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Ética Geral/ Profissional Sônia Maria de Almeida Figueira Adaptada/Revisada por Sônia Maria de Almeida Figueira (setembro/2012) APRESENTAÇÃO É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Ética Geral/Profissio- nal, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autô- nomo que a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apresentação do conteúdo básico da disciplina. A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis- ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail. Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informação e documentação. Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple- mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal. A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar! Unisa Digital SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 5 1 COMPREENDENDO O HOMEM COMO SER SOCIAL ..................................................... 9 1.1 Alienação .........................................................................................................................................................................10 1.2 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................12 1.3 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................12 2 AS QUESTÕES ÉTICO-MORAIS ................................................................................................... 13 2.1 Moral e Ética ...................................................................................................................................................................14 2.2 A Moral na História .......................................................................................................................................................16 2.3 A Ética ................................................................................................................................................................................17 2.4 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................19 2.5 Atividade Proposta .......................................................................................................................................................19 3 A ÉTICA PROFISSIONAL .................................................................................................................. 21 3.1 A Ética e o Serviço Social ...........................................................................................................................................22 3.2 Os Códigos de Ética do Serviço Social ..................................................................................................................23 3.3 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................29 3.4 Atividade Proposta .......................................................................................................................................................30 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 31 RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 33 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 35 Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 5 INTRODUÇÃO Neste texto vamos falar de Ética e Serviço Social, ou seja, vamos tratar das questões relacionadas à Ética na sociedade em que vivemos, bem como da Ética Profissional do Serviço Social. Vamos discutir o conceito de ética e, para desvendá-lo, teremos que necessariamente adentrar no campo das objetivações ético-morais: a moral, o conhecimento ético e a práxis ética. O domínio desse conceito possibilita ao Assistente Social compreender a ética profissional não simplesmente como um código de condutas ou um conjunto de regras e princípios que regem a con- duta profissional, mas como um posicionamento na sociedade que define e norteia o seu compromisso profissional. O compromisso seria uma abstração, se não envolvesse a decisão de quem o assume se não acon- tecesse de modo objetivo e concreto. O compromisso não é qualquer ato que praticamos, assim como não é qualquer indivíduo que é capaz de comprometer-se. Ao compreendermos a natureza do ser que é capaz de se comprometer, estaremos nos aproximando da compreensão do que seja o ato comprome- tido. Segundo Paulo Freire (2003, p. 16), a primeira condição para que um ser possa assumir um ato com- prometido está em ser capaz de agir e refletir. É preciso que seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar, é capaz sem dúvida, de ter consciência desta cons- ciência condicionada. Quer dizer, é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo, que condiciona sua consciência de estar. Freire (2003) continua, afirmando que a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mun- do, associada à sua ação sobre o mundo, só existe se esse ser “distanciar-se” da realidade concreta para admirá-la e, assim, transformá-la. E, somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de “distanciar- -se” dele para ficar com ele, admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação, um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isso, de comprometer-se. Um ser a-histórico não pode comprometer-se. E este ser é o homem, não um homem abstrato, mas um homem concreto, que existe numa situação concreta. E é exatamente a capacidade de esse homem atuar e refletir, operar, transformar a realidade de acordo com finalidades propostas, à qual está associada sua capacidade de refletir, que o faz um ser da práxis, no dizer de Paulo Freire. Paulo Freire e Maria Lucia Barroco orientarão nossas reflexões neste texto. De Freire recorreremos às obras: Educação como prática para a liberdade, Pedagogia do oprimido e Educação e mudança. De Barroco, utilizaremos como norteador do pensamento aqui apresentado a obra Ética – Fundamentos sócio-históri- cos, complementada por Ética e serviço social – Fundamentos ontológicos. Barroco é autora também, com Sylvia Helena Terra, do Código de Ética do/a Assistente Social Comentado, publicado pelo Conselho Federal Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 6 de Serviço Social (CFESS). Nessa obra as autoras comentam o Código, seus fundamentos sócio-históricos, ontológicos e as possibilidades de efetivação do mesmo na nossa sociedade. Utilizaremos também todos os Códigos de Ética que o Serviço Social teve até o momento, especial- mente o Código vigente. Diante disso, faz-se necessário conhecerum pouco melhor esses autores que nos acompanharão ao longo deste texto. Paulo Freire marcou profundamente a formação de muitos intelectuais brasileiros e é referência na formação dos Assistentes Sociais que têm um compromisso com os homens e com a sociedade. Maria Lúcia Barroco tem sido referência para os Assistentes Sociais nas reflexões no campo da ética e vem preencher uma lacuna, um vazio persistente por tantos anos na produção acadêmica sobre essa temática no Serviço Social. Os estudos voltados a esse tema sempre foram muito escassos no Servi- ço Social. Paulo Freire Fonte: http://accosta.wordpress.com/2009/02/14/australia-aprende-licoes-de-paulo-freire/. Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no Recife, Pernambuco. Ele foi quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola a criador de ideias e “métodos”. Sua filosofia educacional expressou-se primeiramente em 1958, na sua tese de concurso para a universidade do Recife, e, mais tarde, como professor de História e Filosofia da Educação daquela Universidade, bem como em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos (RN), em 1963. Pôs em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo de conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição dos instrumentos de leitura e escrita quanto para a sua libertação. Para ele, educar era, sobretudo, discutir as condições materiais de vida do Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 7 trabalhador comum. Sua primeira experiência como professor universitário foi na Escola de Serviço So- cial, lecionando Filosofia da Educação. Doutorou-se em Filosofia e História da Educação em 1959, com a tese “Educação e atualidade brasileira”. Paulo Freire viveu intensamente seu tempo e o ambiente histórico-político entre a Revolução de 30 e o Golpe Militar de 64. É nesse período que nasceu e se consolidou a essência de sua obra. Foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), no qual, ao lado de outros intelectuais e do povo, trabalhou para assegurar a inserção crítica e transformadora das classes oprimidas na sociedade brasileira, a partir da cultura popular. Após seu retorno do exílio, lecionou na Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp), em Campinas, e logo depois ingressou no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Maria Lúcia Barroco Fonte: http://servicosocialportugues.blogspot.com/2009/04/cientista-brasileira-da-puc-sp-maria.html. Maria Lúcia Silva Barroco formou-se assistente social em 1982, titulando-se doutora em Serviço Social pela PUC-SP em 1997, com a tese: “Ontologia social e reflexão ética”, orientada pelo Prof. Dr. José Paulo Netto. Na PUC-SP, dedica-se ao ensino da ética e dos fundamentos filosóficos para o Serviço Social. Coor- dena o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ética e Direitos Humanos (NEPEDH), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social. Atualmente desenvolve as pesquisas: “Os fundamentos ético-políticos do neoconservadorismo” – tema de seu pós-doutorado realizado em 2007, em Portugal, na Universida- de de Lisboa, sob orientação do Prof. Dr. José Barata Moura – e “A produção da ética no Serviço Social brasileiro”. Foi membro da Comissão de Ética e Direitos Humanos do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) de 1996 a 2002. É um dos expoentes da discussão ética no Serviço Social. Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 9 Para adentrarmos na discussão sobre éti- ca, faz-se necessário entendermos o homem en- quanto um ser social, um ser que vive em socie- dade, em relação com outros seres. O homem é um ser natural como os demais seres vivos, porém se constrói como um ser com- plexo, um ser social, e nessa construção vai mol- dando sua natureza social, como afirma Barroco (2009, p. 19), na medida em que vai construindo mediações: Enquanto o animal se relaciona com a natureza a partir do instinto, o ser social passa a construir mediações – cada vez mais articuladas -, ampliando seu domí- nio sobre a natureza e sobre si mesmo. Desse modo, sem deixar de se relacionar com a natureza – pois precisa dela para se manter vivo – vai moldando sua natureza social. Nesse processo de construção do ser so- cial o homem estabelece seu próprio processo de humanização, ou seja, o homem, sem se dis- tanciar da natureza, desenvolve um processo de autoconstrução como ser específico. Como afirma Barroco (2009), a atividade animal é limi- tada, instintiva e imediata, enquanto a atividade humana estabelece mediações para responder às carências de forma consciente, racional, projetiva. Segundo Marx (apud BARROCO, 2009), o animal também produz, porém sua produção visa a sa- tisfazer as necessidades imediatas, necessidades físicas, suas ou de sua cria, enquanto a produção COMPREENDENDO O HOMEM COMO SER SOCIAL1 humana se dá independentemente de sua neces- sidade imediata, se dá de modo consciente, uni- versal. Essa produção humana, segundo Lukács (1979), é o trabalho, que é o ponto de partida da humanização do homem e do refinamento de suas faculdades. Mas quem é Lukács? Vamos conhecer um pouco mais sobre esse importante pensador. Georg Bernhard Lukács Von Szegedin foi um filósofo e crítico húngaro de origem judaica de grande importância no século XX. Nasceu no bairro de Leopolstadt, em Budapeste em 1885, dois anos após a morte de Marx e ainda em vida de Engels. Faleceu em 1971. Ingressou no Partido Comunista Húngaro em 1918 e tornou-se, no pós 2ª guerra, uma espécie de porta-voz do marxismo intelectual. Ficou conhecido por ter elaborado uma teoria marxista da arte e por isso é chamado de o Marx da estética. Contudo, é o autor que ex- põe a concepção de ideologia como complexo da vida social, fundada no trabalho como modelo de toda práxis humana. O trabalho tem um papel central na consti- tuição do ser social. Marx (BARROCO, 2001) afirma que o trabalho é o fundamento ontológico1 do ser social, pois permite o desenvolvimento de media- ções que instituem a especificidade do ser social quando comparado a outros seres da natureza e essas mediações são construídas no processo his- tórico de sua autoconstrução pelo trabalho. 1 Ontologia significa “conhecimento do ser” e trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes e das questões metafísicas em geral. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum, que é inerente a todos e a cada um dos seres. Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 10 Ou seja, o homem enquanto ser social se constitui a partir do trabalho, das relações que se estabelecem em sua inserção no trabalho, e guar- da relação com o lugar que ocupa nessas relações de trabalho. Portanto, o ser social carrega a marca da sociedade a partir da qual ele se constitui e do modo de produção que nela predomina. Logo, podemos concluir que na sociedade capitalista em que vivemos o ser social é constituído e guar- da correspondência com as relações que se esta- belecem nesse modo específico de produção. O trabalho não é resultado de uma ação individual, mas das relações que se estabelecem entre homens. O trabalho se objetiva socialmente de modo determinado e corresponde à realidade sócio-histórica em que ele acontece. E essas rela- ções determinadas pelo trabalho, pelo modo de produção, determinam as demais relações que se estabelecem na vida social. AtençãoAtenção Este conceito é importante e precisamos tê-lo bem claro: o trabalho é o fundamento ontológi- co do ser social. O homem enquanto ser social se constitui a partir do trabalho. A produçãoé uma atividade social. Segun- do Iamamoto e Carvalho (1988), para produzir e reproduzir os meios de vida e de produção, os homens estabelecem determinados vínculos e relações mútuas, através dos quais exercem uma ação transformadora da natureza, ou seja, reali- zam a produção. A produção do indivíduo é uma abstração e essa produção, que é social, acontece em con- dições historicamente determinadas. O processo capitalista de produção marca uma determinada maneira de se produzir e, nesse processo, se re- produzem também as ideias e as representações. Na sociedade capitalista, em que a apro- priação dos meios de produção é privada, o tra- balho se materializa a partir da venda da força de trabalho, entendida também como uma merca- doria. O trabalhador se vê obrigado a vender a única mercadoria que possui, que é a sua força de trabalho, visto que, sem a detenção dos meios de produção, essa mercadoria só existe poten- cialmente, não sendo capaz de se materializar; só sendo consumida a força de trabalho cria valor. No processo de trabalho, a força de trabalho con- sumida pertence ao capitalista, que a comprou, assim como os meios de produção. 1.1 Alienação O produto do trabalho produzido social- mente é apropriado, de modo privado, por aque- les que são os detentores dos meios de produção, ou seja, assim como o trabalho é propriedade do capitalista, também o é o que resulta do trabalho e, desse modo, o trabalhador não se reconhece no produto de seu trabalho. Este é o princípio da alienação e da transformação do trabalhador em objeto comprado pelo capital, negando sua con- dição de sujeito. Como afirma Iamamoto e Carvalho (1998, p. 47), no processo de produção capitalista, “a classe trabalhadora cria, pois, em antítese consigo mes- ma, os próprios meios de sua dominação, como condição de sua sobrevivência.” O trabalhador fica alheio ao processo de produção na medida em que não tem a proprie- dade dos meios de produção, não detém o con- trole do processo de produção e não se apropria do produto final de seu trabalho. O trabalhador se aliena do objeto que ele mesmo criou. Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 11 Tá vendo aquele edifício moço?/ Ajudei a levantar/ Foi um tempo de aflição/ Eram quatro condução/ Duas pra ir, duas pra voltar/ Hoje depois dele pronto/ Olho pra cima e fico tonto/ Mas me chega um cidadão/ E me diz desconfiado, tu tá aí admirado/ Ou tá querendo roubar?/ Meu domingo tá perdido/ Vou pra casa entristecido/ Dá vontade de beber/ E pra aumentar o meu tédio/ Eu nem posso olhar pro prédio/ Que eu ajudei a fazer. Tá vendo aquele colégio moço?/ Eu também trabalhei lá/ Lá eu quase me arrebento/ Pus a massa fiz cimento/ Ajudei a rebocar/ Minha filha inocente/ Vem pra mim toda contente/ Pai vou me matricular/ Mas me diz um cidadão/ Criança de pé no chão/ Aqui não pode estudar/ Esta dor doeu mais forte/ Por que que eu deixei o norte/ Eu me pus a me dizer/ Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava/ Tinha direito a comer. Tá vendo aquela igreja moço?/ Onde o padre diz amém/ Pus o sino e o badalo/ Enchi minha mão de calo/ Lá eu trabalhei também/ Lá sim valeu a pena/ Tem quermesse, tem novena/ E o padre me deixa entrar/ Foi lá que cristo me disse/ Rapaz deixe de tolice/ Não se deixe amedrontar. Fui eu quem criou a terra/ Enchi o rio fiz a serra/ Não deixei nada faltar/ Hoje o homem criou asas/ E na maioria das casas/ Eu também não posso entrar. Fui eu quem criou a terra/ Enchi o rio fiz a serra/ Não deixei nada faltar/ Hoje o homem criou asas/ E na maioria das casas/ Eu também não posso entrar. A música Construção, de autoria de Lúcio Barbosa e Zé Geraldo, ilustra com clareza essa realidade: Essa cisão entre sujeito e objeto leva a uma relação de estranhamento do homem com rela- ção ao produto de seu trabalho. O produto gera- do nas relações de trabalho no processo de pro- dução capitalista não é tido como resultado da ação de indivíduos singulares, mas de indivíduos genéricos. Essa coisificação das relações sociais e esse estranhamento do homem em relação ao produ- to de seu trabalho dão ao produto, ao objeto pro- duzido, um valor como se ele fosse independente da atividade humana; é a autonomia das coisas produzidas e a total dependência dos homens, que só conseguem produzir se “venderem” aquilo que lhes pertence, que é sua força de trabalho. A força de trabalho na sociedade capitalis- ta só se materializa quando não mais pertence a seu dono, ou seja, quando é transformada em um objeto comprado pelo capital. Esta é a grande AtençãoAtenção Um conceito importante, que deve ser apreendi- do é: a cisão entre sujeito e objeto leva a uma re- lação de estranhamento do homem com relação ao produto de seu trabalho. contradição presente nas relações de produção capitalistas. Essa alienação própria da sociedade capita- lista marca todas as dimensões da vida social e a constituição do ser social. Barroco (2001, p. 35) afirma que todas as atividades humanas contêm uma relação de valor; são orientadas, às vezes, por mais de uma, mas, dada a cen- tralidade da produção material efetuada pela práxis produtiva, o valor econômico tende a influenciar todas as esferas. Na sociedade capitalista, os valores éticos, estéticos, tendem a se expressar como valores de posse, de consumo, reprodu- zindo sentimentos, comportamentos e representações individualistas, negado- ras da alteridade e da sociabilidade livre. O ser social de que estamos falando é o re- sultado dessa complexidade, desse processo de autoconstrução como ser específico. O que o ca- racteriza são as construções sócio-históricas que o determinam e essas construções são complexas e contraditórias. A atividade dos animais é limita- da, enquanto a atividade humana é complexa. Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 12 Vimos neste capítulo que o homem é um ser social e como tal vai moldando sua natureza social. Enfatizamos também que é nesse processo de construção do ser social que o homem estabelece seu próprio processo de humanização. Observamos também que o trabalho é o ponto de partida da huma- nização do homem e do refinamento de suas faculdades, e que, consequentemente, o trabalho ocupa um papel central na constituição do ser social. Podemos, portanto, afirmar que o homem enquanto ser social se constitui a partir do trabalho. Neste capítulo, foi apresentado também o conceito de alienação, que vem desse processo de traba- lho em que o trabalhador fica alheio ao processo de produção na medida em que não tem a propriedade dos meios de produção, não detém o controle do processo de produção e não se apropria do produto final de seu trabalho. 1.2 Resumo do Capítulo 1.3 Atividades Propostas Para firmar os conteúdos deste capítulo, reflita sobre as duas questões a seguir: 1. Por que o ser não é uma categoria abstrata? 2. A produção é uma atividade social? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 13 Vamos ver, agora, como esse homem, que é um ser social como acabamos de ver, constitui-se como um ser ético. Apesar dos condicionamentos, o homem pode reagir, ele não é apenas um ser receptor e passivo, pois ele é capaz de se questionar so- bre como agir. Diante das situações que lhe são apresentadas, o homem se pergunta: “o que devo fazer?”. Isso evidencia a sua capacidade de auto- determinação e, consequentemente, evidencia a sua capacidade de se responsabilizar pelas conse- quências das decisões que toma. Esse ser social tem, portanto, as potenciali- dades para se objetivar como um ser ético, um ser ético-moral. Vamos ver, então, quais são as parti- cularidades desse modo de ser, ou seja, esse con- junto de modos de ser ético-morais desenvolvido historicamente pelos homens.Segundo Barroco (2009), esse conjunto é constituído basicamente por: pelo sujeito ético-moral; pela moral; pelo conhecimento ético; pela práxis ético-política. Barroco (2009) afirma que o sujeito ético- -moral é socialmente considerado capaz de res- ponder por seus atos, ou seja, é capaz de discernir entre o certo e o errado, o bom e o mau, enfim, é capaz de discernir entre valores; pode-se afirmar que esse sujeito tem uma consciência moral. Consciência moral é exatamente a capa- cidade para reconhecer valores, preceitos, leis e a aplicação dos mesmos em uma determinada ação. É o que nos faz distinguir o certo do errado, AS QUESTÕES ÉTICO-MORAIS2 ou seja, reflete sempre os valores ou as normas sociais. Mas pesquise um pouco mais sobre esse conceito, tente se aprofundar na compreensão do que seja consciência moral. Esse sujeito ético-moral é aquele capaz de avaliar as consequências de seus atos e o impac- to destes nos outros indivíduos. Nesse sentido, a moral supõe o respeito ao outro e a responsabili- dade com as consequências e os resultados das ações para os outros indivíduos, para o grupo e para a sociedade como um todo. A ação ética só tem sentido se o indiví- duo sair de sua singularidade voltada exclusivamente pra seu ‘eu’ para se rela- cionar com o outro; é condição para tal [...] o ato moral supõe a elevação acima das necessidades, desejos e paixões sin- gulares, porque ele exige pensar no outro e sair da condição do indivíduo egoísta, voltado para si mesmo. (BARROCO, 2009, p. 58). Porém, faz-se necessário distinguir ética de moral, embora seja comum a identificação entre ambas. Tal identificação, segundo Netto (2009), não é desprovida de sentido, visto que no centro das discussões éticas encontram-se os valores, que estão no pano de fundo das discussões sobre a vida moral. Trata-se, então, de compreender o que é valor. AtençãoAtenção Então, o que é sujeito ético-moral? O sujeito ético-moral é socialmente considerado capaz de responder por seus atos, ou seja, é capaz de dis- cernir entre o certo e o errado, o bom e o mau, enfim, é capaz de discernir entre valores... Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 14 2.1 Moral e Ética Segundo Cortella e Taille (2005), moral diz respeito às normas, aos deveres, e ética diz respei- to à vida boa, à felicidade, ou seja, à coletividade, à universalidade. Os indivíduos têm a necessidade de orientar seu comportamento por normas, que são aceitas intimamente e reconhecidas como obrigatórias, agindo, portanto, moralmente. Por outro lado, para entender o processo que leva um indivíduo a respeitar determinados princípios e regras morais, é preciso conhecer sua perspectiva ética. Os fundamentos da ética são sociais e histó- ricos. Só o ser social age eticamente, uma vez que só ele é capaz de agir com consciência e liberda- de e, para tal, o Homem cria alternativas de valor, escolhe entre elas, incorporando-as nas suas fina- lidades. Numa sociedade complexa, caberia, por- tanto, ampliar as alternativas e as possibilidades de escolha, para, desse modo, nos aproximarmos mais daquilo que chamamos liberdade. Para Heller (apud Netto, 2009, p. 22) “valor é tudo aquilo que contribui para explicitar e para enriquecer o ser genérico do homem, entenden- do como ser genérico um conjunto de atributos que constituiriam a essência humana.” E esses atributos são: a objetivação, expressa pelo traba- lho, a sociabilidade, a consciência, a universalida- de e a liberdade. O indivíduo enquanto singularidade se re- laciona com o ser genérico, porém não direta e automaticamente; esta é uma relação que precisa necessariamente ser construída. Na vida cotidia- na, os indivíduos agem na sua singularidade, po- rém sua autêntica realização se dá quando essa AtençãoAtenção Não se esqueça disto: só o ser social age etica- mente, uma vez que só ele é capaz de agir com consciência e liberdade. singularidade é elevada à genericidade, como já discutimos. A moral é exatamente um sistema de costumes e de exigências que permite essa ele- vação, viabilizando a relação das várias esferas da vida dos indivíduos com a genericidade do ser social. Como já vimos, se o homem não pode viver fora da comunidade, se ele é necessariamente de- pendente dos demais, se é naturalmente um ser social, então sua vida é marcada por normas, re- gras e valores, que o fazem um ser da moral. E o que é, então, moral? Podemos afirmar, como Netto (2009), que moral é um sistema mutável, historicamente de- terminado, de costumes e imperativos que propi- ciam a vinculação de cada indivíduo, tomado na sua singularidade, com a essência humana histo- ricamente constituída e do ser social, tomado na sua universalidade. Por sua vez, a ética é a análise dos fundamentos da moral, levando a uma refle- xão filosófica ou metafilosófica. Vamos aprofundar um pouco nesses dois conceitos. Para Barroco (2001), a moral origina-se do desenvolvimento da sociabilidade, responde à necessidade prática de estabelecimento de nor- mas e deveres e, tendo em vista a socialização e a convivência social, possibilita a criação de um senso moral que, ao ser internalizado, transforma- -se em orientação de valor para o próprio sujeito e em juízo de valor diante dos outros sujeitos e da AtençãoAtenção Dois conceitos importantes: Moral é um sistema mutável, historicamente determinado, de costumes e imperativos que propiciam a vinculação de cada indivíduo com a essência humana historicamente constituída e do ser social. Ética é a análise dos fundamentos da moral, le- vando a uma reflexão filosófica ou metafilosófica. Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 15 sociedade. A moral é uma relação entre o indiví- duo singular e as exigências sociais, ou seja, uma relação da particularidade com a universalidade humana. A moral propicia a suspensão da sin- gularidade, que, se considerada em seus funda- mentos ontológicos, é parte da práxis interativa. É uma expressão da capacidade autorregulamen- tadora do ser social e supõe a adoção de valores e escolhas entre eles. A moral supõe o respeito ao outro (alteridade) e a responsabilidade em rela- ção aos resultados das ações para com os outros indivíduos e para com a sociedade em geral. Cabe salientar que nem todas as ações têm implicações morais, pois constantemente esta- mos fazendo escolhas, porém sem que neces- sariamente elas impliquem consequências para outras pessoas, nesse caso estamos falando de problemas práticos. Cabe, portanto, uma distin- ção entre problemas práticos e problemas morais. Defrontamo-nos rotineiramente com problemas práticos, que se nos são apresentados em nosso dia a dia e perante os quais fazemos escolhas, tomamos decisões que não afetam necessaria- mente outras pessoas. Por outro lado, deparamo- -nos com situações cujas decisões diante delas podem afetar um indivíduo (por exemplo: dizer a verdade ou mentir), em outros casos, atingem vários indivíduos ou grupos sociais (por exemplo: os soldados nazistas que executaram ordens de extermínio vindas de seus superiores) e, até mes- mo, decisões que podem afetar uma comunidade inteira. Porém, mesmo as decisões que não afetam a vida de outras pessoas e que, portanto, não têm implicações morais, muitas vezes são vistas como tal; nesse caso, podemos dizer que estão sendo julgadas de modo moralista. As atitudes moralis- tas, por sua vez, são fruto do papel da consciência no juízo de valor e do papel ideológico desempe- nhado pelos preconceitos morais, como afirma Barroco (2009). Nas decisões em que há implicações mo- rais, ou seja, afetam a vida de outras pessoas, os indivíduos têm a necessidade de pautar o seu comportamentopor normas que julgam mais apropriadas e que são aceitas intimamente e re- conhecidas como obrigatórias no meio em que vivem, conforme Vázquez (2004). Nessas deci- sões, dizemos que o homem age moralmente e seu comportamento é o resultado de uma deci- são refletida e não puramente espontânea. Essas decisões também estão sujeitas a julgamentos de valor, ou seja, os homens emitem juízos de valor de acordo com as normas estabelecidas naque- la sociedade. Portanto, temos comportamentos que chamamos morais e, por outro lado, temos juízos de valor, que aprovam ou desaprovam mo- ralmente esses atos, sempre a partir de determi- nadas normas. Esse conjunto de normas surge das neces- sidades históricas dos homens, visa a regular o comportamento dos indivíduos, tem a finalida- de de atender às necessidades de convivência na sociedade e também fornece os parâmetros para os juízos de valor que norteiam a consciência mo- ral dos indivíduos, compondo, assim, um código moral que se reproduz no cotidiano através dos hábitos e costumes, dando origem à moral como costume ou hábitos de conduta. Na medida em que os indivíduos incorpo- ram esses comportamentos, passam a reproduzi- -los espontaneamente e, desse modo, se tornam hábitos e se transformam em costumes, cumprin- do o papel de integração social. A reprodução es- pontânea evidencia que nem sempre, portanto, as escolhas significam um ato de liberdade. No cotidiano, os valores morais tendem a ser interio- rizados acriticamente, tornando-se hábitos por força da tradição. No cotidiano, as normas são interiorizadas e defendidas socialmente sem que necessariamen- te expressem uma adesão feita de maneira livre, pois, para que haja escolha livre, é preciso que haja alternativas, assim como o conhecimento crítico delas, ou seja, determinadas normas e va- lores podem ser legitimados sem que represen- tem um ato consciente, ou seja, sem que sejam livremente escolhidos. Portanto, podemos afirmar, como Barroco (2001), que a moral pode contribuir para a inte- gração social, viabilizadora de necessidades pri- vadas, alheias e estranhas às capacidades eman- Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 16 cipadoras do homem. A moral é perpassada por interesses de classe e por necessidades de repro- dução das relações sociais de um determinado modo de produção. Nesse caso, as escolhas são influenciadas por determinantes ideológicos coercitivos, que reforçam a dominação e, portan- to, não propiciam a liberdade. Na sociedade de classes, como sabemos, não são possíveis valores comuns que represen- tem unanimemente os interesses de todos os AtençãoAtenção É importante saber que a moral pode contribuir para a integração social, viabilizadora de necessi- dades privadas, alheias e estranhas às capacida- des emancipadoras do homem. membros da sociedade, separados por interesses divergentes. Logo, diante de valores heterogê- neos, surgem as transgressões das normas morais e, nesse caso, a moral surge como exigência de subordinação de indivíduos às exigências de in- tegração social à moral dominante. Na sociedade de classes, então, a moral se torna funcional à reprodução da moral dominan- te, sem, contudo, impossibilitar ações em outras direções, isto é, ações de contestações e de bus- cas de outras formas de objetivação moral. O con- flito presente na sociedade de classe se faz pre- sente também no que se refere à moral. 2.2 A Moral na História A organização social dos valores surge nas comunidades primitivas com a finalidade de in- tegração, na qual a moral apresenta ainda um nível de desenvolvimento bem restrito devido ao fato de os valores serem ainda relativamente homogêneos. Há, nesse período, uma moralida- de coletivista, baseada em valores solidários, pois havia pouca mobilidade dos indivíduos devido ao pequeno desenvolvimento da produção e das relações sociais. Os indivíduos eram então quase totalmente subordinados ao coletivo; pratica- mente não havia espaço para a individualidade; era fundamentalmente este o sentido da integra- ção social. Com o surgimento da sociedade de classes, evidenciam-se os antagonismos, fundados na propriedade privada, na divisão social do traba- lho e na exploração do trabalho, requerendo en- tão a função normativa da moral e esta assume formas ideológicas e contribui para a veiculação de modos de ser, de valores e costumes que jus- tificam a ordem social dominante e suas ideias. A integração social, nesse caso, serve à legitimação da moral dominante, como afirma Barroco (2009). Essa moral vigente na sociedade, com nor- mas e costumes instituídos, é responsável pela socialização dos indivíduos através da família, da escola etc. Esses indivíduos assumem como naturais os comportamentos e valores que pas- sam a constituir o código moral, que orienta suas escolhas e influencia seus julgamentos de valor. Obviamente, ele é livre para escolher outros valo- res, porém isso depende de conhecimento crítico capaz de desvelar esses mecanismos ideológicos. Todas as sociedades dispõem de normas de convivência, de regras que estabelecem critérios de valor e princípios que norteiam a vida social, e a subordinação pode se dar nos mais diferentes graus, com maiores ou menores possibilidades de escolha e mobilidade social. Em suas relações sociais – no trabalho, na família, nas relações afetivas, políticas, de lazer etc. –, a todo momento o indivíduo se depara com exigências que põem em movimento, em maior ou menor grau, Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 17 seus sentimentos, sua consciência, sua ra- cionalidade, sua subjetividade; situações de afirmação ou de negação de valores ético-morais, por exemplo, de injustiça, violência, discriminação, que exigem moralmente determinadas atitudes por parte dele. Ele pode ou não responder moralmente a tais exigências: pode ficar indignado e assumir um posicionamento de valor; pode ficar revoltado, mas não agir; pode ficar indiferente ou intervir praticamente, a fim de mudar a situação entre outras. (BARROCO, 2009, p. 65). Fagot-Largeault (1999) fala ainda de um relativismo moral, no sentido de que todas as posições éticas são relativas, ou seja, as posições éticas são relativas ao lugar, ao tempo, ao con- texto cultural, às sensibilidades individuais e, em consequência disso, não existe uma posição ética absoluta, universal, portanto não há uma moral e sim morais. Na verdade, o relativismo moral não é uma posição ética e sim uma posição sobre a ética. A diversidade de hábitos e costumes humanos se- gundo a época e o lugar está registrada em mui- tas passagens da própria literatura. As ações ético-morais estão presentes na vida cotidiana, porém com maior ou menor inten- sidade ou presença dependendo das circunstân- cias sociais, que podem exigir que a ética assuma um papel preponderante ou permaneça apenas como potencialidade. Há situações que exigem que a ética se ma- nifeste prioritariamente e outras em que ela pode ou não se manifestar, o que não muda a condição de que todo homem é um ser ético. 2.3 A Ética Na sociedade atual, em que a técnica e as ciências produziram desenvolvimentos notáveis, especialmente no último século, alguns autores apontam também para o fato de estarmos viven- ciando uma crise ética. A competição em substi- tuição à cooperação e a exigência de quantidade, legando ao segundo plano a qualidade, muitas vezes têm sido a regra e não a exceção nas dife- rentes relações sociais em que estamos inseridos. Estamos sob o véu da fragmentação, da supe- respecialização, que nos dificulta ou mesmo nos impede de analisar o todo, levando-nos ao isola- mento. E, se a postura ética nos exige pensar na totalidade,na esfera do coletivo, vivemos então uma crise da ética. Cortella e Taille (2005), inclusive, atribuem a essa crise da ética o crescimento do número de suicídios no hemisfério norte. Segundo esses autores, a Organização Mundial de Saúde, em 2000, apresentou dados evidenciando os fatores que mais causam morte no mundo e, entre es- tes, constavam o suicídio, o crime (assassinato) e a guerra, sendo que segundo esses dados, no ano 2000, ocorreram no mundo 815 mil suicídios, 520 mil mortes ocasionadas por crimes e 310 mil pessoas morreram em consequência de guerras. Destacam os autores o número elevado de sui- cídios, concentrados, naturalmente, em algumas regiões, alguns países. Os autores relacionam esse aumento dos suicídios a um mal-estar moral e éti- co, percebido com maior evidência nos países do hemisfério norte, justamente aqueles tidos como de uma cultura mais avançada e a mais desejável do mundo ocidental. Morin (1988) nos ajuda a entender essa questão ao afirmar que, nas sociedades indivi- dualistas, a ética não se impõe imperativamente nem universalmente a cada cidadão, ao contrário, cada um terá de escolher por si mesmo os seus valores e ideais e praticar o que ele chama de au- toética. Esta é uma questão bastante discutível, especialmente na sociedade capitalista, como já vimos, e também se considerarmos que hoje vivemos sob influência, como o próprio autor Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 18 afirma, de grandes religiões, como o budismo, o cristianismo e o islamismo. Sabemos o peso da religião na formação da moral e da conduta ética, mas Morin (1988, p. 68) lança-nos um desafio ao afirmar que sabemos que nossas finalidades não vão inevitavelmente triunfar, e que a marcha da história não é moral. Devemos visua- lizar seu insucesso possível e até mesmo provável. Justamente porque a incerteza sobre o real é fundamental, é que somos conduzidos a lutar por nossas finalidades. Não devemos, portanto, ser levados à ina- ção e sim ao desafio e à busca de estratégias que permitam modificar a ação empreendida. O problema consiste em evitar o realismo trivial (adaptar-se ao imediato) e o irrea- lismo trivial (subtrair-se às constrições da realidade). O importante é ser realista no sentido complexo do termo (compreen- der a incerteza do real, saber que há o possível, mesmo que ainda esteja invisí- vel no real), o que freqüentemente pode parecer irrealista. A incerteza do real pode ensejar tanto o idealismo ético (agir de acordo com suas finalidades e ideais) como o realismo estratégico. (MORIN, 1988, p. 69). Morin (1988) afirma ainda que uma ética política que se pretenda verdadeiramente huma- na tem que considerar primordialmente o resga- te do sujeito responsável, restaurando o papel da subjetividade e considerando a singularidade de cada um como precondição para o conheci- mento objetivo. Trata-se de resgatar no coletivo a responsabilidade pessoal e o cargo autônomo da ética, sem desconsiderar naturalmente a gene- racidade, como já discutimos. A questão da responsabilidade carrega uma complexidade que não pode deixar de ser considerada, pois, por um lado, cada um deve reconhecer-se como responsável, por exemplo, por suas palavras, seus escritos, seus atos, e, por outro, ninguém é responsável pelo modo como suas palavras ou seus escritos são compreendi- dos, são interpretados, bem como seus atos, pois essa compreensão é mediada por uma série de outras questões. Então Morin (1988), afirma que cada indivíduo é 100% responsável e 100% irres- ponsável por aquilo que faz ou por aquilo que diz. Há, portanto, uma responsabilidade do emissor, do mesmo modo que há uma responsabilidade do receptor, porém o sujeito ético coloca-se como responsável, como se a luta por inteiro dependes- se única e exclusivamente dele. Para tal, temos algumas ideias-guia nas quais devemos nos pautar. A questão do diálogo, do debate, é uma delas, ou seja, a primazia da ar- gumentação em contrapartida à crença na verda- de absoluta. A noção de compreensão é também uma ideia que deve estar sempre presente como norte para uma postura ética. A compreensão é complementar à explicação, utiliza métodos ade- quados para conhecer os objetos enquanto obje- tos e permite conhecer os sujeitos enquanto su- jeitos. A compreensão é necessária a tudo aquilo que possa tornar as relações humanas mais hu- manas e mais éticas. Morin (1988) fala também da ética da mag- nanimidade, que é exatamente o contraponto à vingança, à impiedade da punição. Ele exemplifica a ética da magnanimidade em tempos passados pelos atos soberanos de clemência e, mais recen- temente, a atitude exemplar de Nelson Mandela para com os sul-africanos brancos que cometeram ou aprovaram a moral do Apartheid. A barbárie está claramente presente no ciclo que transfor- ma em inimigo todos aqueles que fazem parte de uma mesma etnia, de uma mesma religião, de uma classe social ou nacionalidade, mantendo um ciclo de terrorismo e de tortura. Temos visto mani- festações frequentes dessas barbáries nos noticiá- AtençãoAtenção Cada indivíduo é 100% responsável e 100% irres- ponsável por aquilo que faz ou por aquilo que diz. Há, portanto, uma responsabilidade do emis- sor, do mesmo modo que há uma responsabili- dade do receptor. Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 19 rios da imprensa, nos atos violentos dos skinheads ou nas perseguições aos homossexuais ou qual- quer outra das manifestações que têm como base o preconceito, a discriminação. O enfrentamento desse ciclo deve se dar pela presença da ética da magnanimidade, da clemência, da generosidade ou, porque não dizer, pela ética do perdão. O autor apresenta ainda a ética da resistên- cia, claramente identificada como a única respos- ta possível ao nazismo e ao stalinismo triunfan- tes e deve ser considerada uma resposta possível nesses tempos de barbárie em que vivemos. A ética da resistência tem a capacidade de elaborar um fermento ou um germe para o futuro quando se vivem situações de completa negação de pos- sibilidades de ações éticas. Faz-se necessário, portanto, ver a ética em sua dimensão ampla, no contexto de uma socie- dade, assim como na particularidade das ações individuais e particulares dos indivíduos. Ainda, segundo Morin (1988), não podemos reduzir a ética ao político, do mesmo modo que não podemos reduzir o político ao ético. Esses termos não podem ser colocados em oposição absoluta nem podem ser colocados em uma re- lação de complementaridade harmônica. Somos impulsionados, portanto, ao diálogo como a úni- ca maneira de se manter esse laço indissociável e, ao mesmo tempo, esse antagonismo irredutível entre ética e política. 2.4 Resumo do Capítulo Neste capítulo, vimos que o homem é capaz de se responsabilizar pelos seus atos, é capaz de ava- liar os resultados de suas ações para outros indivíduos, para o grupo e para a sociedade como um todo, e ao tomar decisões pauta o seu comportamento em normas que julga mais apropriadas e que são aceitas e reconhecidas no meio em que vive. Discutimos, também, neste capítulo, dois conceitos muito importantes: o conceito de moral e o de ética, fundamentais para entendermos a ética do serviço social, como discutiremos a seguir. Com Netto aprendemos que moral é um sistema mutável, historicamente determinado, de costu- mes e imperativos que propiciam a vinculação de cada indivíduo com a essência humana historicamente constituída e o ser social. E que ética é a análise dos fundamentos da moral, levando a uma reflexão filo- sófica ou metafilosófica. Já Morin nos ajudou a entender que uma ética que se pretenda verdadeiramente humana tem que considerar primordialmente o resgate desse sujeitoresponsável. Esse autor também nos fala que somos impulsionados à busca do diálogo. 2.5 Atividade Proposta 1. Como Edgar Morin reflete sobre a ética política? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 21 Tudo o que discutimos até agora sobre o ho- mem enquanto ser social, os aspectos ético-polí- ticos, os fundamentos ontológicos e as objetiva- ções ético-morais possibilita-nos compreender a ética profissional como um campo em que se dão os projetos coletivos de uma dada profissão. A ética profissional orienta o posicionamen- to dos profissionais a partir do conjunto de princí- pios da profissão e orienta as ações realizadas no seu exercício. Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem da profissão, elegem valo- res que a legitimam socialmente e prio- rizam os seus objetivos e funções, formu- lam os requisitos (teóricos, institucionais práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos pro- fissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com outras profissões e com as organi- zações e instituições sociais, privadas, públicas, entre estas, também e desta- cadamente com o Estado, o qual coube, historicamente, o reconhecimento jurí- dico dos estatutos profissionais. (NETTO, 1999, p. 95). Toda profissão tem um projeto que lhe dá organicidade e direção social e no qual os valo- res e finalidades comuns daquela profissão se A ÉTICA PROFISSIONAL3 AtençãoAtenção Este conceito é muito importante: a ética profis- sional é um campo onde se dão os projetos cole- tivos de uma dada profissão. Toda profissão tem um projeto que lhe dá organicidade e direção social, e no qual os valores e finalidades comuns daquela profissão se expressam. expressam. É preciso evidenciar que isso não sig- nifica que os seus agentes tenham sempre cons- ciência dele. Os movimentos internos das profissões, que levam à construção desse projeto, não existem sem as mediações externas, como, por exemplo, a cultura e a moral vigentes na sociedade, que são determinantes na construção da moralidade dos agentes daquela profissão e que influenciam direta e indiretamente em sua ética profissional. A ética profissional é um modo particular da ética e suas particularidades guardam corres- pondência com as matizes que legitimam aquela dada profissão na divisão sociotécnica do traba- lho. Segundo Barroco (2001), o ethos profissio- nal é um modo de ser de uma profissão, que re- sulta da relação complexa entre as necessidades socioeconômicas e ideoculturais e as possibilida- des de escolha inseridas nas ações ético-morais. Portanto, a ética profissional é uma resposta de um grupo profissional, relativa à moral profissio- nal, à moral do trabalho. AtençãoAtenção A ética profissional é um modo particular da ética e suas particularidades guardam correspondên- cia com as matizes que legitimam aquela dada profissão na divisão sociotécnica do trabalho. É uma resposta de um grupo profissional, relativa à moral profissional, à moral do trabalho. Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 22 O Assistente Social no seu cotidiano de tra- balho se depara constantemente com situações diante das quais tem que assumir posições a par- tir dos valores nos quais se pauta. O Serviço So- cial é chamado a intervir em situações concretas que são resultantes da objetivação na vida dos indivíduos, das diferentes expressões da questão social. Para intervir, é preciso que o Assistente So- cial busque, no fazer profissional, apreendê-las no contexto da totalidade em que são produzidas, fazendo escolhas e agindo de acordo com deter- minados princípios. Nesse sentido, a categoria profissional necessariamente se move no seu agir profissional no terreno da ética e da moral. Esses princípios que pautam as escolhas profissionais constituem uma construção car- regada de conteúdo ético-moral e de visões de mundo. Essa construção funciona como um nor- te, um guia, isto é, uma bússola para o fazer pro- fissional, configurando-se como uma perspectiva de prática a ser seguida, visto que foi pactuada no interior de uma profissão e carrega seu conjunto de crenças e valores. Nas profissões, a ética diz respeito à morali- dade profissional, ou seja, ao conjunto de normas e princípios que expressam as escolhas axiológi- cas e funcionam como parâmetros orientadores das relações entre a profissão e a sociedade (PAI- VA et al., 2009). É assim não só com os Assistentes Sociais, mas com o conjunto dos profissionais liberais que trabalham em um contexto que juridicamente se pauta pela autonomia e tem uma ampla mar- gem de decisão no seu dia a dia e, para tal, faz- -se necessário a criação dos Códigos de Ética para nortear suas decisões. Todas as profissões liberais são portadoras de uma deontologia que regula as ações operativas da profissão. Um código de ética representa uma exigên- cia legal de regulamentação formal da profissão e, como tal, é um instrumento específico de expli- 3.1 A Ética e o Serviço Social citação de deveres e direitos profissionais, ou seja, refere-se a uma necessidade formal de legislar so- bre o comportamento dos profissionais (BARRO- CO, 2009, p. 81). O trabalho dos profissionais liberais depen- de inexoravelmente de um elemento subjetivo, que é o discernimento pessoal, e é justamente nesse aspecto que se faz necessário esse norte, pois os indivíduos atendidos, assistidos, por es- ses profissionais não podem ficar à mercê de uma moral individual. Porém, é importante frisar que essa ética profissional necessariamente precisa estar conec- tada aos interesses mais globais da sociedade; deve estar ordenada e articulada nesse conjunto, pois, assim não sendo, há o risco de simplesmen- te se tornar posição corporativista. Nesse caso, se reduz a práticas mesquinhas, restritas e isoladas que tendem muito mais a proteger indivíduos de uma dada corporação do que defender direi- tos coletivos pautados em interesses globais da sociedade. Surge, assim, a moral corporativista, a moral dos guetos e dos pequenos grupos, reduzi- dos a si mesmos e que se pretendem autônomos com relação ao conjunto social. No caso do Serviço Social, segundo Silva (2009), os códigos de ética têm servido ora como instrumentos para uma ação moralizadora, res- tauradora e integradora, como pode ser obser- vado nos primeiros códigos de ética da profissão, ora para a sustentação de uma prática profissio- nal crítica, como se observa nos códigos mais re- centes. AtençãoAtenção A ética profissional necessariamente precisa es- tar conectada aos interesses mais globais da so- ciedade; deve estar ordenada e articulada nesse conjunto, pois, assim não sendo, há o risco de simplesmente se tornar posição corporativista, mais voltada à proteção de indivíduos do que à defesa de direitos coletivos. Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 23 Você sabia que o Serviço Social, no Brasil, já teve até o momento, cinco Códigos de Ética? Esses códigos expressam os diferentes momen- tos vivenciados pela profissão, bem como os di- ferentes momentos da sociedade brasileira. Sim, porque um código de ética, normalmente, é re- formulado para responder mais adequadamente às demandas da sociedade e da profissão. O primeiro código de ética que norteou os assistentes sociais no Brasil foi aprovado em 1947 e vem a responder a uma necessidade de profissionalização dos assistentes sociais, ou seja, instrumentalizá-los para uma atuação mais ampla na sociedade, porém sem perder a sua vinculação estreita com a igreja. Em 1965, quando o Brasil vivia outro mo- mento histórico e quando os assistentes sociais passam a receber a influência norte-americana, um novo código surge.Dez anos depois, em 1975, em um momen- to político muito particular do Brasil, houve ne- cessidade de nova reformulação. Com a abertura política e a efervescência dos movimentos populares da década de 1980, surge em 1986 a necessidade de nova mudança. Finalmente, em 1993, o Código de Ética dos assis- tentes sociais sofre nova reformulação, surgindo então o código que se encontra em vigor. O Código de Ética dos Assistentes Sociais – de 1947 O primeiro Código de Ética dos Assistentes Sociais, no Brasil, foi aprovado em 29 de setem- bro de 1947, em uma assembleia da Associação Brasileira de Assistentes Sociais (ABAS), com uma concepção de homem, de sociedade e de Estado alimentada basicamente pela doutrina social da Igreja Católica. A Associação Brasileira de Assistentes So- ciais (ABAS) era uma entidade sociocultural dos 3.2 Os Códigos de Ética do Serviço Social Assistentes Socais e foi fundada após o I Congres- so Pan-Americano de Serviço Social, em 1946. Em 1947, ocorrem também o I Congresso Brasileiro de Serviço Social, promovido pelo Cen- tro de Estudos e Ação Social (CEAS), em São Paulo, servindo como ato preparatório para o II Congres- so Pan-Americano de Serviço Social, realizado no Rio de Janeiro, em 1949. O evento não teve uma temática central, sendo que suas conclusões e recomendações – espelhando o pensamento da época – foram agrupadas em seis categorias: serviço social e família; serviço social e menores; serviço social e educação popular; serviço social e lazer; serviço social médico; e serviço social na indústria, agricultura e comércio. O Código de 1947 estava tão intimamente ligado aos princípios da Igreja Católica que, logo na Seção I – Deveres Fundamentais, afirma que é dever do Assistente Social: “Cumprir os compro- missos assumidos, respeitando a lei de Deus, os direitos naturais do homem, inspirando-se sem- pre, em todos seus atos profissionais, no bem co- mum e nos dispositivos de lei, tendo em mente o julgamento prestado diante do testemunho de Deus.” Na Seção II – Deveres para com o beneficiário do Serviço Social, afirma que é dever do Assistente Social: “Respeitar no beneficiário do Serviço So- cial a dignidade da pessoa humana, inspirando- -se na caridade cristã.” Essa concepção conservadora, que marca o primeiro Código de Ética da Profissão, contribuiu para obscurecer os Assistentes Sociais durante um amplo espaço de tempo. Esse Código carrega fortemente as influên- cias do neotomismo, que perdura no Serviço So- cial por longo tempo e marca profundamente sua história e seus posicionamentos. Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 24 O Código de Ética dos Assistentes Sociais – de 1965 O segundo Código de Ética dos Assistentes Sociais foi aprovado pelo Conselho Federal dos Assistentes Sociais em 8 de maio de 1965 e, dian- te do momento político que se vivia no Brasil, não rompe com o tradicionalismo, mas avança na tec- nificação profissional. O Código de Ética de 1965 ainda reproduz a base filosófica humanista cristã e a perspecti- va despolitizante e acrítica, porém aponta para explicitação do pluralismo que já despontava no contexto desse período histórico. Em 1965, é percebida a existência de diferentes concepções profissionais no Serviço Social. Segundo Barroco (2001), embora mantenha a base tomista, o Códi- go de 1965 busca imprimir uma direção ética que não estava presente no código anterior, tampou- co no seguinte, como veremos a seguir. Logo na sua introdução anuncia que a ética profissional é relacionada às demandas decorrentes do “mundo moderno” e que a profissão adquire “amplitude técnica e científica”, ao afirmar que: “O Serviço So- cial adquire no mundo atual uma amplitude téc- nica e cientifica impondo aos membros da profis- são maiores encargos e responsabilidades.” No Capítulo I – Da profissão, artigo 1º, afirma: “O Serviço Social constitui o objeto da profissão liberal de assistente social, de natureza técnico- -científica e cujo o exercício é regulado em todo o território nacional [...]” O Serviço Social já não é mais tratado como uma atividade humanista, mas como profissão liberal e de natureza técnico-científica. Portanto, os deveres do profissional já não se dão mais em consequência do compromisso religioso, mas sim em decorrência da legislação à qual a profissão está submetida. O pluralismo ao qual nos referimos se ex- pressa no Capítulo II – Dos direitos fundamentais, artigo 5º, quando afirma que: “No exercício de sua profissão, o assistente social tem o dever de res- peitar as posições filosóficas, políticas e religiosas daqueles a quem se destina sua atividade, pres- tando os serviços que lhe são devidos, tendo em vista o princípio de autodeterminação.” É verdade que o Código de 1965 não rom- pe com a visão tradicional, com os princípios que marcam o código anterior, mas aponta para alguns elementos até então ausentes, como os artigos citados e também a afirmação contida no artigo 8º do Capítulo II: “O assistente social deve colaborar com os poderes públicos na preserva- ção do bem comum e dos direitos individuais, dentro dos princípios democráticos lutando in- clusive para o estabelecimento de uma ordem social justa.” Os avanços ainda são muito limitados, mas ao falar em amplitude técnica e científica; respei- to às posições filosóficas, políticas e religiosas; em democracia e justiça social, esse código se dife- rencia do anterior; embora ainda seja o neotomis- mo a base de seus princípios fundamentais, como se pode perceber na presença de afirmações como: respeito à dignidade da pessoa humana; contribuição para o bem comum; zelo pela famí- lia como “grupo natural para o desenvolvimento da pessoa humana e base essencial da sociedade.” Saiba maisSaiba mais O neotomismo é uma corrente filosófica surgida no século XIX com o objetivo de fazer renascer a filosofia de Santo Tomás de Aquino, do século XIII – o Tomismo –, a fim de atender aos problemas contemporâneos. O objetivo do neotomismo é manter todas as caracte- rísticas da filosofia tomista. O Tomismo, por sua vez, é a doutrina filosófico-cristã elaborada pelo dominicano Tomás de Aquino, estudioso do filósofo grego Aristó- teles. Defende que o gênero é real, mas que a subs- tância primeira é o indivíduo. Tomás de Aquino trata de questões como a relação entre Deus e o mundo, fé e ciência, teologia e filosofia, conhecimento e realida- de. Dedicou-se ao esclarecimento das relações entre a verdade revelada e a filosofia, isto é, entre a fé e a razão. Segundo sua interpretação, tais conceitos não se cho- cam nem se confundem, mas são distintos e harmôni- cos. Para os neotomistas o pensamento de São Tomás foi o ponto culminante do saber filosófico e daí o ape- lo para a necessidade de a ele retornar. O neotomismo tinha a intenção clara de unir os pensadores católicos para a conquista do pensamento moderno. Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 25 O Código de Ética dos Assistentes Sociais – de 1975 Em 30 de janeiro de 1975, foi aprovado um novo Código de Ética dos Assistentes Sociais, em um período de intensa ditadura não somente no Brasil, como também em outros países latino americanos. O Código de Ética de 1975 reflete uma ade- quação às demandas desse período ditatorial em que vivíamos. Já não expressa a tendência mo- dernizadora presente no Código de 1965 e reafir- ma o conservadorismo tradicional. O neotomismo agora é substituído pelo personalismo, porém isso não traz alterações sig- nificativas, pois o personalismo é utilizado para reafirmar os mesmos princípios do humanismo cristão tradicional. Logo, o Código de 1975, assim como os anteriores, reafirma os mesmos postu- lados do bem comum, da autodeterminação,da justiça social etc. Mas, afinal, o que é o personalismo? O personalismo, que tinha a pessoa como centro, é fruto das reflexões de Emmanuel Mou- nier, filosófo francês cujas obras influenciaram a ideologia da “democaracia cristã”. Mounier está entre os intelectuais que criaram o movimento da revista Espirit, que tinha como palavra de or- dem “a ruptura com a ordem estabelecida”, com a intenção de identificar a verdade em toda a cir- cunstância e que acreditava que o problema das estruturas sociais era econômico e moral e a saída para isso era a teorização e a construção de uma “comunidade de pessoas”. Porém, Barroco (2001) afirma que duas al- terações em relação ao Código de 1965 são alta- mente significativas, que é a exclusão das referên- cias sobre a democracia e o pluralismo, presentes no código anterior. As expressões que tratam dessas duas questões são excluídas do Código de 1975, evidenciando uma atitude que nega o respeito à diversidade ao suprimir as referências ao pluralismo e que reafirma a posição acrítica diante da ação disciplinadora do Estado. Obvia- mente que essas posições refletem claramente o momento histórico vivido em meados da década de 1970, auge da ditadura militar no Brasil. Se os Códigos de 1947 e 1965 carregam as influências do neotomismo, o Código de 1975 traz uma combinação do neotomismo e do fun- cionalismo, refletindo o que discutimos até ago- ra, que é a influência ou mesmo a determinação do contexto histórico no conjunto de princípios e regras que norteia a conduta, seja dos homens individualmente, seja dos grupos sociais, entre eles, as categorias profissionais. O Código de Ética é um documento que possui um traço conjuntu- ral muito forte, por essa razão requer necessárias mudanças de acordo com as mudanças que ocor- rem na sociedade. Os primeiros códigos de ética dos Assisten- tes Sociais são fortemente marcados pela influên- cia da doutrina social da igreja, com uma visão de homem idealista, a-histórica e metafísica. Fica cla- ro nesses códigos também a perspectiva da neu- tralidade e de harmonia com as instituições, sem nenhum questionamento à autoridade e ao Esta- do, até porque são autoridades que emanam de um poder divino, que não cabe ser questionado. Os Códigos de Ética de 1947, 1965 e 1975 se pautam no tradicionalismo profissional e suas diferenças são pontuais. Como afirmam Barroco e Terra (2012), o Código de 1947 expressa uma es- treita vinculação do Serviço Social com a doutri- na social da Igreja Católica, sendo marcadamente doutrinário e subordinado aos dogmas da Igreja Católica. O Código de 1965 carrega traços da mo- dernização conservadora da profissão e introduz AtençãoAtenção Ao falar em amplitude técnica e científica; res- peito às posições filosóficas, políticas e religio- sas; em democracia e justiça social, esse código se diferencia do anterior; embora ainda seja o neotomismo a base de seus princípios funda- mentais, como se pode perceber na presença de afirmações como: respeito à dignidade da pessoa humana; contribuição para o bem comum; zelo pela família como “grupo natural para o desen- volvimento da pessoa humana e base essencial da sociedade.” Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 26 alguns valores liberais, porém sem romper com a base filosófica neotomista e funcionalista. Já o Código de 1975 suprime referências democráti- cas e liberais presentes no Código de 1965. O Código de Ética de 1975 vigora até 1986, quando em 9 de maio é aprovado o novo Código de Ética dos Assistentes Sociais. O Código de Ética dos Assistentes Sociais – de 1986 Em 9 de maio de 1986, os Assistentes So- ciais passam a adotar um novo Código de Ética, que vem para substituir o Código de 1975. Em 1986, com todo o fervor democrático que movia parte da população brasileira, o códi- go foi essencialmente modificado. Mais uma vez fica evidente a forte influência do contexto histó- rico, pois, nesse momento, a sociedade civil se po- sicionava em favor da democracia e da cidadania, traços marcantes do Código de 1986. No contex- to da sociedade brasileira, recém-saída da ditadu- ra, os termos desse código são contundentes na defesa dos direitos dos cidadãos e nos deveres do Estado. Inaugura-se, a partir desse código, um claro posicionamento ético-político da profissão nessa direção. Esse código inaugura uma nova concepção de homem, alargando os horizontes éticos do Serviço Social, visto que se pauta numa concep- ção de homem enquanto ser histórico e social e não mais como determinado pela vontade divina. Nesse código, o Serviço Social faz uma clara op- ção a favor da classe trabalhadora, privilegiando o usuário. Alguns autores consideram o Código de Ética de 1986 como um divisor de águas no po- sicionamento ético do Serviço Social, pois mar- cou de forma significativa o rompimento com as correntes conservadoras e o redirecionamento da profissão, com vistas a um compromisso ético- -político claramente definido. Ele representa um marco de mudança e ruptura com o conservado- rismo, os conceitos da igreja e com a defesa da neutralidade profissional. O Serviço Social, contudo, já vivia o movi- mento de reconceituação e um novo posiciona- mento da categoria e das entidades do Serviço Social é assumido a partir do III Congresso Bra- sileiro de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo, em 1979, conhecido no meio profissional como o Congresso da Virada. Já em 1983, na esteira desse novo posicio- namento da categoria profissional, teve início um amplo processo de debates conduzido pelo CFESS, visando à alteração do código de ética vigente desde 1975. Desse processo resultou a aprovação do Código de Ética Profissional de 1986. Essa mudança no posicionamento ético dos Assistentes Sociais fica clara logo na Introdução do novo código, quando afirma que a categoria de Assistentes Sociais passa a exigir também uma nova ética que reflita uma vontade coletiva, superando a pers- pectiva histórica e acrítica, onde os valo- res são tidos como universais e acima dos interesses de classe. A nova ética é resul- tado da inserção da categoria nas lutas da classe trabalhadora e consequentemente de uma nova visão da sociedade brasilei- ra. Neste sentido, a categoria através de suas organizações faze uma opção clara por uma prática profissional vinculada aos interesses desta classe. (CFESS, 1986). Fica evidente, portanto, que essa nova ética define um claro compromisso com os interesses da classe trabalhadora. No Capítulo II – Dos Deveres, no artigo 3º, consta que constitui dever do Assistente Social: AtençãoAtenção O Código de Ética de 1986 inaugura uma nova concepção de homem, alargando os horizontes do Serviço Social, visto que se pauta numa con- cepção de homem enquanto ser histórico e so- cial e não mais como determinado pela vontade divina. Nesse código, o Serviço Social faz uma clara opção a favor da classe trabalhadora, privile- giando o usuário. Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 27 - Devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos sujeitos sociais envolvidos, no sentido de que estes pos- sam usa-los para o fortalecimento dos in- teresses da classe trabalhadora; - Democratizar as informações disponí- veis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à partici- pação social dos usuários; - Aprimorar de forma contínua os seus conhecimentos, colocando-os a serviço do fortalecimento dos interesses da clas- se trabalhadora. Quando trata do sigilo profissional, o Código de Ética de 1986 também o vincula aos interesses da classe trabalhadora. Enquanto no Código de 1975 o segredo poderia ser rompido para evitar dano grave ao “cliente”, ao assistentesocial, a ter- ceiros ou ao bem comum, no Código de 1986, no Capítulo III – Do Sigilo Profissional, consta que: “A quebra do sigilo só é admissível, quando se tratar de situações cuja gravidade possa trazer prejuízo aos interesses da classe trabalhadora.” No novo código, a negação da neutralidade também fica explicitada no dever de democrati- zar as informações aos usuários, no compromisso de criar espaços para a participação dos usuários nos programas e decisões das instituições e na denúncia das falhas das instituições, contribuin- do na alteração da correlação de forças para o for- talecimento de novas demandas de interesse dos usuários. Barroco (2009) afirma que há três dimen- sões de mudanças no Código de 1986: a negação à neutralidade, aos pressupostos metafísicos e idealistas e ao papel profissional tradicional. O Código de 1986 apresenta ainda outros avanços com relação aos códigos anteriores, na medida em que supera a visão do Assistente So- cial como mero executor das políticas sociais e in- sere o profissional e também o usuário no espaço das decisões institucionais. Podemos afirmar que o Código de Ética de 1986 representou um avanço para profissão e expressou as principais conquistas que os Assis- tentes Sociais alcançaram desde o Movimento de Reconceituação. O Código de Ética dos Assistentes Sociais – de 1993 A perspectiva ética defendida a partir dos anos 1990 aponta para uma clara articulação com o fazer político na esfera do cotidiano, conden- sando um processo gradual de amadurecimen- to intelectual e político ocorrido no âmbito do Serviço Social, com reflexos naquilo que tem se denominado um novo perfil profissional: um pro- fissional capaz de responder com eficácia e com- petência teórica, ética, política e técnico-opera- tiva às demandas da sociedade. A nova direção ético-política, em suas várias formas de expressão – a moral, a moralidade, a reflexão ética e a ação ética – orienta-se para o horizonte da satisfação das necessidades humano-genéricas e da eman- cipação humana. Essa visão marca o novo código editado em 1986, elaborado a partir de um amplo processo de discussão no interior da categoria profissional. Esse código foi fruto de um contexto de revisão de valores, especialmente na América Latina. No Brasil, o Serviço Social, desde a década de 1970, inicia um processo de revisão de valores, colocando em questão os princípios da neutrali- dade e explicitando a dimensão política da prá- tica profissional, o que se explicita no Código de 1986 e se mantém no Código de Ética de 1993. O Código de 1993 assinala uma etapa de amadure- cimento do processo de renovação da ética pro- fissional, marcando a consolidação das conquis- tas afirmadas no Código de 1986: a ruptura com o conservadorismo ético-moral e a superação da concepção ética tradicional, abstrata e a-histórica. AtençãoAtenção No Brasil, o Serviço Social, desde a década de 1970, inicia um processo de revisão de valores, colocando em questão os princípios da neutra- lidade e explicitando a dimensão política da prá- tica profissional, o que se explicita no Código de 1986 e se mantém no Código de Ética de 1993. Sônia Maria de Almeida Figueira Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 28 No entanto, o Código de 1986 passa a se mostrar insuficiente, especialmente no que se refere à operacionalização do cotidiano profissio- nal, o que leva a uma nova revisão, que culmina, em 1993, com a aprovação do novo Código de Ética Profissional vigente até o momento. O Código de 1993 delimita com clareza os valores e compromissos éticos e profissionais e se pauta por duas preocupações fundamentais. A primeira é a preocupação de torná-lo um instru- mento efetivo no processo de amadurecimento político da profissão e na defesa da qualidade dos serviços profissionais. A segunda preocupação está voltada à necessidade de constituí-lo como um mecanismo de defesa do exercício profissio- nal por meio da garantia da legalidade. Esse có- digo está pautado em um claro conceito de liber- dade e resgata a dimensão do indivíduo como sujeito com direito à liberdade. Quando se opta pela caracterização dos indivíduos sociais, estamos expressando uma concepção mais ampla de indivíduo que se deseja construir, com a qual esta- mos comprometidos – ‘a cada um segun- do as suas necessidades e de cada um se- gundo as suas possibilidades’, conforme diz Marx. Daí o claro posicionamento em favor da construção de uma nova socie- dade. (PAIVA et al., 2009, p. 182). Esse código surge em 13 de março de 1993, regulamentado através da resolução CFESS nº 273/93, em um cenário de forte presença do neo- liberalismo, e os debates que ocorreram na cate- goria profissional nas atividades que precederam a mudança do código foram extremamente edu- cativas e politizadoras para o conjunto da catego- ria. Foi a alteração de Código de Ética que mais mobilizou a categoria, com o envolvimento dos Conselhos Regionais e Conselho Federal, que rea- lizaram assembleias e seminários com a categoria abrindo um amplo debate, culminando com as alterações propostas. A década de 1990 traz também para o inte- rior da categoria dos Assistentes Sociais o debate a respeito da Ética em Pesquisa, que também é contemplada nesse novo código. Cabe destacar que outra inovação presente no atual código é a referência às questões de gê- nero e etnia, até então não mencionadas nos có- digos de ética dos assistentes sociais, bem como a explicitação das questões relacionadas aos Direi- tos Humanos e ao direito de expressão. O presen- te código também faz forte referência à defesa da qualidade dos serviços prestados à população. O Código de 1993 consolida 11 princípios fundamentais da Ética do Serviço Social, reco- nhecendo como valor ético central a liberdade, a autonomia, a emancipação e a expansão dos indivíduos sociais. Nesses princípios é explicitada a defesa dos direitos humanos contra o arbítrio e o autoritarismo. A consolidação da cidadania também é enfatizada, bem como a defesa da de- mocracia e equidade, da justiça social e universa- lidade, e o acesso aos bens e serviços relativos a programas e políticas sociais. O código também tem entre os seus princípios a eliminação de qual- quer forma de preconceito e a garantia do plura- lismo. A articulação com outras categorias profis- sionais, o compromisso com os serviços prestados e o exercício do Serviço Social, sem qualquer tipo de discriminação, também são princípios presen- tes. Além dos princípios, o código trata ainda das competências do Assistente Social, dos di- reitos e da responsabilidade nas relações com o usuário, com as instituições empregadoras e com a justiça. Trata também do sigilo na profissão, das penalidades, e da aplicação e do cumprimento dos preceitos explicitados no código. Segundo Barroco (2009, p. 180), duas preo- cupações nortearam a produção do Código de 1993: - torná-lo um instrumento efetivo no pro- cesso de amadurecimento político da categoria bem como um aliado na mo- bilização e qualificação dos assistentes sociais diante dos enormes desafios e demandas da sociedade brasileira. Urgia transformá-lo num mecanismo concreto de defesa da qualidade dos serviços pro- fissionais que desempenhamos; Ética Geral/Profissional Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 29 - e, complementarmente, havia que cons- tituí-lo como um mecanismo eficaz de defesa do nosso exercício profissional, por meio da garantia da legalidade de seus preceitos, fornecendo respaldo jurí- dico à profissão. O código de ética é um importante instru- mento norteador da prática profissional, porém cabe destacar que a ética não se restringe à nor- matização dada pela profissão, ou seja, não se li- mita às determinações de um Código de
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