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O infinito enquanto envolvimento e diminuições: a morte em Leibniz Evandro Pereira da Silva 1 Leibniz e o infinito. Leibniz no seu embate filosófico com o newtoniano Clarke (1675-1729), concentra-se muitas vezes na questão do infinito. Tomado sobre uma constante reflexão sobre o tema, a questão do infinito passa pela matemática (o cálculo infinitesimal é a expressão da continuidade) e metafísica; por outro lado, deva passar pela concepção da morte, como uma continuidade, um desenvolvimento e envolvimento que vai do infinitamente pequeno (não necessariamente nesta ordem) ao infinitamente grande. 2 O infinito permanece na natureza de forma atual, constituindo a própria realidade, sob o desígnios de um verdadeiro elemento, – a mônada. Na filosofia de Leibniz temos “[...] en una metafísica en la que el cálculo equivale a creación, en la que la plenitud inmensa de lo real se expresa por un discurso maximalmente puro, donde las sustancias de complejidad infinita, y en su soledad sin esperanza, se comunican perfectamente.” (Belaval, 2002, p.43). 3 1 Graduação em Bacharelado em Filosofia. Universidade Federal do Ceará, UFC, Fortaleza, Brasil. Email: epssilva@bol.com.br. 2 Sobre isso enfatizamos que: “Leibniz retoma una tesis muy habitual de la antigua metafísica – aquella de la inmortalidad –, pero distinguiéndose mediante la argumentación que propone. Se trata de substituir las imágenes groseras e inadecuadas del comienzo y el fin, pero también de la permanência, por el concepto de una transformación continua e infinita: no hay en realidad ni comienzo, ni fin, los seres vivos se ‘desarrollan’ y se ‘enrollan’ [‘développent’ et ‘enveloppent’]. Es sólo bajo esta condición que la tesis de la inmortalidad viene a ser aceptable. El nacimiento y la muerte no deben ser concebidas como momentos de ruptura (paso del no-ser al ser o del ser al no-ser), ni como simples continuaciones de lo mismo, sino al contrario, como procesos continuos de crecimiento y de disminución.” (BURBAGE Y CHOUCHAN, 2002, p. 7). « Leibniz retoma uma tese muito comum da metafísica antiga – aquela da imortalidade –, mas distingue-se pelo argumento proposto. Se trata de substitui as imagens grosseiras e inadequadas de início e fim, mas também de permanência, por o conceito de uma transformação contínua e infinita: realmente não há começo, nem fim, os seres vivos se ‘desenvolve’ e se ‘envolve’['développent' et 'enveloppent']. É apenas sob essa condição que a tese da imortalidade vem a ser aceitável. O nascimento e a morte não deve ser concebida como momentos de ruptura (passar do não-ser ao ser ou do ser ao não-ser), nem como meras continuações da mesma, se não ao contrário, como processos contínuos de crescimento e diminuição ». 3 Tradução: « [...] Em uma metafísica em que o cálculo é equivalente a criação, em que a plenitude imensa do real se expressa por um discurso máximo puro, onde as substâncias de complexidade infinita, e em sua solidão sem esperança, se comunicam perfeitamente. » A perfeição [Volkommenheit] é a infinitude; a magnitude da realidade positiva, ou seja, a noção de magnitude aplica-se à infinitude. A infinitude da substância 4 conduz sua própria realidade dinâmica a passar sob um princípio interno de um estado a outro. Na possibilidade da existência de algo exige a perfeição e, sob essa condição constitui-se no real o existir, nada é sem razão; a razão conduz sempre a existência do melhor, entre as possibilidades, (o infinito caracteriza os possíveis); Leibniz vai de encontro a uma oposição a Spinoza 5 , quando defende a hipótese que o universo existente não é o único possível. Spinoza defende a existência de uma substância única, – a substância divina infinita; trata-se, portanto, do monismus que se identifica com a natureza. Uma natureza determinista, sendo a realidade tida como necessária, ao qual Deus constitui a causa primeira, dando unidade para a realidade natural. Disso temos que a perfeição e realidade para Spinoza são inseparáveis. O monismo enseja que todas as coisas finitas são modificações da substância. Nesse ponto o sistema metafísico de Leibniz enseja que a unidade se insere na multiplicidade. O universo de coisas finitas em expressão sob a condição de fenômeno se mantém das virtualidades advindas da condição do infinito das mônadas. Na expressão do fenômeno, podemos dizer que há uma conservação dos modos da substância. E, no entanto, não se trata de aproximarmos a conservação dos modos ou modificações da substância ao monismo de Spinoza; pois as modificações ou modos da substância se inserem na multiplicidade das mônadas, e não apenas em uma substância. Assim, “la filosofía de Leibniz, como pluralismo coherente, es aquí proyectada como en un modelo reducido: la multiplicidad es el tejido en que se producen las relaciones de lo uno y de lo universal.” (Belaval, 2002, p. 53).6 Não há limites para a representação da mônada, onde temos o ato de expressão ser algo no infinito. As representações surgem no infinitamente grande e no 4 Quanto a isso, devem-se acrescentar os escritos de Burbage e Chouchan (2002, p. 19), que mencionam: “una de las singularidades de esta doctrina, es que la infinitud no está ‘reservada’ a un Dios, así fuese el ‘autor infinito’ del mundo y de las cosas del mundo. Ella se dice también de los ‘seres’ realmente existentes, em otros términos, de las ‘substancias’ o ‘mónadas’. Leibniz distingue variedad de especies de substancias, según el desarrollo mayor o menor de la conciencia, donde la ‘percepción’ y el ‘apetito’ pertenecen a todas las substancias, y no sólo a aquellas que son dotadas de conciencia.” « uma das peculiaridades desta doutrina, é que a infinitude não está reservado a um Deus, assim era o infinito autor do mundo e as coisas do mundo. Ela se diz também dos ‘seres’ existentes, em outros termos, das "substâncias" ou "mônadas". Leibniz distingue diferentes espécies de substâncias, de acordo com o desenvolvimento maior ou menor da consciência, onde a "percepção" e "apetite" pertencem a todas as substâncias, e não apenas aquelas que estão dotadas de consciência ». 5 Baruch Spinoza (1632 - 1677), filósofo racionalista do século XVII. 6 « A filosofia de Leibniz, como o pluralismo coerente, aqui é projetada como um modelo reduzido: a multiplicidade é o tecido em que se produzem as relações do uno e do universal ». infinitamente pequeno, sob o esclarecimento do ato perceptivo, decorrente, por assim, dizer, – sem portas, sem janelas. A substância representa o universo e sua totalidade, o universo, assim, pode ser entendido como um infinito. Esse infinito desprendido da oposição do finito, ou seja, não temos uma ruptura entre infinito e finito, ambos constitui em uma mesma ordem 7 , permanecendo, desdobramentos e envolvimentos que se mantém em unidade. Na filosofia leibniziana, temos uma posição afirmativa que o infinito existe, sendo mais que uma possibilidade, constitui em uma realidade. O infinito existe em potência, constituindo em infinito atual, portanto, um infinito em ato. Leibniz estabelece uma doutrina do infinito atual que se insere a uma continuidade que absorve um somatório constituído de um todo que contém a parte, e, de uma parte que contém efetivamente o todo. De forma que o infinito constitui, por assim dizer, de – unum per se8. O infinito é possível e os trabalhos matemáticos constituem exemplos. Há uma relação de expressão ao tratarmos do absoluto e de sua simplicidade; desta forma, para uma relação dos números, não temos um número infinito, isso do pontode vista de sua representação, temos sempre o numeral a designar relações quantitativas. A matéria constitui uma potência extensa e passiva que permite aproximações quantitativas, empreendido da possibilidade do infinitamente grande ao infinitamente pequeno. 9 A substância é representativa da (ordem) infinitude do mundo, trata-se também de expressar o fenômeno como advinda de uma espécie de correspondência 10 entre o infinito e o finito. 7 “Leibniz insiste regularmente en la omnipresencia del orden en el universo: el caos, el desorden no son sino aparentes, ‘nada se puede hacer que no esté ya en el orden’. Pero el orden es aquel del universo infinito, ‘inmenso’.” ( BURBAGE Y CHOUCHAN, 2002, p. 22). « Leibniz insiste regularmente na onipresença de ordem no universo: o caos, a desordem são apenas aparentes, ‘nada pode ser feito que já não esteja na ordem’. Mas a ordem de que o universo é infinito, 'imenso'. ». 8 Tradução: Um (todo) por si. 9 “Pero entonces es necesario tener cuidado con la manera como se aborde ‘la inmensidade de las cosas’. Es posible aprehenderla en el plano de las apariencias, en cuanto conjunto de fenómenos: entonces la materia (potencia extensa y pasiva según Leibniz) ocupa el primer lugar y autoriza las aproximaciones cuantitativas, según todas las operaciones de aumento y disminución.” (BURBAGE Y CHOUCHAN, p. 51). « “Mas então é necessário ter cuidado com a maneira como se aborda a ‘imensidade das coisas’. É possível apreender no plano das aparências, enquanto conjunto de fenômenos: então a matéria (potência extensa e passiva segundo Leibniz) ocupa o primeiro lugar e autoriza as aproximações quantitativas, segundo todas as operações de aumento e diminuição.” » 10 Nesse sentido, é preciso acrescentar que “ ‘no hay’ en las cosas actuales más que una cantidad discreta, una multitud de mónadas o substancias simples más grande que cualquier número, en cualquier agregado sensible, es decir, correspondiente a un fenômeno. ” (BURBAGE Y CHOUCHAN, p. 79. In carta a Volder, PS, II, p.283). « “ ‘não há’ nas coisas atuais mais que uma quantidade discreta, uma infinidade de A questão do infinito passa pela matemática e, empreendemos essa afirmação, sobretudo, em compreensão do entendimento leibniziano que consiste em: absolutamente não existem multiplicidades sem verdadeiras unidades. E essas verdadeiras unidades perpassam pela matemática e, o próprio Leibniz, assim, reconhece quando escreve na carta à princesa Sofia (1630-1714) de Hanôver, em 31 de outubro de 1705. Na carta, Leibniz recorda a princesa Sofia sobre a doutrina das verdadeiras unidades, ou seja, as substâncias simples que não recebem influências externas. Menciona ainda, sobre os corpos como apenas multiplicidades que pereciam pela dissolução de suas partes e sobre os fundamentos da imortalidade da alma (trataremos com mais detalhes sobre essa questão quando abordarmos sobre infinito enquanto envolvimento e diminuições). Questões essas, que vão propiciar ao encontro dos incomensuráveis. Nesta carta, Leibniz menciona sobre os Elementos de Geometria de Luís (1682-1712), o monsenhor duque da Borgonha; trata-se de uma obra que tem tanta semelhança com a doutrina leibniziana das unidades. Vejamos então, essa semelhança nas palavras do próprio Leibniz: Este príncipe se põe a explicar os incomensuráveis 11 na p. 33 de seu livro; supondo, por exemplo, um quadrado perfeito cujo lado seja de um pé, a diagonal sendo uma linha reta que leva de um ângulo a outro ângulo que lhe é oposto, será incomensurável com o lado, isso é, esta diagonal não poderá ser expressa por nenhum número de pés nem das partes de um pé, como segundas, terceiras, quartas etc., décimas, centésimas, milésimas etc., ou outras quaisquer. Mas quanto menor for a parte que se tomar por medida, mais se aproximará do exato valor, pela milésima mais do que pela centésima parte, e assim ao infinito. Donde se segue que uma linha pode ser dividida ao infinito e nela podemos considerar um sem-número de pontos, mas que, entretanto, de maneira alguma ela é composta de pontos. Porém, depois de ter considerado estes tipos de verdades, é preciso observar que, por outro lado, “quando se considera atentamente a existência dos Seres (estas são as próprias palavras da reprodução parcial do livro), compreende- se muito claramente que a existência pertence às Unidades, e não aos números (ou às Multiplicidades). Vinte homens só existem porque cada homem existe. O número é apenas uma repetição das Unidades, mônadas ou substâncias simples maiores que qualquer número, em qualquer agregado sensível, ou seja, correspondente a um Fenômeno.”». 11 Mantemos aqui na íntegra a própria nota dos tradutores, vejamos: “Leibniz se refere ao velho problema da incomensurabilidade da diagonal de um retângulo pelos lados, àquilo que denominamos de número irracional; problema que fez ruir uma das bases da filosofia pitagórica, segundo a qual ‘tudo é número’, no sentido, pois, que tudo está associado a grandezas comensuráveis, grandezas para as quais podemos sempre determinar proporcionalidades baseadas em números inteiros, grandezas racionais.” Em Carta de Leibniz à princesa Sofia. Tradução e Notas: Juliana Cecci Silva e William de Siqueira Piauí. Cf. http://www.leibnizbrasil.pro.br. somente a elas pertence a existência. Jamais poderia existir número se não existisse Unidade. Isso bem entendido (diz o ilustre autor deste livro): este pé cúbico de matéria é uma única substância, [ou] são muitas? – Não se pode dizer que seja uma única substância; pois (neste caso) não se poderia dividi-lo em dois (se a substância não estivesse no corpo antes da divisão, a todo momento se faria nascer novas substâncias). Se dissermos que são muitas, já que há muitas, esse número, independente de qual seja, é composto de Unidades. Se dissermos que existem muitas substâncias, é preciso que exista uma, e esta uma não pode ser duas. Portanto, a matéria é composta de substâncias indivisíveis. Eis nossa razão (acrescenta este príncipe perspicaz) reduzida a estranhos extremos. A Geometria nos demonstra a divisibilidade da matéria ao infinito e, ao mesmo tempo, nós descobrimos que ela é composta de indivisíveis”. 12 As indagações e, sobretudo, o pensamento do duque de Borgonha exposto no seu livro, faz ressaltar em Leibniz admiração para com o autor, pois ver seu pensamento sobre as unidades com tanta expressão neste livro. A unidade substancial consiste como uma espécie de fundamento dos fenômenos. De modo que, nesses termos, a matéria advém da unidade, constitui, por assim dizer, um fenômeno bem fundamentado. Os fenômenos podem ser divididos em fenômenos menores ad infinitum. Eis então, atento leitor, que o fenômeno não deve a sua realidade à matéria ou a extensão, pois há de se observar os desdobramentos internos da substância, o que envolve percepção e memória. Envolve, por assim dizer, a exemplo, a questão da unidade entre o corpo e a alma nos termos de uma continuidade. A essa noção de continuidade, admiti o infinito e a metafísica incluídos nas relações matemáticas; sobretudo, no exposto na citação acima, onde temos os incomensuráveis em uma relação entre o corpo e a alma que, não obstante, pode ser obtida da não comparação da influência de um sobre o outro. Desta forma, não se pode medir sob o ponto de vista de uma grandeza sob outra, assim, tal influência é sem limites ou simplesmente, podemos dizer, a unidade(corpo e alma) consiste o próprio limite distinto de oposição entre infinito e finito. Tomemos agora como exemplo a relação dos números definidos em uma concepção de continuidade; quando expressamos o numeral «2» temos a relação «1» + «1» que em termos de uma continuidade segue a seguinte série: 1/1 + 1/2 + 1/4 + 1/8 + 1/16 + 1/32 +..., portanto, infinita. Ora, do ponto de vista exposto, a continuidade segue ao rigor metafísico para questão da morte. É nesse sentido, que muita embora a geometria nos forneça a divisibilidade da matéria e, por mais que seja infinita, a unidade permanece ao sentido 12 Carta de Leibniz à princesa Sofia. Tradução e Notas: Juliana Cecci Silva e William de Siqueira Piauí. Cf. http://www.leibnizbrasil.pro.br. de uma harmonia. Essa unidade, no sentido leibniziano, impõe uma acepção de não haver nem alma nem tão pouco o corpo e, no entanto, considerando a existência de ambos, nem mesmo pode haver uma influência de um sobre o outro. Nesses termos, a harmonia se dá no sentido em que a alma não sofre influências do corpo e, este não é influenciado pela alma. Nesta concepção filosófica sobre a morte, temos que esta não deve ser entendida como momentos de ruptura de uma passagem do não-ser ao ser ou do ser ao não-ser, tão pouco deve trata-se de uma simples continuação do mesmo, deve então, constituir de processos contínuos de crescimento e diminuição 13 . A morte surge, então, como sendo uma diminuição ad infinitum, onde as percepções são mais limitadas. Deve-se acrescentar aqui, que a noção de limite, empreendido por Leibniz, segue muitas vezes uma semelhança com conceitos fundamentais, sobretudo, do cálculo infinitesimal. Burbage y Chouchan nos evidencia: Leibniz habría trabajado también – ayudándose constantemente de sus invenciones matemáticas y aplicando los conceptos de lo infinitesimal a otros objetos y en otros sectores – hacia la constitución de una filosofía de parte en parte ‘infinitista’. Así tomará distancia de la afirmación religiosa de una infinitud trascendente y misteriosa. (BURBAGE Y CHOUCHAN, 2002, p. 8). 14 E nesta indagação do infinitesimal, sobretudo, cálculo infinitesimal, podemos mencionar e, a exemplo, as magnitudes diferenciais, ou seja, «dx», onde o termo «x» representa uma variável «y», o termo «d» representa a operação de diferenciação, portanto, em uma relação infinitesimal entre o grande e o pequeno. Destas considerações, segue que o limite constitui ser, portanto, as percepções confusas. No entanto, como podemos perceber o termo infinitamente pequeno ou infinitamente grande não constitui estrito à linguagem matemática, pois essa relação em que segue o termo infinito, não nos fornece uma quantidade (mensurável) da continuidade. Mas, Leibniz busca uma concepção racional do infinito diferente da concepção finita da realidade. 13 Cf. os parágrafos 73 e 76 em A Monadologia. 14 « Leibniz havia trabalhado também – sempre ajudando seus inventos em matemática e aplicando os conceitos do infinitesimal para outros objetos em outros setores – para o estabelecimento de uma filosofia de parte em parte ‘infinitista’. Assim, tomará distância da afirmação religiosa de uma infinitude transcendente e misteriosa. » O que não pode escapar ao entendimento aqui é que o próprio infinito é expresso na sua realidade através da substância e, como já escrito na introdução no que se refere às mônadas serem os elementos que fundamentam a realidade. Assim, como o próprio Leibniz evidencia: tudo vai ao infinito na natureza. Desse modo, a noção de substância (envolve o infinito e finito) implica a expressão e representação do mundo, melhor dito, da infinitude do mundo. Ao passo que as mônadas tendem de modo confuso para o infinito, no entanto, elas são limitadas, sua diferenciação se dá através dos graus das percepções distintas. Nesse sentido, segue-se então para a questão da morte. O infinito enquanto envolvimento e diminuições: a morte. No estrito sentido metafísico, Leibniz é do entendimento que não há um primeiro nascimento, como também, uma inteira nova geração de um animal, ou seja, não há extinção final ou morte completa. Então, o que é feito dessas almas ou formas, quando da morte do animal? O filósofo não estar de acordo que as almas possam permanecer inúteis, ou seja, em um caos de matéria confusa. Para o filósofo, não apenas há a conservação da alma, mas, também, a do próprio animal. Sendo assim, quando da conservação do animal há uma transformação em conformidade a seus órgãos serem dispostos e desenvolvidos ao infinitamente pequeno, em mais alto grau. E não há nenhuma mudança na matéria que possa afetar este grau. Nesse contexto, ressaltamos: Leibniz reforça a passagem de opiniões de outros autores, mais especificamente no parágrafo IX do texto de 1695, Sistema Novo da Natureza e da Comunicação das Substâncias. Vejamos as palavras do filósofo: No que se refere ao corpo ordinário dos animais e às outras substâncias corpóreas, acerca dos quais se acreditou até agora que a extinção completa e as mudanças dependem antes das regras mecânicas que das leis morais, eu assinalaria com prazer que o autor antigo do De Victu, que se atribui a Hipócrates, havia entrevisto algo da verdade quando ele disse expressamente que os animais não nascem e não morrem, e que as coisas que se crê começar e perecer, nada faz além de aparecer e desaparecer. Essa era também, segundo Aristóteles, a concepção de Parmênides e de Melisso, pois esses pensadores antigos eram mais sólidos do que se crê. (LEIBNIZ, 2002, P. 22). Devemos ainda notar e recordar, então, que há uma imensa diferença entre a substância e algo apenas passivo ou matéria. Uma diferença que para o filósofo de Hanover, não é apenas de grau, mas também de gênero. De modo que um corpo dotado de uma realidade substancial e, no que consiste aos organismos naturais comporem diferenças acerca da artificialidade da simples matéria. Em outras palavras esse texto de 1695 (publicado em forma de artigo no Journal des Savants) vem estruturar a denominação de máquinas naturais e máquinas artificiais. As máquinas naturais estão tão bem organizadas e protegidas, quanto a qualquer espécie de acidentes aos quais não é possível destruí-las; – os acidentes não estão fora das substâncias. Uma vez que essas máquinas naturais possuem um universo de partes, ad infinitum, e, mesmo em suas menores partes permanece sempre a mesma máquina. Então, quando pensamos que tais máquinas são destruídas, o que ocorre são desdobramentos dessas partes infinitas, que por vezes são extensas, outras vezes contraídas. As máquinas artificiais não possuem os princípios da verdadeira unidade, que por meio da alma ou forma, contém um Eu. Esse Eu dotado de forma, percepção e memória. Assim, o que compõe nas máquinas naturais são verdadeiras unidades substanciais e, sem elas nada haveria de real, não haveria a multiplicidade. Nas máquinas artificiais, bem como no composto, não há nada que possa vir a explicar uma percepção, pois as explicações devem ser procuradas na substância simples. Então, é justamente nas substâncias simples que, segundo Leibniz, só podemos encontrar percepções e suas modificações contínuas. É bem certo que na alma já contém percepções internas que se inserem externamente na multiplicidade. Essas percepções internas na alma têm origem desde sua criação, como um atributo individual. A unidade está no resultado das unidades que é a multiplicidade. No contexto metafísico, o Eu abordadoanteriormente, não depende de influência de outras criaturas. Como todo espírito, independente das demais coisas criadas, permanece como em um mundo a parte, mas que envolve o infinito. E na individualização, expressa o universo. Expressa o universo ao seu modo, contribuindo para a perfeição. Nesse estado de perfeição, Leibniz empreende a uniforme conservação de nossa individualidade e traz para luz, a imortalidade de nossa alma. A imortalidade de nossa alma e, também, a imortalidade do próprio corpo, já é corrente em textos anteriores a 1695, pois em fevereiro de 1676, o Leibniz escreve em Sobre a sede da alma: “penso que a flor da substância é nosso corpo. Essa flor da substância subsiste perpetuamente a todas as mudanças; [...].” 15 Nesse texto, o filósofo alemão advertiu Boyle, quanto a este, em um texto publicado em 1675 tratando da possibilidade da ressurreição, não ter observado: “que a alma parece estar implantada firmemente nessa flor de substância.” A unidade como substância primeira pensada por Leibniz não só rege o mundo, como também o constrói. E pela perfeição da exigência, no que condiz para a quantidade de essência há uma razão pela qual alguma coisa possa existir em vez do nada. Algo que deva passar da simples possibilidade para o ato. A questão da morte envolve a própria noção de substância no que consiste para si a criação e aniquilação. Da noção leibniziana de substância empreende-se que não há morte. Mas, o que consiste a morte no estrito sentido leibniziano? Uma substância simples que entra nos compostos não pode ser formada por composição. De início o leitor deve entender que se há composto, então há partes, – um agregatum dos simples, – o que implica a substância. O que é composto começa e acaba por partes. Então, se há partes há a extensão; – sem o simples não há composto, – não há a unidade leibniziana. A substância existe com percepção, esta inserida no tempo, este instituído de unidade; – a unidade do passado, presente e do futuro. Assim, diz Leibniz: “e como todo estado presente de uma substância simples é naturalmente uma continuação de seu estado anterior, assim também o presente está prenhe do futuro (Teodicéia § 360).” (Leibniz, 2009, p. 29). Ora, desse entendimento, lembramos ao leitor que a unidade permanece advinda da substância primeira. Na substância primeira (onisciente e onipresente) [Deus], advém à potência que é a fonte de tudo, em seguida vem o conhecimento ao qual contém o detalhe das ideias e a vontade que vem a efetuar as mudanças, dito de outro modo, o que vem a efetuar produções segundo o princípio do melhor. É este princípio que se constitui nas mônadas como um sujeito ou a base, o que envolve segundo Leibniz, a faculdade perceptiva e a faculdade apetitiva. Recordemos ainda, que as mônadas começam e acabam instantaneamente. – Mônadas são os elementos das coisas. As mudanças nas mônadas são contínuas e de forma natural provém de um princípio interno. Essas mudanças ocorrem 15 Cf. Leibniz, G. W. Sobre a sede da alma. Fevereiro de 1676. Tradução de Fernando Barreto Gallas. Acesso: http://www.leibnizbrasil.pro.br. gradativamente, porém, sempre alguma coisa permanece. Desta forma, a noção de substância simples implica que não há morte. E, como já mencionamos no texto, o apetite não pode sempre alcançar por completo toda a percepção à qual tende, no entanto, alguma coisa é obtida, o que constitui chegar a percepções novas e infinitas. Na substância simples há uma variedade de afecções e relações que pelo seu estado transitório envolve e representa uma multiplicidade na unidade. No entendimento leibniziano, nós próprios experimentamos uma multiplicidade na substância simples, principalmente ao verificarmos que o menor pensamento do qual nos apercebemos deve envolver uma variedade no objeto. O infinito é expresso e advindo da mônada, assim, Leibniz compreende a multiplicidade na unidade; ou seja, a mônada contém em si a multiplicidade, portanto, o próprio infinito. A morte então surge na concepção de Leibniz como um envolvimento e diminuições até o infinito. Essas considerações nos permitem observar que a questão da morte ao sentido leibniziano remetem às suas unidades, – as mônadas; e, sobretudo nos permite ir de encontro ao conceito de continuidade, o que nos remete ainda aos infinitesimais sob os desígnios da arte divina. Trata-se de compreendermos o infinitesimal como a expressão da continuidade. Nas palavras de Leibniz: E o Autor da Natureza pôde praticar este divino e infinitamente maravilhoso artifício porque cada parte da matéria não só é divisível ao infinito, como reconheceram os antigos, senão que está atualmente subdividida sem fim, cada parte em partes, cada uma delas tendo um movimento próprio. De outro modo seria impossível que cada porção da matéria pudesse exprimir todo o universo (Teodicéia Discurso Preliminar § 70; Teodicéia § 195). (LEIBNIZ, 2009, p. 37). Leibniz partindo do conceito de movimento fixa na ideia finita, outra manifestação, o movimento do infinitamente pequeno, o que por sua vez podemos empreender que venha a produzir uma distinção das essências. Trata-se de um movimento que se desdobra em uma continuidade que permite a expressão do fenômeno está em envolvimentos e diminuições. Como já explicito no texto ao tratarmos da substância como princípio da verdadeira unidade, temos que toda substância é ativa e, a alma não esta fora desse particular; nesta concepção e no que condiz ao estrito rigor metafísico leibniziano, não pode haver morte completa. BIBLIOGRAFIA. BELAVAL, Yvon. Leibniz Initiation à sa Philosophie. Ed. 6. Paris: Vrin, 2005. BELAVAL, Yvon. Leibniz Critique de Descartes. France: Gallimard, 2003. BELAVAL, Yvon. Historia de la Filosofía; La filosofia alemana de Leibniz a Hegel. V. 7. Buenos Aires: Siglo xxi de Argentina Editores, 2002. BURBAGE, Frank; Chouchan, Nathalie. Leibniz y el infinito. Traducción: Alejandro Martín Maldonado. Paris, 1993. DELEUZE, Gilles. A dobra Leibniz e o barroco. Tradução: Luiz B. L. Orlandi. 5ª Edição. Campinas, SP: Papiros, 2009. ESPINOSA, Baruch de. Os Pensadores. Vol. XVII. 1ª Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973. HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Tradução de Jacques A. Wainberg. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. LEIBNIZ, G. W. A Monadologia e outros textos. (organização e tradução: Fernando Luiz Barreto Galas e Souza) – São Paulo: Hedra, 2009. LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Discurso de Metafísica. Tradução: Gil Pinheiro. São Paulo: Ícone, 2004. LEIBNIZ, G. W. Discours sur la théologie naturelle des Chinois. Paris, L’Herne, 1987. LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos ensaios sobre o entendimento humano. Tradução e Introdução por Adelino Cardoso. Lisboa: Edições Colibri, 2004. LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos ensaios sobre o entendimento humano; Correspondência com Clarke. V. 2. São Paulo: Nova Cultural, 1988. LEIBNIZ, G. W. 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