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Neurolinguística: Estudo da Linguagem no Cérebro

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22 00 •• CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE • v o l . 36 • nº 21 2• v ol . 36 • nº 21 2
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
“Lingüística.”“Lingüística.” É o que geralmente respondo quandoÉ o que geralmente respondo quando
me perguntam sobre minha área de pesquisa. Ame perguntam sobre minha área de pesquisa. A
resposta mais precisa seria “neurolingüística”, masresposta mais precisa seria “neurolingüística”, mas
esta suscita a maior confusão. Isso porque nos últi-esta suscita a maior confusão. Isso porque nos últi-
mos 20 anos essa palavra tem sido usada para defi-mos 20 anos essa palavra tem sido usada para defi-
nir dois campos de atuação radicalmente diferentes.nir dois campos de atuação radicalmente diferentes.
Um deles tem objetivos terapêuticos e propõe es-Um deles tem objetivos terapêuticos e propõe es-
tratégias de programação do inconsciente para fa-tratégias de programação do inconsciente para fa-
vorecer o bem-estar físico e psicológico do indiví-vorecer o bem-estar físico e psicológico do indiví-
duo: é a ‘programação neurolingüística’ (ou PNL).duo: é a ‘programação neurolingüística’ (ou PNL).
Essa subárea da psicologia foi fundada nos EstadosEssa subárea da psicologia foi fundada nos Estados
Unidos nos anos 70 por John Grinder e seu alunoUnidos nos anos 70 por John Grinder e seu aluno
Robert Bandler e entrou no Brasil especialmenteRobert Bandler e entrou no Brasil especialmente
com os cursos, palestras e livros do médico Laircom os cursos, palestras e livros do médico Lair
Ribeiro. As pessoas procuram a PNL para conhe-Ribeiro. As pessoas procuram a PNL para conhe-
cer e dominar a ‘engenharia da autopersuasão’. De-cer e dominar a ‘engenharia da autopersuasão’. De-
sejam reforçar a autoconfiança, melhorar a memó-sejam reforçar a autoconfiança, melhorar a memó-
ria, fazer emergir sua verdadeira vocação, suprimirria, fazer emergir sua verdadeira vocação, suprimir
medos, desprogramar padrões perturbadores auto-medos, desprogramar padrões perturbadores auto-
impostos e programar padrões promotores de saú-impostos e programar padrões promotores de saú-
de e equilíbrio emocional. Enfim, a PNL se propõede e equilíbrio emocional. Enfim, a PNL se propõe
a atuar na solução de problemas existenciais doa atuar na solução de problemas existenciais do
ser humano.ser humano.
A neurolingüística que eu faço é uma área daA neurolingüística que eu faço é uma área da
neurociência que pesquisa os mecanismos neu-neurociência que pesquisa os mecanismos neu-
rofisiológicos responsáveis pela aquisição e uso darofisiológicos responsáveis pela aquisição e uso da
linguagem. Ou seja, nesse campo do saber, temoslinguagem. Ou seja, nesse campo do saber, temos
de ser capazes de problematizar algo que funcionade ser capazes de problematizar algo que funciona
tão automaticamente que tomamos como trivial: atão automaticamente que tomamos como trivial: a
linguagem humana.linguagem humana.
O que acontece no cérebroO que acontece no cérebro
quando falamos? Nas últimasquando falamos? Nas últimas
décadas, pesquisas sobredécadas, pesquisas sobre
os mecanismosos mecanismos
neurofisiológicosneurofisiológicos
responsáveis pela aquisiçãoresponsáveis pela aquisição
e uso da linguagem vême uso da linguagem vêm
 sendo realizadas em vários sendo realizadas em vários
 países e já se mostram países e já se mostram
como uma das áreas maiscomo uma das áreas mais
  produtivas da neurociência.  produtivas da neurociência.
Registros da atividadeRegistros da atividade
bioelétrica no córtex bioelétrica no córtex 
e dos padrões do fluxoe dos padrões do fluxo
 sangüíneo no interior do sangüíneo no interior do
cérebro, aferidos por técnicascérebro, aferidos por técnicas
como a eletroencefalografia,como a eletroencefalografia,
a ressonância magnéticaa ressonância magnética
  funcional e outras, permitem  funcional e outras, permitem
identificar o modo e aidentificar o modo e a
localização da ativaçãolocalização da ativação
cerebral enquanto ouvimoscerebral enquanto ouvimos
e produzimos a linguagem.e produzimos a linguagem.
No Brasil, os estudos nessaNo Brasil, os estudos nessa
área altamenteárea altamente
interdisciplinar estãointerdisciplinar estão
começando agora, e oscomeçando agora, e os
  primeiros resultados  primeiros resultados
confirmam descobertasconfirmam descobertas
 já clássicas da já clássicas da
neurolingüística e apontamneurolingüística e apontam
rumos para a investigação derumos para a investigação de
outros aspectos da faculdadeoutros aspectos da faculdade
da linguagem ainda nãoda linguagem ainda não
testados por essas técnicas.testados por essas técnicas.
  Aniela Improta França  Aniela Improta França
Projeto Concatenações Lingüísticas:Projeto Concatenações Lingüísticas:
Psicolingüística e Neurofisiologia (Clipsen),Psicolingüística e Neurofisiologia (Clipsen),
Departamento de Lingüística,Departamento de Lingüística,
Universidade Federal do Rio de JaneiroUniversidade Federal do Rio de Janeiro
22 00 •• CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE • v o l . 36 • nº 21 2• v o l . 36 • nº 21 2
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
    I    I    L    L
    U    U    S    S
    T    T    R    R
    A    A    Ç    Ç
    Õ    Õ    E    E
    S    S
    M    M
    A    A    R    R
    I    I    O    O
    B    B    A    A
    G    G
janeiro/fevereirojaneiro/fevereiro de 2005 •de 2005 • CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE •• 2121
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
vra-alvo. Para isso, usamos um complexo de estra-vra-alvo. Para isso, usamos um complexo de estra-
tégias de ativação, competição e supressão de con-tégias de ativação, competição e supressão de con-
teúdos mentais. É que, ao tentarmos ativar a repre-teúdos mentais. É que, ao tentarmos ativar a repre-
sentação da palavra-alvo, ativamos outras, quesentação da palavra-alvo, ativamos outras, que
competem entre si por reconhecimento. Ao finalcompetem entre si por reconhecimento. Ao final
do processo, a palavra-alvo sobressai, pois atingedo processo, a palavra-alvo sobressai, pois atinge
o máximo nível de ativação e é então reconhecida.o máximo nível de ativação e é então reconhecida.
Esse processo de ativação múltipla aconteceEsse processo de ativação múltipla acontece
porque a palavra-alvo sempre se relaciona a múl-porque a palavra-alvo sempre se relaciona a múl-
tiplos aspectos dos conteúdos mentais. As repre-tiplos aspectos dos conteúdos mentais. As repre-
sentações do som de uma palavra (fonologia), dosentações do som de uma palavra (fonologia), do
seu significado (semântica) e dos pedaços que aseu significado (semântica) e dos pedaços que a
formam (morfologia) entram em jogo nesse proces-formam (morfologia) entram em jogo nesse proces-
so. Por exemplo, ouvir a palavra ‘banana’ ativaso. Por exemplo, ouvir a palavra ‘banana’ ativa
representações mentais de palavras como ‘batata’ erepresentações mentais de palavras como ‘batata’ e
‘nana’, por semelhança de som com a palavra‘nana’, por semelhança de som com a palavra
ouvida. Mas também pode ativar ‘manga’ e ‘maçã’,ouvida. Mas também pode ativar ‘manga’ e ‘maçã’,
por serem do mesmo campo semântico, e ‘banana-por serem do mesmo campo semântico, e ‘banana-
da’ e ‘embananada’, por pertencerem à família deda’ e ‘embananada’, por pertencerem à família de
palavras formadas a partir da mesma raiz ‘banan’.palavras formadas a partir da mesma raiz ‘banan’.
E ativa também, é claro, a representação da pala-E ativa também, é claro, a representação da pala-
vra-alvo, ‘banana’, que acaba por ganhar a compe-vra-alvo, ‘banana’, que acaba por ganhar a compe-
tição entre todas as representações de outras pala-tição entre todas as representações de outras pala-
vras relacionadas. E nós nem nos damos conta devras relacionadas. E nós nem nos damos conta de
que entender as palavras envolve tudo isso.que entender as palavras envolve tudo isso.
Na realidade,a faculdade da linguagem nadaNa realidade, a faculdade da linguagem nada
tem de trivial. O vocabulário médio de um adultotem de trivial. O vocabulário médio de um adulto
em sua língua nativa, por exemplo, alcança emem sua língua nativa, por exemplo, alcança em
torno de 50 mil palavras, codificadas por cerca detorno de 50 mil palavras, codificadas por cerca de
40 unidades distintivas de som de fala (fonemas).40 unidades distintivas de som de fala (fonemas).
Veja que tanto o vocabulário numeroso quanto oVeja que tanto o vocabulário numeroso quanto o
pequeno inventário de fonemas deveriam ser des-pequeno inventário de fonemas deveriam ser des-
favoráveis à existência da linguagem no homem:favoráveis à existência da linguagem no homem:
temos poucos códigos para distinguir muitos itens.temos poucos códigos para distinguir muitos itens.
Apesar disso, após o curto período de aquisição deApesar disso, após o curto período de aquisição de
linguagem, entre dois e três anos de idade, nos in-linguagem, entre dois e três anos de idade, nos in-
tegramos a uma comunidade lingüística e, semtegramos a uma comunidade lingüística e, sem
nenhum esforço, usamos essa língua com mais na-nenhum esforço, usamos essa língua com mais na-
turalidade do que um estrangeiro que passou anosturalidade do que um estrangeiro que passou anos
tentando aprendê-la depois de adulto.tentando aprendê-la depois de adulto.
Além disso, enquanto processamos a fala, queAlém disso, enquanto processamos a fala, que
chega ao cérebro através dos ouvidos, pensamos echega ao cérebro através dos ouvidos, pensamos e
produzimos outros conteúdos, observando crité-produzimos outros conteúdos, observando crité-
rios de qualidade de cunho estrutural, discursivorios de qualidade de cunho estrutural, discursivo
e contextual. E fazemos tudo isso mantendo o flu-e contextual. E fazemos tudo isso mantendo o flu-
xo da comunicação ininterrupto, em uma veloci-xo da comunicação ininterrupto, em uma veloci-
dade média de cinco sílabas por segundo! Ao con-dade média de cinco sílabas por segundo! Ao con-
trário da situação ilustrada na figura 1, sempretrário da situação ilustrada na figura 1, sempre
encontramos recursos cognitivos para vencer aencontramos recursos cognitivos para vencer a
enorme pressão do tempo imposta pelos padrõesenorme pressão do tempo imposta pelos padrões
da comunicação oral.da comunicação oral.
Para ‘dar conta do recado’ e entender uma pa-Para ‘dar conta do recado’ e entender uma pa-
lavra que lemos ou que nos é dita, precisamoslavra que lemos ou que nos é dita, precisamos
acessar nossa representação mental daquela pala-acessar nossa representação mental daquela pala- 
janeiro/fevereirojaneiro/fevereiro de 2005 •de 2005 • CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE •• 2121
Figura 1.Figura 1.
O processamentoO processamento
da linguagemda linguagem
no cérebrono cérebro
é quaseé quase
instantâneoinstantâneo
e feito seme feito sem
esforço.esforço.
 Ao contrário Ao contrário
do que édo que é
mostradomostrado
na ilustraçãona ilustração
2222 •• CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE • v o l . 36 • nº 21 2• v ol . 36 • nº 21 2
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
REACAO DIANTE DEREACAO DIANTE DE
UMA INCONGRUENCIAUMA INCONGRUENCIA
Há também estratégias estruturais para processarHá também estratégias estruturais para processar
as palavras dentro das frases. Estas tentam ante-as palavras dentro das frases. Estas tentam ante-
cipar a fala do interlocutor, para que a interaçãocipar a fala do interlocutor, para que a interação
lingüística possa ocorrer ininterruptamente. Ob-lingüística possa ocorrer ininterruptamente. Ob-
serve o diálogo reproduzido na figura 2 e suas di-serve o diálogo reproduzido na figura 2 e suas di-
mensões simultâneas.mensões simultâneas.
O ‘susto’ que Maria levou decorreu de sua pre-O ‘susto’ que Maria levou decorreu de sua pre-
visão quanto à resposta de Pedro. A partir dovisão quanto à resposta de Pedro. A partir do
momento em que ouviu ‘comer’, Maria tinha omomento em que ouviu ‘comer’, Maria tinha o
objetivo de juntar esse verbo ao seu complementoobjetivo de juntar esse verbo ao seu complemento
o mais rápido possível, para completar o sentidoo mais rápido possível, para completar o sentido
da proposição de Pedro. Assim, antes mesmo deda proposição de Pedro. Assim, antes mesmo de
ouvir o complemento, ela se preparou para re-ouvir o complemento, ela se preparou para re-
conhecê-lo, já sabendo que este teria de ser comes-conhecê-lo, já sabendo que este teria de ser comes-
tível. Isso já diminuiu na mente de Maria o núme-tível. Isso já diminuiu na mente de Maria o núme-
ro de candidatos a complemento, pois houve umaro de candidatos a complemento, pois houve uma
pré-ativação de palavras que se referem a comes-pré-ativação de palavras que se referem a comes-
tíveis e uma supressão de outras, entre estas ‘san-tíveis e uma supressão de outras, entre estas ‘san-
dália’. Depois, à medida que ouve os primeirosdália’. Depois, à medida que ouve os primeiros
sons (fonemas) do complemento, Maria pareia es-sons (fonemas) do complemento, Maria pareia es-
ses sons com aqueles das palavras pré-ativadas nases sons com aqueles das palavras pré-ativadas na
sua mente. No ponto ‘sand’ (/sãd/), ela encontra emsua mente. No ponto ‘sand’ (/sãd/), ela encontra em
sua mente um perfeito candidato a complemento:sua mente um perfeito candidato a complemento:
‘sanduíche’. Mesmo antes de ouvir os fonemas fi-‘sanduíche’. Mesmo antes de ouvir os fonemas fi-
nais, ela ativa a representação desse complemen-nais, ela ativa a representação desse complemen-
to. Nesse ponto, talvez ela até seto. Nesse ponto, talvez ela até se
adiante e pense sobre o recheio:adiante e pense sobre o recheio:
“Sanduíche de queijo?”“Sanduíche de queijo?”
Figura 3. O gráfico da atividadeFigura 3. O gráfico da atividade
elétrica no cérebro, em uma situaçãoelétrica no cérebro, em uma situação
lingüística como a do diálogolingüística como a do diálogo
da figura 2, mostra um pico deda figura 2, mostra um pico de
aumento nessa atividade em tornoaumento nessa atividade em torno
de 400 milissegundos apósde 400 milissegundos após
a pessoa ouvir a ‘incongruência’a pessoa ouvir a ‘incongruência’
Mas Pedro queria brincar com Maria. EmboraMas Pedro queria brincar com Maria. Embora
lidasse com a pressão do tempo da comunicação,lidasse com a pressão do tempo da comunicação,
ele conseguiu, na seqüência do diálogo, encaixarele conseguiu, na seqüência do diálogo, encaixar
um complemento incongruente, ‘sandália’, que cau-um complemento incongruente, ‘sandália’, que cau-
sou esse ‘susto semântico’ em Maria. O susto foisou esse ‘susto semântico’ em Maria. O susto foi
especialmente grande porque Maria tinha acabadoespecialmente grande porque Maria tinha acabado
de suprimir ‘sandália’ de sua mente, junto com asde suprimir ‘sandália’ de sua mente, junto com as
outras representações de coisas não comestíveis.outras representações de coisas não comestíveis.
 Já se sabe que a exposição a uma incongruência Já se sabe que a exposição a uma incongruência
semântica na concatenação verbo-complementosemântica na concatenação verbo-complemento
(comer-sandália) causa um aumento na atividade(comer-sandália) causa um aumento na atividade
elétrica no cérebro, que pode ser percebido noelétrica no cérebro, que pode ser percebido no
córtex 400 ms (milissegundos) após o estímulocórtex 400 ms (milissegundos) após o estímulo
auditivo ou visual.auditivo ou visual.
Se a atividade elétrica no cérebro de Maria esti-Se a atividade elétrica no cérebro de Maria esti-
vesse sendo monitorada por um eletroencefaló-vesse sendo monitorada por um eletroencefaló-
grafo (EEG), seu susto poderia ser visualizado emgrafo (EEG), seu susto poderia ser visualizado em
um traçado como um traçado como o da o da figura 3. figura 3. Também veríamosTambém veríamos
uma onda se monitorássemos a atividade elétricauma onda se monitorássemosa atividade elétrica
no cérebro de alguém que ouve “Vou comer san-no cérebro de alguém que ouve “Vou comer san-
duíche”, mas com amplitude (altura do pico) bemduíche”, mas com amplitude (altura do pico) bem
menor. Então, é possível reconhecer a onda damenor. Então, é possível reconhecer a onda da
incongruência por sua grande amplitude, que che-incongruência por sua grande amplitude, que che-
ga ao máximo em torno dos 400 ms. Na verdade,ga ao máximo em torno dos 400 ms. Na verdade,
essa onda ficou muito famosa na literatura deessa onda ficou muito famosa na literatura de
neurociência e é conhecida como ‘N400’ (N de ne-neurociência e é conhecida como ‘N400’ (N de ne-
gativo e gativo e 400 de 400 de 400 400 ms) ms) – – é a é a ‘assinatura elétrica‘assinatura elétrica
da incongruência semântica’.da incongruência semântica’.
Se estivéssemos monitorando as variações naSe estivéssemos monitorando as variações na
atividade do cérebro de Maria por tomografia deatividade do cérebro de Maria por tomografia de
emissão de pósitrons (PET, em inglês) ou ressonân-emissão de pósitrons (PET, em inglês) ou ressonân-
cia magnética funcional (fMRI, em inglês), vería-cia magnética funcional (fMRI, em inglês), vería-
mos quais áreas se tornam menos ou mais ativasmos quais áreas se tornam menos ou mais ativas
metabolicamente a cada momento, já que essesmetabolicamente a cada momento, já que esses
aparelhos rastreiam as variações na circulaçãoaparelhos rastreiam as variações na circulação
sangüínea cerebral e as representam em imagenssangüínea cerebral e as representam em imagens
‘construídas’ do cérebro em atividade. Quando‘construídas’ do cérebro em atividade. Quando
Maria ouvisse a incongruência semântica, observa-Maria ouvisse a incongruência semântica, observa-
ríamos um aumento localizado da circulaçãoríamos um aumento localizado da circulação
sangüínea nas áreas frontais e temporais do seusangüínea nas áreas frontais e temporais do seu
cérebro, representado por cores cada vez mais ver-cérebro, representado por cores cada vez mais ver-
melhas nas imagens geradas.melhas nas imagens geradas.
MariaMaria falafala Pedro, Pedro, o que o que você vai você vai querer lanchar?querer lanchar?
PedroPedro escutaescuta
PedroPedro pensapensa Opa, aí vem pergunta.Opa, aí vem pergunta.
PedroPedro falafala Vou comer sandVou comer sand
MariaMaria escutaescuta
MariaMaria pensapensa sanduíche de queijo?sanduíche de queijo?
PedroPedro falafala ália.ália.
MariaMaria escutaescuta
MariaMaria pensapensa O quê???!!!O quê???!!!
tempotempo
Figura 2.Figura 2.
 Alguns tipos de Alguns tipos de
incongruênciaincongruência
lingüísticalingüística
fazem ofazem o
interlocutorinterlocutor
levar um ‘susto’,levar um ‘susto’,
que provocaque provoca
aumento daaumento da
atividadeatividade
elétrica noelétrica no
cérebrocérebro

~~
´´ ^^
janeiro/fevereirojaneiro/fevereiro de 2005 •de 2005 • CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE •• 2323
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
O mapa da atividade do cérebro de Maria, rela-O mapa da atividade do cérebro de Maria, rela-
cionado com a tarefa de tentar concatenar o verbocionado com a tarefa de tentar concatenar o verbo
‘comer’ com o complemento incongruente ‘sandália’,‘comer’ com o complemento incongruente ‘sandália’,
seria como o da figura 4. É como se tirássemos umaseria como o da figura 4. É como se tirássemos uma
fotografia de alta resolução da atividade cerebral.fotografia de alta resolução da atividade cerebral.
A foto, porém, só mostra o efeito depois que a ati-A foto, porém, só mostra o efeito depois que a ati-
vidade lingüística termina, tendo em vista que avidade lingüística termina, tendo em vista que a
concatenação acontece em milésimos de segundos,concatenação acontece em milésimos de segundos,
enquanto a chegada de sangue às áreas recrutadasenquanto a chegada de sangue às áreas recrutadas
para a tarefa leva de 1 a 10 segundos. Isso quer dizerpara a tarefa leva de 1 a 10 segundos. Isso quer dizer
que as técnicas hemodinâmicas não têm boa resolu-que as técnicas hemodinâmicas não têm boa resolu-
ção temporal, ou seja, mostram imagens do desloca-ção temporal, ou seja, mostram imagens do desloca-
mento do sangue, que só ocorre após a ativação elé-mento do sangue, que só ocorre após a ativação elé-
trica que lhe dá origem. Essa característica das téc-trica que lhe dá origem. Essa característica das téc-
nicas hemodinâmicas representa um sério obstáculonicas hemodinâmicas representa um sério obstáculo
para a avaliação do processamento lingüístico.para a avaliação do processamento lingüístico.
EVENTOS LINGUISTICOSEVENTOS LINGUISTICOS
E ATIVIDADE CEREBRALE ATIVIDADE CEREBRAL
As técnicas eletromagnéticas são poderosos instru-As técnicas eletromagnéticas são poderosos instru-
mentos para monitorar a ativação elétrica relacio-mentos para monitorar a ativação elétrica relacio-
nada a estímulos lingüísticos exatamente porquenada a estímulos lingüísticos exatamente porque
oferecem grande precisão temporal: os impulsosoferecem grande precisão temporal: os impulsos
elétricos no cérebro podem ser detectados quaseelétricos no cérebro podem ser detectados quase
instantaneamente no couro cabeludo, através doinstantaneamente no couro cabeludo, através do
osso craniano. Enquanto o voluntário executa umaosso craniano. Enquanto o voluntário executa uma
tarefa lingüística – decidir, por exemplo, se a frasetarefa lingüística – decidir, por exemplo, se a frase
que ele está lendo na tela do computador é con-que ele está lendo na tela do computador é con-
gruente –, a atividade elétrica de seu cérebro égruente –, a atividade elétrica de seu cérebro é
monitorada por eletrodos fixados no couro cabelu-monitorada por eletrodos fixados no couro cabelu-
do, como mostra a figura 5.do, como mostra a figura 5.
Os eletrodos são ligados, pela outra extremida-Os eletrodos são ligados, pela outra extremida-
de, a um eletroencefalógrafo, que recebe e ampli-de, a um eletroencefalógrafo, que recebe e ampli-
fica os fracos sinais elétricos captados. Tais sinaisfica os fracos sinais elétricos captados. Tais sinais
são sincronizados ao evento lingüístico-alvo, ou seja,são sincronizados ao evento lingüístico-alvo, ou seja,
é possível saber exatamente quando um estímuloé possível saber exatamente quando um estímulo
foi mostrado ao voluntário e que onda é resultantefoi mostrado ao voluntário e que onda é resultante
da reação a esse estímulo.da reação a esse estímulo.
Entretanto, a onda relativa à incongruênciaEntretanto, a onda relativa à incongruência
testada não é perceptível a partir de apenas umatestada não é perceptível a partir de apenas uma
ocorrência de evento lingüístico do tipo “João co-ocorrência de evento lingüístico do tipo “João co-
meu sandália”meu sandália”.. O sinal gerado pela transição entreO sinal gerado pela transição entre
‘comer’ e ‘sandália’ é muito reduzido. Além disso,‘comer’ e ‘sandália’ é muito reduzido. Além disso,
durante a captação dos sinais de EEG também sãodurante a captação dos sinais de EEG também são
captados involuntariamente outros sinais (relacio-captados involuntariamente outros sinais (relacio-
nados a fatos incidentais, como bocejos, espasmosnados a fatos incidentais, como bocejos, espasmos
motores, piscar de olhos), e ruídos de interferênciamotores, piscar de olhos), e ruídos de interferência
cruzada com outras fontes elétricas.cruzada com outras fontes elétricas.
Para separar o sinal do evento experimental dosPara separar o sinal do evento experimental dos
demais e identificar somente a onda que se querdemais e identificar somente a onda que se quer
estudar, usa-se uma técnica chamada de ‘prome-estudar, usa-se uma técnica chamada de ‘prome-
diação’. Somam-se todos os sinais relativos ao pon-diação’. Somam-se todos os sinais relativos ao pon-
to que se quer estudar em todos os estímulos doto que se quer estudar em todos os estímulos do
experimento (‘comer sandália’+ ‘vestir prego’ +experimento (‘comer sandália’ + ‘vestir prego’ +
‘limpar medo’ etc.). Se houver sinais incidentais,‘limpar medo’ etc.). Se houver sinais incidentais,
eles também entrarão nessa soma, mas, como sãoeles também entrarão nessa soma, mas, como são
aleatórios, tenderão a sumir, enquanto os sinaisaleatórios, tenderão a sumir, enquanto os sinais
que sempre exibem o mesmo padrão no tempoque sempre exibem o mesmo padrão no tempo
permanecerão. Por exemplo: a onda dos trechospermanecerão. Por exemplo: a onda dos trechos
‘comer sandália’, ‘vestir prego’ e ‘limpar medo’ co-‘comer sandália’, ‘vestir prego’ e ‘limpar medo’ co-
meça a se elevar por volta dos 390 ms, e um sinalmeça a se elevar por volta dos 390 ms, e um sinal
relacionado a um bocejo aparece aos 300 ms. Aorelacionado a um bocejo aparece aos 300 ms. Ao
efetuarmos a média desses quatro sinais, mais oefetuarmos a média desses quatro sinais, mais o
sinal incidental, o sinal do bocejo vai tender a zero,sinal incidental, o sinal do bocejo vai tender a zero,
à medida que forem somados a ele muitos sinaisà medida que forem somados a ele muitos sinais
exibindo um mesmo padrão. Ao final da operaçãoexibindo um mesmo padrão. Ao final da operação
de promediação, a onda resultante é a ‘verdadeira’,de promediação, a onda resultante é a ‘verdadeira’,
conhecida como ‘potencial relacionado a evento’,conhecida como ‘potencial relacionado a evento’,
ou ERP (do inglêsou ERP (do inglês event-related brain potential event-related brain potential ):):
uma onda positiva (representada no traçado com ouma onda positiva (representada no traçado com o
pico para baixo) ou negativa (com o pico para cima).pico para baixo) ou negativa (com o pico para cima).
O N400, que você já conhece, é um ERP. AlgunsO N400, que você já conhece, é um ERP. Alguns
outros ERPs relacionados a fenômenos lingüísticosoutros ERPs relacionados a fenômenos lingüísticos
são o ELAN (do inglêssão o ELAN (do inglês early left anterior negativity early left anterior negativity ,,
ou seja, ‘negatividade anterior esquerda precoce’), queou seja, ‘negatividade anterior esquerda precoce’), que
acusa muito cedo, entre 125 e 180 ms, um erro naacusa muito cedo, entre 125 e 180 ms, um erro na
escolha de classe de palavras (por exemplo, “Jescolha de classe de palavras (por exemplo, “João com-oão com-
prou sorriu” – verbo-verbo em vez de verbo-comple-prou sorriu” – verbo-verbo em vez de verbo-comple-
mento); o P600, relacionado à má-formação sintáticamento); o P600, relacionado à má-formação sintática
(por exemplo, (por exemplo, “João co“João corremos”) e o LPrremos”) e o LPC, dC, do inglêso inglês late late
  positive component   positive component (‘componente positivo tardio’),(‘componente positivo tardio’),
uma onda positiva entre 500 e 800 ms, que acusauma onda positiva entre 500 e 800 ms, que acusa
anomalias na formação de palavras morfologica-anomalias na formação de palavras morfologica-
mente irregulares (exemplos, “imprimido”, “fazi”).mente irregulares (exemplos, “imprimido”, “fazi”).
Figura 5.Figura 5.
SistemaSistema
usado parausado para
a a investigaçinvestigaçãoão
da atividadeda atividade
elétrica noelétrica no
cérebro associadacérebro associada
a estímulosa estímulos
lingüísticos,lingüísticos,
com eletrodoscom eletrodos
fixados nas áreasfixados nas áreas
pré-frontal (FP),pré-frontal (FP),
frontal (F),frontal (F),
temporal (T),temporal (T),
central (C),central (C),
parietal (P)parietal (P)
e occipital (O)e occipital (O)
Figura 4.Figura 4.
ImagensImagens
da mobilizaçãoda mobilização
do sanguedo sangue
no cérebro,no cérebro,
depois que umadepois que uma
pessoa ouve umapessoa ouve uma
incongruênciaincongruência
semântica comosemântica como
a do diálogoa do diálogo
da figura 2,da figura 2,
mostram ondemostram onde
ocorre aumentoocorre aumento
do fluxodo fluxo
sangüíneosangüíneo
(áreas mais(áreas mais
 vermelhas) vermelhas)

janeiro/fevereirojaneiro/fevereiro de 2005 •de 2005 • CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE •• 2323
¨ ¨ ´´
2424 •• CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE • v o l . 36 • nº 21 2• v ol . 36 • nº 21 2
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
É assim que a neurolingüísti-É assim que a neurolingüísti-
ca estuda atividades cognitivasca estuda atividades cognitivas
realizadas durante o processa-realizadas durante o processa-
mento da linguagem: avaliandomento da linguagem: avaliando
alterações elétricas e hemodinâ-alterações elétricas e hemodinâ-
micas no cérebro, durante a rea-micas no cérebro, durante a rea-
lização de pequenas tarefas cog-lização de pequenas tarefas cog-
nitivas estritamente lingüísticasnitivas estritamente lingüísticas
e também as não lingüísticas,e também as não lingüísticas,
mas ligadas de alguma forma aomas ligadas de alguma forma ao
processamento lingüístico. Essaprocessamento lingüístico. Essa
ciência surgiu nos anos 80, aciência surgiu nos anos 80, a
partir de dois eventos principais.partir de dois eventos principais.
De um lado, os testes de ERP, jáDe um lado, os testes de ERP, já
empregados desde os anos 50 naempregados desde os anos 50 na
avaliação de doenças que afetamavaliação de doenças que afetam
junto do Departamento de Lingüística da UFRJ,junto do Departamento de Lingüística da UFRJ,
através da lingüista Miriam Lemle, orientadora daatravés da lingüista Miriam Lemle, orientadora da
tese, e do Laboratório de Processamento de Sinaistese, e do Laboratório de Processamento de Sinais
(Programa de Engenharia Biomédica da Coppe/ (Programa de Engenharia Biomédica da Coppe/ 
UFRJ), por meio da equipe do UFRJ), por meio da equipe do engenheiro biomédicoengenheiro biomédico
Antonio Fernando Catelli Infantosi.Antonio Fernando Catelli Infantosi.
O objetivo desse primeiro trabalho nessa áreaO objetivo desse primeiro trabalho nessa área
era investigar a reação do córtex cerebral, medidaera investigar a reação do córtex cerebral, medida
pelo eletroencefalógrafo, à incongruência na con-pelo eletroencefalógrafo, à incongruência na con-
catenação verbo-complemento em português. Porcatenação verbo-complemento em português. Por
isso, em uma primeira série, seguimos o protocoloisso, em uma primeira série, seguimos o protocolo
clássico de experimentos para extração de N400,clássico de experimentos para extração de N400,
que consiste em apresentar ao voluntário, na telaque consiste em apresentar ao voluntário, na tela
de um computador, sentenças congruentes (porde um computador, sentenças congruentes (por
exemplo: “A menina leu um livro”), misturadasexemplo: “A menina leu um livro”), misturadas
aleatoriamente a sentenças incongruentes (do tipoaleatoriamente a sentenças incongruentes (do tipo
“O homem comeu uma sandália”). As sentenças“O homem comeu uma sandália”). As sentenças
eram mostradas palavra por palavra, e cada pala-eram mostradas palavra por palavra, e cada pala-
vra ficava na tela por 200 ms (figura 6).vra ficava na tela por 200 ms (figura 6).
Ao final de cada sentença, o voluntário era ins-Ao final de cada sentença, o voluntário era ins-
truído a apertar um entre dois botões no teclado,truído a apertar um entre dois botões no teclado,
para indicar se a sentença era congruente ou in-para indicar se a sentença era congruente ou in-
congruente. Antes de o voluntário pressionar ocongruente. Antes de o voluntário pressionar o
botão, porém, o julgamento mais importante já tinhabotão, porém, o julgamento mais importante já tinha
acontecido, independentemente da sua consciên-acontecido, independentemente da sua consciên-
cia, na forma de ativação elétrica captada e regis-cia, na forma de ativação elétrica captada e regis-
trada no traçado do eletroencefalógrafo.trada no traçado do eletroencefalógrafo.
Nossos resultados, nessa série, foram compatíveisNossos resultados, nessa série, foram compatíveis
com as características dos achados clássicos emcom as características dos achados clássicos em
relação ao N400: por voltados 200 ms, a onda ‘co-relação ao N400: por volta dos 200 ms, a onda ‘co-
meça a exibir uma negatividade’ (vemos que elameça a exibir uma negatividade’ (vemos que ela
começa a subir), que atinge seu ponto máximo emcomeça a subir), que atinge seu ponto máximo em
torno dos 400 ms, como se vê na figura 7. Obser-torno dos 400 ms, como se vê na figura 7. Obser-
vou-se ainda que os ERPs de sentenças vou-se ainda que os ERPs de sentenças incongruen-incongruen-
tes (linhas vermelhas) apresentam um ‘pico’ maistes (linhas vermelhas) apresentam um ‘pico’ mais
elevado e que a amplitude do N400 é ligeiramenteelevado e que a amplitude do N400 é ligeiramente
maior no eletrodo C4 (na área central do crânio, àmaior no eletrodo C4 (na área central do crânio, à
direita), como relatada em outros trabalhos sobredireita), como relatada em outros trabalhos sobre
esse ERP, embora essa tendência por uma ampli-esse ERP, embora essa tendência por uma ampli-
tude ligeiramente maior à direita não ocorra tam-tude ligeiramente maior à direita não ocorra tam-
Figura 6. Sentenças congruentesFigura 6. Sentenças congruentes
e incongruentes forame incongruentes foram
apresentadas aos apresentadas aos voluntáriosvoluntários
na tela do computador, enquantona tela do computador, enquanto
um eletroencefalógrafo captavaum eletroencefalógrafo captava
as alterações da atividadeas alterações da atividade
elétrica no córtexelétrica no córtex
Figura 7. Gráficos dos ERPs registrados (em seisFigura 7. Gráficos dos ERPs registrados (em seis
dos 20 pontos do crânio) na dos 20 pontos do crânio) na primeira série de experimentosprimeira série de experimentos
de neurolingüística com sentenças congruentes (em azul)de neurolingüística com sentenças congruentes (em azul)
e incongruentes (em vermelho)e incongruentes (em vermelho)
Figura 8. Gráficos dos ERPs registrados (em seisFigura 8. Gráficos dos ERPs registrados (em seis
dos 20 pontos do crânio) na segunda série de experimentosdos 20 pontos do crânio) na segunda série de experimentos
de neurolingüística com sentenças congruentes (em azul)de neurolingüística com sentenças congruentes (em azul)
e incongruentes (em vermelho)e incongruentes (em vermelho)
as cognições de linguagem, visão e audição, passa-as cognições de linguagem, visão e audição, passa-
ram a ser usados também em pesquisa básica deram a ser usados também em pesquisa básica de
cognição de linguagem. De outro, surgiram as téc-cognição de linguagem. De outro, surgiram as téc-
nicas não-invasivas (fMRI) ou minimamentenicas não-invasivas (fMRI) ou minimamente
invasivas (PET) de aferição da atividade cerebralinvasivas (PET) de aferição da atividade cerebral
por imagem.por imagem.
Assim, a partir desse panorama favorável à in-Assim, a partir desse panorama favorável à in-
vestigação, surgiram muitos laboratórios de neuro-vestigação, surgiram muitos laboratórios de neuro-
lingüística nos Estados Unidos e na Europa, reu-lingüística nos Estados Unidos e na Europa, reu-
nindo lingüistas, médicos, biólogos e engenheiros,nindo lingüistas, médicos, biólogos e engenheiros,
em torno da caracterização neurofisiológica da lin-em torno da caracterização neurofisiológica da lin-
guagem no indivíduo sadio.guagem no indivíduo sadio.
TESTES TESTES NEUROLINGUISTICNEUROLINGUISTICOSOS
PIONEIROS NO BRASILPIONEIROS NO BRASIL
No Brasil, esse tipo de pesquisa neurolingüísticaNo Brasil, esse tipo de pesquisa neurolingüística
com indivíduos sãos começou em 2002, quandocom indivíduos sãos começou em 2002, quando
realizei os experimentos relatados em minha teserealizei os experimentos relatados em minha tese
de doutorado:de doutorado: Concatenações lingüísticas: estudoConcatenações lingüísticas: estudo
de diferentes módulos cognitivos na aquisição e node diferentes módulos cognitivos na aquisição e no
córtex córtex . Essa pesquisa resultou de um esforço con-. Essa pesquisa resultou de um esforço con-
¨ ¨ ´´
janeiro/fevereirojaneiro/fevereiro de 2005 •de 2005 • CIÊNCIA HOJECIÊNCIA HOJE •• 2525
N E U R O L I N G Ü Í S T I C AN E U R O L I N G Ü Í S T I C A
bém no eletrodo P4 (na área parietal, à direita).bém no eletrodo P4 (na área parietal, à direita).
Depois de testarmos estímulos clássicos para oDepois de testarmos estímulos clássicos para o
N400 na série 1, onde verbo e complemento apa-N400 na série 1, onde verbo e complemento apa-
recem lado a lado (“guiar carro” e “comer pedra”),recem lado a lado (“guiar carro” e “comer pedra”),
incluímos outras séries de estímulos que altera-incluímos outras séries de estímulos que altera-
vam de maneira sutil o contexto das incongruên-vam de maneira sutil o contexto das incongruên-
cias (e que têm sido testados com freqüência muitocias (e que têm sido testados com freqüência muito
menor). Queríamos saber se a ‘assinatura elétricamenor). Queríamos saber se a ‘assinatura elétrica
da incongruência’ seria afetada por essas condi-da incongruência’ seria afetada por essas condi-
ções especiais dos estímulos.ções especiais dos estímulos.
Na série 2, por exemplo, tínhamos sentençasNa série 2, por exemplo, tínhamos sentenças
como “Lúcia vai limpar a cadeira e vai guardá-la”como “Lúcia vai limpar a cadeira e vai guardá-la”
e “João está segurando o bife e quer lê-lo”. Note quee “João está segurando o bife e quer lê-lo”. Note que
os verbos ‘guardar’ e ‘ler’ estão concatenados apro-os verbos ‘guardar’ e ‘ler’ estão concatenados apro-
priadamente aos respectivos complementos, atra-priadamente aos respectivos complementos, atra-
vés de formas pronominais ‘la’ e ‘lo’. Entretanto,vés de formas pronominais ‘la’ e ‘lo’. Entretanto,
como ‘la’ e ‘lo’ não têm conteúdos semânticoscomo ‘la’ e ‘lo’ não têm conteúdos semânticos
próprios, precisamos, para saber se a concatenaçãopróprios, precisamos, para saber se a concatenação
deu certo, transferir para eles as característicasdeu certo, transferir para eles as características
semânticas dos antecedentes ‘cadeira’ e ‘bife’.semânticas dos antecedentes ‘cadeira’ e ‘bife’.
“Lúcia vai limpar a cadeira e vai guardá-la.”“Lúcia vai limpar a cadeira e vai guardá-la.”
“João está segurando o bife e quer lê-lo.”“João está segurando o bife e quer lê-lo.”
“Guardar a cadeira” faz sentido, mas “ler o bife”“Guardar a cadeira” faz sentido, mas “ler o bife”
não! Será que essa incongruência resultaria tam-não! Será que essa incongruência resultaria tam-
bém em um N400? Na verdade, achamos um N400bém em um N400? Na verdade, achamos um N400
para a série 2, mas seu formato é marcadamentepara a série 2, mas seu formato é marcadamente
diferente do observado na série anterior, como sediferente do observado na série anterior, como se
vê na figura 8. O ERP exibe um ‘platô’, que relacio-vê na figura 8. O ERP exibe um ‘platô’, que relacio-
namos com a complexidade da tarefa de transferirnamos com a complexidade da tarefa de transferir
propriedades semânticas do complemento da pri-propriedades semânticas do complemento da pri-
meira oração para o pronome da segunda oração.meira oração para o pronome da segunda oração.
Por último, testamos, na série 3, sentenças do tipoPor último, testamos, na série 3, sentenças do tipo
“Que blusa Paula vestiu?” e “Que histórias Denise“Que blusa Paula vestiu?” e “Que histórias Denise
refogou?”. As palavras interrogativas ‘quem’, ‘como’,refogou?”. As palavras interrogativas ‘quem’, ‘como’,
‘quando’, ‘quanto’ e ‘que’, conhecidas em lingüística‘quando’, ‘quanto’ e ‘que’, conhecidas em lingüística
como ‘frase QU-’, têm um comportamento bastantecomo ‘frase QU-’, têm um comportamento bastante
peculiar nas línguas naturais. Por exemplo, ‘que blu-peculiar nas línguas naturais. Por exemplo, ‘que blu-
sa’ completa o sentido do verbo ‘vestiu’ e, portanto, ésa’ completa o sentido do verbo ‘vestiu’ e, portanto, é
interpretado ao lado desse verbo: “Paula vestiu queinterpretado ao lado desse verbo: “Paula vestiu que
blusa?” Mas reparem que, nesse tipo de construçãoblusa?” Mas reparem que, nessetipo de construção
em português, a ‘frase QU-’ geralmente aparece noem português, a ‘frase QU-’ geralmente aparece no
início da sentença, deslocada de seu local de inter-início da sentença, deslocada de seu local de inter-
pretação. Esse é um recurso discursivo, autorizadopretação. Esse é um recurso discursivo, autorizado
pela sintaxe do português, para avisar ao interlocutorpela sintaxe do português, para avisar ao interlocutor
que virá uma pergunta.que virá uma pergunta.
OOnndde e ssee OOnndde e sse e iinntteerrpprreettaa
pprroonnuunncciiaa ((ppoossiiççãão o vvaazziiaa))
Que Que blusa blusa Paula Paula vestiu(vestiu(que que blusa)?blusa)?
Os ERPs relacionados a essa série mostraramOs ERPs relacionados a essa série mostraram
maior ativação que nas outras séries e a maior dife-maior ativação que nas outras séries e a maior dife-
rença entre as sentenças congruentes e incon-rença entre as sentenças congruentes e incon-
gruentes, como mostra a figura 9. Como já é conhe-gruentes, como mostra a figura 9. Como já é conhe-
cido, a presença da expressão QU- no cido, a presença da expressão QU- no início da sen-início da sen-
tença é como uma bandeira de aviso de que vai ha-tença é como uma bandeira de aviso de que vai ha-
ver uma pergunta e de que a concatenação será àver uma pergunta e de que a concatenação será à
distância. Isso funciona como uma preparação cog-distância. Isso funciona como uma preparação cog-
nitiva que aciona mecanismos de atenção e memó-nitiva que aciona mecanismos de atenção e memó-
ria, salientando que os conteúdos semânticos só sria, salientando que os conteúdos semânticos só serãoerão
integrados quando o verbo aparecer – nesse ca-integrados quando o verbo aparecer – nesse ca-
so, 400 milissegundos depois. Por isso, quando so, 400 milissegundos depois. Por isso, quando sur-sur-
ge a incongruência, a reação a ela é mais vigorosa.ge a incongruência, a reação a ela é mais vigorosa.
Os resultados desses experimentos indicam queOs resultados desses experimentos indicam que
a concatenação verbo-complemento não é umaa concatenação verbo-complemento não é uma
operação única. Dependendo da configuração sin-operação única. Dependendo da configuração sin-
tática, ela envolve diferentes subtarefas cognitivastática, ela envolve diferentes subtarefas cognitivas
que se manifestam eletricamente em formas diver-que se manifestam eletricamente em formas diver-
sas de ERP. Tais achados permitem ressaltar tam-sas de ERP. Tais achados permitem ressaltar tam-
bém que a natureza da neurolingüística é desven-bém que a natureza da neurolingüística é desven-
dar aspectos diminutos da cognição: uma ciênciadar aspectos diminutos da cognição: uma ciência
do detalhe, da microdiferença.do detalhe, da microdiferença.
Assim, a partir desta e de mais pesquisas – noAssim, a partir desta e de mais pesquisas – no
SugestõesSugestões
para leiturapara leitura
DEHAENE-DEHAENE-
LAMBERTZ,LAMBERTZ,
G. & DEHAENE,G. & DEHAENE,
S. ‘Speed andS. ‘Speed and
cerebralcerebral
correlatescorrelates
of syllableof syllable
discriminationdiscrimination
in infants’,in infants’,
inin Nature Nature ,,
v. 370 (5),v. 370 (5),
p. 292, 1994.p. 292, 1994.
FRANÇA, A.I.FRANÇA, A.I.
Concatenações Concatenações 
lingüísticas lingüísticas ::
estudo de estudo de 
diferentes diferentes 
módulos módulos 
cognitivos cognitivos 
na aquisição na aquisição 
e no córtex e no córtex 
(tese de(tese de
doutorado).doutorado).
Rio de Janeiro,Rio de Janeiro,
UniversidadeUniversidade
Federal doFederal do
Rio de Janeiro,Rio de Janeiro,
2002.2002.
FRANÇA, A.I.;FRANÇA, A.I.;
LEMLE, M.;LEMLE, M.;
CAGY, M.;CAGY, M.;
CONSTANT, P.D.CONSTANT, P.D.
& INFANTOSI,& INFANTOSI,
A.F.C.A.F.C.
‘Discriminating‘Discriminating
among differentamong different
types of verb-types of verb-
complementcomplement
merge inmerge in
BrazilianBrazilian
Portuguese:Portuguese:
an ERP studyan ERP study
of morpho-of morpho-
syntacticsyntactic
sub-processes’,sub-processes’,
inin  Journal of  Journal of 
Neurolinguistics Neurolinguistics ,,
v. 17, issue 6v. 17, issue 6
(nov.), p. 425,(nov.), p. 425,
2004.2004.
HICKOK, G. &HICKOK, G. &
POEPPEL, D.POEPPEL, D.
‘Dorsal and‘Dorsal and
ventral streams:ventral streams:
a framework fora framework for
understandingunderstanding
aspects of theaspects of the
functionalfunctional
anatomyanatomy
of language’,of language’,
inin Cognition Cognition ,,
v. 92, p. 67,v. 92, p. 67,
2004.2004.
Figura 9. Gráficos dos ERPs registrados (em seis dos 20 pontosFigura 9. Gráficos dos ERPs registrados (em seis dos 20 pontos
do crânio) na terceira série de experimentos de neurolingüísticado crânio) na terceira série de experimentos de neurolingüística
com sentenças congruentes (em azul) e incongruentescom sentenças congruentes (em azul) e incongruentes
(em vermelho)(em vermelho)
exterior ou no Brasil, inclusive algumasexterior ou no Brasil, inclusive algumas
já em andamento no recém-inauguradojá em andamento no recém-inaugurado
Laboratório de Concatenações Lingüísti-Laboratório de Concatenações Lingüísti-
cas: Psicolingüística e Neurofisiologia (La-cas: Psicolingüística e Neurofisiologia (La-
boratório Clipsen), na Universidade Fe-boratório Clipsen), na Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro –, estabelecere-deral do Rio de Janeiro –, estabelecere-
mos pouco a pouco a interface entre asmos pouco a pouco a interface entre as
representações abstratas propostas pelarepresentações abstratas propostas pela
teoria lingüística e os registros hemodi-teoria lingüística e os registros hemodi-
nâmicos e elétricos da atividade cere-nâmicos e elétricos da atividade cere-
bral. Ao empreender essa complexa ta-bral. Ao empreender essa complexa ta-
refa, a neurolingüística vem mexendo nasrefa, a neurolingüística vem mexendo nas
fronteiras científicas, causando esforçosfronteiras científicas, causando esforços
interdisciplinares que, entre outras re-interdisciplinares que, entre outras re-
voluções, efetivamente situam a lingüís-voluções, efetivamente situam a lingüís-
tica entre as ciências naturais.tica entre as ciências naturais. ■■

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