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MANUAL DE PSICOLOGIA JURÍDICA PARA OPERADORES DO DIREITO

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MANUAL DE PSICOLOGIA JURÍDICA 	PARA OPERADORES DO DIREITO 	
1.Psicologia Jurídica 	
E 
Psicologia do Direito 	
A palavra Psicologia deriva de duas palavras Gregas, "psyche" e "logos", que traduzidas à letra significam o estudo da alma e, posteriormente, o estudo da mente. Hoje, muitos autores definem Psicologia como a ciência que estuda os processos comportamentais e mentais. Comportamento é aquilo que define ações do ser humano. Quando dizemos comportamento, surgem duas ideias - comportamentos fechados e comportamentos abertos. Os comportamentos abertos são aqueles que são visíveis a todos. Em suma, são comportamentos observáveis. São exemplos de comportamentos abertos a forma de vestir, a maneira de falar, de comer, a cor do cabelo, a cor das calças. De forma geral, estes são acções de indivíduos ou grupos que vemos todos os dias. São acções que são observáveis e podem ser mensuradas de quando a quando. Em contraste, os comportamentos fechados são aqueles que não são visíveis a olho nu. São os comportamentos invisíveis, como por exemplo a raiva, ciúme, pena, bondade, felicidade, tristeza. Quando se fala em processos mentais, de igual forma, aparecem duas ideias - processo mental consciente e processo mental inconsciente. Os processos mentais conscientes são processos dos quais nos damos conta. Por exemplo, estamos conscientes de que estamos a ler este texto neste momento, que mexemos a ponteira do rato, ou que puxamos o texto para baixo. Consciente significa de que estamos a pensar sobre isso. Por outro lado, os processos inconscientes são aqueles dos quais não nos damos conta, ou que não pensamos neles constantemente. Considere-se a respiração, não estamos a pensar, momento a momento que temos de respirar. É um acto natural. Essas são as duas partes da nossa definição de psicologia, o comportamento e os processos mentais. 
A psicologia surge da mudança de paradigma que essa pergunta causa: como o homem pensa?A psicologia preocupa-se com os comportamentos para além do substrato biológico, objeto da psiquiatria.Logo essa nova abordagem psicológica encontrou função na aplicação jurídica. Atos como avaliar o comportamento de testemunhas, passaram a ser auxiliados pela psicologia 
Para o autor a psicologia jurídica “é o estudo do comportamento das pessoas e dos grupos enquanto têm a necessidade de desenvolver-se dentro de ambientes regulados juridicamente, assim como da evolução dessas regulamentações jurídicas ou leis enquanto os grupos sociais se desenvolvem neles” 
A psicologia para o direito - essa relação é a menos profunda - é aquela relação em que a psicologia se limita a servir o direito. É o caso dos simples pareceres psicológicos (periciais) em determinado fato criminal. Essa relação é meramente operacional e não adentra a valoração do direito em si. 
A psicologia no direito - é voltada a conceituar os institutos jurídicos. Quando se define, por exemplo, "livre manifestação de vontade", é possível buscar na psicologia formas de definir o que esse termo significa. Isso não é meramente um instrumento, mas uma maneira de definir, de dar conteúdo à norma, por meio da sua conceituação. 
A psicologia do direito - é a psicologia colocada a pensar os fundamentos do direito. Nesse nível a psicologia passa a criticar o direito, a dar-lhe sentido e valor. Nesse nível a psicologia atinge os fundamentos da norma, valorando-a. 
Ainda há muito que se fazer, muita estrada a percorrer. A psicologia jurídica enquanto conhecimento independente, autônomo e imprescindível, possui ainda uma grande muralha a derrubar. São preconceitos, noções e condutas que precisam ser superadas na tentativa de compreender a real importância dessa disciplina. De um lado, temos o direito no seu “castelo encantado” de verdades irrefutáveis, superiores e infalíveis; e de outro, a psicologia, em sua recente conquista de um lugar no mundo da ciência, causando ainda desconfiança e insegurança em suas conceituações devido à fragmentação de suas diversas correntes. 
A superioridade da justiça não permite que conhecimentos alheios se tornem sua aliada, sua parceira na condução das tomadas de decisões no julgamento das condutas humanas. Sendo assim, resta à psicologia jurídica – enquanto uma disciplina construída na sombra de um saber científico dissidente, fragmentado em suas verdades teóricas – ser o compilador de duas teorias que possuem o destino comum: compreender e regular o comportamento humano; e que, se diferenciam originalmente em suas raízes epistemológicas. O direito possui raízes mais profundas e antigas, seu surgimento se consubstancia no alicerce da civilização ocidental com a cultura romana, e a psicologia, somente possui o reconhecimento e a nomeação de um status científico na segunda metade do século XIX, tratando a princípio, de uma investigação fisiológica dos fenômenos da consciência. No entanto, “é fácil constatar que o direito e a psicologia possuem um destino comum, pois ambos tratam do comportamento humano”. 
A ciência do direito se embrenhou em seu pântano de superioridade nos discursos, saberes e ações que não permite a nenhuma outra ciência humana uma interferência nas suas conceituações. Ainda assim, Direito e Psicologia apesar do distanciamento epistemológico, no fundo se convergem, pois que: 
a psicologia e o direito parecem dois mundos condenados a entender-se. A psicologia vive obcecada pela compreensão das chaves do comportamento humano, enquanto o direito é o conjunto de regras que buscam regular esse comportamento, prescrevendo condutas, modos de comportamento, de acordo com os quais se deve plasmar o contrato social em que se sustenta a vida em sociedade. 
Na atualidade, com mudanças ocorrendo em todos os níveis da sociedade tanto no meio cultural, econômico, político e científico, como no alicerce das civilizações que conduzem a essas mudanças; estamos presenciando uma crise de conflitos e valores tomando cada dia uma maior complexidade. Está ocorrendo uma desestruturação nos valores básicos que são imprescindíveis para a formação de um indivíduo saudável. Afeto, disciplina, comportamento ético, relacionamentos amigáveis e com respeito, enfim, as noções básicas entre “bem” e “mal” não participam mais da dinâmica familiar. Está acontecendo sim, uma desestruturação nas famílias: exclusão social, falta de oportunidades no mercado de trabalho, relações agressivas entre os pais, violência e abusos contra as crianças, e, mais uma gama de fenômenos que contribuem para esses conflitos: desrespeito às pessoas, desrespeito às normas, má formação na personalidade e deficiências afetivas. Todas essas questões se correlacionam ao aumento da violência e criminalidade e, a real necessidade de uma mudança nos paradigmas científicos, se faz urgente na tentativa de combater ou ao menos apaziguar os conflitos do homem no meio social. Segundo Trindade: 
O mundo moderno necessita superar o âmbito das disciplinas e do fazer separado responsável pelas abordagens reducionistas, tanto do ser humano, como da vida e do mundo. A crise da ciência é uma crise pós-disciplinar. Um saber individualizado e disciplinário já não possui vez num mundo marcado pela complexidade e pela globalização. O tempo da solidão epistemológica das disciplinas isoladas, cada qual no seu mundo e dedicada ao seu objeto próprio, pertence, senão a um passado consciente, pelo menos a um tempo que deve urgentemente ser reformado em nome da própria sobrevivência da ciência [...] A psicologia jurídica, em particular, pode auxiliar a compreender o hommo jurídicos, e a melhorá-lo, mas também pode ajudar a compreender as leis e as suas conflitualidades, principalmente as instituições jurídicas, e melhorá-las. Afinal de contas, a história do homem e de suas instituições constitui um caminhar para o infinito, “locus” noumênico onde a metáfora autoriza o encontro com a verdade e com a justiça. 
A relação entre a Psicologia e o Direito, e a atual necessidade do poder judiciário de um suporte psicológico no encaminhamento das suas decisões,foi o que podemos constatar no estudo da violência e suas diversas feições na atualidade; somente assim, vai ser possível entender, prevenir, e melhor sancionar decisões punitivas para a criminalidade recente. 
I – Setores mais tradicionais da Psicologia Jurídica. A cada setor, seguem os temas dos trabalhos apresentados. 
• Psicologia Criminal 
• Psicologia Penitenciária ou Carcerária 
• Psicologia Jurídica e as questões da infância e juventude 
• Psicologia Jurídica: investigação, formação e ética 
• Psicologia Jurídica e Direito de Família 
• Psicologia do Testemunho 
• Psicologia Jurídica e Direito Civil 
• Psicologia Policial/Militar 
II – Setores mais recentes da Psicologia Jurídica e seus temas: 
• Mediação 
• Psicologia Jurídica e Ministério Público 
• Psicologia Jurídica e Direitos Humanos 
• Psicologia Jurídica e Magistrados 
• Proteção a testemunhas 
• Vitimologia 
2.A questão da normatividade 
O problema da normatividade tem sido tradicionalmente visto pelo prisma da objetividade. A concepção clássica da teoria do conhecimento sustenta que, na relação cognoscente, a norma captura e determina o sujeito, que a ela deve se submeter. 
Norma é regula ou formula, texto, pauta de conduta que vincula o sujeito. Num paradoxo muito próprio do mundo da cultura, ao subjugar, protege-o e protegendo, subjuga-o.No itinerário civilizatório – e por civilização entende-se tudo aquilo em que a vida humana se eleva acima de sua condição animal e difere da vida dos animais (freud,1969) – o homem moderno é um sujeito vinculado a norma, própria da cultura e do simbólico. 
Historicamente, afirma-se que a normatividade constitui parte da essência do humano.Na mitologia, lembra verdross (1983), Themis é esposa de Zeus, filha de Urano, o deus do firmamento, e de Gaia, a mãe a terra. Themistes são as normas que convocam os deuses para defender a ordem do universo em assembléia. Assim, enfrenta-se a hybris, e o dano é restaurado, restabelecendo o equilíbrio perdido, a equidade e a justa medida. 
Pela concepção naturalista de Rousseau, o bem selvagem vivia vagando pelos bosques em igualdade absoluta e ,ao cultivar a terra, instaurou a noção de propriedade, dando inicio ás desigualdades sociais. Cada homem, então, teria alienado seus direitos e liberdades e celebrado o contrato social, de modo que a vontade geral criou um corpo político e místico que representa a unidade dos cidadãos, soberana e indivisível. 
3.O papel das emoções na criação do direito 
As teorias sociais normativas estão entre as mais recentes áreas a serem invadidas pelas ciências cognitivas e a neurociência, como consequência inevitável dos correntes descobrimentos sobre os segredos do cérebro (Zeki e Goodenough, 2006). Os estudos da natureza da mente e do funcionamento do cérebro começam a chegar à filosofia moral e ao direito de uma maneira cada vez mais contundente; de forma direta ou indireta, não param de lançar novas luzes sobre questões antigas acerca da racionalidade humana[, do bem e do mal, da justiça, da livre-arbítrio, da "rule of law" e das relações entre os indivíduos. 
Já não podemos manejar-nos na filosofia e no direito do século XXI com uma idéia da mente procedente do século XVII. Durante os últimos anos, os resultados das investigações nas ciências cognitivas e neurocientíficas tem apontado que todo pensamento que pensamos – seja permanente ou transitório, racional ou irracional – tem seu correlato físico no cérebro e que não é possível separar, como pretendia Descartes – e como afirmaram, em seu momento, os funcionalistas cognitivos –, emoção e racionalidade, espírito e cérebro. Quero dizer, que o pensamento depende das emoções e que a racionalidade humana está restringida por limitações da atenção e a memória; que não se pode tomar uma decisão sem emoção e que todas as decisões supostamente lógicas e razoáveis estão contaminadas por uma emoção: ou existe emoção ou não existe decisão. 
3.1-O realismo jurídico 
Contemporâneos de Kelsen foram os primeiros autores vinculados ao realismo jurídico, que radicalizou a opção sociológica mediante um rompimento da perspectiva teleológica que as concepções sociológicas anteriores. Os realistas jurídicos mais destacados foram Karl Llewellyn e Jerome Frank, tendo ambos escrito suas principais obras por volta do ano 1930, época de grande crise do estado liberal e de ceticismo acerca de suas instituições. Esse ceticismo mostrou-se especialmente no antinormativismo da corrente realista que, apesar de fixar-se no estudo da atividade judiciária, opunha-se frontalmente ao positivismo normativista da escola analítica. 
Para os realistas, a idéia de que as normas jurídicas têm um sentido objetivo que pode ser percebido pelos juristas a partir de um estudo cuidadoso do sistema jurídico não passa de um dogma do idealismo normativista. Porém, apesar de falso, esse mito está fortemente enraizado no modo jurídico de ver o mundo e constitui uma espécie de mito básico do direito. Como essa crença na objetividade do direito é especialmente reforçada pelo discurso judiciário, que trata o direito como se fosse um sistema de normas e as decisões judiciais como deduções silogísticas, Llewellyn sustentava que “la teoría de que las normas deciden los asuntos parece haber engañado durante un siglo, no solo a los ratones de biblioteca, sino a los jueces”. 
Inspirado pela psicanálise, Frank chegou a afirmar que o mito da certeza jurídica tinha como principal motivação satisfazer uma necessidade emocional de segurança que era profundamente enraizada no inconsciente das pessoas. Partindo da idéia de que a criança retira sua segurança da crença ilimitada na autoridade do pai, Frank afirmava que a descoberta da limitação paterna levava o adulto a, inconscientemente, tentar “encontrar en el Derecho un substituto de aquellos atributos de firmeza, certeza e infalibilidad que se confieren, en la infancia, al padre”. Portanto, a segurança jurídica seria uma ficção a que recorremos em virtude da permanência de um comportamento infantil e que somente poderia ser superada pelo desenvolvimento de uma verdadeira maturidade emocional. 
Contrapondo-se a essa ficção, Frank sustentava que não era possível conhecer o direito relativo a uma situação senão a posteriori, pois até que um tribunal decidisse a questão, não se pode dizer que havia uma norma jurídica que regulasse esse problema. Era preciso, pois, encarar a ausência de previsibilidade das decisões jurídicas e construir uma teoria jurídica não fundada em quaisquer idealismos. Portanto, era preciso admitir que as normas tinham um papel bastante menor do que lhe era atribuído pela teoria tradicional, sendo que, em muitos casos, o conhecimento das regras jurídicas serve muito pouco para prever as decisões de um juiz, pois as decisões judiciais são fortemente influenciadas pelas preferências e aborrecimentos pessoais dos juízes, bem como por seus preconceitos e estados de ânimo. 
Rejeitada, assim, a função idealista da ciência jurídica, restava-lhe apenas concentrar-se no estudo do modo como as decisões eram efetivamente tomadas. Na medida em que o discurso tradicional partia do pressuposto de que o direito deveria ser algo que ele não era, ele conduzia os juristas a desenvolver visão idealista do direito. Contra essa perspectiva, o realismo jurídico inspirou-se em Holmes e Max Weber para propor uma visão descritiva do direito, que explicasse como o direito efetivamente era, em vez de desenvolver um ideal de como ele deveria ser. Com isso, sua questão principal já não era mais o que deveria fazer um juiz? (pergunta que remete a uma visão idealista do direito), mas o que efetivamente fazem os juízes?. Opera-se, então, uma mudança de foco dos estudos jurídicos, que passa da análise das regras para uma análise do real comportamento dos juristas, especialmente dos juízes. Tratava-se, portanto, de uma perspectiva sociológica que visava exclusivamente a descrever o funcionamento efetivo da atividade judicial. 
Percebe-se, então, que a teoriarealista constitui um discurso externo e não um discurso interno, pois pretende analisar o direito da perspectiva de um observador que se limita a descrever o os fatos tal como ele os vê, identificando por via indutiva os padrões de comportamento típicos dos juízes. Nesse sentido, Llewellyn afirmou que, ao lado das teorias jurídicas (legal doctrines), seguem as técnicas jurídicas (crafts of law), sendo que não se pode estudar o direito sem ter em conta os ideais e tradições que subjazem a essas técnicas, pois isso significaria deixar de lado metade do efetivo modo de funcionamento do direito. É essencial aos juristas, portanto, conhecer o modo como pensam e atuam os juízes de primeiro grau, os tribunais do júri e os tribunais de segunda e terceira instâncias, bem como levar em conta as diferenças entre as técnicas de julgamento utilizadas em cada um desses órgãos. 
Percebe-se, assim, o discurso realista não visa a explicar o que os juízes deveriam fazer, mas simplesmente a descrever o que eles efetivamente tendem a fazer, tratando-se, pois, de um discurso despido da carga prescritiva. Neste ponto, o realismo diferencia-se das teorias sociológicas anteriores, especialmente da sociological jurisprudence, pois, enquanto elas tinham como finalidade básica oferecer aos juízes um modelo dogmático que orientasse a aplicação do direito, o realismo limitava-se a oferecer uma descrição do modo como o poder judiciário efetivamente operava. 
O resultado dessa opção é que, em vez de fundar um discurso dogmático, o realismo origina um discurso estratégico, substituindo a clássica busca da solução juridicamente correta pela tentativa de estabelecer estratégias adequadas para influenciar um determinado juiz no sentido de que ele venha a tomar a decisão desejada pelo jurista. Como bem notou o jurista Edgar Bodenheimer, a adoção dessa perspectiva significa que os realistas norte-americanos passaram a estudar os fenômenos jurídicos desde a perspectiva do advogado. 
Esta é uma peculiaridade muito importante, dado que marca uma diferença em relação à maioria das outras teorias jurídicas que têm no juiz a sua figura principal. Enquanto as teorias jurídicas são normalmente centradas na figura do juiz e na pergunta “o que o juiz deve fazer para resolver adequadamente os casos a ele submetidos?”, o realismo concentra-se na figura do advogado e na tentativa de identificar as formas efetivas de atuação dos juízes, inclusive para capacitar os advogados a prever os resultados de um processo e a influenciar as decisões judiciais conforme seus interesses. 
Ao partir da figura do advogado e não do juiz e ao adotar uma perspectiva meramente externa da atividade judicial (buscando unicamente descrevê-la, sem participar de seus pressupostos metafísicos), não faz sentido dentro do realismo jurídico a busca de uma resposta correta, dado ser impossível estabelecer critérios de correção. Nessa medida, por mais que possa oferecer uma descrição bastante minuciosa dos modos como se processa a atividade judicial, o realismo não pode (nem tem pretensões) a elaborar uma teoria hermenêutica dogmática, dado que o discurso dogmático é sempre um discurso interno (parte do dogma de que as normas têm algum sentido e que vinculam o juiz) e prescritivo (na medida em que oferece critérios para o agir e não apenas descrições de fatos). 
3.2- O realismo norte-americano 
Realismo jurídico norte-americano levou ao limite a premissa de que juízes primeiramente decidem e depois engendram modelos de dedução lógica. Porque o pensamento seria instrumento para ajuste das condições de vida, a reflexão jurídica seria mecanismo para resolução de problemas concretos. Abandona-se a metafísica e os construídos românticos de direito natural, em favor do pragmatismo, da utilidade prática, da atuação fática. São esses alguns dos temas que freqüentam o presente trabalho, que dá início a investigação do realismo jurídico norte-americano, e seus reflexos na práxis contemporânea, a exemplo do que se passa com a experiência constitucional internacional, com estação necessária no problema da interpretação econômica da constituição, a exemplo da historiografia constitucional desenvolvida por Charles Beard, de quem se falará mais adiante. O realismo foi o movimento jusfilosófico dominante nos Estados Unidos da América, ao longo das décadas de 1920, 1930, 1940 e 1950. Há alguns reflexos no movimento law and economics, que invoca no realismo seu mais nobre ascendente. O realismo jurídico procurava definir e descredibilizar as teorias jurídicas então dominantes, formalistas e objetivas, oferecendo em troca jurisprudência com maior embasamento filosófico, mais iluminada, e potencialmente orientada para realidade inesperada que se descortinava. O realismo jurídico problematizou três dogmas do direito tradicional norte-americano. Duvidou-se que as regras jurídicas seriam escolhidas por representação popular. Zombou-se da concepção de que o controle de constitucionalidade de leis pelo judiciário reforça o jogo democrático. Derrubou-se o mito de que os Estados Unidos seriam governados por leis, e não por homens. Os efeitos do realismo jurídico são duradouros. Muito mais do que em qualquer outro país os juízes norte-americanos têm auto-imagem de criadores da lei. 
Para os realistas a filosofia do direito embarcaria no mesmo módulo conceitual: a jurisprudência também seria objeto da psicologia. Ao decidir, juízes decidem primariamente ao estímulo dos fatos. A indeterminação dos fatos, e dos magistrados que deliberam impressionados por essas circunstâncias, promovem a indeterminação do direito, a legal indeterminacy, percepção que será retomada e fortalecida pelos críticos da década de 1970, a exemplo de Duncan Kennedy, que leciona em Harvard. Em princípio, admite-se que juízes sejam racionais, e que nunca se enganam. Porém, o magistrado pode chegar a mais de um resultado, dependendo de como ele reaja aos fatos. É o caso de Hércules, o juiz imaginário de Ronald Dworkin. 
A aproximação conceitual entre epistemologia naturalista, que denuncia que o pensamento tradicional centra-se na condição de que as provas determinam as teorias, em relação ao realismo jurídico que defende que os fatos determinam as decisões, com aceitação desse último, promove questão essencial: como os juízes respondem aos fatos? 
Duas concepções se desenham. A teoria idiossincrática, baseada em Jerome Frank, centra-se no juiz como indivíduo. A teoria sociológica, fundamentada em Karl Llewellyn, que destacou-se como professor, centra-se prioritariamente na apreensão e na determinação dos fatos sociais. Verificou-se o triunfo da tese de Jerome Frank, mediante a adesão dos realistas à concepção idiossincrática, que se preocupa hegemonicamente com a individualidade do juiz. É essa tese idiossincrática que substancializou a premonição de que o direito é o que o juiz diz que ele seja. E nada mais. 
Para a ala idiossincrática a decisão judicial seria resultado direto da personalidade do juiz. A personalidade do juiz seria o epicentro da administração da justiça. Exagera-se, e combate-se o realismo, na premissa jocosa de que a decisão judicial fora determinada pelo que o juiz tomara no café da manhã. Gastronomia seria razão determinante da atuação burocrática judiciária. O pensamento idiossincrático deriva de Jerome Frank, como já observado. Discípulo de Sigmund Freud, e ele mesmo sujeito a sessões de psicanálise, Jerome Frank identificava que a busca judicial do correto, da verdade e do jurídico seria representação contingencial da busca do pai perdido. O que não deixa de ser a continuidade de desejo infantil pelo pai ideal. O esquema conceitual é freudiano. 
Para a ala sociológica não se deve negar que juízes sejam seres humanos, dotados de personalidades individuais. Acrescentava-se, no entanto, que os magistrados são produtos de determinantes sociais. O juiz julga de acordo com os valores culturais e sociais de seu tempo. As duas teorias têm em comum a aceitação de que o relativismo é marca estrutural da açãojudicial. De qualquer modo se fixa na subjetividade do julgador, marcada por sua estrutura psicológica ou por seu entorno social, de onde partem e ricocheteiam valores e referenciais. Não haveria justiça neutra, objetiva e asséptica, como defendido pelo formalismo jurídico, que pregava jurisprudência mecânica. A luta contra o formalismo unia os realistas. 
O formalismo consiste na "crença na possibilidade de um método dedutivo ou quase-dedutivo que seja capaz de oferecer soluções determinadas para problemas particulares de escolha jurídica" [1]. Nesse sentido, o formalismo identifica-se com o compromisso e com a fé na possibilidade de um método de justificação legal que se possa contrastar com as disputas abertas e intermináveis da vida social. Assumem-se propósitos, políticas e princípios supostamente impessoais. O formalismo, convencionalmente, é a busca de método dedutivo decorrente de sistema normativo que não tenha e que não admita lacunas. 
O realismo jurídico norte-americano criticou a distinção entre direito público e privado. Se for o direito público o detentor do poder para determinar o que é direito privado, não há por que se aceitar que o direito privado seja esfera livre do direito público. Conceito típico do direito norte-americano do século XIX, embora desprovido da ênfase e da canonização que lhe dá a tradição européia, a dicotomia entre direito público e privado foi motivo de preconceito por parte do realismo jurídico, que em todas as instâncias percebia a interferência estatal. O referencial de autonomia da vontade, que supostamente informaria o direito privado, é determinado pelo direito público, e nesse sentido esse último assumiria e assimilaria aquele primeiro. 
O realismo jurídico, resumindo, criticava o formalismo jurídico, a tendência do direito de se reputar como ciência, o objetivismo, a utilização da lógica e a busca da certeza jurídica. Defendeu-se o relativismo da verdade e ponderou-se que juízes carregam para as decisões suas idiossincrasias, que são determinadas pelo entorno cultural no qual vivem. O direito é definido como a possibilidade de se fazer previsão segura de como o judiciário lidará com os casos que julga. Entre seus principais defensores destaco Charles Beard, historiador do direito, que por meio de obra muito bem pesquisada denunciou o romantismo que envolvia a concepção inicial da constituição norte-americana. É o passo seguinte. 
3.3 O realismo escandinavo 
O movimento realista escandinavo, no dizer de Dennys Lloyd, foi contemporâneo do norte-americano, com o qual, aliás, como não poderia deixar de ser, tem importantes pontos de contato. Assim como os autores americanos, os escandinavos chamaram a atenção para a necessidade de explorar os fundamentos sociológicos do direito, numa postura que deveria ser traduzida como um rechaço ao dogmatismo da norma jurídica; para eles, o direito válido não seria outra coisa senão a predição daquilo que os tribunais decidiriam, na exata medida do pensamento americano; sustentaram ser imperioso, ainda, investigar as formas efetivas por que o processo judicial e administrativo funcionam, não aceitando como explicação a existência de regras escritas que vinculariam os juízes e funcionários, porque essa explicação seria parcial e deixaria sem justificação incontáveis problemas relevantes. 
De par com possuir muito em comum com o pensamento norte-americano, o realismo jurídico escandinavo é mais filosófico do que aquele, porque adentrou mais o problema da realidade jurídica para perscrutar os fundamentos mesmo do direito, aquilo que ele é em si. Kalr Olivecrona, um dos mais destacados autores do realismo escandinavo, sustentava que a idéia de que existiam normas de direito vinculatórias é mero produto da fantasia, derivava mesmo de superstições e crenças do passado. Nesse sentido, o direito não seria mais do que uma forma de psicologia. O direito teria uma base psicológica importantíssima, que não prescindiria, todavia, de um sistema de força para ser eficaz. Mas quando um ordenamento jurídico é bem estabelecido, a força é deixada em segundo plano, porque o condicionamento psicológico seria suficiente para moldar o padrão de conduta que se quer ver acatado. 
Toda e qualquer norma jurídica - sustenta Olivecrona - tem por objetivo influir no comportamento das pessoas, sendo esse precisamente o propósito do legislador ao traçar o modelo da conduta desejada. A aplicação da lei seria, já então, a utilização dessas ações imaginárias como modelos de conduta toda vez que na vida real surgirem os fatos que corresponderem a elas. Seguindo esse norte - explica Miguel Reale - "o conteúdo das normas jurídicas é definido como idéias de ações imaginárias a serem cumpridas (por exemplo, por juízes) em situações imaginárias". É da essência das normas jurídicas que elas não tenham referência a valores, não obstante através delas se procure influir no proceder individual das pessoas. As normas operariam sobre a vontade como imaginários imperativos independentes. 
3.4 A ampliação das relação entre psicologia e justiça 
A relação entre os saberes constituídos pela Psicologia e o Direito na construção do ideal de Justiça. Esta relação é hoje visível nos trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos que atuam nas instituições judiciárias. Faz-se uma pequena abordagem das questões relativas ao trabalho com as crianças, os adolescentes, as famílias e os loucos nestas instituições, destacando em cada um seus pontos específicos. Por fim, aborda-se a possível contribuição da psicologia para a reflexão sobre o exercício da magistratura. 
A relação entre os saberes construídos pela Psicologia, o Direito e as práticas judiciárias é muito antiga, mas ainda pouco conhecida no Brasil. 
A Justiça moderna erigiu-se em cima dos ideais revolucionários da liberdade, da igualdade e da fraternidade. A democracia é a sociedade dos cidadãos e estes são assim considerados quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais. O discurso sobre a cidadania caminhou até o ponto de se pensar o "cidadão do mundo", cujo primeiro anúncio foi a Declaração dos Direitos do Homem. Entretanto, de acordo com Bobbio (1992:9), "a única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais, às quais o nome "direitos" serve unicamente para atribuir um título de nobreza. Apesar disto, não se pode negar que as regras de convivência humana, bases da lei e do Direito, foram se complexificando e absorvendo, cada vez mais, contribuições dos mais diversos campos do saber. Os órgãos legislativos e judiciários, tendo como meta o ideal da Justiça, incorporaram nos seus procedimentos noções e conceitos de outras áreas do conhecimento, o que transformou as práticas destes órgãos. 
O objetivo era melhor instruir a instituição para tomada de decisões mais fundamentadas e, portanto, mais justas. Nem é preciso dizer que os profissionais que executavam este tipo de trabalho geralmente se centravam na análise da subjetividade individual descontextualizada e objetificada; em outros termos, reificada. 
Menores e loucos: estes os principais clientes que o Direito encaminhou à Psicologia. Um livro reeditado em 1923 do eminente jurista Tobias Barreto tinha justamente este título: "Menores e Loucos". A leitura foucaultiana de que a Psicologia é a superfície do mundo moral em que o homem se aliena ao buscar a sua verdade é aqui muito pertinente. A Psicologia serviu somente como mais uma das técnicas de exame, procedimento que substituiu cientificamente o inquérito na produção da verdade jurídica (Foucault, 1996). Um exemplo desta visão centrada na psicopatologia objetivando a manutenção da inquestionável ordem pública pode ser encontrada no livro Manual de Psicologia Jurídica, de Mira Y Lópes (1945). 
Mais recentemente, a lei , absorvendo o discurso científico-psicológico, estabeleceu como necessário em muitos casos o trabalho do psicólogo. Nas prisões se instituíram as comissões técnicas para realizar a avaliação para progressão, em que todos concordam que énecessária a presença de psicólogos. Na área da família, incluindo aí as crianças abandonadas e/ou infratoras, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio afirmar de forma mais incisiva a necessidade da presença do psicólogo na lida com as questões próprias da área. Marca-se aí um reconhecimento social importante, mas poderíamos perguntar: mudou a demanda da instituição judiciária em relação ao trabalho do psicólogo ? Pede-se agora ao psicólogo algo além de um diagnóstico, de uma perícia ? 
A resposta a estas questões não é simples. Por um lado, a instituição, através da própria lei, continua a demandar oficialmente um trabalho pericial. Entretanto, a prática dos psicólogos foi inserindo variáveis que demonstraram a insuficiência da perícia. 
Afinal, quem é o cliente do psicólogo ? A instituição que lhe demanda o trabalho ou o sujeito que por algum motivo foi inserido no discurso institucional ? Sem desconsiderar a importância que ocupa a instituição em nosso trabalho, nosso cliente é o sujeito que atendemos. 
Nos antigos Juizados de Menores e nas Febems já trabalhavam psicólogos que foram introduzindo questionamentos acerca da função destas instituições. Alguns Estados brasileiros, como São Paulo por exemplo, já realizavam concursos para psicólogos na instituição judiciária antes mesmo da aprovação da Constituição Federal (1988) e também do ECA (1990). Estes trabalhos pioneiros foram muito importantes para a transformação da prática do psicólogo nestas instituições. 
A lei procurou substituir a punição pela educação, mas isto não é suficiente. Se considerarmos como educação o processo pelo qual o indivíduo socializa-se, um processo muito além da escolarização, incluindo todas as formas transmitidas pela cultura que nossa sociedade complexa põe a nossa disposição, perceberemos que a educação formal, escolar, é apenas uma parte do processo educacional. Como trabalhei em outro texto (Miranda JR., 1997), fazendo parte deste processo temos as condições concretas de existência das pessoas (alimentação adequada por exemplo, é fundamental no processo educativo), temos a família que passa por fortes transformações na atualidade e temos a mídia, com seus valores consumistas. Este último aspecto merece um comentário à parte. 
Freud (1974 (1929)) postulou haver um mal-estar intrínseco à civilização em função da impossibilidade da satisfação pulsional. Podemos dizer que o consumo serve hoje como sintoma social para escamotear este mal-estar. Aprendemos desde crianças que consumir é necessário, somos coagidos a fazê-lo. A busca frenética por pequenos objetos ou supostos prazeres visam evitar a angústia do encontro com os limites humanos. A droga legal ou ilegal é, neste sentido, o objeto privilegiado do consumo pois realiza o maior afastamento possível entre o sujeito e seu desejo. O que estarão querendo dizer os meninos que matam por um tênis ? Que roubam para comer e para se drogar ? Que assistem na TV da vitrine a Xuxa lançando no mercado um novo produto a eles inacessível e pouco depois cantando "de hoje em diante, só quero boas notícias"? Este é o paradoxo do capitalismo: propagar que é preciso viver bem (o que é traduzido por possuir bens de consumo) mas não oferecer condições para isto. Portanto, há muito mais a fazer quanto ao processo educacional que produzir escolas. Os valores culturais de convivência e respeito à ordem que a escola quer transmitir estão em choque com os valores que fundamentam nossa sociedade de consumo. 
Retornando à questão legal. Podemos dizer que os adolescentes estão se tornando sujeitos de direito. Diminuiu a idade mínima para votar, questiona-se a idade da responsabilização civil. Estes movimentos indicam a necessidade de dar palavra ao jovem para que ele possa se posicionar, mas uma palavra que venha acompanhada de deveres. Rompe-se o antigo falso protecionismo do Estado e das famílias. Não basta protegê-los, eles precisam reivindicar e serem reivindicados. Os adolescentes ainda não possuem, juridicamente, a palavra plena mas é preciso dar a eles a chance de irem alcançando-a. 
Com relação às crianças, o problema da família evidencia-se muito mais. A família passa hoje por uma transformação muito intensa. A configuração familiar é muito diversa, desde o número crescente de adolescentes grávidas, de mulheres que optam por criarem os filhos sozinhas, de filhos de pais separados e recasados, situação cada vez mais comum, até a oficialização da união homossexual e quiçá sua demanda por adoção de crianças. 
O trabalho do psicólogo com a família se coloca desde a questão da adoção. A adoção, como não poderia deixar de ser, tem caráter definitivo e principalmente por isto não é mais aceitável que ela se dê simplesmente pelo pedido de um casal interessado e a escolha de uma criança (como ainda ocorre em alguns Estados do Nordeste). A adoção não é um processo tão simples quanto quer o suposto humanismo caritativo de algumas instituições de abrigo de crianças abandonadas. A demanda por adoção pode não ser mais que um sintoma do casal em função de sua história pessoal e conjugal. Nem sempre o desejo é o exercício da paternidade apesar do pedido centralizar-se aí. Escutar os cônjuges, a família, localizar o lugar do filho adotado naquela constelação simbólica, isto ajuda inclusive a preparar os futuros pais para receberem um novo ser em seu meio. 
a idéia a ser defendida é a de que o procedimento pericial pode não ser suficiente para a instrução de um processo e a deferição da interdição. Faz-se necessário o trabalho de avaliação da situação familiar do interditando, de avaliação da relação entre interditando e curador (avaliação que deveria ser constante) e, principalmente, a escuta do próprio interditando. Faz-se necessário também uma diferenciação entre incapacidade civil e incapacidade para o trabalho, aspectos distintos que se mesclam no imaginário cultural em que o indivíduo só é cidadão quando é trabalhador. 
Como está posto hoje, a justificativa para a inimputabilidade e para a interdição "é a deficiência ou doença tomada como causa biológica, cujo reconhecimento é tarefa do perito psiquiátrico" (Delgado, 1992:86). Não é mais aceitável a aplicação não crítica da positividade implícita na causalidade biológica. Aplicação que no passado justificou inclusive o discurso da "purificação racial". Alguém que tem todas as possibilidades de estabelecer um laço social aceitável e que luta por isto, não deve ser vítima de um processo em que lhe retiram parte da cidadania. A base para esta mudança está, novamente, na questão da definição do processo saúde-doença. A psicanálise demonstrou, por exemplo, que um delírio não é simplesmente a ausência de crítica, um juízo imperfeito, mas a forma do sujeito tentar elaborar aquilo que o toma de assalto. 
Não se pode mais querer excluir da convivência social o diferente. Cabe reconhecer esta diferença e pensar meios de lidar com ela. É direito de todos buscar a felicidade. Cada um com seus recursos e limites. 
Um último ponto a ser abordado. Um ponto importante e delicado: o que os psicólogos têm a dizer sobre a formação daqueles que exercerão o lugar da representação da lei, os juizes? 
Mesmo que não seja um problema muito debatido na cena jurídica, sabemos que a Justiça, na prática, sofre abalos com atos e decisões que a ferem eticamente enquanto ideal. Não é a questão de se propor uma tipologia de personalidade para o exercício da magistratura, mas de tentar recuperar sua função ética. Função que se liga a própria relação do sujeito com a Lei. 
O juiz, como representante da lei, ocupa um lugar angustiante, de decisão. Um lugar que deve ser ocupado por quem queira pagar o preço desta angústia. Este preço é ser relançado todo o tempo às suas questões pessoais com a Lei. O trabalho solitário com estas questões é fundamental. Senão podem ocorrer casos como a juíza de Brasília que inocentou os jovens assassinos do índio pataxó e que a imprensa registrou dizendo ter se colocado no lugar da mãe daqueles jovens. 
Ora, é possívelser mãe e juíza ao mesmo tempo e no mesmo lugar ? Em que ponto esta juíza foi atingida para que provocasse este abalo no ideal cultural que supostamente representa ? 
Enfim, ainda há muito por fazer e os psicólogos têm o que contribuir. Trabalhar pelos direitos do homem é tarefa que a humanidade mal começou a empreender. E neste começo deveríamos evitar o erro de reduzir estes direitos ao reconhecimento do estado de vítima. Este reconhecimento está implícito no que Bobbio (1992) chamou de "título de nobreza", citado no início deste texto. Os direitos do homem tem de transcender este lugar, tem que se referir à capacidade de resistência. Como afirmou Garcia: "Se existem os direitos do homem, estes não seriam os direitos da vida contra a morte, não seriam os direitos da simples sobrevivência contra a miséria, teriam que ser os direitos da resistência humana. Direitos do imortal, direi, afirmam-se por si mesmos: direitos da resistência contra a contingência do sofrimento e da morte, são estes os autênticos direitos da resistência humana". 
É esta resistência, esta fidelidade àquilo que nos obriga a uma nova maneira de ser que devemos ter como meta neste trabalho que se coloca no terreno problemático entre o não-agir do Estado (direitos de liberdade) e a ação positiva do Estado (direitos sociais), terreno em que alça vôo a Justiça contemporânea. 
REFERENCIAS 
TRINDADE,jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito / 
Jorge trindade, 2, ed.rev. ampl. – Porto Alegre: livraria do advogado ed. 2007 
MIRANDA, Pontes de. À margem do Direito: Ensaio de Psychologia Jurídica. 
Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia./Aillaud, Alves & Cia., 1912. 
MONTESQUIEU, Barão de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 
1973. (Os Pensadores). 
NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. Tradução e notas de Rubens Rodrigues 
Torres Filho. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores). 
OST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Revisão Técnica 
de Carlos Aurélio Mota de Souza. São Paulo: EDUSC, 2005. 
POPOLO, Juan H. del . Psicologia Judicial. Mendonza: Ediciones Jurídicas 
Cuyo, 1996. 
SAUNIER, Roberto Victor. La Psicología Forense en Argentina. In: BRITO, 
L. M. T. (Org.). Temas de Psicologia Jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume- 
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SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. História da Psicologia 
Moderna. Tradução de Suely Sonoe Murai Cuccio. 9. ed. São Paulo: Cengage 
Learning, 2009. 
ULLMANN, Walter. Historia del Pensamiento Político en la Edad Media. 4. ed. 
Barcelona: Ariel, 1997.
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(2011, 04). Manual De Psicologia Jurídica. TrabalhosFeitos.com. Retirado 04, 2011, de http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Manual-De-Psicologia-Jur%C3%ADdica/12617.html

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