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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA Anderson Alex da Costa Dias Bruno da Silva Barbosa José Ronaldo Nunes da Silva Marcos Vinícius da Silva Oliveira O método cartesiano Arapiraca 2015 Anderson Alex da Costa Dias Bruno da Silva Barbosa José Ronaldo Nunes da Silva Marcos Vinícius da Silva Oliveira O método cartesiano Trabalho acadêmico apresentado junto ao 1º Período da Graduação da Universidade Federal de Alagoas – Campus Arapiraca como requisito parcial de aprovação na disciplina Produção do conhecimento: ciência e não ciência. Orientador: Prof. Dr. Israel Alexandria Costa Arapiraca 2015 Anderson Alex da Costa Dias Bruno da Silva Barbosa José Ronaldo Nunes da Silva Marcos Vinícius da Silva Oliveira O método cartesiano Trabalho acadêmico apresentado junto ao 1º Período da Graduação da Universidade Federal de Alagoas – Campus Arapiraca como requisito parcial de aprovação na disciplina Produção do conhecimento: ciência e não ciência. Data de Aprovação 14 de janeiro de 2015 Examinador: Prof. Dr. Israel Alexandria Costa Universidade Federal de Alagoas – UFAL Campus Arapiraca Orientador/Examinador RESUMO O presente trabalho – O método cartesiano – faz uma análise do Método Científico- Filosófico desenvolvido e adotado pelo filósofo René Descartes, tendo por objetivo analisar as peculiaridades desta nova maneira de pensar e fazer ciência. Seu conteúdo textual divide-se em quatro seções classificadas em conformidade com os seguintes objetivos específicos: a apresentação de um breve esboço acerca do pensamento Cartesiano ressaltando, sobretudo, suas similaridades com o modelo Platônico, assim como da sua possível correlação com as correntes filosóficas anteriores; a identificação de algumas das razões que levaram René Descartes a propor tal método, como do método em si como meio de doutrinar a razão humana na busca da verdade indubitável; a apresentação do caráter questionador de René Descartes, e do argumento da dúvida como meio de encontrar o conhecimento verdadeiro encontrado apenas a partir da certeza; a apresentação de determinados argumentos utilizados pelo filósofo para explicar a existência de Deus, o qual estava atrelado à sua razão. O enfoque dessas questões está baseado, principalmente, no Discurso do Método e nas Meditações sobre Filosofia Primeira, uma vez que nesses textos são encontradas referências ao processo de criação deste novo método científico, como da importância e dimensão da dúvida metódica, sobretudo nas Meditações. Palavras-chave: Descartes. Dúvida. Método. Conhecimento. ABSTRACT The present work - The Cartesian method - does an analysis of Scientific and Philosophic Method developed and adopted by the philosopher René Descartes, in order to analyze the peculiarities of this new way of thinking and doing science. Their content is divided into four sections classified in accordance with the following specific objectives: the presentation of a brief outline about the Cartesian thoughts emphasizing, above all, their similarities with the Platonic model, as well as its possible correlation with the previous philosophies ; identifying some of the reasons that led René Descartes to proposing such a method, as the method itself as a means of indoctrinating the human reason in the pursuit of indubitable truth; the presentation of the questioner character of René Descartes, and the argument doubt of as a means to find the true knowledge found only from the certainty; the presentation of the production of certain arguments used by the philosopher to explain the existence of God, which was linked to his reason. The focus of these questions is based primarily on the Discourse of the Method and Meditations on First Philosophy, since these texts are found references to the creation process of this new scientific method, such as the importance and dimension of methodical doubt, especially in the Meditations. Keywords: Descartes. Doubt. Method. Knowledge. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 6 2. O PENSAMENTO CARTESIANO ........................................................... 8 2.1. Similaridades no pensamento Platônico .......................................... 8 2.2. A evolução do pensamento: da contemplação ao método .......... 10 3. A CONSTRUÇÃO DO MÉTODO: O CAMINHO PARA O CONHECIMENTO ........................................................................................ 12 4. A DÚVIDA METÓDICA: A VERDADE SOB COMPROVAÇÃO ........... 16 5. A PROVA DE DEUS ............................................................................. 20 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 21 REFERÊNCIAS .................................................................................... 23 6 1. INTRODUÇÃO Em uma época em que a força da razão tal qual a conhecemos estava apenas se iniciando e em que textos filosóficos eram escritos em latim, voltados apenas para os doutores, Descartes publicou Discurso do Método redigido em língua tratada como vulgar na época, isto é, o francês. Ele defendia o uso público da razão e escreveu o discurso pensando em uma audiência ampla. Queria que a razão, privilégio único dos seres humanos, fosse exatamente isso, um privilégio de todos homens dotados de senso comum. Ao terminar seus estudos, Descartes se vê tomado por dúvidas, tal qual descreve na sua Segunda Meditação: Mas, de onde sei que não há algo diverso de todas as coisas cujo censo acabo de fazer e a respeito de que não haveria a mais mínima ocasião de duvidar? Não há algum Deus, qualquer que seja o nome com que o chame, que tenha posto em mim esses mesmos pensamentos? Por que, na verdade, supô-lo, quando talvez eu mesmopossa ser o seu autor? Não sou, portanto, eu pelo menos, algo? Mas já me neguei a posse de todos os sentidos e de todo corpo. Hesito, entretanto, pois, que resulta disso? Acaso estou atado assim ao corpo e aos sentidos que, sem eles, não posso ser? Mas já me persuadi de que não há no mundo totalmente nada, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuma mente e nenhum corpo. Portanto, não me persuadi de que eu, também, não era? [...] (DESCARTES, 2004, p. 24-25). Essas e outras questões faziam parte, nas primeiras décadas do século XVII, do cotidiano e do método investigativo de René Descartes. Com o exercício da subjetividade e a confiança na razão, Descartes revolucionou o pensamento filosófico e científico até então subordinado à autoridade da igreja, à escolástica e a líderes políticos, ditos escolhidos por Deus. Contra as disputas religiosas sangrentas que reinavam na Europa, Descartes ofereceu a razão. O seu subjetivismo que valorizava o sujeito científico indicava o caminho para a objetividade e para o rigor intelectual de forma igualitária, colocando ao alcance de todos as ferramentas para a descoberta da verdade. Sua tese mais importante foi propor que cada um pensasse por si mesmo, com isso a autoridade da filosofia passou a se fundar não mais das escrituras ou dos sábios, mas na mente do filósofo. Como afirmam Reale e Antiseri dizendo que “[...] O banco de provas do novo saber, filosófico e científico, portanto, é o sujeito humano, a consciência racional” (REALE, ANTISERI, 2004 p. 294). 7 Diante dessa demanda, o presente trabalho traz um apanhado a respeito do método científico elaborado por René Descartes, bem como dos meios utilizados por ele para validar suas respostas no tocante ao novo modelo filosófico que desenvolvera. Dessa forma, na primeira seção textual é apresentado um apanhado geral de singulares similaridades entre os pensamentos de Platão e Descartes, bem como Bem como um breve levantamento das correntes filosóficas anteriores ao método cartesiano; a segunda, procura externar a construção do Método Científico de René Descartes; a terceira, versa sobre a temática da dúvida no universo Cartesiano; e a quarta, trata de como René Descartes chegou a prova da existência de Deus por intermédio da razão. Seguramente este apanhado de informações é muito pouco diante do universo filosófico existente, porém o que se buscou evidenciar aqui são as peculiaridades e a importância do Método Científico-Filosófico de René Descartes. 8 2. O PENSAMENTO CARTESIANO Neste capítulo busca-se externar algumas similaridades encontradas no pensamento de Descartes relativas ao pensamento, sobretudo, de Platão, não procurando refutar o que muito se prega relativo à abolição de antigos métodos utilizados antes do cartesianismo, mas apenas com o intuito de informar que hão semelhanças, em alguns pontos, no processo de busca pelo conhecimento verdadeiro. Bem como um breve levantamento das correntes filosóficas anteriores ao método cartesiano. 2.1. Similaridades no pensamento Platônico É comum a afirmação de que o modelo filosófico de Descartes constitua-se numa ruptura radical com o passado, inaugurando uma nova problemática filosófica. No entanto, como pontua David Gonçalves: [...] isto se trata de uma simplificação: o estilo literário utilizado pelo “pai da filosofia moderna” oculta seu débito para com autores da renascença, como Copérnico, Galileu e Kepler, e para com a tradição neoplatônica, em especial Agostinho – que não apenas comparava a alma humana a um ponto geométrico, mas cuja formulação “si fallor, sum“ se assemelha enormemente à usada por Descartes na exposição do cogito em Discurso do Método (“cogito, ergo sum”). (BORGES, 2009, p. 174). Vale salientar também, partindo desse pressuposto, que podemos observar certa congruência nos pensamentos de Platão e Descartes. Se tomarmos por base a apreciação dos sentidos para a formação do verdadeiro conhecimento, pode-se verificar esta proposta, ao passo que ambos concordam que não se deve confiar nestes, mas sim na razão, para formar seus conhecimentos realmente válidos. Dessa forma, afirma Descartes: “[...] notei que os sentidos às vezes enganam e é prudente nunca confiar completamente nos que, seja uma vez, nos enganaram” (DESCARTES, 2004, p.18), assim como Platão ao relatar no Timeu que: [...] Na minha opinião, temos primeiro que distinguir o seguinte: o que é aquilo que é sempre e não devém, e o que é aquilo que devém, sem nunca ser? Um pode ser apreendido pelo pensamento com o auxílio da razão pois é imutável. Ao invés, o segundo é objecto da opinião acompanhada da irracionalidade dos sentidos e, porque devém e se corrompe, não pode ser nunca. Ora, tudo aquilo que devém é inevitável que devenha por alguma causa, pois é impossível que alguma coisa devenha sem o contributo duma causa. [...] (PLATÃO, 2011, p. 93-94). 9 Diante disso, David Gonçalves pontua que em ambos os sistemas, platônico e cartesiano, tem-se por objetivo abandonar as aparências, “ilusórias e enganadoras”, podendo, dessa forma alcançar a essência primordial sobre a qual todos os demais conhecimentos podem ser obtidos. Da mesma forma, no que concerne às matemáticas, tanto Platão quanto Descartes denotam grande importância no que concerne a esta matéria, a ser mais enfatizada por Platão, visto que esse aponta tudo como sendo fruto da matemática, desde a construção do corpo humano formado por inúmeros e minúsculos triângulos, até o próprio Deus (Demiurgo), ao qual atribui-lhe a forma esférica pelo fato de julgá- la a forma mais perfeita. Com isso, no Timeu afirma-se que: A formação do mundo organizado a partir dos quatro elementos obedece inevitavelmente à proporção, isto é, à relação matemática. Como se tornará evidente, até o próprio demiurgo está atido às imposições da proporção matemática. (PLATÃO, 2011, p. 100). Descartes, de modo similar, também exalta as matemáticas como é exemplificado nesses trechos de suas Meditações ao relatar que: [...] Estou lembrado de que sempre, ainda no tempo em que me achava muito apegado aos objetos dos sentidos, sempre considerei as verdades mais certas de todas as que conhecia evidentemente sobre as figuras, os números e outras coisas pertencentes à Aritmética ou à Geometria ou, em geral, à Matemática pura e abstrata. (DESCARTES, 2004, p. 65). [...] E, assim, vejo plenamente que a certeza e a verdade de toda ciência dependem unicamente do conhecimento do verdadeiro Deus, de tal maneira que, antes de O conhecer, não pude saber perfeitamente nada sobre nenhuma outra coisa. Agora, em verdade, inúmeras coisas — quer sobre Deus ele mesmo e outras coisas intelectuais, mas também sobre toda essa natureza corporal que é objeto da matemática pura — podem ser por mim completamente conhecidas e certas. (DESCARTES, 2004, p. 71). Ao contrário do que se esperava, David Gonçalves expõe que o método filosófico, destacando-o como sendo também um método científico e matemático, qual é empregado por Descartes exige o uso de um raciocínio empregado na matemática, especialmente na geometria, dividindo-se em quatro etapas - evidência, análise, síntese e enumeração, que serão abordadas mais à frente - exatamente como o método empregado por Platão. Dessa forma David Gonçalves escreve que: [...] A análise e a síntese cartesianas em nada diferem das análises e sínteses empregadas pelos gregos. A verificação pelo critério da 10 evidência, de onde parte a dúvida, pode ser identificada com o diorismo – a determinação das condições necessárias para que uma proposição P seja considerada verdadeira é aquilo quepermite determinar se tal proposição deve ou não ser considerada verdadeira. As enumerações e a verificação ou controle dos raciocínios empregados se utilizam dos lemas – que são “conclusões intermediárias” em uma exposição lógica ou lógico-dialética. Este método é exatamente o mesmo empregado na álgebra e na geometria para a resolução de determinados problemas ou para a prova de teoremas; assim, os “alicerces” aos quais Descartes se refere são como os axiomas de um sistema matemático, e a construção do restante do “edifício” é como o processo de demonstração do teorema e/ou equação. Portanto, podemos seguramente afirmar que, se o método empregado por Descartes para a construção de sua filosofia e de sua ciência não é o mesmo empregado por Platão em seus diálogos, é, ao menos, extremamente similar – e isto se deve, em grande parte, a ambos os filósofos terem se utilizado de preceitos já estabelecidos na matemática, em especial na geometria. (BORGES, 2009, p. 185-186). Com isso, verificamos, de certa forma algumas das semelhanças existentes entre as considerações desses célebres filósofos, onde cada um, a seu tempo, deu sua parcela de contribuição para o entendimento das coisas e do mundo, assim como nos demonstram o empenho vivaz pelo discernimento concreto e verdadeiro. 2.2. A evolução do pensamento: da contemplação ao método Embora essas singulares semelhanças tratadas anteriormente existam sabe- se, porém, que há tantas outras divergências referentes aos métodos empregados não apenas na busca de verdades, mas principalmente, na forma como essas verdades seriam “provadas” efetivamente. E é dessa necessidade de uma prova efetiva e comprovada para as teses elaboradas pelos filósofos que cai por terra o antigo modelo de filosofia, no qual os antigos pensadores viam a ciência como um aspecto prático, num sentido de engenharia, construção, por exemplo, contudo a ciência ganhava tons muito indutivos, porém não experimentais e, consequentemente, carente de verdades comprovadas. Um ponto importante de transformação e desprendimento dos saberes preestabelecidos foi a transição do geocentrismo para heliocentrismo, visto que no primeiro, toda a ciência derivava de ensinamentos gregos e fora adotada pela cristandade, a qual terminou por concordar com o modelo Aristotélico, o qual, segundo 11 Reale e Antiseri, era pautado nos métodos próprios da escolástica, que compreendia a leitura de textos, porém enriquecida com as novas influências humanas. Posteriormente, através do Renascimento, o homem passou a analisar e explicar a realidade pela razão humana e não mais pela revelação divina. Foi nesse período que os seres humanos retomam o prazer de pensar e de produzir o conhecimento através das ideias. Através dessas mudanças na maneira de pensar, surge o método cartesiano, criado por René Descartes, onde duvida-se de cada ideia que pode ser duvidada. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas haviam de existir simplesmente pelo fato de precisarem existir, ou porque assim haveria de ser. Essa ruptura é elencada por Reale e Atiseri ao expressar que: Não podia mais se sustentar a filosofia tradicional, muito estranha àquele conjunto de novas teorizações e descobertas, tornadas possíveis também por instrumentos técnicos que, potencializando ou corrigindo nossos sentidos, nos introduziam em reinos até então inexplorados. Era urgente uma filosofia que justificasse a confiança comum na razão. [...]Não se trata, portanto, de lançar à discussão este ou àquele ramo do saber, e sim o fundamento do próprio saber [...] (REALE, ANTISERI, 2004 p. 288). Em diversas passagens de seu Discurso do Método, Descartes faz uso de metáforas relativas à pratica da construção, sobretudo das bases, alicerces destas. Referente a tais tropos, Reale e Atiseri salientam que: É para o fundamento que Descartes chama a atenção, já que é do alicerce que dependem a amplitude e a solidez do edifício que é preciso construir para se contrapor ao edifício aristotélico, no qual se apóia toda a tradição. Descartes não separa a filosofia da ciência. (REALE, ANTISERI, 2004, p. 288). Portanto, o que pode-se evidenciar é que havia, naquela época, uma necessidade de obter-se novos princípios que, conforme afirmam Reale e Antiseri, permitam um novo tipo de conhecimento da totalidade do real, ao menos em sua essência. Aos quais, a posteriori, não importaria a direção que fossem explorados, mas que fornecessem bases firmes para essa nova construção filosófica pretendida ao passo que também desfizessem os princípios Aristotélicos, veementemente adotados. 12 3. A CONSTRUÇÃO DO MÉTODO: O CAMINHO PARA O CONHECIMENTO Descartes sempre foi um bom aluno, mas os seus estudos no colégio jesuíta não lhe permitiram encontrar a verdade que procurava, como relatou no Discurso do método. Dessa forma, critica tudo aquilo que aprendeu na escola, pois isso não repousava em fundamentos ou princípios sólidos, pelo contrário, limitava-se a propor conhecimentos apenas verossímeis, ou seja, só aparentemente verdadeiros e, desse modo, não fornecia nenhuma certeza. Segundo Japiassu, Descartes acreditava que para se fundar na certeza, o conhecimento deve começar pela busca de princípios absolutamente seguros. Posteriormente ao término de seus estudos no colégio jesuíta de La Flèch, Descartes recebe em 1616 o seu diploma de Direito da Universidade de Poitiers; ao final de 1620 parte para uma viagem que dura aproximadamente nove anos; só após esse período o filósofo começa a escrever a sua filosofia. Questionador nato, sempre procurava a verdade das coisas e rejeitava tudo aquilo que não fosse evidentemente certo. Neste sentido, Descartes afirma: “E prosseguirei até conhecer algo certo ou, na falta de outra coisa, que pelo menos reconheça como certo que nada há que seja certo (DESCARTES, 2004, p.24). Após meditar e chegar a algumas certezas através do autoconhecimento, Descartes decide construir um sistema filosófico totalmente novo, onde fosse possível o desenvolvimento de seu conhecimento de forma gradual, visto que: [...] Em uma época em que se haviam afirmado e se desenvolviam com vigor novas perspectivas cientificas e se abriam novos horizontes filosóficos, Descartes percebia a falta de um método que ordenasse o pensamento e, ao mesmo tempo, fosse instrumento heurístico e de fundamentação verdadeiramente eficaz (REALE, ANTISERI, 2004 p. 287). Então, saiu numa busca ambiciosa por um novo sistema de conhecimento, um método único que mensurasse todas as realidades observáveis no mundo físico, celeste ou terrestre. Sendo que tal método, quando usado corretamente, fosse o instrumento mais coerente para levar o homem à descoberta da verdade, de forma a salientar que: [...] Não quis de modo algum começar rejeitando inteiramente qualquer das opiniões que porventura se insinuaram outrora em minha confiança, sem que aí fossem introduzidas pela razão, antes de despender bastante tempo em elaborar o projeto da obra que ia 13 empreender, e em procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu espírito fosse capaz (DESCARTES, 1979, p. 12). No entanto, Descartes não pretendia ensinar um método para que as pessoas pudessem seguir e alcançar a verdade, pura e simplesmente, o que ele pretendia era descrever como ele conduziria a sua razão para chegar ao seu objetivo que era, exatamente, a descoberta da verdade. Partindo desse pressuposto o filósofo salienta claramente que a base a ser utilizada para distinguir o verdadeiro do falso é a razão ou bom senso; é o critério da razãoque Descartes acredita ser o fundamento para se chegar a algo de conclusivo, sendo esta igual e presente em todos os homens, possibilitando-nos buscar o conhecimento e, por consequência, tornando-nos capazes de fazer tal distinção. Mas apesar da universalidade e da razão estar presente em cada um de nós, as nossas percepções muitas vezes divergem, isso ocorre devido as nossas diferentes experiências ou até mesmo pela precisão, mais elevada ou não, da nossa imaginação. Descartes considerava as verdades da matemática, da lógica, da álgebra e da geometria, saberes de grande relevância. Resolve então utilizá-los na aplicação do seu método, visto que, segundo ele, tudo que se torna objeto do conhecimento verdadeiro, pode vir a ser objeto do conhecimento matemático. As verdades matemáticas foram as primeiras que Descartes julgou como certas e verdadeiras, certamente, por causa de sua certeza, seu rigor e clareza, pré-requisitos essenciais para construir uma filosofia sob um fundamento sólido e universal. Neste sentido, Hilton Japiassu salienta que: Descartes pretende estabelecer um método universal, inspirado no rigor da matemática e no encadeamento racional. Para ele, o método é sempre matemático, na medida em que procura o ideal matemático, quer dizer, converter-se numa matheis universalis: conhecimento completo e inteiramente dominado pela razão [...] (JAPIASSU, 1992, p. 105). Desse modo, o filósofo propõe um conjunto de regras que servem para organizar o pensamento. Elas derivam de partes mais simples, originárias da intuição, alcançando, por sua vez, as mais complexas, originárias da dedução. De acordo com Hilton Japiassu, Descartes caracteriza a intuição como sendo um conhecimento direto e imediato, permitindo-nos aceitar uma coisa como verdadeira, funcionando como uma visão da evidência. E definindo que uma ideia evidente é aquela que é clara e 14 distinta; clara quando se impõe a nós em sua verdade imediata sem que possamos dela duvidar; e distinta quando não podemos confundi-la com nenhuma outra. Além da intuição, precisamos, contudo, da dedução, ou seja, de uma demonstração capaz de chegar a uma conclusão certa a partir de um conjunto de proposições que se encadeiam necessariamente umas às outras obedecendo a uma ordem, onde cada proposição deve estar ligada àquela que a procede e àquela que a ela se segue. Com isso, Descartes considerara que para chegar ao conhecimento da verdade, seu método deveria ser dotado de quatro regras, sendo que: O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida (DESCARTES, 1979, p. 13). Depois de eleger a evidência, Descartes sugerira dividir em partes tantas quantas fossem necessárias para análise e, então, colocar os conhecimentos numa certa ordem, dos mais simples aos mais complexos, era a ordenação ou síntese e, o último, fazer sempre enumerações (revisões) completas e revisões gerais para nada omitir. Diante de tal concisão, na construção das bases de seu método, o próprio Descartes explica esta singular opção pela simplicidade dizendo que: “[...] como a multidão de leis fornece amiúde escusas aos vícios, de modo que um Estado é bem melhor dirigido quando, tendo embora muito poucas, são estritamente cumpridas [...]” (DESCARTES, 1979, p. 13). Afirmando, dessa forma, ser bem mais interessante ter regras simples e seguidas em sua essência, do que um emaranhado e confuso amontoado de dizeres sem utilidade e inviável de ser referenciado como modelo. Como pode-se notar, o método científico de Descartes tenta dar a máxima segurança e confiabilidade aos dados levantados durante o processo de análise, tanto é que sempre se finda com uma revisão. No entanto, enquanto não concluía seu empreendimento, julgou necessário a formulação de uma moral provisória a qual deveria ser substituída por uma definitiva assim que possível. Pensando assim, ele elabora regras de uma moral provisória utilizando-se delas enquanto reforma seu juízo e o ajusta ao nível da razão através do método elaborado por ele. 15 Esta moral provisória é constituída de quatro máximas, sendo a primeira “[...] obedecer às leis e aos costumes de meu país, retendo constantemente a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância [...]” (DESCARTES, 1979, p. 17). A segunda dizia respeito à firmeza nas ações, seguindo as opiniões mais prováveis quando não for possível discernir as mais verdadeiras e, na medida em que decidir-se por uma opinião, passar a não considerá-la duvidosa, pois foi a razão que permitiu tal escolha. Deste modo, era também possível desvencilhar-se de remorsos e arrependimentos quanto a ação praticada. A terceira nos diz para aceitarmos apenas as coisas que estão ao nosso alcance, aceitando o que nos foi dado e não querendo mudar a ordem do mundo. Na quarta máxima ele aconselha que seja feito um balanço geral sobre as ocupações dos homens, afim de que se escolha a melhor, e a que melhor se encaixa ao ser. Diante de tais regras, Hilton Japiassu pontua que Descartes: [...] Não elabora regras de conduta universais. Não pretende ser um reformador. Aliás, nessa matéria, é bastante conservador. Está mais preocupado com o aperfeiçoamento individual capaz de levar os indivíduos a fazerem uma justa apreciação dos bens. Nessa hierarquia dos bens, o lugar supremo deve ser conferido à liberdade, não ao saber. "Não basta julgar bem para agir bem", diz ele, porque a moral não deriva apenas do conhecimento. (JAPIASSU, 1992, p. 109). Assim, o que Descartes propôs em seu método, como pode-se observar, é que se faça uma coisa de cada vez, minuciosa e claramente, pontuando, inclusive, que apenas “[...] os que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam” (DESCARTES, 1979, p. 3), de forma que se possa alcançar a solução dos mais variados problemas através das regras que foram, previamente, expostas e adotadas por ele. Tal método possibilitou ao homem usar seu conhecimento em benefício próprio e, dessa forma, transformou o modo de pensar do homem moderno. O homem agora passa a ver as coisas de outra forma, não mais através do pensamento religioso, que o influenciou por séculos, mas sim por um pensamento moderno que utiliza a razão como fonte primeira, que conduz o homem ao conhecimento da verdade. 16 4. A DÚVIDA METÓDICA: A VERDADE SOB COMPROVAÇÃO Quando se fala o nome de Descartes, logo, este é associado a um novo modo de “conhecimento”. Tal que, Descartes queria descobrir uma forma de comprovação a tudo o que conhecia; essa forma deveria ser algo tão forte que nada pudesse lhe abalar. Descartes dava grande importância a Matemática, pois, para ele existem duas características fundamentais que a diferenciam das outras ciências; tais características não seriam apenas da matemática, mas de extrema importância para todo o pensamento. São elas: a ordem e a medida. Por esta razão, Descartes inspira seu método na Matemática, para assim encontrar sua certeza, que seria justamente a ordem e a medida, aplicando-as num conceito geral. Destarte, buscava explicar o mundo através da mecânica elementar das partículas, usando os princípios da figura, do tamanho, da posição e do movimento das partículas da matéria, dessa forma, o referente filósofo pontua em sua Terceira Meditação que: [...]às idéias das coisas corporais, nada ocorre nelas que não pareça poder provir de mim mesmo. Pois, se as inspeciono mais de perto e as examino em separado [...], noto que muito poucas são as coisas que nelas percebo clara e distintamente, a saber: a grandeza ou a extensão em comprimento, largura e profundidade; a figura, que surge da terminação dessa extensão; a situação obtida das coisas diversamente figuradas; o movimento ou mudança dessa situação, ao que podem ser acrescentados a substância, a duração e o número (DESCARTES, 2004, p. 43). O filósofo tinha como meta usar suas regras para alcançar um conteúdo de representação, separando as coisas materiais e psicológicas que poderiam atuar no ato de pensar de cada indivíduo, para, então, ir atrás de representar o pensamento puro. Descartes entendia que sendo respeitado tudo o que mostra seu método, não haveria dúvida sobre a representação, e a certeza viraria verdade. Como já foi citado, a dúvida em Descartes está relacionada diretamente com o método, desse modo, o conhecimento verdadeiro citado por ele é imposto pelas características do método, então, deve-se duvidar de tudo que não for identificado tais características. Portanto, metodicamente deve-se duvidar de tudo. Neste ponto, percebe-se que Descartes busca duvidar de tudo o que for sensível ao passo que afirma que não há nada em que se possa confiar, exceto na própria dúvida, dizendo que: 17 Suponho, portanto, falsas todas as coisas que vejo: creio que nunca existiu nada do que a memória mendaz representa; não tenho nenhum dos sentidos todos; corpo, figura, extensão, movimento e lugar são quimeras. Que será, então, verdadeiro? talvez isto somente: nada é certo. (DESCARTES, 2004, p. 24). Por conseguinte, segundo Descartes, a primeira razão de duvidar do nosso conhecimento, será argumentada pelo aspecto fraudulento dos dados apreendidos por intermédio dos sentidos. Ele escreve que tudo o que anteriormente admitiu como certo e verdadeiro o fez pelos sentidos. Ora por intermédio deles, ora apreendido por eles. Todavia, estes se mostraram enganadores em sua experiência cotidiana e como já fora fixada uma postura radical de que uma vez posto algo em dúvida este seria falso, não serão portanto admitidos os sentidos como fonte de conhecimento, como relata no fragmento a seguir. Com efeito, tudo o que admiti até agora como o que há de mais verdadeiro, eu o recebi dos sentidos ou pelos sentidos. Ora, notei que os sentidos às vezes enganam e é prudente nunca confiar completamente nos que, seja uma vez, nos enganaram. (DESCARTES, 2004, p.18) Dando prosseguimento, será apresentada a segunda razão de duvidar do nosso conhecimento com uma reflexão elaborada acerca dos nossos sonhos, ao passo que Descartes questiona se o momento dado como real for vivido enquanto se dorme e dele nunca se possa acordar: [...] Em verdade, com que freqüência o sono noturno não me persuadiu dessas coisas usuais, isto é, que estava aqui, vestindo esta roupa, sentado junto ao fogo, quando estava, porém, nu, deitado entre as cobertas! Agora, no entanto, estou certamente de olhos despertos e vejo este papel, e esta cabeça que movimento não está dormindo, e é de propósito, ciente disso, que estendo e sinto esta mão, coisas que não ocorreriam de modo tão distinto a quem dormisse. Mas, pensando nisto cuidadosamente, como não recordar que fui iludido nos sonos por pensamentos semelhantes, em outras ocasiões! E, quando penso mais atentamente, vejo do modo mais manifesto que a vigília nunca pode ser distinguida do sono por indícios certos, fico estupefato e esse mesmo estupor quase me confirma na opinião de que estou dormindo. (DESCARTES, 2004, p. 19). A partir daí, Descartes começa a não apenas duvidar das representações pouco óbvias, como também daquelas que aparecem no mais claro tom, pois poderia ser apenas um sonho e a verdade que poderia pensar que fosse, era apenas mera ilusão. Contudo, como nos sonhos aparecem elementos muitos gerais, como a figura, o número e a grandeza, os elementos do sensível não podem ser colocados em dúvida. 18 E, então, é dada a terceira e última razão de duvidar do nosso conhecimento virá através da admissão de um deus enganador. Descartes admite a existência de tal Deus, à medida que considera a capacidade que possui de errar e cometer equívocos refere-se a uma imperfeição sua derivada de uma possível perfeição. Uma vez sendo uma substância imperfeita, existiria um Deus que é perfeito cuja tarefa é justamente não se enganar o que faz com que existam verdades indubitáveis. Desse modo, um Deus enganador seria desmascarado, pois sua própria imperfeição poderia levá-lo a cometer muitos erros ou até mesmo poderia levá-lo a enganar-se sempre. Contudo, o filósofo faz uma escolha; ele opta pela suspensão do juízo em relação a suas antigas opiniões ao dizer que: Suporei, portanto, que há não um Deus ótimo, fonte soberana da verdade, mas algum gênio maligno e, ao mesmo tempo, sumamente poderoso e manhoso, que põe toda a sua indústria em que me engane: pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas externas nada mais são do que ludíbrios dos sonhos, ciladas que ele estende à minha credulidade. Pensarei que sou eu mesmo desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, de sentido algum, mas tenho a falsa opinião de que possuo tudo isso. Manter-me-ei obstinadamente firme nesta meditação, de maneira que, se não estiver em meu poder conhecer algo verdadeiro, estará em mim pelo menos negar meu assentimento aos erros, às coisas falsas. Eis por que tomarei cuidado para não receber em minha crença nenhuma falsidade, a fim de que esse enganador, por mais poderoso e por mais astuto que ele seja, nada possa me impor. (DESCARTES, 2004, p. 22- 23). Concomitantemente, segundo afirma Carlos Medeiros (2008), na Primeira Meditação Descartes inclui a extensão e a intensificação progressiva da dúvida. [...] É de fato neste processo que Descartes desenvolve a dúvida tanto em seu aspecto natural como metafísico. Com efeito, em seu prisma natural, o filósofo relaciona a dúvida com a recusa do fundamento sensível do conhecimento, ou seja, rejeita o que é adquirido através da percepção, pois esta não pode garantir qualquer conhecimento. [...] (MEDEIROS, 2008). Neste sentido, Franklin Leopoldo cita que “[...] a geração da certeza a partir da dúvida é que dá a dúvida seu caráter metódico” (SILVA, 1993, p. 36, apud MEDEIROS, 2008). Carlos Medeiros explica essa citação de maneira que: [...] Se assim é, pode-se concluir que existe uma estreita relação entre método de aquisição da certeza e a dúvida como condição inicial da reconstrução do saber em Descartes. Quando se começa a exercer a dúvida, já deve o espírito estar em posse do método que lhe permitirá substituir as opiniões rejeitadas por verdades indubitáveis. Por isso, a elaboração do método é anterior ao exercício da dúvida. [...] (MEDEIROS, 2008). 19 Contudo seu grande problema era de como ter certeza da realidade. Então percebeu que para ter certeza de alguma coisa, primeiro era preciso duvidar da mesma. Assim, o filósofo começa a duvidar de tudo que conhece, chegando até a duvidar de seus próprios sentidos. Descartes institui a dúvida afirmando que só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado. Para tanto, na busca da premissa da evidência, Descartes propunha o exercício da dúvida metódica, radical, hiperbólica como método até o nível do absurdo, quando a própria dúvida forneceria então a verdade indubitável. Dessa forma, em sua premissa mais famosa, a evidência número um, que fundamenta todo o pensamento Cartesiano, Descartes exercitaa dúvida até atingir seu ápice, narrando que: [...] Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava. (DESCARTES, 1979, p. 23). Descartes então conclui que é uma substância cuja natureza consiste apenas no pensar e, que para ser, não necessita de lugar algum e nem precisa de nada material. Segundo Carlos Medeiros (2008), Descartes acreditava que quando se duvida de algo, instantaneamente, se pensa sobre o mesmo, de tal forma que o modo correto de sua frase seria: duvido, logo penso. Penso, logo sou. No que concerne a esta temática Carlos Medeiros afirma que: [...] o vazio que se segue à destruição sistemática de todas as certezas por via da recusa dos procedimentos pelos quais essas certezas foram adquiridas. Por isso a dúvida de Descartes, embora metódica e provisória, não é fingida. É preciso descrer radicalmente do conhecimento adquirido sem método para aceitar inteiramente o novo processo metódico de construção da ciência. [...] (ALQUIÉ, 1980, p. 44, apud MEDEIROS, 2008). Como foi tratado aqui, a dúvida em Descartes é onde reside a solução dos principais problemas enfrentados pela ciência, pois Descartes procura um determinado ser que o passe segurança, visto que, para ele a verdade seria um tipo de ideia que sobreviveu a todas as formas de dúvida. Contudo, Descartes não entra a fundo na questão da dúvida no Discurso, e sim, como apresentado anteriormente, 20 nas Meditações, pois são nestas que Descartes frisa sobre as questões do mundo exterior, se questionando sobretudo a temáticas concernentes à natureza das coisas. 5. A PROVA DE DEUS Depois de refletir que duvidava de tudo, e que o conhecimento é mais perfeito do que o duvidar, chegou à conclusão que não era um ser totalmente perfeito, e decide então descobrir de onde vinha o pensamento em um ser perfeito. Para ele, o conhecimento acerca de um ser perfeito só poderia provir de uma natureza realmente perfeita, pois a ideia de algo perfeito não poderia surgir do nada, mas haveria de ter sido colocado nele por algo que fosse, de fato, perfeito. De maneira que para ele restava apenas um ser perfeito: “[...] isto é, para explicar-me numa palavra, que, que fosse Deus.” (DESCARTES, 1979, p. 24-25). No Discurso, ele continua com algumas considerações acerca da existência de Deus, e conclui dizendo que: “[...] é pelo menos tão certo que Deus, que é esse Ser perfeito, é ou existe, quanto sê-lo-ia qualquer demonstração de Geometria.” (DESCARTES, 1979, p. 26), ou seja, a regra de que todas as coisas se apresentam claramente só pode ser de fato algo seguro tendo a certeza da existência de Deus, o ser perfeito que coloca em nós tudo o quanto podemos imaginar. Ao longo de suas Meditações Descartes nos fornece alguns argumentos que auxiliam a colocar-nos como intermédio entre as certezas e incertezas do mundo, restando apenas ao eu que é puro pensamento alcançar uma Ciência. Isso se torna perfeitamente viável ao passo que Descartes prova na Terceira Meditação a existência de Deus por uma regressão ao absurdo. Ele coloca que o fato de podermos pensar que Deus existe, uma vez que o homem, que é finito e, perante a ideia de Deus, não é nada; e se o homem, por ser finito, consegue ter a ideia de um ser infinito, dotado de perfeição, isso levaria a crer, segundo Descartes, a existência desse ser, chegando ao ponto de dizer que se é possível pensar que tal coisa existe, então, deve existir algo além do homem para que seja possível imaginar a ideia de um ser infinito, como pontua no trecho que se segue: [...]embora meu conhecimento aumente sempre mais e mais, entendo que nunca será infinito em ato, pois, nunca chegará a um ponto em que não seja capaz de um incremento maior do que o alcançado. Mas, Deus, julgo eu, é infinito em ato, de maneira que nada poderia ser acrescentado à sua perfeição. 21 Percebo, finalmente, que o ser objetivo de uma idéia não pode ser produzido por um ser que é somente potencial, o qual, falando propriamente, nada é, mas unicamente por um ser atual ou formal. (DESCARTES, 2004, p. 47) Portanto, Deus para Descartes, representava a ponte entre o mundo subjetivo do pensamento e o mundo objetivo da verdade científica, onde a mente e a matéria são criações de Deus, um ser perfeito e legitimador das evidências verdadeiras da razão. Quando a razão atinge a ideia clara e distinta, esta fala por Deus, seu real autor. Para tanto, segundo Hilton Japiassu: A segunda verdade descoberta por Descartes é a existência de Deus. A primeira verdade dizia: eu penso. Mas eu não sou só. O exame de minhas idéias leva-me a afirmar a existência de Deus. É Deus quem garante as verdades matemáticas, permitindo-nos, por suas aplicações práticas, agir sobre o mundo: fica assegurada, também, a existência do mundo, campo da atividade do homem. Descartes prova a existência de Deus com um argumento ontológico (do grego to on, ontos: ser): por definição, o ser perfeito é aquele que possui todas as perfeições; ora, a existência é uma perfeição; logo o ser perfeito existe. (JAPIASSU, 1992, p. 107). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O racionalismo cartesiano coloca a razão no centro da analise sem qualquer senso comum para alcançar a verdade absoluta. Descartes analisa todos os princípios do saber não aceitando uma verdade sem antes que ela seja duvidada e explicada pela razão, então, na realidade, o racionalismo de Descartes tenta achar o indubitável duvidando, onde, a partir do momento de que determinado fato já não conseguisse fomentar dúvidas, consistiria em um conhecimento puro. Sendo este, o suporte de seu método. Método este, que é a base da nossa estrutura pedagógica, ao passo que, nas instituições de ensino, aprendemos, a priori as coisas mais simples e, depois, as mais complexas. Descartes faz da dúvida um ponto de partida para o conhecimento da verdade, a dúvida conduz a existência da verdade e separa o verdadeiro do falso, mostrando que não há conhecimento se as coisas não forem explicadas através da razão. Descartes coloca em prova tudo que existia. Levou aos filósofos um novo propósito, o de observar se há alguma coisa que consiga sobreviver a dúvida, ao 22 passo que se algo sobreviver a ela, servirá como construção do conhecimento puro. A dúvida nada mais é do que a investigação da verdade. Descartes via a ciência da sua época como uma grande confusão, sem fundamentos claros, a qual prejudicava o conhecimento cientifico. Na sua época uma base normal de pesquisa científica era a epistemologia do empirismo, e a proposta de Descartes de afastar o sentido de qualquer base epistemológica, faria com que os cientistas tivessem que requerer uma nova epistemologia e, consequentemente, traria uma nova ciência como resultado, e isso era o que pretendia Descartes. Seu método utilizado até hoje, mostrou que não só a filosofia mas muitas outras ciências podem ser definidas como antes de Descartes e depois de Descartes. Atualmente não se consegue filosofar sem antes utilizar a proposta do método deste filósofo. Ele pretendia alcançar o desenvolvimento de uma ciência universal e integrada, tal qual fosse uma árvore, onde haveria de existir o tronco, com sua principal ciência, e os galhos os quais seriam suas ramificações, havendo assim, uma integração de todas as ciências em uma só.A partir do trajeto exposto acima, pudemos observar que o projeto cartesiano pretende, mais do que duvidar de todas as coisas do mundo, pretende encontrar uma certeza neste. Com isso, verificamos a grande importância de Descartes, visto que questiona as tradições, desfazendo-se delas, utilizando-se de meios objetivos dentro da subjetividade, primando pela exigência da certeza e a isenção da dúvida para o êxito da investigação científica, inaugurando, dessa forma, um novo estágio no pensamento filosófico, motivo pelo qual é considerado o pai da filosofia moderna. 23 REFERÊNCIAS BORGES, David Gonçalves. A Influência Platônica sobre a Modernidade: Semelhanças entre o Pensamento de Platão e o Sistema de René Descartes. Polymatheia: revista de filosofia, Fortaleza, vol. V, n. 8, 2009, p. 173-189. Disponível em: < http://www.seer.uece.br/?journal=PRF&page=article&op=view&path[]=504>. Acesso em: 30 dez. 2014. DESCARTES, René. Discurso do Método; para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. Tradução J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores) ______. Meditações Sobre Filosofia Primeira. Tradução Fausto Castilho. Campinas: Unicamp, 2004. (Coleção Multilíngue de Filosofia Unicamp – Série A – Cartesiana I) JAPIASSU, Hilton. O Racionalismo Cartesiano. In REZENDE, Antonio (Org.). Curso de Filosofia; para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor / SEAF, 1992. p. 85-97. (Coleção Cultura Contemporânea). MEDEIROS, Carlos Henrique Pereira de. A dúvida cartesiana: um “método” para a ciência moderna. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 55, jul 2008. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3044>. Acesso em: 15 dez. 2014. PLATÃO. Timeu. In: ______. Timeu-Crítias. Tradução Rodolfo Lopes. Coimbra: ECH, 2011. p. 212-246. Coleção Autores gregos e latinos. ISBN 978-989-8281-83-8. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do humanismo a descartes. Tradução Ivo Storniolo. v. 3. São Paulo: Paulus, 2003.
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