, no OSC da OMC. Ademais, ela aproximou
ainda mais o Brasil da Índia, o maior produtor mundial
de medicamentos genéricos e um país com uma vasta
população portadora do vírus HIV.
Depois da vitória na OMC em 2001, a disputa continuou
na OMS e o Brasil e a Índia conseguiram que esse
órgão das Nações Unidas manifestasse seu apoio à
idéia de que a saúde pública está acima dos
interesses dos laboratórios. Depois disso, o mais
difícil era conseguir um acordo multilateral sobre o
comércio de medicamentos genéricos, o que foi obtido
três semanas antes da reunião de Cancun em 2003.
Pode-se dizer que o governo
dá continuidade à política de FHC
com um discurso mais politizado
e com uma hierarquia baseada
em algumas variáveis
15 Segundo o ministro Celso Amorim, além do G-20, as outras duas
contribuições do Governo Lula foram o programa Fome Zero e a criação
da área de livre-comércio sul-americana, revista Carta Capital, ano XI,
número 330, de 23 de fevereiro de 2005.
16 São 20 países membros, todos do Mercosul, exceto o Uruguai. Segundo
o informe oficial do grupo, o G-20 foi criado em 20 de agosto de 2003, no
período final de preparação da V Conferência Ministerial da OMC, realizada
em Cancun, entre 10 e 14 de setembro daquele ano (ver o website
www.g-20.mre.gov.br, acesso em 14 de abril de 2005).
17 Celso Lafer identifica em uma “movimentação mais abrangente do
tema Sul-Sul outra nota própria do governo Lula”. No entanto, Lafer
aponta certo desconforto com uma politização exagerada na afirmação
dos interesses do país, posicionamento cuja conseqüência poderia ser a
de “enrijecer o quadro internacional com uma nova polarização ideológica”,
(A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira, Editora
Perspectiva. Segunda edição revista e ampliada, São Paulo, 2004).
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
15RBCE - LATN
Nessa fase, o Governo Lula começa a utilizar de forma
mais explícita e incisiva o programa brasileiro como
um recurso de poder18 para dar conteúdo à aliança
com a Índia e a África do Sul.
FHC E LULA: UM NOVO PADRÃO
DE INSERÇÃO GLOBAL?
O segundo elemento levanta uma hipótese acerca
de um suposto padrão de inserção internacional do
Brasil, no qual o G-20 é a roupagem política, a
ossatura de ligação do país com outras nações em
desenvolvimento. Nesse aspecto, há dois movimentos
concomitantes. De um lado, as políticas domésticas
estimulam os fluxos privados de comércio, tecnologia
e investimentos. De outro, sua projeção internacional,
potencializada pelo apoio de agências e organismos
multilaterais, ajuda a forjar consensos entre os países
em desenvolvimento e reforça a capacidade
negociadora do Brasil nos foros multilaterais. O G-20,
dessa forma, é o resultado político desse processo
que tem início no governo FHC.
Tal como a política para aspatentes de medicamentos,
a hipótese levantada aqui para a compreensão de uma
suposta estratégia de inserção global adotada pelo
Brasil (governos FHC e Lula), no âmbito multilateral,
seguiria uma regularidade, um padrão de comportamento
com três elementos fundamentais:
1. O país desenvolve um (a) programa/política
doméstico(a) com grande visibilidade internacional.
2. Utiliza ao máximo sua capacidade de influência junto
aos organismos internacionais para forjar consensos
e projetar os programas/políticas.
3. O tema em discussão sempre resvala para um
problema global com claro recorte Norte-Sul, tendo
um inequívoco valor ético-moral como pano de fundo –
o que garante o apoio de ONGs e da opinião pública.
O caso das patentes farmacêuticas, o programa
Fome Zero e, mais recentemente, a discussão do
software livre são alguns exemplos de programas e
políticas domésticas que se encaixam na suposta
estratégia brasileira. Em que medida esses casos
pontuais estabelecem um padrão de inserção
internacional e, dessa forma, consubstanciam uma
estratégia de inserção internacional? Até que ponto
o G-20 é resultado direto dessa suposta estratégia?
CONCLUSÃO
O Governo Lula define os contornos políticos de uma
estratégia internacional que tem início no governo
FHC. O G-20 é, até o momento, o resultado político
dessa estratégia. A real influência de suas lideranças
(Brasil, Índia, África do Sul e mais recentemente a
China), a coesão do grupo com a discussão de novos
temas, e os desdobramentos para o sistema
internacional desse movimento entre países em
desenvolvimento são ainda questões sem resposta.
De qualquer forma, a criação do G-20, em continuidade
à estratégia negociadora definida no Governo FHC, é
o resultado mais importante do Governo Lula no
cenário internacional na primeira metade de seu
mandato. „
O principal resultado aferido
pelo G-20 foi a decisiva atuação,
em âmbito multilateral, para definir
as diretrizes e princípios da
agenda da Rodada de Doha
18 Na linguagem Neo-realista, o conceito de capability é entendido como
uma condição específica do país, da qual o Estado consegue projetar
influência na forma de um recurso de poder sobre os demais estados.
Yana Chang
16 RBCE - LATN
Uma avaliação dos dois primeiros anos do Governo Lula
não hesitaria em assinalar a política macroeconômica
e a política externa como os dois maiores sucessos
deste governo. O curioso é que no início do governo,
quando ficou claro que não haveria mudança de rumo
na política econômica, mas já se anunciava uma política
externa mais assertiva nas relações com o Norte e de
maior protagonismo político no Sul, duvidou-se da
capacidade do Governo Lula em combinar ortodoxia na
primeira com heterodoxia na segunda.
Seria relevante se perguntar por que foram essas
áreas mais bem-sucedidas do que as demais, em
particular, a política social, que se apresentava, no
início do mandato, como aquela em que mais se
afirmariam as credenciais progressistas do novo
governo. Uma diferença entre a política externa e as
demais políticas públicas é que, na primeira, as iniciativas
são menos dependentes de condicionamentos
orçamentários e metas de superávit fiscal. Por outro
lado, também exibe maiores graus de liberdade para
mudar o rumo da política em curso, porque menos
dependente da capacidade de coordenação política
e de gestão administrativa, já que é conduzida por
burocracias especializadas e com capacidade
administrativa instalada. Assim, por exemplo, a
política externa escapou das dificuldades de
coordenação política e gestão administrativa que têm
afligido o Governo Lula, em função de, entre outros
fatores, maior heterogeneidade da sua base de apoio
parlamentar, quando comparada com o governo
anterior. O relativo insulamento das políticas
governamentais, contudo, não é condição necessária
nem suficiente para seu sucesso já que o último
depende não apenas das respostas dos agentes
externos, mas da adesão interna, só obtida por via
de processos democráticos de decisão.
Independentemente do fato de que o sucesso de
qualquer política governamental depende do resultado
de uma miríade de interações estratégicas entre
atores diversos que não se pode controlar ex-ante,
grande parte da avaliação positiva da política externa
está relacionada à legitimidade desta entre as elites,
no sentido de se constituir em um instrumento
importante de um projeto de desenvolvimento nacional.
Esta crença se consolidou em parte como um legado
do processo de formação do Estado brasileiro e, em
parte, como uma construção intencional dos agentes
diplomáticos. Como é sabido, o processo de
constituição das fronteiras nacionais se fez por uma
série de arbitragens internacionais, amplamente
favoráveis aos interesses brasileiros, de modo que o
país ingressou na modernidade tendo resolvido
praticamente todos os conflitos territoriais com seus
vizinhos. Esse processo relativamente pacífico legou
às elites a percepção de que as principais ameaças
externas não envolviam as questões clássicas de
guerra e segurança militar, mas de vulnerabilidade
econômica e desenvolvimento.
Ao longo dos anos, a prática e o discurso diplomáticos
reforçaram essa percepção da contribuição da política
AUTONOMIA, NÃO-INDIFERENÇA E PRAGMATISMO:
VETORES CONCEITUAIS DA POLÍTICA EXTERIOR
MARIA REGINA SOARES DE LIMA
Maria Regina Soares de Lima é professora
do IUPERJ e do IRI/Puc-RJ e coordenadora do OPSA.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
17RBCE - LATN
externa aos desafios econômicos da nação. Durante
a Guerra Fria, a diplomacia brasileira foi uma das
principais articuladoras da idéia de que a segurança
internacional só seria alcançada pelo desenvolvimento
– mote que marcou a atuação do país nas arenas
multilaterais de então. No pós-Guerra Fria, em um
contexto de globalização econômica; reestruturação
e ajuste fiscal; esfacelamento e esmaecimento da
coalizão terceiromundista e da agenda do desenvol-
vimento, a legitimidade dentro do país do Mercosul,
um projeto estratégico do Estado brasileiro, depende
de seus resultados econômicos. Se uma das
vantagens da saliência dos temas econômicos na
política externa é sua legitimação como instrumento
de desenvolvimento, a desvantagem, contudo, é a
cobrança de resultados concretos, de curto prazo, das
iniciativas diplomáticas. Por outro lado, este legado
de pragmatismo econômico da conduta diplomática
brasileira facilitou a convivência entre a ortodoxia na
política macroeconômica e a heterodoxia na política
externa.
No mundo contemporâneo globalizado e com fronteiras
permeáveis aos movimentos transnacionais, a política
externa se torna bastante complexa, seja com relação
ao número e diversidade de atores sociais que atuam
no ambiente externo, seja com respeito à variedade
de temas substantivos que passam a ser objeto de
negociação internacional e ratificação doméstica.
Ademais, dentre as políticas governamentais, a política
externa é aquela que exibe maior grau de resistência
à mudança. Como se sabe, parte expressiva da
atividade externa envolve compromissos de longo prazo
com outros países cuja modificação, se motivada por
razões extrínsecas ao próprio acordo, gera perda de
credibilidade do país ante seus parceiros.
No entanto, a política externa, por ser uma política
em que o executivo é dominante, também permite a
um governante que queira valorizar a mudança um
espaço de inovação interessante, ainda mais, como
no caso do Governo Lula, se este tem pouca margem
de manobra para inovar. Esta é a outra razão para a
sintonia sutil entre a ortodoxia econômica e a
heterodoxia política. É nesta última que o Governo
Lula exibe o legado de esquerda de sua trajetóriapolítica e realiza as expectativas de mudança de uma
parte substancial de seu eleitorado, diante das
exigências disciplinadoras dos agentes financeiros
e do mercado internacional.
O componente inercial da política externa do Governo
Lula está expresso, por exemplo, na participação
brasileira nos principais exercícios multilaterais em
curso – Rodada de Doha da Organização Mundial de
Comércio, negociação da Alca e entre Mercosul e
União Européia e negociações do Mercosul com
outros arranjos regionais. Na medida em que se
negociam novas regras e medidas substantivas, com
impactos diversificados na sociedade brasileira, é
inevitável que esses processos gerem a politização
da política externa. Por outro lado, persiste a falta de
um consenso nacional com relação ao grau de
aprofundamento da integração internacional da
economia brasileira, bem como da extensão da
delegação da soberania econômica a instituições de
integração regional.1
VETORES CONCEITUAIS
É no componente político propriamente dito que o
Governo Lula busca inovar e se diferenciar das
experiências pretéritas. O discurso diplomático se
constrói a partir de três vetores conceituais, por assim
dizer. O primeiro deles refere-se a uma visão do sistema
internacional com tintas multipolares ou, pelo menos,
com potencial para brechas de uma estrutura que se
reconhece ainda unipolar. Nesse contexto, trata-se de
construir capacidade de influência na elaboração de
normas e padrões globais e regionais de modo a torná-
los mais permeáveis aos interesses dos países do Sul.
Este vetor está informado pelo legado “autonomista” de
experiências passadas, como o foram a “política externa
independente”, dos anos 1960, ou o “pragmatismo
responsável” dos 1970. A renovação da postulação de
O legado de pragmatismo econômico
da conduta diplomática brasileira
facilitou a convivência entre a
ortodoxia na política macroeconômica
e a heterodoxia na política externa
1 Ver Pedro da Motta Veiga, “As negociações comerciais intra e extra-
Mercosul”, Análise de Conjuntura OPSA, n. 3, fevereiro de 2005. Disponível
em http://observatorio.iuperj.br.
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
18 RBCE - LATN
um assento permanente no Conselho de Segurança das
Nações Unidas é o melhor exemplo dessa busca do
exercício de uma política externa própria2 e do
reconhecimento pelas potências da sua relevância, pelos
papéis que pode desempenhar na comunidade das
nações, nas questões da paz e do desenvolvimento.3
A se diferenciar de outros experimentos autonomistas,
em particular o “pragmatismo responsável”, é que o
contexto democrático implica que o exercício da
autonomia no plano externo é dependente também de
sua ratificação interna. Uma outra diferença bastante
significativa tem a ver com a aceitação pelas elites
dirigentes de que o Brasil só terá o reconhecimento
que almeja na sociedade de Estados desiguais se
puder “falar” por outros que não sejam apenas seus
nacionais, isto é, se representar uma determinada
categoria de países. Ainda que esse truísmo já fosse
conhecido dos atores do pragmatismo responsável, por
exemplo, a novidade fica por conta do reconhecimento
no presente de que qualquer representação implica sua
aceitação também pelo representado. Em outras
palavras, que a coordenação da ação coletiva
envolvendo outros atores nacionais tem custos que
incidem diretamente sobre o grau de autonomia e
flexibilização dos interesses particulares que se está
disposto a abrir mão em prol dos interesses coletivos.
A política sul-americana do atual governo sugere que a
diplomacia reconhece os custos da liderança regional,
seja na concessão de benefícios materiais, como
créditos especiais aos vizinhos, seja atenuando a
arraigada tradição do “esplêndido isolamento” em relação
aos assuntos domésticos dos vizinhos. Destaque-se,
neste particular, a intermediação brasileira na formação
do Grupo de Amigos da Venezuela, no início do governo
e, mais recentemente, no conflito entre aquele país e a
Colômbia. Também em um horizonte geográfico mais
distante, mas exemplo da aceitação dos “custos da
liderança”, mencione-se o comando brasileiro de uma
força de paz de cerca de 1.200 soldados no Haiti desde
junho de 2004. Ainda que ao longo dos anos o Brasil
tenha contribuído em diversas missões desta natureza,
comparando-se com a Argentina, sua participação em
termos do tamanho do contingente militar e da
localização geográfica da missão foi sempre menor e
normalmente restrita a regiões com prévios vínculos
políticos e culturais, como por exemplo, os países
africanos de língua portuguesa, o Timor Leste, de
colonização portuguesa, e países latino-americanos. A
participação militar brasileira no Haiti não apenas
demonstra uma nova postulação com respeito ao
exercício de um papel mais protagônico em face de
situações de conflito interno e/ou guerra civil que
possam reverberar em seu perímetro de segurança,
como se dá em um país do Caribe, região de fracos
vínculos com o Brasil. Nos anos 1990, por exemplo, o
Brasil absteve-se de apoiar, no Conselho de Segurança
das Nações Unidas, o envio de uma missão multinacional
àquele país, posição acompanhada pela República
Popular da China.
Duas objeções podem ser feitas a esta argumentação.
A primeira delas, teoricamente frágil, é que as “boas
ações” brasileiras são motivadas por interesses próprios,
seja para impulsionar e ampliar as exportações e os
investimentos brasileiros na região, seja por obter um
assento permanente no Conselho de Segurança da
ONU. Meu argumento não pressupõe qualquer
componente altruísta no comportamento brasileiro.
Trata-se na verdade de sugerir, como novidade deste
comportamento, o exercício de um papel de auto-
interesse esclarecido, capaz de arcar com os custos
da ação coletiva porque os benefícios dela derivados,
inclusive no longo prazo, são expressivos. A questão
pertinente é a disposição brasileira em participar da
vida regional e se de fato o Brasil aceita investir garantia
de estabilidade regional em uma quadra em que a área,
como outras periféricas do planeta, é abandonada a
sua própria sorte?
2 “Independente”; “ecumênica”, “pragmática”; “soberana”, foram
expressões utilizadas para definir a política externa em todos os
momentos em que o país buscou afirmar seus interesses, diante de
alinhamentos dados como incondicionais.
3 Para uma discussão desta aspiração na história da política externa, ver
Maria Regina Soares de Lima, “Aspiração internacional e política externa”,
Revista Brasileira de Comércio Exterior, ano XIX, n. 82, Janeiro/Março de
2005.
O Brasil aceita de fato investir
garantia da estabilidade regional em
uma quadra em que a área, como
outras periféricas do planeta, é
abandonada a sua própria sorte?
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
Yana Chang
19RBCE - LATN
A outra objeção é pertinente ao argumento e refere-se à
Argentina. Parece certo que qualquer política inovadora
de “aprofundamento da inserção regional” só terá
sucesso com a cooperação argentina. Vários
mecanismos de cooperação entre os dois países já
são de uso corrente. O problema é que um dos principais
objetivos do governo brasileiro tem natureza soma-zero
uma vez que nenhum dos dois países aceitaria
compartilhar o mesmo assento permanente e, mesmo
na eventualidade de que os membros atuais aceitassem
abrir o Conselho para uma nova inclusão,

Outros materiais