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''O Desenvolvimento Cognitivo- A teoria de Piaget e a visão de Vygotsky''

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Professor (para uma classe de alunos de 9 anos): Para a atividade 
de artes hoje, eu gostaria que cada um de vocês desenhasse a 
figura de uma pessoa com três olhos. 
Billy: Como? Ninguém possui três olhos! 
Se alguém lhe pedisse para relatar a reação desse menino 
de 9 anos, você poderia ser tentado a concluir que ou lhe 
falta imaginação ou estava sendo sarcástico. Na verdade, 
os sentimentos de Billy em relação ao trabalho de artes 
podem ser bastante típicos (veja o Quadro 7.4, na página 
241), porque crianças de 9 anos pensam de forma diferente 
dos adultos e, muitas vezes, acham extremamente difícil 
refletir sobre propostas hipotéticas que não possuem qual-
quer base real. 
pelos quais o ser humano adquire e usa o conhecimento para solucionar proble-
mas. O processo cognitivo que nos ajuda a "entender" e nos adaptar ao ambiente 
inclui atividades tais como a atenção, a percepção, a aprendizagem, o pensamen-
to e a memória - em resumo, os eventos inobserváveis que caracterizam a mente 
humana (Bjorklund, 2000). 
O estudo do desenvolvimento cognitivo - as mudanças que ocorrem nas 
habilidades mentais das crianças no curso de suas vidas - é um dos temas mais 
diversos e excitantes em todas as ciências do desenvolvimento. Neste capítulo, 
iniciamos nossa exploração da mente em desenvolvimento, focalizando primei-
ro as contribuições importantes de um psicólogo suíço, Jean Piaget, que traçou 
o que ele (e outros) acreditou ser um padrão universal de crescimento intelectual 
que se estende durante a infância, meninice e adolescência. Então examinare-
mos o ponto de vista sociocultural de Lev Vygotsky - uma teoria que afirma 
que o crescimento cognitivo é bastante influenciado pela cultura e que po-
de não ser nem um pouco universal como Piaget e seus seguidores supuseram 
(Wertsch e Tulviste, 1992). 
O Capítulo 8 introduz a terceira perspectiva influente sobre o desenvolvi-
mento da mente: o processamento de informação, um ponto de vista que surgiu, 
em parte, das questões que ficaram sem respostas pelo trabalho inicial de Piaget. 
Nossa atenção vai então mudar para a psicometria, ou testes de inteligência, no 
Capítulo 9, onde discutiremos muitos fatores que contribuem para as diferenças 
individuais na performance intelectual infantil. 
Nos próximos três capítulos iremos examinar o cres-
cimento da cognição - um termo usado por psicólogos 
para se referir à atividade do saber e aos processos mentais 
A TEORIA DE PIAGET SOBRE 
o DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 
De longe o teórico mais influente na história do desenvolvimento infantil, Jean Piaget 
combinou seus interesses iniciais em zoologia e epistemologia (o campo da filosofia que 
estuda a origem do conhecimento), para desenvolver uma nova ciência que ele denominou 
epistemologia genética: o estudo experimental sobre a origem do conhecimento. (Piaget 
usou o termo genético no sentido antigo, que significava basicamente desenvolvimental.) 
Piaget iniciou seus estudos observando cuidadosamente seus próprios filhos: como 
eles exploravam novos brinquedos, resolviam problemas simples que ele lhes apresentava, 
e geralmente passavam a entender a si mesmos e o mundo ao seu redor. Mais tarde, Piaget 
estudou grandes amostras de crianças por meio do método clínico, uma técnica flexível 
de perguntas e respostas que ele usava para descobrir como crianças de diferentes idades 
pensavam sobre tópicos que variavam de regras de jogos a leis de física. Dessas observa-
ções, Piaget formulou sua teoria desenvolvimental cognitiva do crescimento intelectual. 
0 Que É Inteligência? 
A formação de Piaget em zoologia é bastante evidente em sua definição de inteligência 
como uma função vital básica que ajuda o organismo a adaptar-se a seu ambiente. Pode-
mos observar essa adaptação quando vemos uma criança descobrindo como ligar a tele-
visão, uma criança em idade escolar decidindo como dividir seus doces com os amigos, 
ou um adolescente esforçando-se para resolver um problema difícil de geometria. Piaget 
propôs que a inteligência é "uma forma de equilibração para a qual todas as estruturas 
cognitivas tendem" (1950, p. 6). Sua visão era simplesmente a de que toda a atividade in-
telectual acontece com um objetivo em mente: produzir uma relação equilibrada ou har-
moniosa, entre os processos de pensamento do indivíduo e o ambiente. (Tal conjuntura 
equilibrada é chamada equilibração cognitiva, e o processo no qual é alcançado é deno-
minado equilibração) Piaget enfatizou que as crianças são exploradores ativos e curiosos 
constantemente desafiados por novos estímulos e eventos que não são compreendidos de 
imediato. Ele acreditava que esses desequilíbrios (ou desequilibração cognitiva) entre os 
modos de pensamento das crianças e os eventos ambientais as levavam a realizar ajustes 
mentais que lhes permitiriam a relação de novas experiências e dessa forma restaurar a 
equilibração cognitiva. Assim vemos que a opinião de Piaget sobre a inteligência é um 
modelo "interacionista", que implica que desencontros entre os esquemas mentais inter-
nos (conhecimento existente) e o ambiente externo estimulam a atividade cognitiva e o 
crescimento intelectual. 
Uma suposição bastante importante acompanha a visão de Piaget sobre a inteligência: 
se as crianças podem saber alguma coisa, então devem construir esse conhecimento elas 
mesmas. De fato, Piaget descreveu a criança como construtivista - um organismo que age 
sobre novos objetos e eventos e assim adquire alguma compreensão de suas características 
essenciais. As construções das crianças sobre a realidade (ou seja, sua interpretação sobre 
objetos e eventos) dependem do conhecimento disponível para elas naquele momento: 
quanto mais imaturo o sistema cognitivo da criança, mais limitada será a sua interpretação 
sobre um evento. Considere o seguinte exemplo (Cowan, 1978, p. 11): 
Uma criança de 4 anos e seu pai estão assistindo ao pôr-do-sol. "Veja papai, 
ele está se escondendo atrás da montanha! Por que ele está indo embora? Ele 
está bravo?" O pai aproveita para explicar a seu filho como o mundo funciona. 
"Bem, Mark, o sol na verdade não tem sentimentos. E não se move de verda-
de. É Terra que está se movendo. Ela gira ao redor de seu eixo de modo que a 
montanha se mova na frente do sol...". O pai continua a falar sobre movimentos 
relativos, corpos interplanetários e coisas afins. O menino responde de modo 
firme e definitivo, "Mas nós não estamos nos movendo. Veja, o sol está se mo-
vendo para baixo". 
Esquemas Operacionais 
Segundo Piaget, o pensamento das crianças de 7 anos ou mais é 
caracterizado por esquemas operacionais. Uma operação cog-
nitiva é uma atividade mental interna que a pessoa realiza para 
chegar a uma conclusão lógica. 
ne ficou observando-o em estupefação, pois nunca havia 
presenciado uma cena como essa. No dia seguinte, ela co-
meçou a gritar em seu cercadinho e tentou movê-lo, batendo 
os pés (...) diversas vezes seguidas (Piaget, 1951, p. 63). 
Nitidamente Jacqueline estava imitando as respostas de 
seu colega agora ausente, mesmo que não tenha realizado essas 
ações no momento em que estas eram modeladas. Parece que 
ela formou uma representação mental, ou imagem, da birra do 
menino, manteve essa cena e a guiou em sua imitação posterior. 
Jacqueline recebeu a visita de um menino (de 18 meses de idade) que, no correr 
da tarde, demonstrou um temperamento terrível. Ele gritava enquanto tentava 
sair do cercadinho e o empurrava para trás, batendo com seus pés. Jacqueli-
Essa criança está fazendo uma importante suposição que domina sua tentativa para 
compreensão - a saber, o modo como ela vê as coisas deve corresponder à maneira como elas 
são. Obviamente, é o Sol quem está se movendo, escondendo-se atrás da montanha como se 
fosse um ser vivo que estivesse expressando algum tipo de sentimento ou servindo determi-
nado propósito ao se esconder. Entretanto, o pai conhece as características que distinguem 
objetos animados de inanimados (e um pouco de astronomia), de modoque é capaz de 
construir uma interpretação bastante diferente da ''realidade" testemunhada por seu filho. 
Esquemas Cognitivos: A Estrutura da Inteligência 
Piaget utilizou o termo esquema para descrever os modelos, ,ou estruturas mentais, que 
nós criamos para representar e interpretar nossas experiências. Um esquema (algumas 
vezes denominado schema no singular, schemata no plural) é um padrão de pensamento 
ou ação similar em alguns aspectos ao que uma pessoa leiga chama estratégia ou concei-
to. Piaget (1952, 1977) descreveu três tipos de estruturas intelectuais: esquemas compor-
tamentais (ou sensório-motores), esquemas simbólicos e esquemas operacionais. 
Esquemas Comportamentais (ou Sensório-motores) 
Um esquema comportamental é um padrão organizado de comportamento que a crian-
ça usa para representar e responder a um objeto ou experiência. Essas são as primeiras 
estruturas intelectuais que emergem e, na maior parte dos 2 primeiros anos de vida, o 
conhecimento da criança sobre os objetos e eventos está limitado àquilo que ela pode 
representar por meio de ações. Assim, para uma criança de 9 meses, uma bola não é con-
ceitualizada como um brinquedo redondo com um nome formal; em vez disso, uma bola 
é simplesmente um objeto que ela e seus companheiros podem lançar e rolar. 
Esquemas Simbólicos 
Durante o segundo ano de vida, as crianças alcançam um ponto em que são capazes de 
resolver problemas e pensar sobre objetos e eventos sem ter atuado sobre eles. Em outras 
palavras, elas agora são capazes de representar experiências mentalmente e usar esses 
símbolos mentais, ou esquemas simbólicos, para alcançar seus objetivos. Considere a 
seguinte observação do comportamento de Jacqueline, a filha de 16 meses de Piaget: 
220 Psicologia do Desenvolvimento • Editora Thomson 
Figura 7.1 A reversibi-
lidade é uma operação 
cognitiva importante que 
se desenvolve em meados 
da infância. 
Organização: 
tendência inata para 
combinar e integrar 
esquemas disponíveis 
em sistemas coerentes 
ou corpos de conhe-
cimento. 
Adaptação: 
tendência inata para 
ajustar-se às demandas 
do ambiente. 
Assimilação: 
termo usado por Piaget 
para o processo pelo 
qual as crianças interpre-
tam novas experiências 
incorporando-as a seus 
esquemas já existentes. 
Acomodação: 
termo usado por Piaget 
para o processo pelo 
qual as crianças modi-
ficam seus esquemas 
existentes para poder 
incorporar ou se adaptar 
a novas experiências. 
Para ilustrar, um menino de 8 anos que esvazia uma bola de plástico inflável e 
a transforma em um disco não será enganado pensando que agora possui mais bola 
como resultado de havê-la estendido. Por quê? Porque ele pode facilmente reverter 
em sua mente essa transformação, reconhecendo assim que a bola inflável será a 
mesma se a encher novamente. Em contraste, crianças de 5 anos, que não podem 
"operar" sobre seus objetos de pensamento, são forçadas a realizar julgamentos tendo 
como base aquilo que vêem. Dessa forma, se testemunhassem a transformação da 
bola em disco, geralmente elas assumiriam que no disco há mais massa, pois cobre 
uma área maior que a bola. E mesmo que possam imaginar (com alguma estimula-
ção) que a bola possa ser cheia novamente, elas ainda não são capazes de reconhecer 
as conseqüências lógicas de tal ato; ou seja, elas continuam a achar que há mais 
massa no disco. 
Segundo Piaget, as operações cognitivas mais comuns são as atividades mentais 
implicadas pelos símbolos matemáticos tais como +, - , ~, < e >. Note que cada uma 
dessas operações é uma atividade reversível (Figura 7.1); adições mentais, por exem-
plo, podem ser desfeitas rapidamente por subtrações mentais. Piaget acreditava que 
essas habilidades operacionais fluidas permitiam às crianças do ensino fundamental 
e adolescentes a construírem esquemas intelectuais bastante elaborados que lhes pos-
sibilitassem pensar lógica e sistematicamente, primeiro em relação a suas próprias 
experiências e eventualmente sobre eventos abstratos ou hipotéticos. 
Como Adquirimos o Conhecimento: 0 Processo Cognitivo de Piaget 
Como as crianças constróem e modificam seus esquemas intelectuais? Piaget acreditava 
que todos os esquemas, todas as formas de entendimento, são criados por meio do trabalho 
de dois processos intelectuais inatos, os quais ele chamou organização e adaptação. 
A organização é o processo pelo qual as crianças combinam os esquemas existentes 
em estruturas intelectuais novas e mais complexas. Por exemplo, uma criança pequena 
que possui os reflexos de "olhar fixamente", "alcançar" e "segurar" logo organiza esses 
esquemas inicialmente não-relacionados em estruturas mais complexas - alcanço visu-
almente direcionado - que lhe permitem alcançar e descobrir novas características de 
muitos objetos interessantes do ambiente. Apesar de os esquemas intelectuais poderem 
assumir formas radicalmente diferentes nas diversas fases do desenvolvimento, o processo 
de organização é imutável. Piaget acreditava que as crianças organizam constantemente os 
esquemas que elas possuem em estruturas mais complexas e estruturas mais adaptativas. 
O objetivo da organização é promover a adaptação, o processo de ajuste às de-
mandas do ambiente. Segundo Piaget, a adaptação ocorre por meio de duas atividades 
complementares: a assimilação e a acomodação. 
A assimilação é o processo pelo qual as crianças tentam interpretar novas experiên-
cias nos termos de seus modelos existentes de mundo, os esquemas que elas já possuem. 
A criança pequena que vê um cavalo pela primeira vez pode tentar assimilá-lo em um 
de seus esquemas existentes para animais de quatro patas e pode assim considerar essa 
criatura como um "au au". Em outras palavras, a criança tenta adaptar-se a esse novo 
estímulo pela construção deste como algo familiar. 
Entretanto, objetos, eventos e experiências realmente novos podem ser de difícil in-
terpretação em termos dos esquemas existentes. Por exemplo, uma criança pequena pode 
logo perceber que esse grande animal que ela considerou como um "au au" possui pés 
engraçados e um rabo bastante peculiar, e ela pode tentar encontrar uma maneira melhor 
para entender as observações feitas por ela. A acomodação, o complemento da assimila-
ção, é o processo de modificação de estruturas existentes para dar conta das novas expe-
riências. Assim, a criança que reconhece que um cavalo não é um cachorro pode inventar 
um nome para essa nova criatura ou talvez dizer "O que é?" e adotar a nomenclatura 
usada por seus companheiros. Ao fazer isso, ela modificou (acomodou) seu esquema de 
animais de quatro patas para incluir uma nova categoria de experiência - cavalos. 
Piaget acreditava que a assimilação e a acomodação trabalham juntas para promover 
o crescimento cognitivo. E elas não ocorrem igualmente como no exemplo anterior, mas 
Cap. 7 Desenvolvimento Cognitivo: A Teoria de Piaget e a Visão Sociocultural de Vygotsky • David R. Shaffer 221 
assimilações não compatíveis com os esquemas existentes eventualmente introduzem con-
flitos cognitivos e levam a acomodações dessas experiências. E o resultado final é a adap-
tação, um estado de equilíbrio entre as estruturas cognitivas do indivíduo e o ambiente. 
A Tabela 7.1 nos dá um exemplo de como o crescimento cognitivo pode acontecer 
desde o ponto de vista de Piaget - uma perspectiva que enfatiza que o desenvolvimento 
cognitivo é um processo ativo, no qual as crianças buscam regularmente além de assi-
milar novas experiências, acomodar suas estruturas cognitivas a essas experiências e 
organizar o que sabem em esquemas novos e mais complexos. Assim, duas atividades 
inatas - a adaptação e a organização - tornam possível para as crianças a construção 
progressiva de maior entendimento do mundo em que vivem. 
: Os ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO 
COGNITIVO DE PIAGET 
Piaget identificou quatro grandes períodos, ou estágios, de desenvolvimento cognitivo: o 
estágio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos), o estágio pré-operacional (dos 2 aos7 anos), o estágio das operações concretas (dos 7 aos 11 anos) e o estágio das operações 
formais (dos 11 anos em diante). Esses estágios de crescimento intelectual representam 
níveis qualitativamente diferentes de funcionamento cognitivo e formam o que Piaget de-
nominou seqüência desenvolvimental invariante; ou seja, todas as crianças progridem 
por esses estágios e exatamente nessa mesma ordem. Posteriormente Piaget argumentou 
que esses estágios jamais podem ser saltados, porque cada estágio é construído sobre 
aquilo que foi realizado nos estágios anteriores. 
Apesar de acreditar que a seqüência de estágios intelectuais fosse invariante, Piaget 
reconhecia a existência de grandes diferenças individuais nas idades em que as crianças 
entravam ou saíam de cada estágio em particular. De fato, sua visão era a de que fatores 
culturais e outras influências ambientais poderiam tanto acelerar quanto retardar o ritmo 
do crescimento intelectual de uma criança, e ele levava em consideração as normas de 
idade que acompanhavam seus estágios (e subestágios) apenas, na melhor das hipóteses, 
como aproximações. 
Estágio Sensório-motor (do nascimento aos 2 anos) 
Durante o estágio sensório-motor, as crianças coordenam as informações sensoriais que 
recebem com suas habilidades motoras, formando esquemas comportamentais que lhes 
permitem "agir sobre" e "conhecer" seu ambiente. Quanto elas realmente podem enten-
der pelo apoio em experiências externas para produzir conhecimento? Mais do que você 
imagina. Durante os 2 primeiros anos de vida, as crianças desenvolvem-se de criaturas 
Seqüência 
desenvolvimental 
invariante: 
série de aquisições que 
ocorrem em uma ordem 
determinada porque 
cada etapa de desenvol-
vimento na seqüência 
é um pré-requisito para 
aquelas que a seguem. 
Estágio 
sensório-motor: 
primeiro estágio inte-
lectual de Piaget, do 
nascimento aos 2 anos, 
quando as crianças 
passam a se apoiar em 
esquemas comporta-
mentais como um meio 
de explorar e entender o 
meio ambiente. 
Psicologia do Desenvolvimento • Editora Thomson 
Atividade reflexa: 
primeiro subestágio do 
período sensório-motor 
de Piaget; as ações das 
crianças se limitam ao 
exercício de reflexos 
inatos, assimilando 
novos objetos dentro 
desses esquemas refle-
xivos e acomodando tais 
reflexos a esses novos 
objetos. 
Reações circulares 
primárias: 
segundo subestágio 
do período sensório-
motor de Piaget; uma 
resposta agradável, cen-
trada no próprio corpo 
do bebê, descoberta por 
acaso e realizada repeti-
das vezes. 
Reações circulares 
secundárias: 
terceiro subestágio do 
período sensório-motor 
de Piaget; uma resposta 
agradável, centrada 
em um objeto externo, 
descoberta por acaso 
e realizada repetidas 
vezes. 
Coordenação de 
reações circulares 
secundárias: 
quarto subestágio do pe-
ríodo sensório-motor de 
Piaget; a criança passa a 
coordenar duas ou mais 
ações para alcançar 
objetivos simples. 
reflexivas com pouco conhecimento a habilidosas solucionadoras de problemas 
que já aprenderam muito sobre si mesmas, seus companheiros mais próximos e 
os objetos e eventos de sua rotina diária. É tão radical o crescimento cognitivo do 
bebê, que Piaget dividiu o período sensório-motor em seis subestágios que des-
crevem a transição gradual da criança de um ser reflexivo para um ser refletivo 
(veja a Tabela 7.2, na página 225). Nossa revisão vai focar em três importantes 
aspectos do desenvolvimento sensório-motor: habilidades para a solução de pro-
blemas (ou atividades com objetivos/fins), imitação e o crescimento do conceito 
de objeto. 
O Desenvolvimento de Habilidades para a Solução de Problemas 
Atividades Reflexa. Piaget caracterizava o primeiro mês de vida como um estágio de ati-
vidade reflexa - um período em que as ações do bebê praticamente estão limitadas 
ao exercício de reflexos inatos, assimilar novos objetos nesses esquemas reflexos (por 
exemplo, sugar cobertores ou brinquedos, bem como o seio materno) e acomodar esses 
reflexos aos novos objetos. De fato, não são intelectualizadas, mas essas adaptações pri-
mitivas representam o início do crescimento cognitivo. 
Reações Circulares Primárias (1 aos 4 meses). Os primeiros esquemas que não são 
reflexos emergem entre 1 e 4 meses de vida, à medida que a criança descobre por acaso 
que as diversas respostas que ela pode emitir e controlar (por exemplo, chupar os dedos, 
fazendo sons) são satisfatórias e, assim, dignas de ser repetidas. Esses simples atos repe-
titivos, chamados reações circulares primárias, são sempre centrados no próprio corpo 
do bebê. São denominados "primários" por serem os primeiros hábitos motores a apare-
cer, e '"circulares" por serem repetidos. 
Reações Circulares Secundárias (dos 4 aos 8 meses). Entre o quarto e oitavo mês de vida 
as crianças estão descobrindo (novamente por acaso) que podem realizar coisas interessan-
tes a objetos além de seus próprios corpos, como provocar o som em um pato de borracha 
apertando sua barriga. Esses novos esquemas, chamados reações circulares secundárias, 
são igualmente repetidos pelo prazer que provocam. Segundo Piaget, o interesse repentino 
das crianças entre os 4 e 8 meses em objetos externos indica que começaram a se diferen-
ciar dos objetos que podem controlar no ambiente que as rodeia. 
Um bebê que se delicie nessas ações repetitivas, como brincar com um mobile colo-
rido ou apertar a barriga do pato de brinquedo, estaria engajado em um comportamento 
planejado ou intencional? Segundo Piaget, não: a reação circular secundária ainda não 
é uma resposta completamente intencional, visto que o interessante resultado por ela 
produzido foi descoberto por acaso e não era um objetivo definido na primeira vez que a 
ação foi realizada. 
Coordenação de Esquemas Secundários (dos 8 aos 12 meses). Respostas realmente 
planejadas aparecem pela primeira vez entre o oitavo e décimo segundo mês de vida, 
durante o subestágio da coordenação de reações circulares secundárias, à medida que 
a criança começa a coordenar duas ou mais ações para realizar objetivos simples. Por 
exemplo, se você colocasse um brinquedo interessante embaixo de uma almofada, um 
bebê de 9 meses poderia levantar a almofada com uma das mãos enquanto usaria a outra 
para pegar o brinquedo. 
Nesse caso, o ato de erguer a almofada não é em si agradável, tampouco é realizado 
por acaso. Pelo contrário, é parte de um esquema intencional maior no qual duas respos-
tas inicialmente não-relacionadas - erguer e pegar - são coordenadas com um objetivo 
em mente. Piaget acreditava que essas simples coordenações de esquemas secundários 
representavam o início do comportamento dirigido por um objetivo e, portanto, a real 
solução de problemas. 
Reações Circulares Terciárias (dos 12 aos 18 meses). Entre os 12 e 18 meses, a criança 
começa a experimentar ativamente com objetos e tenta inventar novos métodos de solu-
Cap- 7 Desenvolvimento Cognitivo: A Teoria de Piaget e a Visão Sociocultural de Vygotsky • David R. Shaffer 223 
ção de problemas ou a reprodução de resultados interessantes. Por exemplo, uma criança 
que tenha originalmente apertado a barriga de um pato de borracha para fazê-lo grasnir 
poderia agora jogá-lo no chão, pisar e amassá-lo com um travesseiro para ver se essas 
ações produzirão os mesmos resultados ou efeitos diferentes no brinquedo. Ou ela pode 
aprender por meio de suas experiências que jogar a comida na parede é mais eficiente 
para fazê-la grudar ali do que simplesmente cuspi-la. Apesar de os pais nem sempre se 
sentirem tão animados com esses novos e emocionantes avanços cognitivos, esses esque-
mas exploratórios de tentativa e erro, chamados reações circulares terciárias, refletem 
a curiosidade da criança - seu grande motivador para aprender sobre o modo de funcio-
namento das coisas. 
Solução de Problemas por Combinações Mentais (dos 18 aos 24 meses). O grande feito 
do estágio sensório-motor ocorre quando a criança começa a internalizar seus esquemas 
comportamentais para construirsímbolos mentais, ou imagens, que podem usar para 
guiar sua conduta futura. Agora a criança pode experimentar mentalmente e pode mos-
trar um tipo de "percepção" de como resolver um problema. Laurent, o filho de Piaget, 
ilustra muito bem esse tipo de solução de problemas, ou experimentação interna: 
Laurent encontra-se sentado em frente à mesa e coloco um pedaço de pão à sua 
frente, longe do seu alcance. Também, à direita (...) coloco um bastão, de cerca 
de 25 cm. A princípio, Laurent tenta pegar o pão (...) e então desiste (...) Laurent 
novamente olha para o pão e, sem se mover, olha rapidamente para o bastão, e 
então subitamente o agarra e o direciona para o pão (...) (ele então) traz o pão 
para si (Piaget, 1952, p. 335). 
Não há dúvidas de que aqui não há a experimentação do tipo tentativa e erro. Em 
vez disso, a solução para o problema de Laurent aconteceu em um nível simbólico e in-
terno, ao visualizar o bastão sendo usado como uma extensão do seu braço para alcançar 
um objeto distante. 
O Desenvolvimento da Imitação 
Piaget reconheceu o significado adaptativo da imitação e esteve bastante interessado em 
seu desenvolvimento. Suas observações pessoais o levaram a crer que os bebês eram in-
capazes de imitar novas respostas emitidas por um modelo até o período de 8 a 12 meses 
(a mesma idade em que demonstravam alguma evidência de intencionalidade em seu 
comportamento). Entretanto, os esquemas de imitação de crianças tão jovens são bas-
tante imprecisos. Se você dobrasse e esticasse um dedo, um bebê provavelmente tentaria 
imitá-lo abrindo e fechando toda a mão (Piaget, 1951). De fato, imitações precisas mesmo 
de respostas simples podem levar dias (ou mesmo semanas) de prática (Kaye e Marcus, 
1981), e literalmente centenas de demonstrações podem ser necessárias antes que um 
bebê de 8 a 12 meses compreenda ou comece a apreciar jogos sensório-motores como de 
"esconde-esconde". 
A imitação voluntária torna-se muito mais precisa entre os 12 e 18 meses, como 
vemos no seguinte exemplo: 
Aos (1 ano e 16 dias, Jacqueline) descobriu sua testa. Quando eu toquei o meio 
da minha, ela primeiro esfregou os olhos, então sentiu acima deles e tocou seu 
cabelo, logo após levou sua mão para baixo e, finalmente, colocou o dedo em 
sua testa (Piaget, 1951, p. 56). 
Segundo Piaget, a imitação diferida - a habilidade de reproduzir o comporta-
mento de um modelo ausente - aparece pela primeira vez entre os 18 e 24 meses. Ao 
discutir esquemas simbólicos, notamos um exemplo de imitação diferida - a reprodução 
de Jacqueline de seu ataque de temperamento 24 horas depois do de seu companheiro. 
Piaget acreditava que crianças mais velhas são capazes de realizar imitações diferidas, 
Reações circulares 
terciárias: 
quinto subestágio do 
período sensório-motor 
de Piaget; um esquema 
exploratório no qual a 
criança cria um novo 
método de ação sobre 
objetos com o objetivo 
de produzir resultados 
interessantes. 
Experimentação 
interna: 
no sexto subestágio do 
estágio sensório-motor 
de Piaget, a habilidade 
de resolver problemas 
simples no nível mental, 
ou simbólico, sem ter de 
se apoiar na experiência 
do tipo tentativa e erro 
para tanto. 
Imitação diferida: 
habilidade de reproduzir 
a atividade-modelo que 
tenha sido testemunhada 
em algum momento 
passado. 
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im 
Psicologia do Desenvolvimento • Editorê Thotnsijq 
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pois podem construir símbolos mentais, ou imagens, do comportamento-modelo que está 
guardado em sua memória e é trazido à tona mais tarde para guiar a recriação da resposta 
do modelo. 
Alguns investigadores discordam de Piaget, argumentando que a imitação diferida 
e assim a representação simbólica, tem seu início muito mais cedo. Por exemplo, pesqui-
sas demonstraram que crianças de apenas 9 meses são capazes de imitar atos bastante 
simples (por exemplo, apertar um botão para ativar um brinquedo barulhento), dias 
após observá-los (Carver e Bauer, 1999; Meltzoff, 1988), e crianças um pouco maiores 
demonstraram imitar eventos particularmente memoráveis até 12 meses após o haverem 
testemunhado pela primeira vez (Bauer e Wewerka, 1995; Mandler e McDonough, 1995-
Meltzoff, 1995). Assim, a capacidade para a imitação diferida - a imitação que requer 
que a criança construa, guarde e então se recorde de símbolos mentais - está presente 
muito antes do que Piaget pensava. 
Permanência 
do objeto: 
a realização de que os 
objetos continuam a 
existir quando não mais 
visíveis ou percebidos 
por meio dos outros 
sentidos. 
Erro A e não B: 
tendência, apresentada 
pelas crianças dos 8 aos 
12 meses, de buscar um 
objeto escondido onde o 
tenham encontrado pre-
viamente mesmo após 
terem visto ser movido a 
outro lugar. 
Desenvolvimento da Permanência do Objeto 
Um dos feitos mais notáveis do período sensório-motor é o desenvolvimento da perma-
nência do objeto - a idéia de que os objetos continuam a existir quando não são mais 
visíveis ou percebidos pelos outros sentidos. Se tirasse seu relógio e o cobrisse com uma 
caneca, você ainda estaria consciente de que seu relógio continuaria a existir. Mas já que 
bebês muito jovens se baseiam muito em seus sentidos e habilidades motoras para "en-
tender" um objeto, eles parecem operar como se os objetos existissem apenas se puderem 
ser sentidos ou tocados. De fato, Piaget (1954) e outros descobriram que bebês de 1 a 4 
meses não procurarão por objetos interessantes que não estejam visíveis. Se um relógio 
que lhes interessa for coberto por uma caneca, logo perderão o interesse, quase como se 
acreditassem que o relógio não existisse mais ou tenha se transformado na caneca. Entre 
o quarto e o oitavo mês, a criança se recordará de brinquedos que estejam parcialmente 
ocultos ou colocados abaixo de uma cobertura semitransparente; mas continuam a falhar 
na busca de objetos que estejam completamente escondidos, o que sugeriu a Piaget que, 
da perspectiva do bebê, objetos que desaparecem deixam de existir. 
Sinais claros de uma noção emergente de objeto aparecem entre os 8 e 12 meses. 
Entretanto, a permanência do objeto está longe de estar completa, como vemos na de-
monstração de Piaget com sua filha de 10 meses: 
Jacqueline está sentada em um colchão sem nada que (...) a distraia (...) eu 
pego seu papagaio (de brinquedo) de suas mãos e o escondo por duas vezes 
(...) embaixo do colchão, à sua esquerda (ponto A). Ambas as vezes, Jacqueline 
olha para o objeto imediatamente e o agarra. Então eu o retiro de suas mãos e 
o movo muito lentamente à frente de seus olhos ao lugar correspondente à sua 
direita, embaixo do colchão (ponto B). Jacqueline observa esse movimento (...) 
mas no momento em que o papagaio desaparece (no ponto B), ela se vira para a 
sua esquerda e olha para onde ele estava anteriormente (ponto A) (1954, p. 51, 
grifos acrescentados pelo autor). 
A resposta de Jacqueline é típica de crianças de 8 a 12 meses, que buscarão por um 
objeto escondido onde o tenham encontrado anteriormente, e não onde o tenham visto 
pela última vez (Marcovitch e Zelazo, 1999). A consideração de Piaget sobre esse tipo de 
erro A e não B era bastante direta: Jacqueline agia como se seu comportamento determi-
nasse onde o objeto poderia ser encontrado; conseqüentemente, ela não tratava o objeto 
como algo que existisse independente de sua própria atividade. 
Entre os 12 e 18 meses, o conceito de objeto melhora. Crianças nessa idade acompa-
nham os movimentos visíveis dos objetos e os procuram no último lugar que os tenham 
visto. Entretanto, a permanência do objeto ainda não está completa, visto que a criança 
ainda não é capaz de realizar as inferências mentais necessárias para entender a moção 
invisível. Dessa forma, se você esconde um brinquedo em sua mão, a coloca atrás de uma 
barreira e deixa o objeto ali, depois, tira sua mão 
e pede à criança que encontre o brinquedo, bebês 
de 12 a 18 meses procurarão o brinquedo onde o 
viram pela última vez - na sua mão - em vez de 
procurá-lo atrás de você. 
Entre 18e 24 meses, as crianças tornam-se 
capazes de representar mentalmente moções invi-
síveis e usar tais inferências mentais para guiar a 
busca de objetos que tenham desaparecido. Nesse 
ponto, elas entendem completamente que os obje-
tos possuem uma "permanência" e se orgulham 
bastante de localizar seus objetivos em brincadei-
ras de esconde-esconde. 
Desafios para a Consideração de Piaget 
sobre o Desenvolvimento Sensório-motor: 
O Neonativismo e a Teoria das Teorias 
Piaget foi um impressionante observador de crianças, e quanto ao nível de descrição dos 
tipos de resolução de problemas por elas utilizados que a maioria das pessoas (incluindo 
os pais) realmente vê, a consideração de Piaget sobre o desenvolvimento infantil geral-
mente é bastante precisa, embora um tanto incompleta (Bjorklund, 2000; veja a Tabela 7.2 
para um resumo de algumas atualizações). Ainda assim, Piaget geralmente subestimava 
as capacidades cognitivas das crianças, e muitos pesquisadores hoje acreditam que são 
necessárias novas teorias para captar completamente a riqueza da inteligência infantil. 
Neonativismo. A crítica mais bem-articulada sobre a teoria infantil de Piaget vem do neo-
nativismo. Neonativistas são teóricos que acreditam que as crianças nascem com conhe-
cimento substancial sobre a natureza do mundo físico (Gelman e Williams, 1998; Mandler, 
1998; SpeLke e Newport, 1998). Essa perspectiva é bem ilustrada no trabalho de Renee 
Baillargeon (1987), descrito no Quadro 7.1, que sugere que as crianças sabem algo sobre 
a permanência de objetos muito cedo; e tal conhecimento não precisa ser "construído" 
Brincar de esconde-esconde é uma atividade 
bastante excitante para as crianças que estão 
adquirindo a permanência do objeto. 
Neonativismo: 
idéia de que muito do 
conhecimento cogni-
tivo, como o conceito 
de objeto, é inato, 
requerendo pouco em 
termos de experiências 
para se expressar, e de 
que existem limitações 
biológicas, à medida 
que a mente/cérebro 
está programada para 
processar certos tipo de 
informação de determi-
nadas maneiras. 
como Piaget propôs, mas é parte da herança genética da criança. Isso não significa que 
não haja um desenvolvimento ou que nenhuma experiência seja necessária para a ex-
pressão madura dessa habilidade, mas sim que os bebês entram no mundo com conhe-
cimento substancial e estão preparados pela evolução para dar sentido a certos aspectos 
do seu mundo físico (como a permanência de objetos ou, como vimos no Quadro 6.2 
a constância de tamanho). 
De modo similar, outros argumentam que desde os primeiros meses de vida os 
bebês são seres simbólicos, uma perspectiva bastante diferente do ponto de vista de 
Piaget (Meltzoff, 1990). Pesquisas sobre a imitação diferida (e imitação neonatal discu-
tida no Capítulo 6) são consistentes com essa posição e levaram Andrew Meltzoff (1990, 
p. 20) a argumentar que "em um sentido bastante real, pode não existir algo como o 'pe-
ríodo sensório-motor' no bebê humano normal". 
A realização precoce de habilidades simbólicas é ilustrada na pesquisa inovadora de 
Karen Wynn (1992), que usou técnicas semelhantes às de Baillargeon (1987), apresentada 
no Quadro 7.1, para avaliar julgamentos aritméticos simples em crianças. Na pesquisa de 
Wynn, eram apresentadas para bebês de 5 meses seqüências de eventos que envolviam 
a adição e subtração de elementos. Duas dessas seqüências podemos ver na Figura 7.2. 
Uma seqüência (o "resultado possível") leva à conclusão de que 1 + 1 = 2; a outra seqüên-
cia (o "resultado impossível") leva à conclusão de que 1 + 1 = 1. Se os bebês possuem 
algum conceito primitivo de adição, eles deveriam ficar surpresos e assim passar mais 
tempo olhando para o "resultado impossível". E isso foi exatamente o que aconteceu, 
tanto para o problema de adição apresentado na Figura 7.2 como para o problema de 
subtração simples (2 - 1 = 1), e esses resultados têm sido agora repetidos por outros pes-
quisadores (Simon et ai, 1995; UUer et ai, 1999). 
Note que os bebês não estão simplesmente fazendo uma discriminação perceptual 
entre dois arranjos (ou seja, percebendo a diferença entre um arranjo com um item e 
outro com dois). Pelo contrário, quando eles observam como um item é adicionado a ou-
tro atrás de uma tela, eles esperam poder ver dois itens quando a tela é removida. Isso 
requer um certo nível de permanência do objeto e memória, mas também idéias rudi-
mentares de adição. Eles devem inferir que um segundo objeto foi somado ao primeiro, 
sem realmente ver que isso foi feito (lembre-se de que a tela lhes bloqueava a visão). Essa 
linha de trabalho é interessante e sugere que mesmo bebês de 5 meses possuem mais co-
nhecimento quantitativo (simbólico) do que o proposto por Piaget, embora não estabeleça 
1. Objeto colocado 2. Tela levantada 3. Segundo objeto adicionado 4. Mão se retira vazia 
Resultado possível: Resultado impossível 
5. A tela se abaixa , ... e revela 2 objetos 5. A tela se abaixa ... e revela apenas 1 objeto 
Figura 7.2 Seqüência de eventos para o resultado I + I = 2 (possível) e para 
o resultado I + I = I (impossível) da pesquisa de Wynn (1992). (De Bjorklund, 2000.) 
Será que bebês muito pequenos realmente acreditam que um 
objeto desaparecido deixa de existir? Renee Baillargeon (1987) 
duvida disso, e sua pesquisa ilustra um tema que tem sido 
repetido por muitos pesquisadores contemporâneos: bebês pe-
quenos sabem muito mais sobre objetos do que Piaget imaginou 
que soubessem; de fato, é possível que nunca sejam totalmente 
ignorantes sobre a permanência de objetos. 
0 truque para demonstrar o que bebês pequenos sabem 
é conduzir testes apropriados a seu nível de desenvolvimento. 
Infelizmente, bebês de 3 a 4 meses de vida possuem habilida-
des motoras limitadas, assim, suas inabilidades para procurar 
objetos (testes de Piaget) dizem realmente muito pouco acerca 
de seu conhecimento sobre objetos. 
Baillargeon (1987; Baillargeon e De Voss, 1991) usou o pa-
radigma da habituação/desabituação para avaliar o que bebês 
de 3 meses e meio a 4 meses e meio sabem sobre os objetos 
e suas propriedades. Baillargeon (1987) primeiro habituou cada 
criança a uma tela que se movia 180°, com seu lado plano 
voltado para a criança continuamente subindo em arco e se 
afastando do bebê (veja a parte (a) da figura). Uma vez habitua-
dos a esse evento, os bebês viam um bloco de madeira colorido 
com o desenho da face de um palhaço no lugar da tela frouxa 
(na verdade, o bloco era uma ilusão criada por um espelho). 
Então, como vemos na figura, a tela era virada para produzir um 
evento possível (a tela deixaria de mover-se como se tivesse 
sido parada pelo bloco; veja parte (b) da figura) ou um evento 
impossível (a tela viraria 180° passando pelo bloco; veja parte 
(c) da figura). Baillargeon argumentou que, se os bebês pen-
sassem que o bloco ainda existisse, mesmo quando encoberto 
pela tela, eles iriam olhar por mais tempo para a tela e se mos-
trariam mais surpresos quando esta aparentasse passar atra-
vés do bloco sólido (evento impossível) do que quando parasse 
no bloco (evento possível). E foi exatamente o que a maioria dos 
(a) Evento de habituação 
(b) Evento possível 
(c) Evento impossível 
Representações do estímulo de habituação e eventos possível e 
impossível mostradas para crianças na pesquisa de Baillargeon (1987). 
As crianças demonstraram grande interesse no evento "impossível", o 
que sugere que elas sabiam que o bloco continuava a existir e que a tela 
não deveria passar através deste. Com base em Baillargeon, 1987. 
bebês de 4 meses e meio e muitos de 3 meses e meio fizeram, 
demonstrando maior interesse pelo evento impossível. 
A performance dos bebês na condição de "evento impossí-
vel" reflete não apenas um conhecimento sobre a permanência 
de objetos, como também o conhecimento de que objetos 
sólidos não podem passar através de outro. Elizabeth Spelke 
(1991; Spelke et ai., 1992) demonstrou de modo similar em uma 
série de experimentos que bebês de apenas 2meses e meio 
pos_suem o conhecimento de solidez e continuidade de objetos 
(o fato de que um objeto em movimento continua em seu cami-
nho), e a mais recente pesquisa realizada por Baillargeon e cols. 
ilustrou a compreensão de bebês pequenos sobre apoio (um 
objeto deve estar apoiado ou cairá), colisões (um objeto atingido 
por outro se moverá) (Baillargeon et ai., 1995) e contenção (um 
objeto grande não cabe dentro de um menor) (Aguiar e Baillar-
geon, 1998). 
Antes se pensava que déficits de memória também explica-
vam erros AenãoB realizados por bebês de 8 a 12 meses. Mas 
hoje sabemos que bebês dessas idades possuem uma memória 
razoavelmente boa e ficam realmente muito surpresos se obje-
tos escondidos aparecem não onde o tinham visto pela última 
vez (no ponto B) (Baillargeon e Graber, 1988). Assim, bebês 
entre 8 e 12 meses que cometem erros A e não B geralmente 
se lembrarão que o objeto foi escondido na nova localização 
B; o que lhes pode faltar é a habilidade de inibir a tendência 
a buscá-lo onde o encontraram anteriormente. De fato, Adele 
, Diamond (1985) afirma que algumas crianças que buscam ina-
propriadamente por objetos escondidos no ponto A dificilmente 
olham totalmente para lá, como se percebessem que ali não é 
o lugar certo para procurar pelo objeto, mas simplesmente não: 
podem evitar de fazê-lo. Diamond (1985) testou 25 crianças na 
tarefa A e não B, iniciando por volta dos 7 meses e meio até os 
12 meses. Ela descreveu que o atraso entre o esconder e buscar 
necessário para produzir o erro A não B aumentava com a idade 
em média dois segundos por mês. Ou seja, crianças de 7 
meses e meio buscavam pelo objeto escondido no lugar errado 
(posição A) após dois segundos de espera. Aos 12 meses, as 
crianças erravam apenas se houvesse passado dez segundos 
entre o ato de esconder o objeto e o início da busca. 
Com base nesses é em outros dados, Diamond (1991,1995) 
acredita que as mudanças maturacionais no lobo frontal do 
córtex cerebral durante o segundo semestre de vida permitem 
as crianças a aquisição de maior controle sobre suas respostas 
motoras, lhes permitindo assim inibir um impulso para buscar 
objetos escondidos em lugares que sabem estar errados. E 
ela pode estar certa. Ao usar o método de potencial evocado, 
Martha Bell e Nathan Fox (1992) descobriram que crianças de 7 
a 12 meses que evitavam cometer erros A e não B demonstra-
vam maior atividade elétrica no lobo frontal enquanto realizavam 
a tarefa se comparadas a seus colegas de mesma idade que 
buscavam de forma menos apropriada. 
Apesar de termos considerado apenas parte das evidências, 
é claro que a confiança de Piaget nos procedimentos de busca 
ativa o levou a (1) subestimar o que bebês muito pequenos 
sabem sobre objetos e (2) interpretar erroneamente o porquê de 
os bebês realizarem o erro A e não B. • ; ••-. 
228 
que bebês nasçam sabendo noções básicas de aritmética ou que crianças deveriam ser 
capazes de aprender matemática complexa. 
"Teoria" das teorias: 
teorias de desenvol-
vimento cognitivo que 
combinam o neonativis-
mo ao construtivismo, 
propondo que o desen-
volvimento progride 
por meio da geração, 
testagem e alteração 
das teorias que a criança 
constrói os mundos físico 
e social. 
Estágio 
pré-operacional: 
segundo estágio do de-
senvolvimento cognitivo 
de Piaget, que dura dos 
2 aos 7 anos, quando o 
pensamento da criança 
está em um nível simbóli-
co, mas ainda sem o uso 
de operações cognitivas. 
Insight 
representacional: 
o conhecimento de que 
uma entidade pode se 
colocar (representar) 
algo além de si mesma. 
"Teoria" das Teorias. Existem outros teóricos que concordam que as crianças nascem 
com um conhecimento maior do que o proposto por Piaget, mas que também acreditam 
que, além dos estágios iniciais do desenvolvimento sensório-motor, a teoria construti-
vista de Piaget é, em geral, próxima à verdade. Estes são os teóricos da "teoria", qUe 
combinam aspectos do neonativismo com o construtivismo de Piaget (Gopnik e Meltzoff 
1997; Karmiloff-Smith, 1992). A idéia básica por trás da "teoria" das teorias é a de que 
os bebês nascem preparados para dar sentido a algumas classes de informação (sobre 
objetos e sons da fala, por exemplo), como os neonativistas propõem, mas que tal conhe-
cimento inato é incompleto e requer experiências sólidas para que as crianças sejam ca-
pazes de construir a realidade, tal como Piaget propôs. Os bebês fazem isso por meio da 
construção de idéias, ou "teorias", sobre como o mundo funciona, e então testam e modi-
ficam suas teorias, como o fazem os cientistas, até que o modelo mental que possuem se 
assemelhe ao mundo tal qual é estruturado. Mudanças no desenvolvimento são similares 
àquelas descritas por Piaget. Segundo Alison Gopnik e Andrew Meltzoff (1997, p. 63), 
"podemos ver tipicamente um padrão no qual a criança se apoia em um conjunto par-
ticular de predições e interpretações por algum tempo; a criança possui uma teoria 
particular. Então devemos esperar um período de desorganização, no qual a teoria entra 
em crise. E, finalmente, veremos uma nova, igualmente coerente e estável, teoria emer-
gir". Isso é remanescente do conceito piagetiano de equilíbrio. 
Por que, então, os "teóricos" infantis de diferentes culturas constróem teorias muito 
semelhantes sobre a realidade física (e início da social) durante os 2 primeiros anos de 
vida? Os teóricos da "teoria" das teorias respondem salientando que todas as crianças 
começam a vida com o mesmo conhecimento inato. Então, elas constróem cedo teorias 
similares, pois possuem muitas experiências similares para se adaptarem, nas mesmas 
idades, durante os primeiros anos de vida. 
Resumindo 
A teoria de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo infantil tem sido uma das mais in-
fluentes propostas já feitas. Ela trouxe à tona fenômenos antes encobertos (por exemplo, 
a permanência de objetos) e gerou por volta de um século de pesquisas. Entretanto, tem-
se tornado óbvio nas últimas décadas que novas teorias são necessárias para dar conta 
da tão rica habilidade cognitiva que as crianças têm demonstrado possuir. Ainda assim, 
à medida que novas pesquisas sé acumulam, também se tem tornado claro que não que-
remos jogar fora Piaget juntamente com a água do banho do bebê. Muitas das idéias de 
Piaget, particularmente o construtivismo, têm demonstrado poder para ficar e têm sido 
incorporadas em novas teorias sobre o desenvolvimento infantil. 
0 Estágio Pré-operacional (dos 2 aos 7 anos) 
Quando a criança entra no estágio pré-operacional de Piaget, vemos um drástico au-
mento no uso de símbolos mentais (palavras e imagens) para representar os objetos e 
eventos que encontram. Basicamente, um símbolo é algo que representa alguma coisa, 
assim como a palavra "cachorro" representa um mamífero doméstico de quatro patas, 
de tamanho médio. Judy DeLoache (1987, 2000) referiu-se ao conhecimento que uma 
entidade pode representar de alguma outra coisa além de si mesma como um insight 
representacional. 
A evidência mais óbvia do uso simbólico, segundo Piaget, é a linguagem. Outros 
exemplos de uso simbólico em crianças pequenas são imitação diferidas, esboços, ima-
gens mentais e jogos simbólicos (por exemplo, fazendo de conta que um sapato é um 
telefone ou alimentando uma boneca com cereal imaginário). Cada uma dessas formas 
de simbolismo encontra-se disponível para a maioria das crianças de 2 anos, embora a 
maneira como fazem uso desses símbolos melhore substancialmente nos próximos dez 
a 12 anos. 
Mas, apesar dessa nova força tão importante, as descrições de Piaget sobre a in-
teligência pré-operacional enfocavam principalmente as limitações, ou deficiências, no 
pensamento da criança. De fato, ele denominou esse período "pré-operacional" porque 
acreditava que crianças em idade pré-escolar ainda não adquiriram os esquemas opera-
cionais que lhes permitissem pensar logicamente. 
Piaget dividiu o período pré-operacional em dois subestágios: o período pré-concei-
tual (dos2 aos 4 anos) e o período intuitivo (dos 4 aos 7 anos). 
O Período Pré-conceitual 
Emergência do Pensamento Simbólico. O período pré-conceitual é marcado pelo apa-
recimento da função simbólica - a habilidade de fazer algo, como uma palavra ou objeto, 
significar ou representar alguma outra coisa. Essa transição da curiosidade de colocar a 
mão em tudo do bebê para uma criança em idade pré-escolar contemplativa e simbólica 
é realmente extraordinária. Considere, por exemplo, que pelo fato de as crianças de 2 e 3 
anos poderem usar palavras e imagens para representar suas experiências, elas são agora 
mais capazes de reconstruir o passado e pensar sobre, ou mesmo comparar, objetos que 
não estejam mais presentes. E quanto, exatamente, a habilidade para construir símbolos 
mentais transforma o pensamento da criança? David Bjorklund (2000) responde pela ob-
servação que, em média, uma criança de 3 anos na fase simbólica e um adulto de 21 anos 
possuem provavelmente maiores semelhanças intelectuais que uma criança de 3 anos e 
um bebê de 12 meses. Apesar de o pensamento de uma criança de 3 anos vir a mudar em 
muitas maneiras nos anos seguintes, é similar ao do adulto pelo fato de ambos, a criança 
em fase pré-escolar e o adulto, pensarem por meio da manipulação de símbolos mentais. 
A linguagem talvez seja a forma mais óbvia do simbolismo demonstrada por crian-
ças pequenas. Embora a maioria das crianças pronuncia sua primeira palavra signifi-
cativa ao final do primeiro ano, e não antes dos 18 meses - ponto em que demonstram 
outros sinais de simbolismo, tais como a experimentação interna - que se tornam capazes 
de combinar duas (ou mais) palavras para formar sentenças simples. Será que o uso da 
linguagem promove o desenvolvimento cognitivo? Piaget diz que não, argumentando em 
vez disso que a linguagem meramente reflete o que a criançada sabe e pouco contribui 
para o conhecimento. Em outras palavras, ele acreditava que o desenvolvimento cogniti-
vo promovia o desenvolvimento da linguagem, e não o contrário (como veremos ao final 
do capítulo, Lev Vygotsky discorda firmemente de Piaget nesse ponto). 
A segunda principal marca característica do início do período pré-conceitual é o 
florescer do jogo simbólico (ou do faz-de-conta). Crianças freqüentemente imaginam ser 
outras pessoas (mães, super-heróis), e podem interpretar tais papéis tendo como suporte, 
por exemplo, uma caixa de sapatos ou uma vara que simbolize outros objetos relevantes, 
como um berço ou uma arma. Apesar de alguns pais ficarem preocupados quando seus 
filhos mergulham no mundo do faz-de-conta e começam a inventar amigos imaginá-
rios, Piaget acreditava que tais atividades são basicamente saudáveis, um ..ponto .de vista 
mantido por muitos pesquisadores contemporâneos (Gleason et ai., 2000). No Quadro 
7.2, focaremos rapidamente os jogos infantis e veremos como essas atividades do "faz-
de-conta" podem contribuir positivamente para o desenvolvimento social, emocional e 
intelectual da criança. 
Novas Visões sobre o Simbolismo. A ênfase de Piaget na natureza simbólica do pensa-
mento pré-operacional chamou a atenção dos desenvolvimentalistas. Judy DeLoache e 
cols., por exemplo, exploraram as habilidades de as crianças em idade pré-escolar usarem 
escalas de modelos e figuras como símbolos (DeLoache, 1987, 2000; Uttal et ai., 1995). 
Nos estudos de DeLoache, as crianças eram convidadas a encontrar um brinquedo es-
condido em um quarto. Antes de buscarem o brinquedo, as crianças viam um modelo em 
Período pré-conceitual: 
subestágio inicial das 
pré-operações, dos 2 
aos 4 anos, caracteri-
zado pelo surgimento 
de idéias, conceitos, 
métodos e raciocínio 
primitivos. 
Função simbólica: 
habilidade de usar 
símbolos (por exemplo, 
imagens e palavras) para 
representar objetos e 
experiências. 
Jogo simbólico 
(ou do faz-de-conta): 
jogo no qual um objeto, 
ação ou ator simboliza ou 
representa outro. 
230 Psicologia do Desenvolvimento • Editora Thomso 
Representação dual 
(decodificação dual; 
orientação dual): 
habilidade de representar 
simultaneamente 
um objeto em si e como 
a representação de 
algo mais. 
escala do quarto, com o pesquisador escondendo um brinquedo em miniatura (Snoopy) 
atrás da cadeira do modelo. O brinquedo em miniatura e a pequena cadeira simbolizavam 
um grande Snoopy e uma cadeira de verdade no quarto "real" ao lado. Pedia-se então que 
as crianças encontrassem o brinquedo no quarto real (Recuperação 1). Após procurar 
pelo brinquedo no quarto real elas retornavam ao modelo e eram convidadas a encontrar 
onde estava escondido o brinquedo em miniatura (Recuperação 2). Se a criança fosse 
incapaz de encontrar o brinquedo no quarto real (Recuperação 1), mas encontrasse a 
miniatura na escala modelo (Recuperação 2), a falha em encontrar o brinquedo grande 
não poderia ser atribuída ao esquecimento de onde a miniatura estava escondida. Uma 
interpretação melhor seria que a criança não possui a percepção representacional e não 
pode usar o modelo de modo simbólico para direcionar sua busca. 
Os resultados de tal pesquisa com crianças de 2 anos e meio a 3 anos encontram-
se na Figura 7.3. Como vemos, as crianças de 3 anos realizaram com sucesso ambas as 
tarefas de recuperação, indicando que se lembravam de onde a miniatura do brinquedo 
estava escondida e usavam a informação do modelo em escala para encontrar o brinque-
do grande no quarto real. As crianças de 2 anos e meio demonstraram boa memória em 
relação ao lugar em que o brinquedo em miniatura havia sido escondido (Recuperação 
2 na figura), mas suas performances foram muito pobres quando tentaram encontrar o 
brinquedo grande no quarto real (Recuperação 1 na figura). Aparentemente, as crianças 
de 2 anos e meio falharam em reconhecer que o modelo em escala era uma representação 
simbólica do quarto maior. 
Não é que a criança de 2 anos e meio não possua a percepção representacional. Se é 
mostrada uma foto com o esconderijo do Snoopy no quarto real, a criança de 2 anos e meio 
(mas não a de 2 anos) poderá encontrar o brinquedo se for lhe dada a oportunidade. Por que 
elas se saem melhor com uma foto de duas dimensões do que com um modelo em escala tri-
dimensional propriamente dito? DeLoache acredita que os modelos em escala são mais di-
fíceis de ser usados como símbolos, pois às crianças de 2 anos e meio falta a representação 
dual - a habilidade de pensar acerca de um objeto de duas maneiras diferentes no mesmo 
momento. A representação dual não é necessária com fotos, pois o propósito primário de 
uma foto é representar outra coisa. Mas um modelo em escala é um objeto interessante em 
si mesmo, e uma criança de 2 anos e meio pode não reconhecer que isso é também uma 
representação do quarto maior. Se DeLoache estiver certa, então qualquer coisa que induza 
a criança pequena a prestar menos atenção ao modelo em escala como um objeto deveria 
persuadi-la a usar isso como um símbolo e assim melhorar sua busca pelo objeto escon-
dido. De fato, DeLoache (1991, 2000) relata que crianças de 2 anos e meio que não foram 
autorizadas a brincar com o modelo em escala, mas apenas 
olharam para ele através de uma janela enfocaram menos as 
qualidades interessantes do modelo em escala, tratando-o 
mais como um símbolo que lhes ajuda a encontrar o brin-
quedo escondido no quarto real. 
Apesar de a percepção representacional e de a habilida-
de para a representação dual melhorarem consideravelmente 
entre os 2 anos e meio e os 3 anos, elas permanecem bastan-
te cautelosas e são facilmente interrompidas. Considere, por 
exemplo, que quando as crianças de 3 anos deviam esperar 
cinco minutos após ver o objeto escondido no modelo em 
escala para iniciar sua busca, elas normalmente não conse-
guiam obter sucesso em encontrar o brinquedo em uma sala 
grande. Não é que tenham esquecido onde estava escondido 
o brinquedo no modelo em escala. Em vez disso, elas não 
parecem se lembrar, após um intervalo de cinco minutos, 
que o modelo em escala é uma representaçãosimbólica do 
quarto real (Uttal et ai, 1995). Dessa forma, a representa-
ção dual é bastante frágil em crianças de 3 anos, mas que 
melhora substancialmente durante os anos pré-escolares 
(DeLoache et ai, 1999; Marzolf e DeLoache, 1994). 
Figura 7.3 O número de recuperações com menor índice de 
erro (localizar corretamente o brinquedo escondido) para crian 
ças de 2 anos e meio (mais jovens) e de 3 anos (mais velhas) na 
tarefa modelo. A Recuperação I envolvia localizar o brinquedo 
real no quarto real; a Recuperação 2 envolvia a localização do 
brinquedo miniatura no modelo. (De DeLoache, 1987.) 
O brincar é uma atividade intrinsecamente satisfatória - algo 
que as crianças pequenas fazem por puro prazer (Rubin et ai., 
1983). Em contraste com visões antigas de que as atividades 
de recreação da infância fossem uma frívola perda de tempo, 
Piaget (1951) era fascinado pelas brincadeiras das crianças 
pequenas. Ele acreditava que o brincar demonstrava um pouco 
da emergência dos esquemas cognitivos da criança em ação 
enquanto permitia aos jovens jogadores a prática e o fortaleci-
mento de qualquer competência que eles possuíssem. 
O jogo sensório-motor tem início muito cedo e desenvol-
ve-se de maneira parecida em todas as culturas (Pellegrini e 
Smith, 1998; Sigman e Sena, 1993). Os bebês evoluem do 
brincar com o próprio corpo (por exemplo, chupar o dedo) para 
a manipulação de objetos externos como chocalhos e animais 
de pelúcia, para jogos completamente funcionais - usando ob-
jetos para servir a funções que têm um fim em si mesma -, que 
aparecem ao fim do primeiro ano de vida. Assim, uma criança 
de 12 meses agora está mais inclinada a apertar botões em um 
telefone de brinquedo do que meramente chupar ou bater no 
brinquedo. 
Talvez o avanço mais excitante nas atividades do brincar 
seja a emergência do jogo simbólico (ou do faz-de-conta), entre 
os 11 e 13 meses. Os primeiros episódios do "faz-de-conta" são 
bastante simples, nos quais a criança simula ocupar-se com as 
atividades familiares do dia-a-dia, como comer, beber ou dormir. 
Mas entre os 18 e 24 meses, os bebês evoluem ao ponto em que 
farão de conta diversos atos em uma seqüência significativa; 
também se tornam capazes de coordenar suas ações com as de 
um companheiro de jogos, realizando jogos sociais de imitação 
uns dos outros e algumas vezes até mesmo cooperando para 
alcançar um objetivo em comum (Brownell e Carriger, 1990; 
Howes e Matheson, 1992). Os pais podem estimular esse 
desenvolvimento provendo uma base segura de afeto e partici-
pando junto com criança de seus pequenos dramas (0'Reilly e 
Bornstein, 1993; Slade, 1987). 
Ójjogojimbólicú floresce realmente durante o estágio pré-
operacional de Piaget. Ao redor dos 2 anos, as crianças podem 
utilizar um objeto (um bloco) para simbolizar outro (um carro) e 
agora usam a linguagem de maneira inventiva para criar mundos 
ricos em fantasia para si mesmas. Elas claramente entendem 
o "faz-de-conta": se você lhe entrega uma toalha e sugere 
que limpe o chá imaginário que acabou de derrubar, ela o fará 
(Harris et ai., 1994). Pense nisso: já que não existe qualquer chá 
à vista, o desejo da criança em limpá-lo sugere queela pode 
construir uma representação mental do ato pretenso de outra 
pessoa e então agir segundo essa representação. O jogo de 
faz-de-conta torna-se cada vez mais social e complexo entre 
os 2 e 5 anos. Mais importante, a criança combina sua gradual 
capacidade para o jogo social e sua capacidade para entender 
o faz-de-conta para coordená-los no planejamento de suas 
brincadeiras de faz-de-conta: elas nomeiam e designam papéis 
que cada participante deve desempenhar, propõem roteiros e 
podem até mesmo parar de brincar para modificar o roteiro se 
necessário (Howes e Matheson, 1992). De fato, episódios de 
brincadeira estão entre as interações sociais mais complexas 
das crianças em idade pré-escolaf (Pellegrini, no prelo). 
O que há de bom na brincadeira? Intelectualmente, a brin-
cadeira prove um contexto para o uso da linguagem para a 
comunicação e o uso da mente para a fantasia, planejamento 
de estratégias e resolução de problemas. As crianças freqüen-
temente demonstram mais habilidades intelectuais avançadas 
durante os jogos de faz-de-conta que quando realizam outras ati-
vidades, o que sugere que o brincar estimula o desenvolvimento 
cognitivo (Lillard, 1993). De fato, crianças em idade pré-escolar 
que se engajam bastante em jogos de faz-de-conta (ou que são 
treinadas para tanto) têm melhor desempenho nos testes de 
desenvolvimento cognitivo de Piaget, habilidades de linguagem 
e criatividade que outras crianças que brincam de "faz-de-conta" 
com menor freqüência (Fisher, 1992; Johnsen, 1991). 
Atividades pré-escolares de faz-de-conta também podem 
promover o desenvolvimento social. Para ter sucesso nas 
brincadeiras de faz-de-conta em grupo, a criança pode adotar 
diferentes papéis, coordenar atividades e resolver quaisquer 
disputas que possam aparecer. As crianças também podem 
aprender sobre e se preparar para funções adultas ao 'brin-
car de casinha", ou "brincar de escola" e assim se colocando 
no lugar de suas mães, pais ou professoras (Gleason et ai., 
2000; Pellegrini, no prelo). Talvez devido às habilidades sociais 
que adquirem (por exemplo, a habilidade para cooperar) e às 
experiências de troca de papéis que possuem, as crianças em 
idade pré-escolar que participam bastante em atividades so-
ciais de faz-de-conta tendem a ser socialmente mais maduras e 
mais populares com seus pares que aqueles que normalmente 
brincam sozinhos (Connolly e Doyle, 1984; Howes e Matheson, 
1992). 
E, finalmente, o brincar estimula o desenvolvimento emo-
cional ao permitir às crianças a expressão de sentimentos que 
as incomodam ou a resolver conflitos emocionais (Fein, 1986). 
Se Jennie, por exemplo, levar bronca no almoço por não ter 
comido suas ervilhas, ela pode ganhar o controle da situação 
na brincadeira ao ralhar com sua boneca por ficar escolhendo 
a comida ou convencendo sua boneca a comer "de forma mais 
saudável" e consumir as ervilhas. De fato, resoluções lúdicas de 
tais conflitos emocionais podem ser um importante contribuinte 
para a compreensão das crianças sobre a autoridade e para ra-
cionalizações que embasem todas as regras que devem seguir 
(Piaget elnhelder, 1969). 
Assim, que nunca seja dito que o brincar é uma atividade 
inútil. Apesar de a criança brincar para se divertir e não porque 
melhora suas habilidades, os companheiros que estão brincan-
do indiretamente contribuem para o seu próprio desenvolvimen-
to social, intelectual e emocional, enquanto se divertem. Dessa 
forma, o brincar é verdadeiramente o trabalho da criança - e é 
um negócio realmente sério! 
Animismo: 
atribuição de vida e 
qualidades de vida para 
objetos inanimados. 
Egocentrismo: 
tendência para ver o 
mundo de sua própria 
perspectiva ao mesmo 
tempo em que não 
reconhece que os outros 
podem ter pontos de 
vista diferentes. 
Diferença entre 
aparência e realidade: 
habilidade de manter em 
mente as propriedades 
ou características ver-
dadeiras de um objeto 
mesmo que sua apa-
rência tenha assumido-
uma forma enganosa; 
freqüentemente ausente 
em crianças pequenas 
durante o período pré-
conceitual. 
Déficits no Raciocínio Pré-conceitual. Piaget denominou as crianças entre 2 e 4 anos de 
"pré-conceituais" porque acreditava que as idéias, conceitos e processos cognitivos delas 
seriam bastante primitivos para os padrões de um adulto. Ele afirmava, por exemplo, que 
as crianças pequenas freqüentemente manifestam animismos - o desejo de atribuir vida 
e qualidades de vida (por exemplo, motivos e intenções) a objetos inanimados. A criança 
de 4 anos que acreditava que o pôr-do-sol acontecia porque o Sol estava vivo, bravo, e por 
isso se escondia atrás da montanha fornece-nos um claro exemplo da lógica animística 
que as crianças desempenham durante o período pré-conceitual. 
Segundo Piaget, a deficiência mais severa no pensamentodas crianças no período 
pré-conceitual - uma deficiência que em muito contribui para as demais limitações inte-
lectuais que elas manifestam - é seu egocentrismo, a tendência de ver o mundo apenas 
da própria perspectiva e a dificuldade em reconhecer pontos de vista de outras pessoas. 
Piaget demonstrou isso ao, primeiro, familializar crianças com a cena de uma montanha 
assimétrica (Figura 7.4) e então perguntando a elas o que um observador veria se olhasse 
fixamente a cena a partir de uma posição estratégica diferente da sua. Na grande maio-
ria das vezes, crianças de 3 a 4 anos afirmaram que a outra pessoa veria exatamente o 
mesmo que elas, falhando assim em considerar a diferente perspectiva do outro. Outros 
exemplos do pensamento autocentrado aparecem nas afirmações de crianças pequenas. 
A seguir há um exemplo de conversa em que o egocentrismo de uma menina de 4 anos de 
nome Sandy torna-se bastante evidente quando ela descreve um evento que desejava: 
Sandy: Tio David, ele subiu no seu carro e o arranhou. 
Adulto: Fez o quê? 
Sandy: Venha, vou lhe mostrar (ela leva o tio para fora e mostra um risco no capo do seu carro novo). 
Adulto: Sandy, quem fez este arranhão? 
Sandy: Eu não! 
Adulto: (rindo) Eu sei, Sandy, mas como o risco foi parar ali? 
Sandy: Ele subiu no carro e o arranhou com suas garras. 
Adulto: Fez o quê? 
Sandy: (olhando em volta) Ali! (ela aponta para um gato que caminha na rua). 
Adulto: Ah! 0 gato! Por que você não me disse isso logo? 
Sandy: Eu disse! 
Figura 7.4 O problema de três montanhas de Piaget. Crianças pequenas no 
estágio pré-operacional são egocêntricas. Elas têm dificuldades em supor a 
perspectiva de outra pessoa e na maior parte das vezes afirmam que a outra 
criança que está vendo a montanha de uma posição estratégica diferente vê 
exatamente o que elas vêem a partir de suas próprias localizações. 
Nesse caso, Sandy supôs que seu tio com-
partilhava sua perspectiva e já deveria saber o 
que causou o risco no carro. Conseqüentemente, 
seu discurso não é adaptado para as necessidades 
do seu ouvinte, refletindo, em vez disso, o seu 
ponto de vista egocêntrico. 
Por fim, Piaget afirmou que o foco egocên-
trico com que as crianças vêem as coisas torna 
quase impossível para elas diferenciarem aparên-
cias enganosas da realidade. Considere o estudo 
clássico de Rheta DeVries (1969) sobre a dife-
rença entre aparência e realidade. Crianças de 
3 a 6 anos eram primeiramente apresentadas a 
um gato chamado Maynard. Após brincarem um 
pouco com o gato, DeVries escondia a cabeça e 
ombros de Maynard atrás de uma tela, enquanto 
colocava uma máscara da cara de um cachorro 
na cabeça de Maynard (Figura 7.5). A seguir as 
crianças eram questionadas sobre a identidade 
de Maynard com perguntas como "Que tipo de 
animal é ele agora?" e "Ele late ou mia?". Mesmo 
Cap. 7 Desenvolvimento Cognitivo: A Teoria de Piaget e a Visão Sociocultural de Vygotsky • David R. Shaffer 233 
que a metade traseira e o rabo de Maynard estivessem completamente à vista durante toda 
a transformação, quase todas as crianças de 3 anos concentravam-se na nova aparência de 
Maynard e concluíram que ele realmente era um cachorro. Em contraste, as crianças de 
6 anos foram capazes de diferenciar a aparência da realidade, notando corretamente que 
Maynard, agora, apenas se parecia a um cachorro. 
Por que as crianças de 3 anos falharam ao distinguir entre o visual enganoso de um 
objeto com sua identidade real? O problema delas, segundo John Flavell e cols. (1986), 
é que ainda não dominam a decodificctção ditai - a representação de um objeto em mais 
de uma maneira ao mesmo tempo. Assim como crianças pequenas têm dificuldade de 
representar um modelo em escala como um objeto e um símbolo (DeLoache, 2000), elas 
lutam para construir representações mentais simultâneas de um objeto que se assemelha 
a algo diferente do que realmente é. 
Para ilustrar, Flavell e cols. (1983, 1987, 1989) descobriram que crianças de 3 anos 
que viam uma esponja semelhante a uma pedra afirmavam que ela não apenas se pare-
cia com uma pedra, mas que "real e verdadeiramente era uma pedra". A representação 
que possuíam da identidade do objeto estava baseada em sua singular e mais marcante 
característica - sua aparência enganosa. Ainda assim, quando crianças de 3 anos são 
persuadidas a brincar de enganar alguém (por exemplo, "Vamos enganar Sally e fazê-la 
pensar que essa esponja é realmente uma pedra, e não apenas uma esponja que se parece 
com uma pedra"), ou quando solicitadas a selecionar um objeto que poderia enxugar um 
líquido derramado, muitas delas são capazes de construir representações duais desse 
objeto como uma esponja (realidade) que apenas se parece a uma pedra (aparência) (Rice 
et ai., 1997; Sapp et ai., 2000). Não restam dúvidas de que atividades de jogos simbólicos, 
nas quais as crianças fazem de conta que objetos (como uma grande caixa de cartas) são 
outra coisa do que realmente são (por exemplo, um forte), consiste em um importante 
contribuinte para a representação dual e para o surgimento gradual de habilidades que 
distinguem aparências enganosas da realidade (Golomb e Galasso, 1995). Mas, como 
veremos na próxima parte, tais habilidades desenvolvem-se gradualmente durante o pe-
ríodo pré-escolar. 
O Período Intuitivo 
Piaget denominou a fase entre 4 e 7 anos período intuitivo. O pensamento intuitivo é 
pouco mais que uma extensão do pensamento pré-conceitual, embora as crianças sejam 
menos egocêntricas e muito mais proficientes na classificação de objetos com base nos 
atributos perceptuais compartilhados como tamanho, forma e cor. O pensamento da 
criança é denominado "intuitivo" porque o seu entendimento sobre objetos e eventos 
Período intuitivo: 
último subestágio das 
pré-operações, dos 4 aos 
7 anos, quando o pensa-
mento da criança sobre 
eventos e objetos é domi-
nado por características 
perceptuais salientes. 
Figura 7.5 Maynard, o gato, com e sem a máscara de cachorro. Crianças de 3 anos que 
conheceram Maynard antes de sua transformação na aparência, todavia, acreditaram 
assim mesmo que ele tivesse se transformado em cachorro. 
234 Psicologia do Desenvolvimento • Editora Thoirtsn 
Centração: 
na teoria de Piaget, a 
tendência de crianças 
pré-operacionais de dar 
maior atenção a 
um aspecto de uma 
situação à exclusão de 
outros; contraste com 
a descentração. 
Conservação: 
o reconhecimento de que 
as propriedades de um 
objeto ou substância não 
se modificam quando 
sua aparência é alterada 
superficialmente. 
ainda está muito baseado, ou centrado, em sua característica perceptual mais saliente 
- o modo como as coisas parecem ser - em lugar de um processo de pensamento lógico 
e racional. 
O exemplo mais citado do raciocínio intuitivo infantil vem dos famosos estudos 
sobre a conservação de Piaget (Flavell, 1963). Um desses estudos inicia-se com a criança 
ajustando o volume de líquidos em dois potes iguais até que se diga que "ambos possuem 
a mesma quantidade de líquido". A seguir a criança vê o pesquisador colocar o líquido do 
pote longo e fino em outro largo e baixo. Ele então perguntou se ambos os potes possuem 
a mesma quantidade de líquido (veja a Figura 7.6 para uma ilustração do procedimento), 
i) As crianças menores de 6 ou 7 anos normalmente dizem que o pote longo e fino contém 
mais líquido que o largo e baixo. O pensamento da criança a respeito de líquidos é aparen-
temente centrado em sua característica perceptual - a altura relativa das colunas (coluna 
longa = mais líquido). Na terminologia de Piaget, crianças no período pré-operacional são 
incapazes de atentar para a conservação: elas não percebem que algumas propriedades 
dos objetos (como volume, massa ou número) mantêm-se imutáveis mesmo quando as 
aparências desses objetos são alteradas de modo superficial. 
Por que crianças em idade pré-escolar falham em perceber a conservação? A respos-
ta, segundo Piaget, é que essas crianças/»re-operacionais não possuem as duas operações 
Líquidos:Dois vidros idênticos encontram-se cheios 
no mesmo nivel, e a criança concorda que 
possuem a mesma quantidade de líquido. 
0 conteúdo de um dos vidros é transferido 
para outro de diferente formato, de modo 
que as duas colunas de água estejam 
em alturas .diferentes. 
A criança capaz de reconhecer a conservação 
percebe que cada um dos frascos possui a 
mesma quantidade de liquido (normalmente, 
a conservação de líquido é adquirida entre 
os 6 e 7 anos). 
Massa 
(substância 
contínua): 
Números: 
Duas bolas idênticas de massinha 
são apresentadas. A criança concorda 
que possuem a mesma quantidade 
de massa. * ,. 
Uma das bolas é transformada 
em formato de salsicha. 
, A criança vê duas linhas de bolinhas 
e concorda que possuem o mesmo 
número. -
Uma das linhas de bolinhas é "esticada" 
em comprimento. 
A criança capaz de reconhecer a 
conservação percebe que cada um 
dos objetos possui a mesma quantidade 
de massa (em média entre 6 e 7 anos). 
A criança reconhece que ambas 
as linhas possuem o mesmo número 
de bolinhas (em média, entre 6 e 7 anos). 
Volume 
(deslocamento 
de água): 
Duas bolas idênticas de argila são colocadas 
em vidros iguais que já foram calculados para ter 
a mesma quantidade de líquido. A criança vê o volume 
de água aumentar ao mesmo nivel em ambos os vidros. 
Uma das bolas de argila é retirada 
do vidro, moldada em um formato 
diferente e colocada sobre o vidro. 
Pergunta-se então à crianças se 
o nível de água diminuirá, aumentará 
ou se manterá o mesmo do outro vidro 
quando a argila for novamente 
colocada na água. 
A criança capaz de reconhecer 
a conservação perceberá que 
o nivel de água será o mesmo, 
porque nada a não ser o formato 
da argila foi alterado, ou seja, 
os pedaços de argila contêm 
a mesma quantidade de água 
(em média entre 9 e 12 anos). 
F i g u r a 7 .6 Alguns testes comuns sobre a habilidade infantil de conservação. 
cognitivas que lhes ajudarão a ir além do seu raciocínio intuitivo baseado na percepção. 
A primeira dessas operações é a descentração - a habilidade de se concentrar em mais 
de um aspecto de um problema ao mesmo tempo. As crianças no estágio intuitivo são in-
capazes de prestar atenção simultaneamente tanto na largura quanto na altura ao tentar 
resolver o problema de conservação de líquidos. Elas centram sua atenção em qualquer 
uma das diferenças, na largura ou altura e tomam suas decisões pelas diferenças nessa 
dimensão particular. Conseqüentemente, falham em reconhecer que aumentos na lar-
gura da coluna de líquidos compensam a perda em sua altura para preservar sua quan-
tidade absoluta. Às crianças em idade pré-escolar também falta a reversibilidade - a 
habilidade de desfazer ou negar mentalmente uma ação. Assim, uma criança intuitiva de 
5 anos diante do problema de conservação de líquido é incapaz de reverter mentalmente 
o que acabou de ver para concluir que o líquido no pote largo e baixo ainda é o mesmo 
e atingiria a altura anterior se colocado de volta no pote original. 
Piaget Subestimou a Criança no Estágio Pré-operacional? 
As crianças em idade pré-escolar são realmente intuitivas, ilógicas e egocêntricas tal 
como Piaget supôs? Pode uma criança que não entende de operações cognitivas aprender 
sobre a conservação? Vamos ver o que novas pesquisas nos têm a dizer. 
Novas Evidências sobre o Egocentrismo. Numerosas pesquisas indicam que Piaget subes-
timou a habilidade de as crianças pré-escolares reconhecerem e apreciarem o ponto de vista 
de outras pessoas. Por exemplo, a tarefa das montanhas de Piaget e Inhelder tem sido cri-
ticada como excepcionalmente difícil, e pesquisas mais recentes têm demonstrado que as 
crianças aparentam ser muito menos egocêntricas se apresentadas a imagens visuais menos 
complicadas (Gzesh e Surber, 1985; Newcombe e Huttenlocher, 1992). Por exemplo, John 
Flavell e cols. (1981) mostraram um cartão com um gato de um lado e um cachorro de outro 
a crianças de 3 anos. O cartão era então colocado verticalmente entre a criança (que podia 
ver o cachorro) e o pesquisador (que podia ver o gato) e a criança era questionada sobre qual 
animal o pesquisador poderia ver. As crianças de apenas 3 anos se saíram perfeitamente 
bem, indicando que podiam supor a perspectiva do pesquisador e inferir que ele deveria ver 
o gato em vez do animal que elas estavam vendo. 
Os estudos de Flavell investigaram a perspectiva perceptual tomada por crianças pe-
quenas - ou seja, a habilidade de inferir corretamente sobre o que outra pessoa pode ver ou 
ouvir. Será que crianças pré-operacionais são capazes de tomar uma perspectiva conceituai 
por inferir corretamente sobre o pensamento ou sentimento de outra pessoa quando esses 
estados mentais se diferenciam dos seus? A resposta é um sonoro sim. Em um estudo (Haia 
e Chandler, 1996), solicitava-se a crianças de 3 anos para que pregassem uma peça em uma 
pessoa (Lisa), ao mover algumas bolachas do pote de bolachas para um lugar escondido, de 
modo que Lisa fosse enganada. Mais tarde ao serem perguntadas sobre onde Lisa procura-
ria pelas bolachas e onde ela pensaria que as bolachas estavam, as crianças que ajudaram 
a planejar a peça se saíram bastante bem, afirmando que Lisa procuraria pelas bolachas 
no pote de bolachas. Em contraste, as crianças que meramente observaram o pesquisador 
planejar a peça não se saíram tão bem. Pelo contrário, elas estiveram mais propensas a 
responder erroneamente a essa tarefa de falsa crença, afirmando que Lisa procuraria pelas 
bolachas no lugar do novo esconderijo. Em outras palavras, quando planejavam enganar 
alguém, as crianças de 3 anos estavam aptas a tomar a perspectiva da outra pessoa. Quando 
não estavam ativamente envolvidas no engano, entretanto, elas atuavam egocentricamente, 
afirmando que a pessoa que não duvida de nada procuraria pelas bolachas onde ela sabia 
que estariam (veja também Carlson et ai., 1998). 
/ É claro que a criança do estágio pré-operacional não é tão egocêntrica como Piaget 
imaginava. No entanto, Piaget estava correto ao afirmar que crianças pequenas normalmen-
te se apoiam em suas próprias perspectivas e assim falham na realização de julgamentos 
corretos sobre os motivos, desejos e intenções de outras pessoas; e elas freqüentemente su-
põem que, se sabem alguma coisa, os outros também o saberão/kuffman e Olson, 1989; 
Descentração: 
na teoria de Piaget, a 
habilidade da criança 
da fase pré-operacional 
concreta considerar 
múltiplos aspectos de 
uma situação ou estímu-
lo; contraste com 
a centração. 
Reversibilidade: 
habilidade para inverter 
ou negar uma ação 
ao realizá-la mental-
mente de modo oposto 
(negação). 
Treinamento de 
identidade: 
tentativa de promover o 
conceito de conservação 
em crianças pequenas 
ensinando-as a reco-
nhecer que um objeto ou 
substância transformado 
é o mesmo objeto ou 
substância, apesar de 
sua aparência nova. 
Ruffman et ai., 1993). Hoje, os pesquisadores acreditam que as crianças se tornam gradual-
mente menos egocêntricas e mais aptas a apreciar outros pontos de vista à medida que apren-
dem mais, particularmente sobre outras pessoas e as causas de seus comportamentos. 
Em outras palavras, as habilidades de mudança de perspectiva não se encontram 
totalmente ausentes em um estágio para, de repente, surgir em outro; elas se desen-
volvem vagarosamente e tornam-se mais refinadas desde a infância até a idade adulta 
(Bjorklund, 2000). 
Outro Olhar sobre o Raciocínio Causai Infantil. Piaget estava bastante correto ao afir-
mar que a criança em idade pré-escolar é propensa a usar respostas animísticas a muitas 
questões e realizar erros lógicos quando pensa em relações de causa e efeito. Entretanto, 
Susan Gelman e Gail Gottfried (1996) descobriram que crianças de 3 anos não atribuem 
rotineiramente vida ou qualidades de vida a objetos inanimados, mesmo aqueles ina-
nimados como um robô que podem se mover. E mais, a maior parte das crianças de 4 
anos reconhece que plantas e animais crescem e se curam após um machucado,

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