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GG O entendimento dos materiais é fundamental para a criação de interiores bem-sucedidos. Materiais no Design de Interiores cobre todos os aspectos do uso de materiais no design de interiores e apresenta estratégias alternativas para definição do conceito, desenvolvimento do projeto, seleção dos materiais e sua aplicação, representação, comunicação e instalação. Este é um guia prático valioso e inspirador para estudantes de design de interiores ou arquitetura em geral. - Estudos de caso de obras de artistas, arquitetos, desenhistas de produtos e desenhistas gráficos do mundo inteiro inspirarão os leitores; - Sequências passo a passo encorajam a análise e as experimentações; - Informações práticas sobre as propriedades e a sustentabilidade dos materiais de construção que podem ser utilizados no design de interiores; - Inclui uma lista de recursos, de arquivos na internet e de bibliotecas de amostras de materiais. RACHAEL BROWN é professora adjunta da Escola de Arquitetura de Portsmouth, na Inglaterra. Antes deste cargo, trabalhou como designer de interiores e foi Sócia-Diretora da BDP, um dos maiores escritórios de arquitetura multidisciplinares da Europa. LORRAINE FARRELLY é arquiteta e professora da Escola de Arquitetura de Portsmouth, na Inglaterra. Ela também leciona e dá palestras em seu país e no exterior. M ATER IA IS N O D ESIG N D E IN TER IO R ES R achael B row n e Lorraine Farrelly MATERIAIS NO DESIGN DE INTERIORES Rachael Brown e Lorraine Farrelly www.ggili.com.br GG® Título original: Materials and Interior Design. Publicado originalmente por Laurence King Publishing Ltd. em 2012 Desenho gráfico: John Round Design Tradução, revisão técnica e preparação de texto: Alexandre Salvaterra Revisão de texto: Ana Beatriz Fiori, Adriana Cerello e Thaís Paiva Design da capa: Toni Cabré/Editorial Gustavo Gili, SL Fotografia da capa: Molo Design, Ltd. Qualquer forma de reprodução, distribuição, comunicação pública ou transformação desta obra só pode ser realizada com a autorização expressa de seus titulares, salvo exceção prevista pela lei. Caso seja necessário reproduzir algum trecho desta obra, entrar em contato com a Editora. A Editora não se pronuncia, expressa ou implicitamente, a respeito da acuidade das informações contidas neste livro e não assume qualquer responsabilidade legal em caso de erros ou omissões. © da tradução: Alexandre Salvaterra © Laurence King Publishing Ltd., 2012 © Rachael Brown y Lorraine Farrelly, 2012 para a edição em português: © Editorial Gustavo Gili, SL, 2014 ISBN: 978-85-65985-71-0 (digital PDF) www.ggili.com.br Editorial Gustavo Gili, SL Rosselló 87-89, 08029 Barcelona, Espanha. Tel. (+34) 93 322 81 61 Editora G. Gili, Ltda Av. José Maria de Faria, 470, Sala 103, Lapa de Baixo CEP: 05038-190, São Paulo-SP, Brasil. Tel. (+55) (11) 3611 2443 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Brown, Rachael Materiais no design de interiores / Rachael Brown, Lorraine Farrelly ; [tradução Alexandre Salvaterra]. -- 1. ed. -- São Paulo : Gustavo Gili, 2014. Título original: Materials and interior design. ISBN 978-85-65985-71-0 1. Decoração de interiores 2. Materiais I. Farrelly, Lorraine. II. Título. 14-02222 CDD-747 Índices para catálogo sistemático: 1. Decoração de interiores 747 MATERIAIS NO DESIGN DE INTERIORES Rachael Brown e Lorraine Farrelly GG® 6 Introdução 12 PRIMEIRA PARTE: O CONTEXTO HISTÓRICO DOS MATERIAIS NO DESIGN DE INTERIORES 15 1. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos 24 2. A evolução dos materiais 26 3. A influência histórica da agenda ambiental e seu impacto sobre os materiais 27 4. O século XXI 28 SEGUNDA PARTE: A SELEÇÃO DOS MATERIAIS 30 5. O programa de necessidades e o cliente 30 A identidade visual 32 Os custos, a qualidade e o programa de neces- -sidades 33 6. O sítio 34 As edificações preexistentes 36 Passo a Passo: Fazendo o levantamento dos materiais em uma edificação preexistente 38 Passo a Passo: Fazendo a leitura sensorial de um sítio 40 As edificações novas, sendo projetadas ou em construção 41 Os sítios temporários 41 O contexto 42 7. O conceito 48 Passo a Passo: Passando da superfície à forma 50 Passo a Passo: Combinando materiais 52 TERCEIRA PARTE: A APLICAÇÃO 55 8. As propriedades dos materiais 55 As propriedades funcionais 60 As propriedades relativas 68 As propriedades sensoriais 68 A visão 74 Passo a Passo: Entendendo as cores 76 O tato 78 O olfato e o paladar 80 A audição 81 As propriedades ambientais 81 Informe-se 83 Seja responsável 86 Seja criativo 88 As propriedades subjetivas 88 As leituras pessoais 88 As leituras construídas social ou politicamente 89 As leituras culturais 90 As leituras do artista ou artesão 91 9. Os detalhes de construção 100 Passo a Passo: Repetindo componentes 102 Passo a Passo: Registrando juntas e conexões 104 Passo a Passo: Visitando um prédio exemplar 106 QUARTA PARTE: A COMUNICAÇÃO DESDE O CONCEITO DO PROJETO ATÉ SUA CONCLUSÃO 109 10. O pensamento e a comunicação por meio do desenho 110 11. A definição do conceito do projeto 110 Pensar “por meio do material” 113 Pensar “por meio do croqui” 114 O caderno de croquis Sumário 115 Os croquis à mão livre e os “desenhos” 116 Passo a Passo: Representando as ambiências geradas pelos materiais 118 Passo a Passo: Representando os materiais preexistentes 120 As maquetes de volumes e as maquetes de conceito 122 O vocabulário dos materiais 122 As amostras de objetos que definem o “espírito do lugar” 124 As imagens anteriores 125 12. O desenvolvimento do projeto 125 Os desenhos e as maquetes 127 O projeto assistido por computador (CAD) 129 Os mostruários e os materiais 130 Passo a Passo: Representando amostras de materiais 132 13. O detalhamento e a execução do projeto 132 O projeto executivo e os detalhes 134 As convenções de desenho 135 Representação e descrição escritas 137 Os protótipos 137 O término da construção e a avaliação pós- ocupação 138 QUINTA PARTE: AS CLASSIFICAÇÕES DOS MATERIAIS, DOS PROCESSOS E DAS FONTES 141 14. As classificações dos materiais 144 Os polímeros 146 Os metais 148 A madeira e outras fibras orgânicas 150 A cerâmica e o vidro 151 A pedra e a ardósia 152 Os produtos animais 153 Os compósitos 154 Os materiais novos e emergentes e processos 154 O desenvolvimento de materiais 154 O processamento de materiais 156 15. As fontes e os recursos dos materiais 156 As bibliotecas de ateliês de arquitetura (privadas) 156 As bibliotecas universitárias ou institucionais (semiprivadas ou públicas) 157 Os bancos de dados sobre materiais 159 As feiras, exposições e showrooms dos fabricantes 160 SEXTA PARTE: ESTUDOS DE CASO 162 Estudo de caso 1 Ambiência: Beijing Noodle Bar, Design Spirits Co. Ltd. 164 Estudo de Caso 2 Identidade da marca: Projetos para Levi Strauss, Jump Studios 166 Estudo de caso 3 Narrativas: Interiores projetados em colaboração, Tracey Neuls 168 Estudo de caso 4 Padrões e superfícies: Instalações, Gunilla Klingberg 170 Estudo de caso 5 Criando o espaço: Sistemas modula- res softwall + softblock, molo design, ltd. 174 Estudo de caso 6 Uma resposta dos materiais ao sítio: Conceito para uma instalação, Alex Hoare 176 Estudo de Caso 7 Projeto de uma exposição sustentá- vel: “Ambiência”, Casson Mann 178 Estudode caso 8 Detalhamento dos materiais e exe- cução do projeto I: Pink Bar, Jakob + MacFarlane 180 Estudo de caso 9 Detalhamento dos materiais e exe- cução do projeto II: Escada da Republic of Fritz Han- sen, BDP e Tin Tab 182 Conclusão 184 Glossário 185 Leitura recomendada 186 Sites úteis 186 Índice 191 Créditos das imagens 192 Agradecimentos dos autores 6 Introdução Introdução Até pouco tempo atrás, eram raros os livros de referência que documentavam a história e a prática do design de interiores como uma atividade específica, além de haver uma escassez de textos relevantes que promovessem um pensamento crítico sobre o assunto. No entanto, uma história mais completa e inclusiva está emergindo, e textos, livros didáticos e manuais sobre design de interiores estão começando a aparecer, com novos autores e educadores que contribuem para as práticas contemporâneas. Baseamo-nos nessas referências, e esperamos que este livro também dê sua contribuição, particularmente como um recurso para os estudantes que pretendem aprofundar seus conhecimentos sobre o uso de materiais no contexto do design de interiores. Compreender o processo de seleção, composição e combinação dos materiais é essencial nesta área. Os projetistas devem ser capazes de avaliar as propriedades estéticas e funcionais dos materiais e, ao mesmo tempo, manter uma postura ética, investigativa e inovadora. Também devem entender como a escolha dos materiais definirá o caráter de um ambiente interno e influenciará a maneira como seus usuários o percebem. Este livro busca explorar a relação entre os materiais e o ambiente interno. Analisa como e por que os materiais são selecionados para diferentes contextos, as “leituras” e significados dos materiais, como eles são combinados e empregados, como os conceitos de material e intenções do projetista são representados e comunicados em várias etapas de um projeto, as fontes que os projetistas podem usar ao selecionar materiais, os tipos de materiais e as metodologias para classificá-los. Também inclui estudos de caso que exemplificam os diferentes usos dos materiais no interior. O livro está estruturado por meio dos seguintes títulos: Introdução 7 Primeira Parte: O contexto histórico dos materiais no design de interiores A maneira como os materiais são utilizados em um ambiente interno pode ser influenciada pelo contexto histórico, cultural e físico, assim como pelas tradições e convenções absorvidas pelo projetista. Os usos tradicionais dos materiais e as técnicas de construção tradicionais irão variar de acordo com o tempo e o lugar; as práticas estabelecidas podem ser adotadas ou adaptadas pelos designers de interiores, e esses métodos podem ser combinados com tecnologias e materiais contemporâneos ou substituídos por eles. Ao selecionar e combinar materiais, os arquitetos também podem se inspirar em outras práticas culturais de sua sociedade ou da comunidade global, mais ampla, de artistas e outros projetistas, como pintores, escultores, estilistas e desenhistas de móveis. Esta seção introduz algumas das influências que contribuíram para o uso dado aos materiais no design de interiores durante os séculos XIX e XX. Na página anterior Etapas, exposição na vila Noailles, Hyères, França, 2008. A exposição incluía três produtos dos irmãos Bouroullec: Raintiles, plaquetas de tecido com conectores embutidos, projetadas pela Kvadrat (à esquerda); Algues, projetadas pela Vitra (acima, à direita); e Roc, um protótipo de divisória, também projetado pela Vitra, utilizando componentes de papelão forrados com tecido (abaixo, à direita). Acima, à esquerda e à direita O museu Castelvecchio, em Verona, Itália (à esquerda), e a Fundação Querini-Stampalia, em Veneza, Itália (à direita), exemplificam a maestria de Carlo Scarpa na seleção e justaposição de materiais em projetos dentro de edificações históricas. 8 Introdução Segunda Parte: A seleção dos materiais Ao considerar os materiais para uso em um interior nas etapas iniciais de um projeto, o designer de interiores precisará se envolver com o cliente, o programa de necessidades e o sítio. Durante a definição do programa de necessidades, serão discutidas e estabelecidas questões de projeto e considerações- -chave, como a identidade visual do cliente, seus valores, suas aspirações funcionais e necessidades espaciais; os custos; e também a sustentabilidade. Esse processo analítico em busca de um consenso também incluirá uma “leitura” do espaço – pode ser uma edificação já existente, uma que exista apenas em desenhos e maquetes ou um local imaginário que ainda será escolhido. Essas discussões iniciais geralmente resultam em um programa de necessidades mais bem definido e uma compreensão das oportunidades e limitações – ou seja, resultam em parâmetros criativos dentro dos quais os arquitetos gerarão suas ideias e selecionarão os materiais. Nesse momento, os conceitos de projeto podem começar a emergir e serão apresentados com imagens prévias ou projetos de referência, amostras de materiais e croquis e maquetes de estudo. A partir de então, discussões e debates, testes de alternativas e aprimoramentos do conceito levarão a uma proposta de projeto clara com a qual todos estarão de acordo. Durante esse processo, uma paleta de materiais será considerada: tanto os do sítio existente quanto os propostos para a intervenção no interior. Esses materiais podem gerar os conceitos e dar-lhes forma, e também podem se combinar como uma resposta aos conceitos espaciais (isto é, a forma segue os materiais ou os materiais seguem a forma). Os designers de interiores podem buscar inspiração diretamente no sítio e no programa de necessidades ou podem ir além desses pontos de partida, observando o trabalho de profissionais de outras disciplinas. Acima Corte de Papel, exposição no showroom da Yeshop Inhouse em Atenas, do dARCHstudio. Em alguns casos, a escolha do material principal gera todo o projeto; em outros, é uma resposta ao sítio ou ao programa. À direita, no alto O produto de Ruth Morrow e Trish Belford, Girli Concrete (placas de concreto e tecido), exemplifica como é possível desafiar as convenções e justapor materiais diferentes. À direita, abaixo Levar em consideração a cor e a textura de um material é parte essencial do desenvolvimento de um conceito. Os designers de interiores geralmente começam com a coleta de amostras (neste caso, para um carpete). Introdução 9 Terceira Parte: A aplicação Uma vez que os conceitos de projeto foram propostos e aceitos, o designer de interiores começará um rigoroso processo de avaliação dos materiais selecionados e de suas propriedades estéticas e funcionais, que incluirá questões de composição, durabilidade e sustentabilidade. Esses materiais serão especificados para a criação de um conjunto coeso, uma ambiência específica e uma relação “equilibrada” entre as propriedades funcionais e sensoriais. Mudanças ou ajustes sutis em qualquer ingrediente podem afetar a leitura do ambiente interno. Além da paleta de materiais, o arquiteto levará em consideração a maneira como os materiais serão justapostos e reunidos: o detalhamento de juntas, conexões, fixações e ferragens (o que geralmente é o gerador dos conceitos de projeto, um ponto de partida, e não o final do processo). No alto Detalhe das juntas entre placas de mármore no museu Castelvecchio, de Carlo Scarpa, em Verona, Itália. Logo acima Camper Together, 2009, Paris, França, e Copenhague, Dinamarca, um projeto do Studio Bouroullec. Nesta loja, os arquitetos optaram por uma composição com cores complementares e texturas contrastantes. 10 Introdução Quarta Parte: A comunicação desde o conceitodo projeto até sua conclusão O processo de registro de observações, reflexão por meio de desenhos e desenvolvimento de conceitos e propostas de projeto para o uso e a aplicação dos materiais em interiores, pode ser representado e comunicado de diversas maneiras pelo arquiteto. Alguns métodos, como o uso de croquis, fazem parte de seu trabalho pessoal, ao passo que outros são utilizados para comunicar as intenções a um grupo maior de pessoas, como o cliente, os usuários, os construtores e os instaladores prediais. Para comunicar as características visuais de um interior e as propriedades dos materiais selecionados, podem-se utilizar desenhos, como croquis (esboços feitos à mão), perspectivas cônicas e perspectivas axonométricas. Também serão usadas maquetes, imagens e animações geradas por computador e amostras de materiais. Junto com essas imagens e artefatos visuais geralmente sedutores, são necessários plantas e cortes mais precisos para contextualizar os materiais. Desenhos técnicos dos detalhes também determinam a combinação dos materiais e as técnicas de construção. Às vezes, na etapa de execução de uma obra, os materiais também precisam ser relatados por escrito. Essa documentação escrita costuma ser chamada de especificações: uma lista de materiais que serão utilizados em um espaço e a descrição das fontes e fornecedores, como serão seus acabamentos e sua organização e qualquer fator especial que deva ser levado em conta. À esquerda Um desenho em perspectiva feito à mão geralmente é a maneira mais eficaz de comunicar o conceito inicial a um cliente. Este exemplo ilustra o Museu dos Esportes, projetado por Rem Koolhaas e Luc Reuse (OMA) em Flevohof, Países Baixos. Abaixo A visualização digital de um pavilhão de esportes. Introdução 11 Quinta Parte: As classificações dos materiais, dos processos e das fontes Os materiais podem ser agrupados e descritos mediante diversas abordagens. Podem ser classificados de acordo com seus componentes – isto é, naturais, sintéticos, compósitos (compostos) etc. – ou de acordo com suas possíveis aplicações ou necessidades funcionais: o uso em paredes, pisos, forros etc. Há muitos outros métodos de arquivamento e categorização de materiais, como os agrupamentos científicos, sensoriais ou estéticos, que podem desafiar a prática convencional do arquiteto. Os diferentes tipos de materiais também são fabricados e acabados por meio de diversos processos tradicionais e contemporâneos. Há uma grande variedade de fabricantes e fornecedores que podem contribuir com informações e amostras de materiais que os designers de interiores podem guardar em suas bibliotecas. Além disso, estes têm acesso a arquivos consolidados e bibliotecas de materiais – físicos, em livros e na internet – que podem inspirar e conter sugestões de usos e aplicações alternativas. Essas bibliotecas e esses arquivos podem, muitas vezes, aproximar a produção científica de materiais do arquiteto inovador que busca novas possibilidades e soluções. Sexta Parte: Estudos de caso Inúmeros estudos de caso foram selecionados para ilustrar usos específicos dos materiais, por exemplo: como são utilizados para comunicar a marca, os valores e a identidade de um cliente; usos sustentáveis; métodos de construção; as abordagens artísticas dos materiais para o design de interiores; as abordagens interdisciplinares; e a criação de ambiências por meio da seleção de materiais. Nesta página Uma seleção de diversos materiais Tapete de fibra vegetal Mosaico de vidro Mármore Plástico tecido Mosaico de madrepérola PRIMEIRA PARTE O CONTEXTO HISTÓRICO DOS MATERIAIS NO DESIGN DE INTERIORES 15 1. A ERA INDUSTRIAL: OS MATERIAIS NOS MOVIMENTOS DE ARQUITETURA E DE DESENHO DE PRODUTOS 24 2. EVOLUÇÃO DOS MATERIAIS 26 3. A INFLUÊNCIA HISTÓRICA DA AGENDA AMBIENTAL E SEU IMPACTO SOBRE OS MATERIAIS 27 4. O SÉCULO XXI 14 O contexto histórico dos materiais no design de interiores Atualmente vivemos um momento interessante para a prática do design de interiores. Devido às pressões ambientais e econômicas, as edificações são frequentemente reformadas ou recicladas no uso em vez de reconstruídas, e os designers devem ser capazes de fazer intervenções sensatas em interiores preexistentes. Além disso, os ateliês geralmente apresentam abordagens interdisciplinares nas quais designers de interiores, desenhistas gráficos, desenhistas de produtos e de móveis, desenhistas de tecidos, artistas e arquitetos com outras especializações trabalham colaborativamente nos projetos: os designers de interiores trabalham com desenho gráfico, os arquitetos detalham os produtos, os desenhistas de tecidos e os artistas trabalham com o espaço. Essa abordagem interdisciplinar do projeto permite ultrapassar as fronteiras e adotar diferentes metodologias, resultando em ambientes de trabalho férteis e soluções inovadoras. Isto é particularmente relevante quando consideramos a maneira como os materiais são utilizados em um interior. Além dessas mudanças nas práticas de trabalho, novas tecnologias têm transformado os processos de projeto, desenho e fabricação, produzindo uma nova geração de materiais sofisticados que os projetistas inovadores podem combinar com métodos mais tradicionais para criar interiores interessantes e contemporâneos. Abaixo, à esquerda e à direita A exposição Casa Ideal, de 2004, em Colônia, Alemanha, um projeto do Studio Bouroullec. Nesta instalação, o Studio Bouroullec utilizou componentes poliméricos moldados por injeção (chamados algues – algas), que foram conectados para criar uma divisão do espaço. Todos os arquitetos e desenhistas de produtos são influenciados pela época e pelo local em que trabalham; os conceitos de projeto são concebidos e executados dentro de um contexto cultural particular e são influenciados pelas oportunidades e limitações da sociedade. As tradições de projeto são herdadas, absorvidas e adaptadas para responder aos ambientes contemporâneos e às necessidades dos usuários. Os projetos podem ser uma questão de gosto e sofrer influência de diversos fatores sociais e culturais, desde a economia, a política e a tecnologia até o cinema, a literatura, a moda e os tecidos, além, é claro, da própria arte e da arquitetura em geral. Os arquitetos e desenhistas de produtos também são influenciados por seus antecessores, de quem herdam ricas fontes de inspiração e conhecimento que se acumulam a cada geração. Nesta seção do livro, analisaremos como, historicamente, algumas dessas questões têm influenciado a seleção de materiais para o uso em interiores e identificaremos algumas das pessoas que tiveram uma influência significativa sobre o design de interiores. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos 15 1. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos A Revolução Industrial na Europa e na América do Norte transformou os métodos de produção e o uso de materiais no desenho de produtos e móveis e no projeto de interiores. Os processos de fabricação se tornaram cada vez mais mecanizados, as máquinas a vapor alimentadas por carvão mineral foram adotadas (substituindo os moinhos de água, os seres humanos e os animais como principais fontes de energia) e os transportes foram aprimorados, permitindo que as indústrias tivessem acesso a abundantes fontes de minerais e matérias-primas. Essas mudanças foram significativas para a produção de ferro e aço, além da indústria têxtil, que aumentou sua capacidade de produzir diferentes tecidos para usos distintos. A busca por materiais totalmente sintéticos também se iniciou nesse período. A Revolução Industrial levou ao abandonodo trabalho manual para a adoção da produção em série de artefatos de cerâmica, móveis, carpetes e outros objetos domésticos. A produção de papéis de parede e tecidos para cortinas e estofamentos, antes impressos à mão com o uso de blocos, transformou-se graças à mecanização e à invenção de tinturas baratas à base de anilina,¹ que substituíram os pigmentos naturais extraídos de insetos, plantas e flores. Essas mudanças permitiram uma abundante produção de papéis de parede e tecidos com diversas cores e estampas. Durante esse período, o padrão de vida aumentou, e o consumidor de classe média passou a ter renda para investir na decoração interna de sua casa, seguindo as tendências da moda e, muitas vezes, imitando o estilo das classes sociais superiores.² Objetos que antes eram considerados extravagâncias passaram a ser vistos como necessidades, e iniciou-se uma era de consumismo em massa e busca por gratificação imediata. O povo estava fascinado com a nova era de abundância,³ e a indústria agora tinha a capacidade necessária para oferecer projetos bons e baratos a um mercado de massa. 1 Cohen, Deborah. Household Gods, the British and their Possessions. New Haven, Yale University Press, 2006, p. 36. 2 Massey, Anne. Interior Design since 1900. Londres, Thames & Hudson, 2008, p. 7. 3 Cohen. Op cit., p. 34. Outra mudança significativa gerada pela Revolução Industrial foi a iluminação artificial. Na época das velas e das lâmpadas a gás (introduzidas nas casas na Era Vitoriana), escolhiam-se materiais escuros para disfarçar as marcas de fuligem e materiais refletivos, dourados e espelhos para aumentar a sensação de iluminação. No final da Era Vitoriana, a luz elétrica era utilizada em muitas casas, e isso mudou as características funcionais e estéticas de alguns materiais. Embaixo O Chá, óleo sobre tela, cerca de 1880, de Mary Cassatt. A representação do interior de uma casa da classe média com os produtos da Revolução Industrial: tecidos, papéis de parede, louça e prataria produzidos em série (Fotografia ©2012 Museu de Belas Artes, Boston.) 16 O contexto histórico dos materiais no design de interiores Nem todos os projetistas e escritores do período adotaram essas mudanças. John Ruskin (1819-1900), um artista, poeta e crítico muito influente, lamentava o abandono do trabalho artesanal e considerava a nova forma de produção desumana e imoral: Foi a denúncia amarga de Ruskin sobre o desenho de objetos de produção industrial que teve o maior impacto sobre o movimento artes e ofícios. A ideia de que esses objetos seriam inevitavelmente vulgares e espalhafatosos levou à apologia do retorno ao trabalho manual como a única alternativa possível de reforma.4 O movimento artes e ofícios foi fundado por William Morris (1834-1896), um escritor, projetista e socialista que acreditava no valor intrínseco dos produtos feitos à mão, pois, diferentemente dos artefatos fabricados em série, estavam imbuídos da marca e da essência de seu criador. Ele fundou a Morris, Marshall, Faulkner & Co. tendo como sócios Edward Burne-Jones e Dante Gabriel Rossetti, e essa empresa se tornou a Morris & Co., uma fabricante de tecidos e papéis de parede pintados à mão ainda em operação. A abordagem artesanal pode ser vista na própria casa de Morris, Kelmscott Manor: o papel de parede pintado à mão, os tapetes artesanais decorativos pendurados nas paredes – as marcas do carpinteiro, do tapeceiro e do artesão do metal estão todas visíveis. Estilística e filosoficamente, o movimento artes e ofícios tinha muito em comum com os historicistas góticos, como a tendência de romantizar o passado. 4 Pile, John. A History of Interior Design. Londres, Laurence King, 2000, p. 267. Embaixo, à esquerda A preferência de William Morris pelo trabalho artesanal fica evidente em sua própria casa, Kelmscott Manor, em Gloucestershire, Inglaterra. Embaixo, à direita A madeira escurecida com a aplicação de um stain utilizada na Escola de Arte de Glasgow, na Escócia, projetada por Charles Rennie, tem um aspecto artesanal. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos 17 Charles Rennie Mackintosh (1868-1928) foi um arquiteto e desenhista de produtos escocês conhecido por seus projetos de arquitetura, interiores e móveis. Ele herdou algumas tradições do movimento artes e ofícios, que aparecem no uso excessivo de materiais artesanais que jaz em projetos como a Casa da Colina (1902), em Helensburgh, e a Escola de Arte de Glasgow (1907-9). No entanto, ao viajar pela Europa, foi influenciado pelos movimentos artístico continental e arquitetônico arte nova, que surgiram na década de 1890. A arte nova defendia uma abordagem interdisciplinar do projeto, com artistas, projetistas e arquitetos trabalhando em conjunto na criação de interiores completamente integrados (isso pode ser observado em muitos escritórios de arquitetura atuais). Seus exponentes adotaram algumas inovações da Revolução Industrial, particularmente a produção de novos materiais: O progresso na construção à base de ferro durante a segunda metade do século XIX é fundamental para o desenvolvimento da arte nova nos projetos de interior. O uso inicial de metais expostos nos interiores das casas teve implicações radicais no contexto dos estilos e dos materiais tradicionais utilizados pelos arquitetos beaux-arts.5 Em 1862, na Exposição Internacional de Londres, artistas e desenhistas de produtos europeus puderam observar uma grande coleção de obras de arte e objetos japoneses, incluindo artefatos com madeira laqueada, xilogravuras, estampas e tecidos. Embora a arte e os projetos japoneses já tivessem alguma influência no Ocidente, essa exposição (e o japonismo em geral) teve um impacto significativo sobre os artistas e desenhistas de produtos da época, bem como sobre as gerações seguintes, como Eileen Gray (1878-1976) e Aubrey Beardsley (1872-1898). O uso que este fazia da linha fluida e da composição tem clara influência japonesa, e sua obra inspirou os principais arquitetos e artistas do movimento arte nova – como Victor Horta, na Bélgica, e seu uso de metais expostos decorativos e formas vegetais, e Hector Guimard, na França, famoso por seus desenhos para as entradas metálicas do metrô de Paris. Os arquitetos e desenhistas de produtos desse movimento utilizavam materiais para criar formas orgânicas e superfícies estampadas muito decorativas, ricas em cores e texturas. Ao mesmo tempo em que sofreu uma influência dos países da Europa continental, Charles Rennie Mackintosh exerceu forte influência sobre os secessionistas de Viena. Estes tinham o objetivo de romper com as práticas e tradições estabelecidas na arte e na arquitetura austríacas e, como os arquitetos e os desenhistas de produtos da arte nova, ultrapassaram as fronteiras “profissionais” e buscaram unir as artes: pintura, desenho, arquitetura e música. Assim Abaixo (figura superior) O trabalho de marcenaria na sala de jantar do museu de Victor Horta, em Bruxelas, Bélgica, ilustra as formas orgânicas próprias da arte nova. Abaixo (figura inferior) Hector Guimard utilizou artigos decorativos de ferro e vidro para criar as formas vegetais características das entradas do metrô de Paris. 5 Massey. Op. cit., p. 33. 18 O contexto histórico dos materiais no design de interiores como os profissionais do movimento artes e ofícios, eles tinham preferência por acessórios e equipamentos de boa qualidade feitos à mão e obras de arte integradas a eles a fim de criar interiores holísticos e decorativos. Em 1917, durante um período influenciado pela emergência do movimento modernista, na arquitetura, e da arte decô, Eileen Gray projetou todo ointerior de um apartamento parisiense na rue de Lota – os cômodos, móveis e acessórios – como um híbrido de elementos modernistas e decorativos. Ela mobiliou o apartamento com seus próprios produtos, incluindo suas cadeiras Pirogue e Serpente e seu biombo laqueado (ela havia aprendido como utilizar as técnicas japonesas de laqueação), e também desenhou outros móveis, criando um “todo” coeso. Esse interior, assim como seus outros trabalhos, exerceu influência significativa tanto sobre seus contemporâneos quanto sobre as gerações seguintes de designers de interiores e desenhistas de produtos. O movimento arte decô ganhou reconhecimento na França na década de 1920 e passou a influenciar a arte e a arquitetura internacionais – particularmente no Reino Unido e nos Estados Unidos. Esse movimento fazia referência a diversas influências, da arte africana à asteca e à egípcia. Em 1922, Howard Carter descobriu a tumba de Embaixo, à esquerda (figura superior) Arquitetos, artistas e desenhistas de produtos colaboraram para o projeto de interior da XIV Exposição Secessionista, em Viena, 1902. O friso de Gustav Klimt, pintado diretamente sobre as paredes, pode ser visto ao fundo. Embaixo, à esquerda (figura inferior) Os materiais utilizados por Eileen Gray no apartamento da rue de Lota, em Paris, integraram arte decô e modernismo. Esta imagem mostra o apartamento após a reforma de Paul Ruaud, de 1930; sua cadeira Pirogue pode ser vista à esquerda. Embaixo, à direita Emile-Jacques Ruhlmann, desenhista de móveis e designer de interiores, foi influenciado pela arte nova, pelo movimento artes e ofícios e pelo mobiliário do século XVIII. Ele utilizava materiais exuberantes, especialmente madeiras raras, como ilustra esta aquarela de um interior, de 1926. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos 19 Tutancâmon, e isso estimulou muito o interesse do público pelo estilo egípcio, moda que foi adotada pelos arquitetos e designers da arte decô: cinemas, fábricas como o edifício Hoover e móveis foram “egipcianizados”. Materiais exuberantes, raros e ostentosos como mogno e ébano (empregados na marchetaria), peles de animais e acabamentos extremamente laqueados, foram combinados com materiais mais modernos, como o alumínio e a baquelite, o primeiro plástico produzido em massa. O estilo arte decô passou a ser utilizado nos cenários dos filmes de Hollywood; por exemplo, nos projetos de Cedric Gibbons para filmes como Grande Hotel (1932) e Nascida para Dançar (1936), de Fritz Lang para Metrópolis (1927) e de Darrell Silvera para Ritmo Louco (1936). Esses filmes glamorosos ajudaram a internacionalizar e popularizar o estilo, o uso de materiais e a decoração propostos por esse movimento, que depois foi adaptado a interiores domésticos comuns. Durante esse período, muitas mulheres começaram a exercer forte influência sobre o design de interiores e o desenho de produtos, como Candace Wheeler, Edith Wharton, Elsie de Woolf e Syrie Maugham – esta se tornou famosa por seu interior branco, projetado para uma vila em Le Touquet. Outra figura importante na história do design de interiores que também trabalhou neste período foi Pierre Chareau (1883-1950). Como Eileen Gray, o uso que faz de materiais também foi influenciado tanto pelos princípios modernistas quando pelas artes decorativas. Em seu projeto para a Casa de Vidro (1928-32), em Paris, França, ele justapôs vigas estruturais de aço aparentes, utilizadas para criar uma planta livre (sem divisões internas portantes), com móveis e acessórios arte decô; elevações envidraçadas (utilizando blocos de vidro) com divisórias decorativas; e materiais contemporâneos, como metais perfurados, borrachas e concreto com móveis de madeira e tecidos refinados. À direita Na Casa de Vidro, em Paris, França, Pierre Chareau reuniu os materiais utilizados pelos artistas da arte decô e das artes decorativas com aqueles disponibilizados pela Revolução Industrial e preferidos pelos modernistas. Embaixo, à direita Casa Schröder, em Utrecht, Países Baixos, de Gerrit Rietveld, 1924. A seleção, a forma e o detalhamento dos materiais refletem os conhecimentos de Rietveld sobre a fabricação de móveis e também correspondem aos princípios do de stijl. Gerrit Rietveld, contemporâneo de Chareau, era membro do movimento artístico de stijl e aplicou a filosofia desse movimento ao projeto da casa Schröder (1924), em Utrecht, Países Baixos, que projetou em colaboração com o cliente, a sra. Truus Schröder-Schräder. A casa é considerada uma materialização dos princípios do de stijl: o uso de formas geométricas simples; os planos verticais e horizontais que deslizam e se cruzam; e os móveis, as cores primárias e os materiais essenciais e “verdadeiros” que parecem uma interpretação tridimensional de uma pintura de Piet Mondrian. Os materiais utilizados são simples e foram combinados com técnicas de carpintaria. É importante ressaltar que o movimento de stijl influenciou os fundadores da Bauhaus, na Alemanha (1919-33), incluindo o arquiteto modernista Walter Gropius, e que a Bauhaus, por sua vez, impulsionou o modernismo e influenciou muitas gerações de arquitetos, desenhistas de produtos, designers e educadores. 20 O contexto histórico dos materiais no design de interiores edifícios populares altos e de alta densidade, com interiores funcionais e compactos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo britânico introduziu o Esquema Utilitário como resposta à escassez de materiais e de mão de obra. O mobiliário só poderia ser adquirido utilizando um sistema de pontos, e os preços dos insumos e dos móveis eram fixos. O desenho do mobiliário adotou algumas convenções modernistas e o uso de materiais foi minimizado, resultando em opções limitadas de produtos e uma abordagem enxuta e minimalista (em termos de escala e insumos). A resposta utilitária adequava-se às exigências da estética e da escala das habitações do pós-guerra. Essa abordagem do mobiliário doméstico em tempos de guerra e em habitações do pós-guerra ilustra muito bem a importância da riqueza, da mão de obra e da disponibilidade de materiais na evolução dos interiores – questões muito relevantes para os arquitetos contemporâneos. Os movimentos do surrealismo, da pop art e da op art também influenciaram o uso de materiais nos interiores; isso fica particularmente claro nos interiores domésticos e comerciais das décadas de 1960 e 1970, nos quais os cômodos se tornaram “um ambiente, um happening ou uma pintura”.8 Os princípios e conceitos desses movimentos correspondiam à indiferença da cultura consumista/pop em relação à tradição e à longevidade e sua ânsia por novos produtos poliméricos e descartáveis, que rapidamente se tornam obsoletos. Bem à esquerda e à esquerda O Pavilhão de Barcelona, Espanha, de Ludwig Mies van der Rohe, 1928-9, e a vila Savoye, em Poissy, França, de Le Corbusier, 1928-30. Le Corbusier e Mies responderam de maneira positiva aos novos materiais e tecnologias da era industrial e foram os líderes do movimento modernista na arquitetura. No Pavilhão de Barcelona, Mies criou uma planta livre utilizando vidro e pilares de aço distribuídos sobre um plinto de mármore travertino; os planos verticais de travertino e o ônix verde e dourado foram utilizados para definir o espaço. Na vila Savoye, Le Corbusier utilizou materiais menos luxuosos: concreto, cerâmica, pastilhas cerâmicas e vidro. Os arquitetos e desenhistas de produtos do modernismo adotaram as mudanças de fabricação provocadas pela Revolução Industrial. Eles estavam entusiasmados com os sistemas de produção em série, a eficiência e a padronizaçãodos componentes, os novos materiais (como o concreto, o aço doce e o vidro expandido) e com os avanços em outros campos de projeto, como as indústrias automotiva e aeronáutica. Eles defendiam o abandono da decoração aplicada (uma postura defendida primeiramente por Adolf Loos em seu manifesto Ornamento e Crime de 1908), sustentando a “honestidade no uso dos materiais”6 e uma doutrina de que “a forma sempre segue a função”,7 na qual os materiais estão adequados quando empregados de acordo com suas propriedades funcionais e revelam suas características essenciais, descartando a necessidade de revestimentos decorativos, reboco, pintura e materiais “falsos” (que imitam outros materiais). O uso de aço e concreto estrutural dispensa a necessidade das pesadas paredes portantes, o que levou à liberação da planta (a “planta livre”, como promovida pelo arquiteto suíço Le Corbusier, foi um de seus cinco pontos da arquitetura) e à liberação da elevação. O interior e o exterior não se polarizavam mais como experiências espaciais, visto que o uso crescente do vidro levou a conexões fluidas entre os dois: o exterior se tornou a paisagem material do interior. Um dos desejos dos modernistas era criar um ambiente urbano utópico, um ideal que respondesse à indústria moderna, à mecanização, à ciência e à fabricação e que rompesse seus vínculos com as tradições antiquadas do passado. A influência dessa visão (embora um pouco distorcida) pode ser vista nas habitações do pós-guerra: 6 Conceito atribuído a John Ruskin e associado ao artista Henry Moore. 7 Frase cunhada pelo arquiteto norte-americano Louis Sullivan em 1896. 8 Massey. Op. cit., p. 185. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos 21 O desafio do desenho pop às noções de tradição e longevidade foi ainda mais enfatizado pela produção de móveis descartáveis. A falta de seriedade e a irreverência pop criaram um contexto no qual os móveis poderiam ser feitos de um papelão resistente, montados pelo comprador, desfrutados por cerca de um mês e descartados assim que fosse lançado o próximo modelo.9 Na segunda metade do século XX, os períodos de rápido crescimento econômico continuaram a alimentar a demanda por interiores comerciais e domésticos, levando ao reconhecimento do design de interiores como uma profissão independente. Nesse período pós-moderno, não havia retórica ou ideologia unificadora, mas era possível observar a influência dos movimentos anteriores. O Grupo Memphis, movimento fundado na década de 1980 pelo arquiteto e desenhista de produtos italiano Ettore Sottsass (1917-2007), incorporava as ideologias pós- modernas. Projetistas como Sottsass e os arquitetos Michael Graves, dos Estados Unidos, e Hans Hollein, da Áustria, abandonaram o dogma do modernismo, inspirando-se no surrealismo, na pop art e na op art, utilizando cores fortes, Abaixo A influência do movimento pop art pode ser vista no interior de Ben Kelly para a casa noturna Haçienda, em Manchester, 1982. Criado contra um fundo azul claro, seu imaginário gráfico brilhante inspirado no ambiente urbano de olhos-de-gato e frades (geralmente utilizados nas calçadas, junto ao meio-fio) compõe o interior e cria uma cidade dentro da cidade. laminados estampados e formas elaboradas; referências à arte decô também podem ser observadas. Os projetos que esse grupo produziu tiveram influência em todo o mundo. O designer de interiores e desenhista de produtos francês Philippe Starck (nascido em 1949) e o arquiteto holandês Rem Koolhaas (nascido em 1944) também estavam trabalhando nesse período. Starck tanto desenha produtos quanto projeta interiores e, como outros pós-modernistas, sua obra faz referência a diferentes gêneros e estilos. Rem Koolhaas é sócio-fundador do OMA (Office for Metropolitan Architecture). O projeto do OMA para o Teatro da Dança dos Países Baixos, em Haia (1987), adota uma abordagem dinâmica e imprevisível do uso dos materiais e da forma. Criando um contraponto, os minimalistas, que também trabalhavam na década de 1980, continuaram e adaptaram as tradições do modernismo. As características inerentes dos materiais eram utilizadas e reveladas e os projetos de arquitetura interiores e desenho de produtos eram reduzidos ao essencial: À direita Ettore Sottsass e o Grupo Memphis tinham uma abordagem eclética e pós-moderna em relação aos materiais, inspirando-se na pop art, na op art, na arte decô e no desenho de produtos clássico. O armário Casablanca, de 1981, mostrado na fotografia, faz referência ao mobiliário clássico, mas seus acabamentos decorativos com laminado plástico são uma celebração da cultura moderna de consumo. 9 Ibid., p. 178. 22 O contexto histórico dos materiais no design de interiores Embaixo, à esquerda e à direita No projeto do OMA para o Teatro da Dança dos Países Baixos, os materiais parecem fragmentos desconectados. Materiais industriais, como chapas de aço dobradas, foram justapostos e colados a materiais e acabamentos mais caros, como estuque, mármore e ouro em folha. Com suas sugestões japonesas redutivistas, os interiores estéticos e minimalistas das décadas de 1980 e 1990 ofereciam um oásis de calma muito difundido tanto nos espaços domésticos quanto comerciais, que pareciam continuar a tradição modernista de impor a ordem e a regulação a seus habitantes.10 O final do século XX também marcou o início da Revolução Tecnológica e da Era da Informação, com transformações sociológicas que foram expressas na arquitetura e no desenho de produtos em um estilo conhecido como high-tech. O projeto icônico de Richard Rogers (inglês, nascido em 1933) e Renzo Piano (italiano, nascido em 1937) para o Centro Pompidou (1971-7) é um exemplo notável disso. Essa também foi uma época em que antigas instalações industriais (edificações e terrenos), como docas, galpões e fábricas, começaram a ser recuperadas.¹¹ Esses eventos concorrentes produziram um híbrido fascinante: os materiais industriais originais das edificações preexistentes passaram a ser casados com novos materiais selecionados por sua estética industrial, e os vários tipos de instalações prediais (hidrossanitárias, elétricas, de tecnologia da informação etc.) foram deixados à vista. Essa abordagem industrial high-tech ainda exercia influência no final do século XX e pode ser observada no interior da STUDIOS architecture para a Cartoon Network, em Burbank, Califórnia (completado em 2000), e no da Future Systems para a Comme des Garçons, em Nova York (1998). A influência da tecnologia também mudou os processos de produção de materiais, moldagem e construção, como veremos mais adiante neste capítulo. 10 Massey et al. Designing the Modern Interior. Oxford, Berg, 2009, p. 221. 11 Ibid., p. 224. A Era Industrial: Os materiais nos movimentos de arquitetura e de desenho de produtos 23 No alto O interior de John Pawson para a loja Jigsaw exemplifica o uso minimalista de materiais: as texturas ricas das roupas contrastam com o interior frio, calmo e despojado, com divisórias de acrílico translúcido, pedra e paredes brancas. Acima Como o tubo de um saxofone, a entrada tubular de alumínio escovado projetada pela Future Systems cria uma passagem que conecta o interior e o exterior, o velho e o novo. O tubo é uma estrutura monocoque formada por chapas de alumínio de 6 mm sem juntas aparentes; a porta é uma única folha de vidro com uma dobradiça pivotante deslocada. Acima Hotel Saint Martins Lane, em Londres. Os projetos irreverentes de Philippe Starck frequentemente envolvem a combinação de elementos díspares e materiais como plástico, veludo, ouro em folha e vidro, compostos para criarum verdadeiro quadro vivo teatral. Starck também manipula formas familiares, mudando a escala e o contexto para criar composições surreais. 24 O contexto histórico dos materiais no design de interiores 2. A evolução dos materiais Um dos avanços tecnológicos mais significativos que influenciaram o design de interiores no século XX foi a produção de plásticos e dos materiais e produtos associados a eles. Estes incluíam a baquelite, o primeiro plástico sintético produzido em série; o náilon, a primeira fibra completamente produzida pelo homem; outros polímeros sintéticos, como o PVC e o poliestireno; os plásticos moldados (formas plásticas criadas com a aplicação de calor ou pressão); e os laminados plásticos. As guerras mundiais e o desenvolvimento das indústrias automotivas impulsionaram a pesquisa e o desenvolvimento dos materiais e das tecnologias avançadas, como a moldagem de plásticos por injeção e a madeira compensada, produzida com lâminas de madeira prensadas e coladas.12 Essas tecnologias influenciaram o design de interiores e o desenho de móveis e produtos. Os móveis, especialmente as cadeiras, frequentemente têm papel significativo na definição da materialidade Acima Coleção Vitra Home, 2004, projetada pelo Studio Bouroullec. Embora geralmente sejam elementos temporários, os móveis podem influenciar ou definir a paisagem material de um interior. Esta exposição, realizada pelo Studio Bouroullec, para a fabricante de móveis Vitra, inclui de um interior e, talvez por causa de sua escala reduzida (se comparada à dos cômodos e das edificações), as cadeiras servem como protótipos para a criação e o desenvolvimento de materiais e processos de fabricação. Elas frequentemente se tornam ícones porque incorporam as inovações materiais de sua época e influenciam a maneira como os materiais são utilizados em outros contextos, como o ambiente construído. Exemplos notáveis incluem: a cadeira no 14 de Thonet (1859), uma das primeiras cadeiras produzidas em série, de madeira maciça vergada a vapor; a cadeira Wassily, de Breuer (década de 1920), que foi pioneira no uso de tubos de aço sem costura e consolidou a prática; a cadeira Concha, de Charles e Ray Eames (1952), a primeira cadeira de plástico a ser produzida em série, e também sua “família” de cadeiras de madeira compensada moldada, ainda fabricada 12 Massey. Op.cit., p. 155. móveis desenhados por Ray e Charles Eames, Verner Panton, Gio Ponti, Arne Jacobsen, Maarten van Severen e Jasper Morrison. A evolução dos materiais 25 pela Vitra; e a cadeira de polipropileno de Robin Day, desenhada para Hille em 1963. Em 1956, os plásticos foram utilizados pela primeira vez na carroceria de um carro (o Citroën DS) e também nos desenhos de componentes para naves espaciais. Esses avanços inspiraram muitos designers de interiores e desenhistas de produtos, que basearam seu estilo e seleção de materiais nessas indústrias. Podemos observar isso na Casa do Futuro, de Alison e Peter Smithson: Pode-se dizer que a mais pura expressão da ideologia pop dos Smithson é a Casa do Futuro, a visionária “casa modelo” que projetaram em 1956 para a exposição A Casa Ideal do Daily Mail. Projetada, principalmente por Alison, para ser uma edificação de plástico que poderia ser produzida em série em sua totalidade, não só em partes, a casa incluía características futuristas e inovadoras para a época, como uma banheira autolimpante, cantos fáceis de limpar e controles remotos para a televisão e a iluminação.13 A chegada à Lua, em 1969, teve um impacto significativo sobre o estado de espírito e o imaginário coletivo. A cultura popular adotou ideias futuristas e comunicou-as às massas: a estética da Era Espacial ficou evidente na música, na moda e no cinema e se refletiu nos materiais empregados no design de interiores. Nas décadas de 1960 e 1970, houve uma explosão na produção de plásticos extremamente desenvolvidos. Os artistas, arquitetos e desenhistas de produtos testaram o potencial desses materiais, que passaram a ser utilizados em móveis, produtos, roupas e tecidos domésticos. Agora os plásticos estavam disponíveis para todos e eram fáceis de substituir (“descartáveis”), o que correspondia à estética pop e ao desejo dos consumidores pelo novo – uma condição perniciosa que ainda prevalece em muitas sociedades. Os avanços nos processos tecnológicos e de fabricação (motivados por imperativos econômicos, científicos e ambientais) ainda hoje continuam afetando a variedade de materiais disponíveis para o design de interiores. 13 Site do Museu do Design: http://designmuseum.org/design/alison-peter- smithson (acessado em 04/07/2011). À direita A cadeira no 14 de Thonet, uma das primeiras cadeiras produzidas em série, feita de madeira vergada, e que vem sendo produzida desde 1859. 26 O contexto histórico dos materiais no design de interiores 3. A influência histórica da agenda ambiental e seu impacto sobre os materiais As escolhas de materiais por parte dos arquitetos contemporâneos têm sido influenciadas por preocupações com o aquecimento global e o esgotamento dos recursos naturais – temas discutidos na Segunda Parte deste livro. Contudo, vale a pena lembrar que essas preocupações não são novas e que os programas ambientais têm influenciado a arquitetura e o desenho de produtos há várias décadas. Rachel Carson (1907-1964) foi uma bióloga marinha, conservacionista e ambientalista norte-americana. Seu livro, Silent Spring, foi publicado pela primeira vez em 1962. Ele trata da natureza destrutiva do progresso da humanidade e descreve uma preocupação com o bem-estar humano e animal e com o meio ambiente. Carson compareceu ao Congresso dos Estados Unidos em 1963 e fez um apelo por novas políticas de proteção ao mundo natural. O movimento verde e a emergência dos hippies influenciaram as abordagens de projeto. Na década de 1960, foram criadas as redes de lojas Worldshops, Third World Shops e Fair Trade, que vendiam produtos para interiores; entre 1968 e 1972, foi publicado, nos Estados Unidos, o Whole Earth Catalogue, com propagandas de produtos para uma contracultura com consciência ambiental. Durante esse período, tecidos, carpetes e objetos “étnicos” de culturas não ocidentais eram utilizados para mobiliar as casas, que se tornaram declarações de identidade política e símbolos do capitalismo antiocidental (embora ainda fosse uma forma de consumismo). Vinte anos depois da publicação do livro de Carson, o desenhista de produtos e educador austríaco Victor Bem à esquerda e à esquerda No museu Castelvecchio, em Verona, Itália, Carlo Scarpa fez intervenções materiais cuidadosas em uma edificação histórica preexistente. Os antigos materiais, com suas marcas, cicatrizes e “memórias”, contrastam com os novos. Embora haja uma separação clara entre velho e novo, também há uma espécie de abraço entre os dois, uma vez que um material envolve o outro ou é envolvido por ele. Papanek publicou Design for the Real World. Nesse livro, ele analisa as preocupações ecológicas, mas também escreve sobre a responsabilidade social dos desenhistas de produtos. Esses primeiros representantes do movimento ambiental impulsionaram a agenda verde, pressionando os governos e a indústria. Suas convicções levaram às primeiras mudanças nas políticas governamentais e também nos materiais utilizados pelos fabricantes de produtos para interiores. As preocupações com o meio ambiente também levaram a uma crescente tendência à reutilização de edificações preexistentes como uma maneira de conservar os materiais – processo descrito na Segunda Parte deste livro. No entanto, essa abordagem tem precedentes históricos, que são particularmenterelevantes para os arquitetos contemporâneos que trabalham nesse tipo de edificação. O arquiteto e desenhista de produtos italiano Carlo Scarpa é muito conhecido por suas intervenções arquitetônicas em edificações históricas, incluindo os projetos para o museu Castelvecchio, em Verona (1957-75), e a Fundação Querini-Stampalia, em Veneza (1961-3), ambos na Itália. Essas obras são referências fundamentais para o estudante de design de interiores. Os projetos de Scarpa respondem ao contexto histórico e físico das edificações, complementam e realçam as características dos espaços originais e expressam distinções claras entre os materiais preexistentes e os novos. Esses conceitos espaciais se refletem na articulação dos detalhes e nas cuidadosas justaposições dos materiais. O século XXI 27 4. O século XXI Em nosso mundo pós-moderno, não existe apenas um estilo ou movimento de projeto dominante. Ao contrário, cada arquiteto ou grupo de projetistas adota uma estratégia diferente no uso dos materiais, e há uma aceitação do pluralismo e da diversidade. Os projetos são inspirados em uma série inclusiva e eclética de fontes multiculturais e influências motivadoras. Porém, estão emergindo temas que podem unificar essa geração filosófica e conceitualmente, se não estilisticamente: a agenda ambiental, a crise econômica global e a crescente influência política, social e econômica de países e regiões como a China, a Índia e a América do Sul. Tudo isso pode influenciar o uso dos materiais no design de interiores. Além desses temas, as tecnologias digitais estão revolucionando a maneira como os espaços são concebidos, projetados, refinados, comunicados e construídos: Grande parte do mundo material de hoje – dos produtos de consumo mais simples aos aviões mais sofisticados – é criada e produzida por meio de um processo em que o projeto, a análise, a representação, a fabricação e a montagem entram em colaboração quase perfeita, que depende apenas das tecnologias digitais – um contínuo digital do projeto até a produção.14 Este “contínuo digital” vem transformando o potencial dos materiais. Tem havido um abandono dos sólidos simples e da geometria euclidiana empregada no projeto de arquitetura tradicional em favor do surgimento de formas complexas, curvilíneas e biomórficas. Os programas de computador também podem ser empregados para testar o desempenho dos materiais – por exemplo, as propriedades acústicas de um material e a experiência auditiva que ele proporciona dentro de Abaixo, à esquerda Visualização de um interior imaginado pelo Zaha Hadid Architects. Abaixo, no centro Para os escritórios londrinos de Claydon Heeley Jones Mason, 2001, o ateliê Ushida Findlay Architects projetou formas complexas em forma de fita com longas chapas de aço laminado pintadas, que servem para unificar os diferentes espaços dentro do escritório. um interior imaginado ou as características da iluminação e seu efeito sobre as superfícies dos materiais. No início do século XXI, muitos materiais têm sido inventados e aprimorados: os plásticos estão se tornando mais ecológicos à medida que polímeros biodegradáveis e compostáveis são inventados; materiais plásticos e metálicos que têm “memória” são utilizados no desenho de produtos; e concretos leves e translúcidos estão sendo desenvolvidos. Esses temas e a emergência de novos materiais e processos são discutidos na Quinta Parte deste livro. A Primeira Parte deste livro introduziu algumas das influências históricas significativas sobre as características dos materiais para interiores. A lista de exemplos discutida nesta seção não é, de maneira alguma, exaustiva; limita-se, essencialmente, aos projetos dos séculos XIX e XX e tem uma abordagem ocidental. Contudo, ela nos dá uma boa ideia do quanto o design de interiores evoluiu nos últimos 150 anos e oferece uma noção da herança cultural do profissional contemporâneo. 14 Kolarevic, Branko, (org.). Architecture in the Digital Age: Design and Manufacturing. Londres e Nova York, Taylor & Francis, 2003, p. 7. Abaixo, à direita Os contínuos avanços na ciência dos materiais e nos métodos de produção têm levado a uma nova geração de materiais inovadores. O Litracon, mostrado aqui, é um concreto leve e translúcido. SEGUNDA PARTE A SELEÇÃO DOS MATERIAIS 30 5. O PROGRAMA DE NECESSIDADES E O CLIENTE 33 6. O SÍTIO 42 7. O CONCEITO 30 A seleção dos materiais 5. O programa de necessidades e o cliente A maioria dos projetos de design de interiores começa com um programa de necessidades – uma descrição dos requisitos espaciais identificados por um cliente e/ou um grupo de usuários. Esse programa geralmente é um documento “vivo”, que é analisado e aprimorado por meio de um processo interativo de projeto, discussão e debate. Em projetos de menor escala, esse processo pode ser apenas um diálogo entre o cliente e o designer de interiores; em projetos maiores, provavelmente incluirá contribuições de outros especialistas, como engenheiros de estruturas; engenheiros mecânicos, eletricistas e ambientais; luminotécnicos; desenhistas gráficos; orçamentistas; e gerentes de projeto. É pouco provável que o programa de necessidades final faça referência específica aos materiais, mas ele estabelecerá parâmetros que influenciarão a seleção destes, e que podem incluir imagens ou marcas; preços, padrões de qualidade ou características; emoções que serão desejadas; ou mesmo exigências funcionais, sensoriais, técnicas ou de sustentabilidade. A identidade visual O cliente às vezes contrata um arquiteto porque se identifica com a imagem e a identidade dele, definidas por seu portfólio e pela cultura de seu ateliê; o arquiteto também pode ter um estilo reconhecido ou utilizar materiais compatíveis com os valores as aspirações do cliente. Em alguns casos, o arquiteto é escolhido por ter demonstrado a habilidade de ler, interpretar e expandir a visão do cliente. Isso geralmente ocorre quando vários profissionais concorrentes são convidados a apresentar ao cliente propostas de projeto que respondam ao programa de necessidades, na tentativa de serem contratados. Durante esse processo, demonstram sua capacidade de traduzir a imagem ou marca do cliente em uma proposta espacial interessante e inovadora. É uma atividade camaleônica que dá aos arquitetos a oportunidade de trabalhar com uma ampla variedade de clientes e com edificações muito diferentes, cujas necessidades de materiais são bastante distintas entre si. Em cada caso, o arquiteto deve responder ao programa de necessidades com uma seleção de imagens de referência, cores e materiais que expressem a identidade do cliente. Os materiais e as imagens selecionados podem corresponder a valores do cliente, como “força”, “transparência” ou a necessidade de parecer “ecológico” ou “sustentável”. Essa seleção de informações pode incluir materiais-chave para o ambiente construído, mas também incorporar materiais e conceitos associados ao desenho Abaixo As discussões sobre os materiais nas etapas iniciais de um projeto podem influenciar o programa de necessidades do cliente e estabelecer parâmetros claros para o arquiteto. Vivemos em um mundo de materiais; são eles que dão substância a tudo que vemos e tocamos.¹ O projeto é um ato voluntário, uma resposta refletida a uma necessidade ou a um desejo identificado, um processo que geralmente resulta em um produto, um lugar ou um espaço – uma solução material. Ashby e Johnson afirmam: “os materiais são a matéria-prima do projeto”,² e é essa “matéria-prima” que o designer de interiores deve aprender a testar, entender e manipular antes de poder selecionar materiais para uso em determinado contexto. O foco destaparte do livro será o processo de seleção de materiais nas etapas conceituais do projeto – particularmente a maneira como essa seleção se relaciona com o programa de necessidades e o cliente, o sítio (ou local de implantação do projeto) e a exploração e o desenvolvimento de soluções de projeto. 1 Ashby, Mike e Johnson, Kara. Materials and Design: The art and science of material selection in product design. Oxford, Butterworth-Heinemann, 2002, p. 3. 2 Ibid., p. 55. O programa de necessidades e o cliente 31 gráfico (uniformes, logotipos, fontes e embalagens), de produtos e de móveis. Essa coletânea será manipulada e aprimorada até que se chegue a uma paleta de materiais aprovada pelo cliente. Nem todos os clientes terão uma imagem ou identidade bem definidas, e será tarefa do arquiteto ajudá- -los a definir suas visões. Isso faz parte do desenvolvimento do programa de necessidades, feito com a colaboração do cliente. Nesse contexto, o arquiteto tem a liberdade de propor alternativas para a identidade visual do cliente e o sítio, podendo ser mais irreverente no uso de materiais e apresentar soluções inovadoras. As cores e os materiais serão selecionados para criar uma ambiência particular ou uma experiência espacial única, que represente os “valores” do cliente. Os designers de interiores com frequência precisam considerar de que maneira a identidade de uma marca pode ser reforçada por meio dessa seleção. O exercício a seguir pode ajudá-lo a pensar lateralmente sobre a escolha de materiais e em como eles podem ser empregados de modo a criar uma imagem particular ou reforçar uma marca já existente. Pense em um cliente ou uma marca para este exercício – talvez uma cadeia de lojas conhecida. Responda às seguintes perguntas, considerando que “eu” representa a marca: Se eu fosse um carro, eu seria... Se eu fosse um cachorro, eu seria... Se eu fosse uma peça de roupa, eu seria... Se eu fosse uma planta, eu seria... Se eu fosse um móvel, eu seria... • Reconsidere suas respostas, tentando evitar as óbvias ou os clichês. Isso muda suas respostas de alguma forma? • Pense em suas respostas e identifique as características ou os valores comuns que poderiam ser reconhecidos – você pode fazer uma lista de palavras. Como esses valores poderiam ser traduzidos em materiais e cores? As palavras sugerem características particulares dos materiais? Tipos de fornecedor? Uma abordagem dos detalhes? • Colete materiais que correspondam aos valores e às características que você identificou. Como eles podem ser usados no interior? O que expressam sobre a marca que você escolheu? À esquerda e abaixo Projetos de identidade de Dalziel and Pow Design Consultants para a Aura, uma marca saudita de artigos domésticos. Ao representar os valores e a identidade visual de um cliente é preciso levar em consideração a relação entre os materiais do interior e os outros objetos que irão reforçar a marca, como embalagens, uniformes e rótulos. 32 A seleção dos materiais Projeto Hospital local Loja de luxo Reflexões Paredes Gesso cartonado com barras de proteção na altura dos carrinhos. Questões críticas: marcas de desgaste. Gesso polido; paredes com espelhos e mídias digitais. Questões críticas: custo. Os materiais empregados na loja são luxuosos e caros – eles reforçam a alta qualidade da marca. O hospital foi projetado buscando a durabilidade da construção, mas a pintura e os elementos gráficos são utilizados para melhorar a ambiência e a orientação dos usuários. Pisos Vinil não escorregadio e cerâmica. Questões críticas: marcas de desgaste. Pedra e carpete bouclê. Questões críticas: custo e fonte da pedra. Em ambos os casos, os materiais devem ser duradouros e fáceis de limpar. No entanto, os materiais da loja são mais luxuosos e mais caros. Forros Forros de chapas de metal perfuradas e lambri nas áreas públicas. Questões críticas: limpeza. Placas pintadas de gesso cartonado perfurado. Questões críticas: nenhuma. Em ambos os casos, a acústica foi considerada. A madeira foi utilizada para tornar mais aconchegantes as áreas públicas do hospital; os forros da loja são simples e baratos (o foco dos acabamentos é o tratamento de pisos e paredes). Ferragens e acessórios Acrílico. Questões críticas: durabilidade insuficiente. Aço inoxidável com acabamento acetinado. Questões críticas: dificultades de visibilidade para pessoas com problemas de visão. O produto mais barato utilizado no hospital não tem qualidade suficiente e precisará ser trocado por acrílico de qualidade superior ou um material alternativo. Os custos, a qualidade e o programa de necessidades O programa de necessidades para o interior fará referência à visão do cliente, mas também incluirá outras considerações, como o orçamento (geralmente há um “plano de custo”) e o programa de necessidades geral previamente estabelecido com o cliente – restrições importantes para o arquiteto. Na maioria dos projetos, geralmente busca-se um meio-termo entre o custo dos materiais, a qualidade da construção (como os materiais são aplicados) e a velocidade da execução da obra. Se a última for a prioridade, a qualidade poderá ser comprometida, e o projeto custará menos; se a qualidade for prioritária, o interior poderá demorar mais para ser construído e se tornará mais caro. O designer de interiores precisará entender as prioridades do cliente antes de selecionar os materiais. Por exemplo, se o programa de necessidades do cliente descrever uma série de projetos padronizados ou muito semelhantes entre si, o arquiteto precisará conferir a disponibilidade dos materiais selecionados para garantir que serão entregues a tempo e estarão dentro do orçamento. Às vezes, esse processo envolverá o construtor, a fim de garantir que os diferentes serviços sejam contratados a tempo para permitir que os instaladores terceirizados adquiram e instalem os materiais. Além disso, se o objetivo do projeto for uma solução temporária, isso afetará a seleção de materiais, visto que uma solução de curto prazo pode ser menos durável e, portanto, mais econômica. Ainda que o programa de necessidades não faça referência específica aos materiais, o arquiteto deve ter uma compreensão intuitiva dos tipos e combinações adequados para o projeto. Essa seleção deve equilibrar as propriedades funcionais, técnicas, estéticas e sensoriais dos materiais – um dos grandes desafios enfrentados pelo designer de interiores, que será discutido na próxima seção deste livro. Identificar os materiais adequados para diferentes contextos e funções pode ser um desafio. Uma boa maneira de expandir seus conhecimentos e aumentar sua confiança ao selecionar materiais é analisar os usos preexistentes destes: • Selecione e visite duas edificações existentes (de preferência que tenham projetos interessantes), mas com funções diferentes. Por exemplo, um hospital e uma loja de luxo. • Tente identificar os materiais utilizados em cada edificação para as mesmas funções: paredes, pisos, corrimãos, forros etc. • Compare as propriedades estéticas, funcionais e técnicas dos materiais. Quais são as semelhanças e diferenças? • Identifique qualquer problema aparente nos materiais especificados. Existe alguma dificuldade de limpeza ou manutenção? Como você melhoraria a escolha e especificação de materiais? • Reflita sobre sua pesquisa e identifique informações que possam ser úteis para suas decisões quanto aos materiais. A tabela abaixo lista os tipos de anotações que você pode fazer ao realizar este exercício. O sítio 33 6. O sítio O sítio ou terreno do projeto talvez tenha sido selecionado pelo cliente antes de escolher o designer de interiores, emboranem sempre seja o caso. Às vezes, o arquiteto atua como conselheiro do cliente ao avaliar e escolher um terreno, além de ajudá-lo a negociar um aluguel ou uma compra. Também é possível que seja convidado para apresentar uma proposta para um terreno genérico. Isso frequentemente ocorre com os projetos padronizados para uma rede de lojas. Nessa situação, o projeto será adaptável a diversos lugares e incluirá os detalhes fundamentais e uma especificação ou lista de acabamentos para os materiais. No entanto, na maioria dos projetos, o sítio ou terreno é uma “personagem” central e terá influência direta sobre os conceitos do arquiteto e a seleção de materiais. As implantações variam muito. Podem ser interiores preexistentes, edificações recém-construídas, uma edificação proposta que exista apenas em maquetes e desenhos, uma edificação em construção ou um terreno temporário. Cada local possui questões contextuais específicas que precisam ser cuidadosamente consideradas: pode haver elementos históricos que devam ser mantidos ou complementados por meio de uma estratégia ou proposta de projeto. Cada sítio sugerirá diferentes respostas aos materiais empregados. Embaixo Em seu projeto para um ateliê em Rotterdam, Países Baixos, o Studio Rolf.fr, em parceria com a Zecc Architecten, fez uma clara distinção entre os materiais da edificação preexistente e os da nova intervenção. As antigas paredes de tijolo não foram revestidas. Os novos materiais incluem soalhos de madeira pintados, pisos de aço de baixo custo, de 3 mm e encerados, uma nova escada de madeira pintada, paredes de gesso pintadas e pias de alumínio pintadas. Observe a cadeira tradicional estofada com um material polimérico na imagem central. 34 A seleção dos materiais As edificações preexistentes Todo prédio é único e varia em idade, condição geral, valor arquitetônico e usos prévios, atuais ou mesmo inadequados. Ele pode ser uma edificação benquista pela comunidade, ter uma “personalidade” tão forte que várias gerações da mesma família se lembram dele, ser um marco urbano, um prédio tombado, um anônimo na complexidade do ambiente construído ou ser uma “joia” perdida, esperando para ser redescoberta. Assim, cada prédio existente – mas preexistente a uma obra de design de interiores – terá sua própria identidade material, que é herdada pelo projetista. Os materiais podem ser uma fonte de inspiração para o designer de interiores, que talvez queira revelar o caráter básico da paleta de materiais preexistentes ao mesmo tempo em que a justapõe a uma nova gama de produtos. Outra possibilidade do arquiteto é querer esconder os materiais existentes por meio de uma nova camada. A fim de decidir uma estratégia quanto ao uso dos materiais de uma intervenção, o arquiteto deverá antes de tudo analisar quais são os materiais já existentes no local. Em seu livro On Altering Architecture, Fred Scott alcunhou este processo de “despojamento”: O “despojamento”, em seu sentido mais amplo, seria o processo por meio do qual o arquiteto interventor chega a uma compreensão do prédio receptor com o qual ele está À esquerda e acima Neste projeto para um museu, o ateliê de arquitetura Dow Jones Architects incorporou com extrema sensibilidade os novos materiais a uma edificação histórica, criando um forte contraste com a pedra existente, e projetando-os de modo a minimizar o risco de danos ao prédio. A inserção proposta foi construída com painéis Eurban, “engenheirados de madeira”, ou seja, chapas pré-fabricadas de madeira maciça laminada sem revestimento; no novo piso do segundo pavimento, foi utilizado linóleo natural. O diagrama axonométrico ilustra como o volume de madeira se encaixa no prédio receptor. O sítio 35 envolvido. Encontra-se no final do desenvolvimento de um diálogo bem estruturado, como uma preparação para a correspondência entre sua obra e aquela preexistente. O prédio preexistente precisa ser entendido intrinsecamente e em termos de seu contexto, e deve ser visto com base em sua realidade e proveniência. Trata-se de uma pesquisa que envolve aspectos tanto arquitetônicos como socioeconômicos. Aqui ela é proposta como a base de todos os procedimentos consecutivos.3 Scott continua, e então define as quatro áreas de foco para o processo de “despojamento”: (1) os materiais, a área que se relaciona com todas as propriedades materiais, inclusive a estrutura e a construção da edificação; (2) a área espacial, relativa às configurações espaciais, hierarquias, sequências, proporções etc.; (3) o estilo, que se relaciona com o estilo da edificação (por exemplo, o estilo Georgiano) e os tipos históricos; e, por fim, (4) as marcas dos usuários anteriores, ou o “palimpsesto”, as camadas de marcas e vestígios deixados pela sequência de usuários do espaço e as memórias que seus materiais desgastados evocam ou corporificam. À direita A firma de arquitetura Brinkworth fez a reciclagem de uso de uma antiga cervejaria londrina em um conjunto de escritórios para a agência de marketing digital LBi. Estas fotografias descrevem o processo físico do “despojamento” do espaço, a fim de revelar a essência dos materiais e da estrutura do prédio preexistente. Na intervenção, os novos materiais agem como contraponto ao caráter industrial do prédio original. A compreensão “do que a edificação receptora é composta e de como ela é” permite ao arquiteto bem embasado definir com clareza um conceito ou uma estratégia para os materiais que serão utilizados na intervenção. Harmonia, antagonismo, unificação, contraste, separação, justaposição, continuidade, destaque, efemeridade, simbiose e “parasitismo” são apenas alguns dos exemplos de abordagem que já foram atribuídos às estratégias de inserção de materiais dentro de um prédio preexistente. Em seu projeto para a agência LBi, na reciclagem de uso do prédio da antiga Cervejaria Truman, em Londres, a firma de arquitetura Brinkworth deixou à vista o caráter essencial dos materiais da edificação preexistente, revelando a pesada estrutura de aço cinza e as alvenarias de tijolo levemente avermelhado; esses materiais foram justapostos por aqueles da intervenção, que eram mais refinados, com superfícies polidas e brilhantes e cores saturadas. 3 Scott, Fred. On Altering Architecture. Londres e Nova York, Routledge, 2008, p. 108. bem embasadas quanto aos materiais que serão empregados na intervenção. Neste exemplo, analisamos a galeria de arte Aspex, em Portsmouth, Inglaterra, projetada por Glen Howells Architects, a fim de entender melhor as características dos materiais existentes no local. PASSO A PASSO FAZENDO O LEVANTAMENTO DOS MATERIAIS EM UMA EDIFICAÇÃO PREEXISTENTE Os designers de interiores frequentemente são chamados para fazer uma intervenção em um prédio preexistente. Nesse contexto, é importante que o projetista faça uma investigação minuciosa do sítio e registre os materiais da edificação, fazendo croquis e tirando fotografias. Com base nesse levantamento, o projetista poderá desenvolver conceitos e tomar decisões Além das fotografias, faça croquis do espaço e comece a registrar os atributos dos materiais (ou seja, as relações entre cores, texturas, luminâncias etc.). Não se esqueça de anotar suas impressões e análises. Comece identificando o que você precisa entender sobre o sítio e seus materiais. Por exemplo, talvez você queira registrar os materiais originais, os materiais relacionados a uma ou outra intervenção anterior ou as ampliações que já foram feitas ao prédio original; qualquer dano ou “cicatriz” que tenha ficado nos materiais ou os sinais de desgaste; a natureza sensorial dos materiais, incluindo aqueles com função estrutural. Comece seu
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