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8154 A CULTURA DO SIMULACRO NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO E OS NOVOS MECANISMOS DE SIMULAÇÃO ESPETACULAR* CULTURE OF SIMULACRO SOCIETY OF SPECTACLE AND NEW MECHANISMS OF SIMULATION SPECTACULAR Azor El Achkar RESUMO O homem sempre buscou formar de representar uma falsa imagem. O sistema capitalista aliena e produz simulação e espetáculo. O simulacro tornou-se cultura, onde simular e dissimular são as regras do jogo. O hiperreal é onde está a verdade, cujo princípio encontra-se cenificado. A mídia é o veículo para efetivação do simulacro. A sociedade espetacular prefere a imagem a coisa real, a cópia ao original. O espetáculo é propagado pela publicidade induzindo o consumo. A mercadoria domina o espetáculo e o reproduz. A televisão sempre foi o principal meio de produção do simulacro. A revolução produzida pela internet criou outros meios de simulação, sendo o Second Life um dos principais. No fim, tudo é representação. O ser humano não vive mais, não compartilha mais, encarcerado no mundo da ilusão e alienação. PALAVRAS-CHAVES: CULTURA DO SIMULACRO, SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, SECOND LIFE. ABSTRACT Man has always sought ways to represent a false image. The capitalist system alienates and produces simulation and spectacle. The simulation has become culture, which simulate and disguise are the rules of the game. The hyperreal is where the truth lies, whose principle is cenificado. The media is the vehicle for realization of the simulacrum. The spectacular society prefers the image to the real thing, a copy of the original. The show is propagated by advertising inducing consumption. The commodity dominates the show and the play. Television has always been the main means of production of the simulacrum. The Internet revolution has created other means of simulation, and the Second Life one of the main. In the end, everything is represented. The human being is no longer living, does not share more, shut up in the world of illusion and alienation. KEYWORDS: CULTURE OF SIMULATION, SOCIETY OF THE SPECTACLE, SECOND LIFE. 1. INTRODUÇÃO * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009. 8155 Desde há muito tempo o homem busca modos de ser o que não é. Não é de hoje que os meios para simular situações, objetos, personagens e outras formas de passar uma falsa impressão da realidade existem nos mais diferentes meios, classes sociais e contextos. É só lembrar-se do teatro grego e o subterfúgio das máscaras, dos textos assinados por pseudônimos ou anônimos. Com a evolução dos tempos, o teatro permaneceu vigorante, fazendo e levando essa imagem distorcida da realidade. Outros elementos foram incorporados como a música, as poesias, as fantasias, os bailes de máscara, as guerras, enfim, um crescente de eventos e acontecimentos todos relacionados com a criação de novas imagens, novos personagens, causando falsas e delirantes impressões. Entretanto, todos esses fatos relacionados com a vinculação de imagens e falsas aparências que aconteceram antes da revolução industrial eram de certa forma, inocentes, sem a intenção de persuadir ou alienar. Antes da revolução industrial não se estava submetido ao sistema capitalista de produção de bens, o que tornava a criação e simulação de aparências e imagens bem menos preocupante que nos dias atuais. Eram simulações numa sociedade menos interessada a com a acumulação de capital e mais preocupada em disputas de poder político, disputas amorosas e disputas territoriais. A falsa idéia da realidade se desenvolvia em moldes temporários, às vezes em querelas entre reinos e outras ligadas ao poder soberano do rei diante de seus súditos. Não havia a televisão nem a tecnologia digital, não havia ainda a procura da fuga total e permanente da realidade, nem a confusão entre o que era real e o que era simulado. A revolução industrial inaugura uma nova fase da civilização humana. Não mais os homens fazem os trabalhos, mas as máquinas tomam seu lugar e a produção em massa e em série toma forma e corpo, num caminho sem volta. Ao longo de mais de 250 anos esse processo de substituição não teve fim. Além disso, esse novo processo de produção de bens e mercadorias se tornou a única razão de ser da humanidade. A meta é produzir em grande quantidade e em larga escala, de modo que todo o mundo venha a se tornar consumidor e tudo seja transformado em mercadoria. O século XX foi por demais significativo para esta nova (ir) realidade. Comprovadamente o sistema funcionou e funciona muito bem. Quase todos agora têm acesso as mercadorias, que são produzidas em diversas cores, tamanhos, modelos, formas, valores e gostos. A produção, contudo, está centralizada em sociedades de poder oligárquico hegemônico monopolista e na mão de poucas famílias e conglomerados econômicos. E foi justamente neste século que as teorias contestatórias, críticas e analíticas deste sistema começaram a ser formuladas. O tema deste ensaio é comparar, apontar e atualizar com exemplos duas das principais correntes contestatórias das conseqüências trazidas pelo modelo capitalista de produção: a produção do simulacro e a instituição da sociedade espetacular. Fazendo esse retrospecto histórico percebe-se que na comparação com o passado a realidade atual tornou-se não realidade, ou ainda passou a não existir mais. Atualmente é difícil distinguir o que seja verdade, o que efetivamente existe daquilo que é puro simulacro, falsidade ou enganação. 8156 Em que pese esta situação crítica, que configura mesmo uma crise, dia após dia ela se ampliada, com mais mecanismos e possibilidades de fuga da realidade, de criação do simulacro e fortalecimento da sociedade onde o espetáculo é a tradução no normal, do legal, do ético e do correto. 2. A CULTURA DO SIMULACRO Neste sistema comandado pelo capital há uma forte tendência no encaminhamento dos padrões a um sistema de modelo estanque e estático que indiretamente é absorvido sem percepção nem contestação. Como uma mancha que cobre a todos, este padrão poucas vezes torna-se compreensível, sendo apenas por algumas exceções compreendido. Uma das visões paralela do status quo, e a que interessa, revela uma sociedade submetida ao jugo da falsa noção da realidade. Como um escravo cego que não percebe sua submissão a um estado de dependência, as pessoas já não têm mais o referencial de nenhum assunto, de nenhum tema. Todas as verdades pronunciadas carecem da essencialidade do mais fundamental princípio da veiculação de informações: a base de certeza e verificabilidade. Todas as noções e entendimentos do mundo fático vem impregnada de uma áurea de incertezas, relativismos e simulacros. Não há um só espaço de existência social onde haja a garantia de encontrar algo profundo, de conhecimento sólido, sem intenções ilusórias ou falsas expectativas. Os ambientes estão infestados de idéias privadas, favorecimentos indignos e ganhos estratosféricos. Motivos humanos para hábitos humanos voltados contra os humanos. Mas com reflexos na obra completa. A tradução sociológica e filosófica deste pensamento tem como principal representante o inquietante Jean Baudrillard. Suas idéias extrapolaram a noção material dos objetos e situações e transferem para um outro patamar os limites da compreensão deste universo de existência humana. Suas concepções alertam da existência de uma dimensão hiperreal da realidade. Primeiro acontece a liquidação de todas os possíveis modelos de referencia. Em seguida o real é superado por uma falsa idéia deste real, representada por signos. E por fim, uma operação de dissuasão transfigura o processo em duas realidades, operando simultaneamente,mas sobrepostas. O processo de dissuasão opera como uma máquina. Realiza sua missão diuturnamente, sem descanso nem férias. Seu trabalho é reprodutivo, multiplicado em todas as situações; é programática, pois disposta para todos os interesses; é impecável, por fazer o serviço sem deixar pistas nem evidências, oferecendo ao final, os signos do real. A dissuasão acaba por operar em duas lógicas: (a) dissimular, ao fingir não existir o que na verdade existe; (b) simular, ao fingir existir o que não existe. São estes os meios de 8157 funcionamento da dissuasão atual. Por este modo e nesta altura o questionamento deve ser geral: onde está o verdadeiro e o que é falso, onde está o real e o que é imaginário? O real foi extinto, perdendo de vez a chance de se produzir. Seus vestígios sobreviveram inseridos em um deserto, o deserto do real, num ambiente inóspito e inabitado. O simulacro vem preceder a nova dimensão. O simulacro encontra no hiperreal seu vasto e concreto campo de atuação. Desprovido de origem e de realidade, toma a forma da verdade e apropria-se de seus elementos de constituição. Destrona o princípio da verdade. A manifestação vem em forma de imagem, de um signo. Simulacros de imagens estão dispostos em todos os lados, substituindo a realidade. Signos que absorvem e remetem a profundidade de um sentido. Modificando-se este signo, modifica-se também o sentido, podendo operar por simples desejo do sistema. Neste sentido, a representação não consegue absorver a simulação, pois esta envolve todo o edifício da representação, tomando-o como um simulacro. Os signos até tornarem-se simulacros seguem a seguinte seqüência: (1) iniciam ao transmitirem um reflexo da realidade; (2) mascaram e desnaturalizam uma realidade que se faz profunda; (3) em seguida, eles mascaram a ausência desta realidade profunda; (4) o novo signo já não tem nada a ver com nenhum tipo de realidade envolvida; (5) e por fim, passa a ser seu próprio simulacro. Por toda parte vive-se num universo extremamente parecido com o mundo original. As coisas, todavia, aparecem dobradas por sua própria cenificação. Opera-se, assim, a ocultação da realidade, expurgada ao deserto do real, onde esta já não é mais realidade, derrocada junto com o princípio da verdade. Assim sendo, a operatividade dos signos realiza o milagre do engano visual, que ressurge sobre todo o mundo real circulante, revelando-nos que a realidade nada mais é que um mundo hierarquicamente cenificado. Objetiva-se de acordo com as regras de profundidade. Neste momento constata-se que a realidade é um princípio cuja observância se regula toda a pintura, a escultura, a arquitetura. Mas mesmo sendo um princípio, é ainda um simulacro que buscar por fim a supersimulação experimental do engano visual. Diversos escândalos são apenas expressões de dissimulação. Muitas vezes são tramas feitas pelo próprio sistema aos seus adversários. As simulações consistem em criar fatos com o fim de polemizar questões e regenerar situações escondidas ou ocultar verdades comprometedoras. Revela-se verdadeira negatividade operativa, onde nesses cenários de dissuasão busca-se restaurar um princípio moribundo mediante um escândalo, um especismo ou uma morte simulada. Nesta seara surge o princípio da realidade política. Segundo Baudrillard, a lógica da simulação é diferente da lógica dos fatos. A simulação se caracteriza por uma precedência do modelo sobre o mais mínimo dos fatos. Os fatos não têm sua própria trajetória, mas na interseção dos modelos apenas um fato pode ser absorvido por todos os modelos de uma vez. 8158 Esta confusão do fato com o modelo é que dá lugar a todas as interpretações possíveis, inclusive as mais contraditórias, onde sua verdade consiste em intercambiar-se. A imagem é semelhante aos modelos de que procedem, num ciclo generalizável interminável. Todos os poderes e instituições falam de si mesmas por negação, tentando escapar da agonia real. O poder busca cenificar a sua própria morte para recuperar algum sinal de existência e legitimidade. A produção dos valores e mercadorias já há muito tempo carecem de sentido próprio, pois a sociedade, ao continuar produzindo e super produzindo, somente busca ressuscitar o real que lhe escapa ao deserto. Por isso, esta produção material se converte em hiperreal. O trabalho se transformou numa necessidade. O seu cenário se monta para ocultar que o real do trabalho, a produção, desapareceu. Assim sendo, o trabalho segue apenas para ocultar que não há trabalho. Neste contesto a informação passa a corresponder a um simulacro de espaços e perspectivas que vem a julgar o projeto do real. Os veículos do mass media representam uma espécie de código genético que conduz a mutação do real em hiperreal. A televisão, por sua vez, ao penetrar em nossos lares, nos observa, nos informa e nos manipula. São, no fim das contas, pseudoacontecimentos. Guerras, crises do petróleo, da energia, de fato, nunca chegaram mesmo a existir, ou mesmo que tivessem um fundo real, configuram-se sempre como peripécias artificiais, truques históricos, catástrofes e crises destinadas a manter pela hipnose um cerco histórico. A questão passa em provar o real com o imaginário, a verdade com o escândalo, a lei com a transgressão, o trabalho com a greve, o sistema com a crise, o capital com a revolução. No momento em que tudo se transforma no seu termo contrário para sobreviver a sua forma expurgada, a simulação inicia uma implosão de sentidos. Por fim, somos todos cúmplices e o mass media também em manter a ilusão da possibilidade de certos fatos, da realidade de opções de uma finalidade histórica, da objetividade dos fatos: cúmplices em tentar salvar o princípio da realidade. 3. A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO Durante a década de sessenta do século passado levantes revolucionários se formaram por toda a Europa, mas principalmente na França. Constituídos por operários e impregnados pelos ideais marxista, estes coletivos acreditavam na luta revolucionária como alternativa ao fim da submissão ao sistema vigente. Um destes grupos extremistas era a Internacional Situciacionista. Foi em auxílio a este grupo, buscando fortalecê-los com um conhecimento teórico para fins práticos, que Guy Debord inspirou e destinou a teoria do espetáculo. Seguindo as mesmas idéias promulgadas por Marx, a contestação deveria ser revolucionária para 8159 exterminar a sociedade moderna, mediante a revolta das classes para uma sociedade sem classes. Contemporâneo a Baudrillard, fiel ao seu raciocínio e fonte inspiradora, Debord inicia dizendo que em nosso tempo, há uma preferência da imagem a coisa real, da cópia ao original, da representação a realidade, da aparência ao ser. Tudo parece ser um grande espetáculo, ou seja, uma relação social entre pessoas mediadas por imagens. A sua manifestação está: (a) na própria sociedade; (b) numa parte da sociedade, que concentra todo o olhar e toda a consciência, onde o espetáculo é o instrumento da unificação, pelo fato de estar separado. É o lugar do olhar iludido e da falsa consciência. A manifestação espetacular da sociedade é o projeto e resultado do modo de produção existente. Nas sociedades onde reinam as modernas condições de produção, a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos, onde tudo que era vivido diretamente torna-se representação. O espetáculo torna-se o modelo atual da vida dominante na sociedade, sendo propagado por meio da informação, da propaganda e da publicidade, induzindo o consumo de divertimento. O sistema produziu a separação do mundo, que restou cindido em realidade e em imagem. A inversão do real pelo espetáculo constitui-se em um produto, no momento em que a realidade surge no espetáculo e o espetáculo é real, onde esta alienaçãorecíproca é a essência e a base da sociedade existente. O espetáculo torna-se a afirmação da aparência e de toda a vida humana como simples aparência. As transformações realizadas pelo sistema econômico de produção primeiramente deslocaram a essencialidade do ser para o ter. Na fase atual, o ter foi substituído pelo parecer, de modo que o ter deve extrair seu prestígio imediato e função última. As realidades individuais tornaram-se sociais, dependente de suas forças. Assim, o sistema somente permite aparecer aquilo que ele não é. No fim, quando o mundo real se transforma em imagem, estas se tornam seres reais. O espetáculo passa a ser o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma, onde os meios de comunicação mass media representam a manifestação superficial mais esmagadora do espetáculo. A perda da unidade do mundo levou ao surgimento do espetáculo. O trabalho e a produção são o espetáculo, onde o modo de ser é a abstração. E nesta fábula de representação, o espectador, quanto mais contempla menos vive, quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e desejos. O processo gera alienação, pois o espetáculo é a sua fabricação concreta. O mundo que o espetáculo mostra e faz mostrar é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido. No sistema de capital de produção a mercadoria tornou-se a força que ocupa a vida social. A mercadoria desde então, ocupou todos os espaços, pois tudo foi transformado nela. O dinheiro tornou-se o equivalente geral abstrato de todas as mercadorias. E é na sociedade do espetáculo que a mercadoria contempla a si mesma no mundo que ela ajudou a criar. 8160 O tempo foi transformado em uma mercadoria consumível. O tempo é agora pseudocíclico, pois modificado pela indústria. É o verdadeiro tempo espetacular. É tanto o tempo de consumo das imagens, como imagem do consumo do tempo. O tempo do consumo de imagens corresponde ao meio de ligação de todas as mercadorias, é o campo inseparável em que os instrumentos do espetáculo são executados. Já a imagem social do consumo do tempo é exclusivamente dominada pelos momentos de lazer e férias, momentos representados a distância e desejáveis por definição como toda mercadoria espetacular, onde no final, o espetáculo é a falsa consciência do tempo. A produção capitalista transformou também o espaço. Na sociedade espetacular, o espaço foi unificado, formando um processo extensivo e intensivo de banalização. O espaço deve ser livre para o fluir da mercadoria. O turismo reflete bem este quadro, pois como subproduto da circulação de mercadorias, a circulação humana resume-se fundamentalmente no lazer de ir ver o que se tornou banal. A mercadoria incorporou a cultura como mais um de seus produtos na sociedade do espetáculo. Sendo a esfera geral do conhecimento e das representações do vivido, a cultura ganha independência e inicia um movimento imperialista de enriquecimento, levando ao declínio de sua liberdade e autonomia. A cultura tornou-se a mercadoria vedete na sociedade espetacular. O espetáculo é ideologia por excelência, pois expõe e manifesta em sua plenitude a essência de todo o sistema ideológico: o empobrecimento, a sujeição, a negação da vida real. O espetáculo é a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem. O espetáculo conserva e impõe ao mesmo tempo no pseudoconcreto de seu universo, os caracteres ideológicos do materialismo – que concebe o mundo como representação – e do idealismo – por meio da mediação técnica de signos e sinais, que materializam um material abstrato. O espetáculo vem representar o apagamento dos limites do eu e do mundo pelo esmagamento do eu que a presença – ausência do mundo assedia. É também a supressão dos limites do verdadeiro e do falso pelo recalcamento de toda verdade vivida, diante da presença real da falsidade garantida pela organização da aparência. 4. NOVOS SISTEMAS DE FUGA DA REALIDADE O mundo restou virtualizado. Cada vez mais as relações deixam de ser pessoais e passam a ser estabelecidas numa outra dimensão, onde o contato físico é substituído pela tecla e tela do computador pessoal. O início dessa revolução foi com o advento da televisão, que trancafiou as pessoas na sua frente e as algemou ao controle remoto. As pessoas perderam diversos hábitos de relacionamento, como encontros para discussão de temas polêmicos, reuniões familiares e agrupamentos de amigos. A verdade legítima passou a ser aquela divulgado pela telinha, as discussões agora são as relações que acontecem na novela, o modelo a ser seguido é o propalado pelos atores, 8161 os gostos são os ditados pelos programas de auditórios e as informações são apenas as divulgadas nos telejornais. Tudo que se encontra fora da televisão não está no mundo. Mas a televisão viu surgir, na década de noventa do século passado, um concorrente a altura e de peso. A propagação da rede mundial de computadores, internet, fez aparecer um novo tipo de escravo alienado, aquele que passa o dia em frente a um personal computer. A comunicação via redes interligadas como uma teia roubou diversos clientes da televisão e operou de modo mais eficiente ainda, criando simulacros e espetacularizando com mais intensidade a vida. A rede internet trouxe outros tipos de fuga da realidade. Prolifera-se a manifestação de informações falsas, errôneas, confusas, alarmistas e mentirosas. Atingindo um número incontável de pessoas, a veiculação de notícias via web precisa constantemente ser confirmada por outros sítios eletrônicos. São histórias que já viraram verdadeiras lendas na internet. É a difusão de falsos vírus, de acontecimentos que não existiram, de pessoas que não morreram. O sítio Quatro Cantos tem um portal dedicado exclusivamente a desvendar este tipo de informação e alertar o usuário. O novo espaço cibernético tende a inscrever na sua estrutura virtual o espaço da vida, abrangendo todos os locais, como o espaço da visão e das paixões. A tendência é a fusão das máquinas com as paixões, por meio da imagem, mostrando que a resposta passa pela divisão, pela desagregação, pelos pequenos vincos que se possa fazer nessa superfície extensa e ligada do ciberespaço. Um novo tipo de realidade virtual apareceu em 1999. Um verdadeiro mundo virtual foi criado, vendendo-se a possibilidade de poder ser quem se quiser ser. É mais uma possibilidade de as pessoas comuns exporem a sua intimidade, mesmo que falsa. A vida real foi totalmente transportada para uma vida imaginária, totalmente virtual, idealizada como a verdadeira vida física nunca poderia proporcionar. É um processo de esquecimento do ser, consistindo num veículo que produz uma experiência irreal, mas efetivamente vivida pelos indivíduos como certa, num ambiente onde no seu interior a existência passa a ser cotidianamente construída, desconstruída e reconstruída. Este novo universo ganhou o nome de Second Life. Não se trata da exteriorização de uma interioridade, uma vez que, tendo se constituído, decide se expor. Mas antes, é uma subjetividade que se constitui no ato de se fazer visível ao outro, como exterioridade. É a subversão do sentido de intimidade e exterioridade. Neste ambiente, a intimidade se volta para fora, num movimento de conquista de um olhar alheio que lhe proporcione a visibilidade requerida para a sua constituição e sentido, quando neste momento a intimidade passa a constituir uma matéria artificialmente assistida e produzida na presença explícita do olhar do outro. Um mundo que imita integralmente a vida. Assim pode ser definido o Second Life. Inclusive esta “nova” Terra sofre com problemas de governança, onde seu administrador já foi chamado de ditador benevolente. Composto por regras próprias, este jogo em forma de produçãode uma nova sociedade tem atraído todas as atividades desenvolvidas no mundo de verdade. Existe uma moeda de troca, chamado de Linden Dollars. Hoje este espaço virtual universalizado possui mais de dois milhões de residentes. Tem movimentado diariamente mais de US$ 1.000.000,00. Neste mundo é 8162 possível adquirir bens. Inclusive já fez sua primeira milionária, Anshe Chung, um dos avatares do Second Life. É a nova sensação do momento. Nesta comunidade virtual a vida é reproduzida fielmente, além de serem criadas situações surrealistas, fictícias ou que já estejam prevendo como será o futuro. Formado por gráfico incrementados, o Second Life, parece um jogo tridimensional, mas “lá dentro” é possível conversar e interagir com outras pessoas é possível freqüentar bares, fazer compras em lojas, visitar parques e conhecer outros lugares criados exclusivamente para este mundo virtual. Para “nascer” neste universo virtual paralelo, é preciso configurar seu avatar, que pode assumir um personagem homem ou mulher, com todas as suas características que serão desenhadas pelo usuário. A interação é bem realista, bastando se aproximar de um outro avatar e digitar algumas palavras para iniciar uma conversa. É possível ainda gritar, gesticular, manter bate papos reservados e trocar cartões pessoais. Neste mundo as atividades e eventos variam enormemente, como no mundo real. Existem listas de festas e encontros realizados diariamente, pode-se ir a uma boate ou a um bar, pode-se fazer um encontro de pára-quedistas, que fazem fila para saltar de um avião simulado, ou ainda desfrutar fantasias eróticas, quando uma casa noturna realiza um concurso de topless, oferecendo premio em dinheiro, inclusive. Outras finalidades são previstas por esta nova plataforma de comunicação. Mesmo sendo administrado por uma empresa privada, o mundo criado em Second Life também tem sido visado para formulação de pesquisa acadêmica e políticas públicas urbanas. Um centro de pesquisa ligado a uma Faculdade de Direito criou um ciberespaço chamado de Ilha da Democracia. Seu objetivo é estimular os avatares a personalizar a área com suas sugestões e criatividade. Os mentores do projeto vão guardando todas as idéias numa base de dados, e deste modo pretendem analisar formas de autogovernança, lançamento de novos produtos, pesquisas de opinião, entre outras. Um dos maiores receios, entretanto, será a dificuldade em avaliar se o Second Life poderá realmente se tornar fonte de pesquisa, principalmente devido ao desvio de comportamento gerado pelas identidades virtuais, que estão em habitats onde tudo pode acontecer. Outra possibilidade criada pelo programa é a prática do turismo. Por estar constantemente sendo construído pelos próprios usuários, há nesta comunidade virtual lugares curiosos, exóticos e surpreendentes para se explorar. É possível encontrar ilhas paradisíacas, chalés nas montanhas, cassinos e shopping centers. Para prática do turismo pode-se comprar ou alugar aeronaves e embarcar em excursões pré-programadas com destino a alguns pontos turísticos interessantes. Independente desta opção, todos podem voar e se teletransportar por conta própria. Quem parece estar mais interessado em freqüentar este mundo virtual é o mercado. Já são diversas as empresas que compraram espaços imóveis e utilizam este ambiente para as mais diversas finalidades. A Adidas criou uma loja exclusivamente para lançamento de seu novo tênis. Sua estratégia é permitir que os avatares dêem enormes saltos virtuais e comprem uma versão do tênis feita de bits. A Nissan promoveu campanha de seu novo veículo, o Sentra, por meio da aquisição de uma ilha. Contratou programadores e criou um circuito virtual, elaborou carros digitais onde os avatares pudessem dirigir, além de painéis e outras ações promocionais, encorajando visitantes a sua ilha. A MTV 8163 lançou o Virtual Laguna Beach, onde fãs de seus programas podem passear pelos sets virtuais. Reebok, Nike, Amazon e American Apparel montaram lojas para vender versões digitais e reais de seus produtos. A IBM parece ser a empresa mais interada ao ambiente virtual Second Life. Prevendo um investimento de US$ 10 milhões em 12 meses, seu objetivo é reforçar a presença lá dentro. O primeiro passo é ampliar os laços institucionais. Recentemente a empresa promoveu um encontro nesta simulação do mundo real com a participação de 7 mil funcionários. A IBM tem usado o habitat para treinamento e simulações. Sua meta comercial é desenvolver uma intranet 3D privada, para discussão de informações de negócios e fortalecer o chamado v-businnes, ou virtual businnes, inclusive já tendo realizado encontros com vinte dos seus maiores clientes. 5. VIVENDO O SIMULACRO NO ESPETÁCULO A contemporaneidade dos ensinamentos de Guy Debord e Jean Baudrillard impressionam. Apontando características daquela sociedade indicaram os acontecimentos que estavam por acontecer. O advento de universos virtuais completa agora dez anos de existência, fidedignamente reproduzindo e criando novas possibilidades de existência social. O primeiro protótipo de um universo virtual paralelo apareceu em 1999, chamado Active Worlds. Ainda persiste, mas o Second Life apareceu como a grande sensação deste século. Em que pese os veículos analisados pelos autores para comprovar suas teorias, como a televisão, a medicina, a mercadoria, as guerras, a corrida espacial, o trabalho, a globalização, a religião, a ciência, os escândalos políticos, o mass media e a publicidade, este novo universo veio desbancar todos estes e reafirmar o poder de suas idéias. Se a proposta e as intenções da Linden Lab realmente se confirmarem, todos serão obrigados a despir a sua verdadeira identidade e assumir avatares. O mundo real será efetivamente o mundo virtual, onde será possível ser quem se quiser, fazer o que se desejar e simular o que a criatividade permitir. Não haverá limites. Não haverá mais no que acreditar ou confiar. Tudo será representação ou simulação, não de algo real, pois este deixará de existir, mas de algo que a nossa capacidade considerar e desejar como real. Simulação e dissimulação se imbricarão e no fundo perderão sentido, pois não havendo realidade, não haverá o que fingir não ter o que se tem ou fingir ter o que não se tem, visto que tudo pode se ter. Neste ambiente, muito mais que ter, o importante é parecer. Como os avatares assumem as feições mais esdrúxulas possíveis, a imagem torna-se a principal referência e revela toda a pseudopersonalidade deste ser simulado. Seguindo fielmente a transformação da realidade em hiperrealidade proposta por Baudrillard, a comunidade virtual já operou automaticamente o processo de dissuasão, transfigurando os estados em duas realidades, neste caso, simulacro de realidade. A 8164 materialidade perde totalmente o sentido e finalidade, sendo radicalmente substituída por signos sem referência, visto que esta se perdeu antes mesmo do processo de construção da hiperrealidade. O princípio da verdade, que já havia sido destronado, agora é apagado, enterrado e velado. O deserto do real some completamente, sem deixar vestígios ou rastros. A cenificação é sucedida pelo duplo operativo de todas as coisas, onde no ambiente virtual a reprodução é muito mais intensa, muito menos real e muito mais simulada. Não há porque haver confusão. A cópia não é mais da realidade, mas sim a própria imagem dissuadida. Percebe-se que Debord estava certo ao afirmar que em nosso tempo há uma preferência da imagem a coisa real, da representação a realidade, da aparência ao ser. O universo de mundo virtual cria um novo tipo de relação social, congregando vários usuários no ciberespaço. A necessidade de comunhão e interação comunitária do ser humano permanece, entretanto o ser físico foi trocadopor uma imagem, um signo, um avatar. Neste contexto não há mais separação entre realidade e imagem. Tudo agora é imagem. Tudo agora é espetáculo. Tudo agora é simulacro. O espetáculo finalmente ganhou seu palco efetivo e verdadeiro. O Second Life é o espetáculo vivo, onde as realidades individuais são permitidas justamente por aparecer aquilo que não são. As imagens são seres reais, interagindo profunda e realisticamente, como um simulacro de intenções e desejos. A fábula da representação ocupa o lugar que antes pertencia ao real, tornando a abstração o modo de ser. O ser humano, preterido a sua imagem, não vive mais, não compartilha mais, encarcerado no mundo da ilusão e alienação. A mercadoria assume de vez a sua missão de ordenadora do mundo espetacular. A imagem produzida vira uma mercadoria. Tudo que está no novo mundo virtual é mercadoria. Tudo pode ser vendido, trocado, alugado. Todos os espaços são ocupados pela mercadoria, que tudo regula e tudo padroniza. E na sua missão, nos ilude separando e afastando o homem do homem. Apaga os limites do eu e do mundo, onde o virtual agora é o real garantido pela organização da aparência. 6. FINALMENTES No mundo invertido, a verdade é um movimento do que é falso. O espetáculo é a principal produção da sociedade atual. Com a internet, esta produção foi potencializada. Esta recente ferramenta de comunicação e interação está revolucionando o mundo. Entretanto, suas estruturas permanecem fragilizadas e monopolizadas. A rede mundial de computadores é governada por uma empresa privada norte americana, a Icann, que tem um acordo com o governo local. Em recente discussão junto a Organização das Nações Unidas, países emergentes como Brasil, Índia e China reivindicaram a transferência da gestão da rede para um organismo supra nacional, composto por representantes de diversos países e empresas. O órgão 8165 ligado a ONU responsável pelo tema, a União Internacional de Telecomunicações praticamente ignorou a demanda e postergou qualquer decisão para outra oportunidade. O Second Life tende a transformar o mundo virtual no local de vivência dos seres humanos no futuro. Representando a ponta de um gigante iceberg, a tecnologia de simulação virtual de situações reais pode vir a se tornar num dos eventos mais importantes para a internet e para a sociedade. Por não apresentar limites do que possa ser criado e construído, essa plataforma virtual gera expectativas positivas e negativas. Ao mesmo tempo que amplia as possibilidade de comunicação, interação, aplicação da criatividade, reproduz com maestria e perfeição a sociedade espetacular mediada por signos e imagens. Os usuários são mercadorias mergulhados nos mais diversos produtos, a procura das mais diversas sensações. Afastando-nos da realidade, produz a sua própria realidade espetacular. O conjunto dos conhecimentos que continua a se desenvolver atualmente como pensamento do espetáculo deve justificar uma sociedade sem justificativas e constituir- se em ciência geral da falsa consciência. É a existência social que determina a consciência social dos homens e não o contrário. Não há como dominar a consciência dos povos enquanto mais e mais são arrastados pela exploração. Em outro turno, a consciência social atua sobre a vida social que a engendrou e ao enfrentar condições sociais adversas, as opiniões, idéias e teorias revolucionárias surgem produzidas e sistematizadas por milhões de homens. Por não serem espontâneas, mas organizadas, as idéias podem se transformar em ação, força, tradição e poder. Desmantelar sucessivamente os mecanismos da sociedade do espetáculo que unificam a circulação das mercadorias em torno das imagens que dominam os mundos virtuais é algo por si valioso como contraposição à alienação contemporânea. É evidente que nenhuma idéia pode levar além do espetáculo existente, mas apenas além das idéias existentes sobre o espetáculo. Para destruir a sociedade do espetáculo, é preciso que os homens ponham em ação uma força prática. Para tanto, necessário se faz uma auto-emancipação. É preciso emancipar-se das bases materiais da verdade invertida. É preciso instaurar o princípio da verdade no mundo. REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. Cultura y simulacro. Barcelona: Kairós, 1978. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. BAUDRILLARD, Jean. Cultura y simulacro. Barcelona: Kairós, 1978. p. 15. Id., ibid., p. 20. Id., ibid., p. 25. Id., ibid., p. 28. 8166 Id., ibid., p. 31. Id., ibid., p. 35. Id., ibid., p. 48. Id., ibid., p. 55. Id., ibid., p. 58. Id., ibid., p. 62. Id., ibid., p. 69. Id., ibid., p. 73. Id., ibid., p. 75. Id., ibid., p. 81. Id., ibid., p. 94. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. p. 25. Id., ibid., p. 34. Id., ibid., p. 47. Id., ibid., p. 61. Id., ibid., p. 79. Id., ibid., p. 88. Id., ibid., p. 94. Id., ibid., p. 102. Id., ibid., p. 125. Id., ibid., p. 149. Id., ibid., p. 151. Disponível em: <http://www.quatrocantos.com/lendas/>. Acesso em: 15 jan 2008. MIRANDA, José Bragança de. 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Acesso em: 15 abr 2008. Adidas abre loja no mundo virtual Second Life. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/tecnologia /informatica/noticias/2006/set/22/200.htm>. Acesso em: 15 jan 2008. Um mundo virtual, mas com dinheiro real. Atrás de consumidores, empresas como Sony, Nissan e Adidas investem na realidade virtual. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Negocios/0,,AA1320262-5600,00.html>. Acesso em: 15 jan 2008. IBM fortalece presença em mundo virtual Second Life. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ ult124u20955.shtml>. Acesso em: 10 ago 2009. Disponível em: <http://www.worlds.com/>. Acesso em: 15 jan 2008. ONU descarta mudar controle da internet. Disponível em: <http://www.mundoinfo.com.br/informatica/noticias/noticias/principal?codnoticia=07- 1301-onu&princ=07-0101-internet2007>. Acesso em: 15 jun 2008. DEBORD, op. cit. p. 166. MIRANDA, op. cit. 8168 FRIDMAN, Luis Carlos. Imagens e subversões. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S 0104- 59701998000200012>. Acesso em: 05 jul 2008.
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